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Ana Luiza Cardoso SÍNDROME NEFRÓTICA NA CRIANÇA DEFINIÇÃO ETIOLOGIAS É um conjunto de sinais, sintomas e achados laboratoriais à que se desenvolvem com o aumento patológico exagerado da permeabilidade dos glomérulos às proteínas Proteinúria maciça> 3,5g/dia e hipoalbuminemia (<2,4g/dl) - Quadro clínico completo inclui: edema, hiperlipidemia, lipiludúria. A proteinúria nefrótica classicamente se caracteriza por valores ≥ 50 mg/kg/dia ou ≥ 40 mg/m2/hora. Pela dificuldade de coleta de urina na faixa pediátrica, a tendência atual é a de utilizar a relação proteína/creatinina em amostra isolada, sendo definida como proteinúria nefrótica quando essa relação é > 2 em mg/mg (U P/Cr > 2). - Causas primárias: Lesão histológica mínima (LHM), glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF), glomerulonefrite membranoproliferativa (tipos I, II e III), glomerulonefrite proliferativa mesangial, glomerulopatia membranosa, glomerulonefrite crescêntica; -Pós infecciosa; Colagenoses e vasculites; Neoplasias; Drogas; Processos alérgicos -Outros: Nefropatia por IgA (Berger), síndrome de Alport, cicatriz pielonefrítica do refluxo vesicoureteral, diabete melito, miastenia grave, anemia falciforme, doença inflamatória intestinal crônica, amiloidose, feocromocitoma SÍNDROME NEFRÓTICA IDIOPÁTICA DEFINIÇÃO FISIOPATOLOGIA Cerca de 90% das crianças com síndrome nefrótica apresentam síndrome nefrótica idiopáticaà associada à doença glomerular primária, na ausência de doença ou fármaco identificáveis como causa; A SNI inclui diversos tipos histológicos: - Doença por lesão mínima; Proliferação mesangial; Glomerulosclerose segmentar e focal; Nefropatia membranosa; Glomerulonefrite membranoproliferativa As principais variantes histopatológicas de SNI na criança são a lesão histológica mínima (LHM) e a glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF), observando-se o aumento desta variante nos últimos anos. Cerca de 90% dos casos de SNI primária respondeM à corticoterapia à remissão A grande maioria dos casos de SN apresenta mecanismos etiofisiopatogênicos relacionados com fatores genéticos, disfunção podocitária, disfunção imunológica ou a presença de fatores circulantes A filtração glomerular proporciona, seletivamente, a eliminação de água e escórias e a retenção de proteínas, células sanguíneas e outros elementos da circulação. A excreção de grandes quantidades de proteína através da barreira de ultrafiltração glomerular (BUFG) seria decorrente de agravos diversos sobre seus componentes, determinando aumento da permeabilidade às proteínas plasmáticas. Contribuem para esse fato a perda de cargas elétricas negativas da membrana basal glomerular (MBG), mutações e alterações de proteínas do podócito, desorganização ou disfunção dos componentes da fenda diafragmática, a presença de autoanticorpos, fatores circulantes e diversas anormalidades imunológicas. A anormalidade subjacente na síndrome nefrótica consiste em aumento da permeabilidade da parede do capilar glomerular, que leva à proteinúria maciça e hipoalbuminemiahipoalbuminemia; O podócito desempenha um papel crucial no desenvolvimento da proteinúria e progressão da glomeruloscleroseose lesão dos podócitos ou mutações genéticas nos genes que produzem proteínas do podócito podem causar proteinúria na faixa nefrótica Nas formas idiopática, hereditária e secundária da síndrome nefrótica, ocorrem lesões imunes e não imunes do podócito, que levam ao apagamento dos seus prolongamentos, diminuição no número de podócitos funcionais e alteração da integridade do diafragma em fenda; O resultado final consiste em aumento do “extravasamento” de proteínas DOENÇA POR LESÃO MÍNIMA GLOMERULOESCLEROSE SEGMENTAR E FOCAL Ana Luiza Cardoso Vários autores defendem a existência de um fator circulante secretado pelos linfócitos T dos pacientes com LHM, o qual desencadearia proteinúria maciça e fusão dos processos podais. Afeta a barreira de carga à proteinúria seletiva Os níveis urinários de CD80 correlacionam-se com a atividade da SN na LHM. Alguns autores consideram que a LHM seja um distúrbio de “dois golpes”. O “primeiro golpe” reside na indução podocitária de CD80, por exemplo, por meio de fatores circulantes como citocinas (IL-13), alérgenos, produtos microbianos, os quais induziriam a expressão podocitária de CD80. Esse fato, associado à disfunção dos mecanismos contrarregulatórios que normalmente inibiriam a expressão do CD80, como as células T regulatórias (Treg) e seus produtos (IL-10, CTLA4, TGF-beta), determinariam uma limitação na autorregulação do podócito (“segundo golpe”), perpetuando a proteinúria e a injúria glomerular observada na LHM Caracteriza-se pelo surgimento de esclerose com colapso capilar em menos de 50% dos glomérulos renais (lesão focal) e em partes das alças de cada glomérulo acometido Condições primárias: glomeruloesclerose focal e segmentar idiopática (GEFSI) Condições sistêmicas: anemia falciforme, HAS, HIV, LES, parvovírus É mais grave e menos responsiva a corticoterapia que a DLM Mecanismo: linfócitos T secretam citocina responsável pela lesão dos podocitos Mais grave que na DLM Afeta a barreira de tamanho à proteinúria não seletiva QUADRO CLÍNICO A principal manifestação clínica da SN, embora sua presença não seja essencial para o diagnóstico, é o EDEMA, que, em Lesão histológica mínima (LHM), geralmente é intenso, mole, frio, depressível, sujeito à ação da gravidade, em geral insidioso, podendo evoluir para anasarca e apresentando diversos mecanismos em sua patogênese; A criança não tratada ou que não responde bem à terapia apresenta-se adinâmica, evoluindo com ascite e hepatomegalia; Pode decorrer taquipneia pela compressão torácica; Há derrame pleural e aumento de volume dos genitais, principalmente no sexo masculino; Os cabelos são escassos, finos e quebradiços por causa da desnutrição; A pele é seca e friável com tendência de formação de estrias; A pressão arterial na LHM geralmente é normal, mas, em alguns casos, ocorre hipertensão transitória. No caso de outras glomerulopatias, como a glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF), a hipertensão arterial pode estar presente, sendo necessário o uso de anti-hipertensivos. A presença de distúrbios eletrolíticos (hipocalcemia, hipopotassemia, hiponatremia, etc.) pode se manifestar por alterações clínicas como cãibras; parestesias; síndrome convulsiva. Na GESF e nas outras glomerulopatias manifestações clínicas, como náuseas, vômitos, cefaleia, alteração do sensório, podem estar relacionadas com uremia; A dor abdominal também se manifesta nas grandes descompensações e em situações de hipovolemia ou associadas à peritonite primária ou celulites de parede abdominal É possível observar sinais de descalcificação óssea relacionada às alterações do metabolismo de vitamina D, cálcio e fósforo; A atopia é frequente, com prevalência de processos alérgicos das vias aéreas ou de pele; Essas crianças são propensas à aquisição de processos infecciosos, geralmente infecções de VAS (rinofaringites, sinusites e broncopneumonias), infecções de pele (celulite), peritonites, gastroenterites, ITU e sepse; Os agentes virais frequentemente estão associados às descompensações, podendo favorecer infecções bacterianas secundárias; Os principais agentes bacterianos são o Streptococcus pneumoniae e as bactérias Gram-negativas; DIAGNÓSTICO O diagnóstico de síndrome nefrótica é confirmado por exame de urina com a primeira urina da manhã para a razão proteína: creatinina e determinação dos níveis séricos de eletrólitos, ureia, creatinina, albumina e colesterol; Sedimento urinário: Além de proteinúria, em 25% dos pacientes com LHM, há hematúria, geralmente microscópica. Observa-se cilindrúria relacionada às perdas proteicas e lipidúria. Proteinúria: Considera-se a proteinúria nefrótica acima de 50 mg/kg/dia ou 40 mg/m²/hora. Em amostra isolada de urina,valores > 2 são compatíveis com proteinúria nefrótica. O teste com ácido sulfossalicílico a 10% é um método alternativo e útil, principalmente no acompanhamento ambulatorial. Eletroforese de proteínas plasmáticas: são observados hipoalbuminemia e aumento da fração alfa-2. A IgG, especialmente IgG-1 e IgG-2, apresenta-se muito baixa, e a IgA e a IgM, elevadas. A IgE também pode estar aumentada e observa-se hipogamaglobulinemia na SNI. Ana Luiza Cardoso Colesterol: Os níveis séricos do colesterol total, triglicérides e lipoproteínas acham-se elevados. A hiperlipidemia é consequência do aumento da síntese hepática de colesterol, triglicérides e lipoproteínas; da redução no catabolismo das lipoproteínas decorrente do aumento da atividade das lipases lipoproteicas; da perda urinária de HDL; e da redução da atividade do receptor de LDL. Complemento: Apresenta-se normal na LHM e na GESF Ureia e creatinina: Podem estar elevadas na instalação do edema ou em situações de hipovolemia. Em outras glomerulopatias (p.ex., GESF ou nefrotoxicidade), pode-se encontrar aumento persistente Indicações de biópsia renal (BR): Atualmente, as crianças entre 1 e 10 anos com sintomatologia exuberante e complemento sérico normal devem ser consideradas e tratadas como portadoras de LHM. Nesse grupo, classicamente, aquelas que não obtiverem remissão clínica e laboratorial após 8 semanas de corticoterapia seguidas ou não de 3doses de pulsoterapia com metilprednisolona, desde que não estejam infectadas, devem ser biopsiadas, pois provavelmente apresentam outros padrões histológicos TRATAMENTO TTO INESPECÍFICO TTO ESPECÍFICO Durante as fases de edema ou quando houver hipertensãohipertensão, deve ser recomendada uma dieta hipossódica ou assódica; Na ausência de hipervolemia hipervolemia, a ingestão hídrica é livre/ Na presença de edema, a primeira medida a ser tomada é a restrição sódica; É importante avaliar a presença de evidências de hipovolemia como taquicardia, pulsos fracos, extremidades frias, hipotensão e outros fatores adicionais, como hemoconcentração, elevação desproporcional da ureia e baixa fração de excreção de sódio (< 0,5%); - Nessa situação, realizar infusão de solução salina15 a 20 mL/kg por 20 a 30 minutos e repetir conforme necessário; - A infusão de albumina 20%(0,5a 1 g/kg) é útil para aqueles pacientes que não respondem à expansão inicial. Os diuréticos devem ser evitados; - Quando necessário, nos quadros de anasarca e sem evidências de hipovolemia, introduzir diuréticos tiazídicoscomo a hidroclorotiazida Evita-se a depleção de potássio usando reposição com cloreto de potássio (2 a 4 mEq/kg/dia) ou espironolactona (1 a 5 mg/kg/dia); Naqueles casos resistentes a essa terapia ou com anasarca e hipervolêmicos hipervolêmicos, podem ser A resposta à corticoterapia é um marco importante na resposta terapêutica, estratificando-se a SN em corticossensível e corticorresistente Classicamente, para induzir remissão, utiliza-se prednisona diária (60 mg/m2 ou 2 mg/kg/dia; - máximo de 60 mg/dia, 3 vezes/dia ou dose única) - Durante 4 a 6 semanas (o KDIGO sugere dose única). Caso tenha ocorrido remissão à introduz-se 40 mg/m2 ou 1,5 mg/kg em dias alternados em dose única pela manhã (máximo de 40 mg/dia) por 4 a 6 semanas àEsse esquema é mantido por 6 meses, com diminuição lenta e progressiva da dose, caso a remissão se mantenha. Em casos com recidivas dentro dos 6 meses iniciais, volta-se para o esquema diário, mantido até 3 dias consecutivos após a remissão e, a seguir, reintroduz-se o corticosteroide em dias alternados; Se houver resistência ao tratamento inicial, pode-se utilizar pulsoterapia adicional com metilprednisolona (MP); - 30 mg/kg/dose (máximo de 1 g) em dias alternados, 3 a 6 doses. Caso ocorra remissão completa, prosseguir a corticoterapia em esquema alternado por 1 ano, diminuindo a dose progressiva e lentamente; É importante a vigilância no controle da pressão arterial e o tratamento precoce das infecções àAs infecções funcionam como gatilho para a descompensação da SN O uso de outros imunossupressores, como ciclofosfamida, ciclosporina e levamizol, pode permitir a redução ou a retirada do corticosteroide na condução terapêutica, conforme a resposta do paciente; Em caso de pacientes corticossensíveis, recidivantes frequentes, uma opção válida é a ciclofosfamida (CYC) na dose de 2 mg/kg/dia (máximo de 100 mg/dose e 168 mg/kg de dose cumulativa) em tomada única pela manhã por 60 a 90 dias, associada à corticoterapia em esquema alternado, com doses decrescentes de prednisonaprednisona; Em recidivantes frequentes e com objetivo de redução ou retirada do corticosteroide, uma alternativa é o emprego de levamizollevamizol, que é um imunomodulador; à Caso as recidivas persistam, recomenda-se a biópsia renal e a introdução de outros esquemas terapêuticos. Os inibidores da calcineurina (IC), ciclosporina (CsA) e tacrolimo (TCM) são considerados terapia de primeira linha no manuseio dos SNCR e uma alternativa para corticodependentes e recidivantes frequentes; O emprego recomendado da CsA é na dose de 4 a 5 mg/kg/dia a cada 12 horas Ana Luiza Cardoso associados diuréticos de alça, como a furosemida (1 a 5 mg/kg/dia); Edemas volumosos e persistentes = infusão EV de albumina a 20% (0,5 a 1 g/kg/dia) associada à furosemida (infusão lenta parenteral para redução do potencial de ototoxicidade) Em edemas refratários, associa-se albumina e furosemida parenteral em infusão contínua (0,1 a 0,2 mg/kg/hora ou 1 a 5 mg/ kg/dia); - A coadministração de amilorida (associada a hidroclorotiazida ou clortalidonaclortalidona) pode ser estabelecida. Devem ser monitorados os efeitos colaterais potenciais e graves dos diuréticos; O tratamento antimicrobiano deve ser instituído rapidamente, levando em consideração o foco infeccioso, o estado clínico do paciente e o agente bacteriano. Ana Luiza Cardoso - O KDIGO recomenda seu uso por um período mínimo de 6 meses para avaliação da resposta. Naqueles pacientes com remissão parcial ou completa, os IC são utilizados por, no mínimo, 12 meses. O uso do TCM está indicado para aqueles pacientes que apresentam efeitos adversos à CsA O tratamento da SNCR e da GESF é um dos principais desafios clínicos ao nefrologista pediátrico; A maioria dos regimes terapêuticos nos casos de SNCR utiliza uma combinação de imunossupressor + corticoterapia (p.ex., baixas doses e em dias alternados) + estratégia antiproteinúrica com inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) e/ou bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) BRA); Alternativa terapêutica nos casos de recidivantes frequentes e em alguns casos de SNCR: terapias prolongadas com metilprednisolona + agente alquilante ou a utilização isolada de CsA O emprego do micofenolato mofetil (MMF) é uma alternativa no uso prolongado de esteroides e/ou CsA ou nos pacientes com sinais de intoxicação medicamentosa; - Devem ser considerados os efeitos colaterais (gastrointestinais, hematológicos, maior risco de infecções, etc.). Os IECA e/ou os BRA têm sido usados com relativo sucesso, reduzindo inespecificamente a proteinúria, além de possuírem ação imunomoduladora com potencial redução de fibrose tubulointersticial; - Pode-se associar captopril (0,1 a 1 mg/kg/dia em 2 tomadas), enalapril (0,08 a 0,5 mg/kg/dia em 1 ou 2 tomadas) ou losartana (0,4 a 0,8 mg/kg/dia em tomada única);- Após 15 dias da introdução ou aumento da dose dos IECA ou BRA, deve-se monitorar a função renal e o nível sérico de potássio; - O KDIGO sugere que, nos casos de SNCR, os IECA/BRA sejam inicialmente combinados com os inibidores da calcineurina (IC). Outra medicação alternativa é o rituximabe (RTX), anticorpo monoclonal, anti-CD20; - Relatos de casos demonstram benefício, particularmente em recidivantes frequentes, córtico ou ciclosporina-dependentes e em situações de toxicidadeaos esteroides Vale lembrar que pacientes portadores de mutações genéticas que codificam proteínas estruturais podocitárias não se beneficiam do tratamento com imunossupressores, requerendo tratamento de suporte, monitoração terapêutica e programação para transplante renal, conforme o caso; Sob terapêutica com altas doses de corticosteroides ou outras drogas imunossupressoras, não se podem utilizar vacinas de vírus vivos (varicela, sarampo, caxumba, rubéola, rotavírus e pólio oral); A vacinação contra influenza deve ser aplicada anualmente para os pacientes e seus contatos domiciliares para redução de recidivas e morbidade; A vacinação antipneumocócica é desejável. Ana Luiza Cardoso
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