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APG 16 INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA 1)Definição A doença renal crônica (DRC) emerge como um grave problema de saúde pública, com implicações sociais e econômicas. Em todo o mundo, os custos com terapia renal substitutiva (TRS) consomem parcela significativa do orçamento destinado aos cuidados com saúde. O encargo financeiro é ainda maior quando se avalia a complexa interação da DRC com o risco aumentado de eventos cardiovasculares. A prevalência aumentada de diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica (HAS), responsável por cerca de 709 dos casos de DRC, associada ao envelhecimento da população, contribui para o aumento no número de pacientes com DRC. A doença tem caráter progres-sivo, e a evolução natural para falência renal e necessidade de TRS (diálise e transplante renal) tem sido o infortunado desfecho mais frequentemente observado. Mudar a história natural da DRG dependerá de políticas públicas e privadas de diagnóstico precoce e tratamento de suas complicações e das comorbidades, bem como de estratégias terapêuticas que inibam a progressão das nefropatias. A doença renal crônica está inserida em um contexto clínico amplo que inclui desde a presença isolada de fatores de risco, como hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus, passando por alterações que denotam injúria renal (microalbuminúria), ainda que com preservação de função, até a redução progressiva da filtração glomerular. Dá- se a esse conjunto de situações o nome de doença renal crônica. Define se, assim, DRC como lesão renal por tempo igual ou maior que três meses, caracterizada por anormalidades estruturais ou funcionais dos rins, manifestada por alterações histopatológicas ou por anormalidades nos testes de imagens ou na composição da urina e do sangue, ainda que se tenha preservação da filtração glomerular. A definição de DRC também engloba a redução na taxa ou no ritmo de filtração glomerular (RIG) abaixo de 60 ml/min/1,73 m%, por um período superior a três meses, independentemente da presença ou ausência de lesão renal supracitada. Com o intuito de chamar atenção às medidas preventivas, diagnósticas e terapêuticas, a DRC pode ser classificada conforme os critérios apresentados na Tabela l. Classificação Doença renal crônica é definida pela presença de danos renais ou diminuição da taxa de filtração glomerular abaixo de 60 mL/min/1,73 m2 por três ou mais meses, independente da causa. Pode ser classificada em estágios, e de acordo com a última classificação de 2012 do KDIGO recomenda detalhar a causa da DRO, classificada-a dentro de seis categorias relacionadas com a taxa de filtração glomerular. G1 a G5, sendo que G3 é dividido em 3, 3a e 3b, e também com base no nível de albuminuria (A1, AR e A3). A atual classificação não leva em consideração o fator de risco mais importante, que é a hipertensão arterial sistêmica. Além disso, não determina se a doença é progressiva ou não Albuminúria é um importante marcador para dano renal, Normalmente, a urina contém quantidades diminutas de proteína. No entanto, se os rins estiverem danificados, a proteína pode "extravasar" dos rins para a urina. O tipo de proteína depende do tipo de doença renal. Excreção aumentada de globulinas de baixo peso molecular é um indício de doença tubulointersticial, enquanto excreção de albumina é um marcador de DRC resultante de hipertensão ou diabetes melito. Albuminúria e taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) são os biomarcadores clássicos endossados pela diretriz para a classificação de DRC. Esses biomarcadores são preditores fortes de progressão da doença renal, bem como de doença cardiovascular e mortalidade, mas ainda estão sendo pesquisados novos biomarcadores para aprimorar a identificação precoce de pessoas de alto risco. Além disso, a microalbuminúria pode se destacar em pessoas com aumento do risco relativo de progressão da DRC ou do risco cardiovascular, o risco absoluto do indivíduo permanece baixo. A maior parte dos indivíduos classificados como portadores de DRC tem idade superior a 60 anos, sendo de maior parte, um reflexo da diminuição da função renal relacionada a idade, Desse modo, segundo a classificação atual, um homem de 80 anos classificado como G4A1 é o maior risco de progressão para estágio terminal do que um jovem de 20 anos classificado como G3A2. 2)Epidemiologia No Brasil, a primeira causa de DRC é a hipertensão arterial sistêmica, seguida por diabetes mellitus glomerulonefrite crônica. Na população americana, o diabetes mellitus é a primeira causa de doença renal crônica e compreende 45% dos casos prevalentes, seguido por HAS e glomerulopatias. A doença renal crônica tem elevada prevalência mundial. No Brasil, em último censo reportado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia em janeiro de 2006, a prevalência foi de 383 pacientes por milhão de habitantes (Figura l). Cerca de setenta mil pacientes receberam terapia dialítica em 458 centros de diálise pesquisados, dos 619 centros distribuídos por todo o território nacional Nota-se na Figura 2 que 69% dos pacientes submetidos à terapia dialítica estão nas regiões Sul e Sudeste. Acredita-se que o número de pacientes com DRC estágio 5 seja ainda maior não só pelas diferenças regionais apresentadas, mas especialmente quando se compara a prevalência da doença em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa de prevalência foi de 1.542 pacientes (por milhão de habitantes) no ano de 2004. A DRC possui também elevada incidência. Dados nacionais mostram que o número de casos novos cresce em média 8,8% ao ano, com um custo anual 1,4 bilhão de reais gastos em diálise e transplante renal. O Sistema Único de Saúde (SUS) financia 89,4% dos gastos em terapia dialítica. Nos Estados Unidos, o crescimento anual no número de novos pacientes foi de 89 em 1998, com base em dados do registro americano (United States Renal Data System - USRDS); mas, nos últimos anos, a taxa de crescimento permaneceu estável, em torno de 1% em 2004, o que se tem atribuído às melhorias implementadas nes. se país no que se refere aos cuidados de saúde e à redução de complicações da DRC. Nesse mesmo ano, os gastos com DRC estágio 5 foram de 18,3 bilhões de dólares. Os dados epidemiológicos anteriormente citados provém de registros nacionais e estrangeiros da doença renal concernentes à população de pacientes submetidos à terapia renal substitutiva, isto é, diálise ou transplante renal. Não há registro nacional da verdadeira dimensão da doença renal crônica no Brasil em todos os seus estágios de evolução. Nos Estados Unidos, uma estimativa da prevalência da DRC foi determinada com base em uma amostra populacional de 15.625 adultos americanos não-institucionalizados. A prevalência estimada para os estágios 2 e 3 foi de 3% (5,3 milhões) e 1,3% (7,6 milhões) da população americana, respectivamente. A mortalidade dos pacientes em programa de diálise tem sido calculada em 24% nos Estados Unidos, em 16% no Brasil, em torno de 12-14% na Europa e em 9% no Japão, mas deve-se ter cautela na comparação de tais índices; no Brasil, por exemplo, a população em diálise e mais jovem e tem menor prevalência de diabetes. As principais causas de morte entre os pacientes que recebem terapia renal são as doenças cardiovasculares, seguidas por doenças infecciosas. Nos Estados Unidos, a frequência de internação hospitalar foi de 2,2 admissões por paciente ao ano, no último censo de 2006. Fatores de risco : Cálculos (também chamados de litíase ou pedras nos rins), pielonefrite (infecção dos rins) e câncer de rim são as principais doenças renais crônicas. Essas, quando não tratadas, ou seja, em seus estágios finais, levam à insuficiência renal crônica. De acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), evitar ou controlar suas principais causas é a única forma de prevenir sua ocorrência. Sendo assim, vale a pena conhecer os fatores de risco para doenças renais crônicas e tomar as providências cabíveis. São eles: • hipertensão arterial (pressão alta, acima de 140/90 mmHg); • diabetes mellitus (sejado tipo 1 ou do tipo 2); • obesidade (índice de massa corporal maior do que 30 Kg/m); • doenças cardiovasculares (como infarto, acidente vascular cerebral, doença vascular periférica etc); • tabagismo (fumo); • medicações nefrotóxicas de uso contínuo. Há, ainda, outros complicadores. Tratam-se da idade avançada, da genética e do histórico familiar (de primeiro e segundo graus) para essas patologias. 3)Etiologia e Fisiopatologia Independentemente da etiologia, se de origem imuno mediada ou não, na fase de progressão das doenças renais, tanto mecanismos hemodinâmicos quanto imunológicos estão presentes na fisiopatologia da DROM(Algoritmo 1). A doença renal crônica é uma fase final comum a diversas doenças renais de etiologias heterogêneas, tais como a nefroesclerose hipertensiva (Figuras 4 e 5; a Figura 3 apresenta a histologia de rim normal, para efeito comparativo), a nefropatia diabética (Figura 6), as glomerulonefrites crescênticas por diversas causas a doença renal policística autossômica dominante, as doenças urológicas etc. Ante a redução da massa renal, os néfrons remanescentes sofrem mudanças adaptativas na hemodinâmica glomerular que levam à hipertensão e hipertrofia glomerulares, com aumento na taxa de filtração por glomérulo. No entanto, em longo prazo, esse mesmo mecanismo de adaptação aparentemente benéfico torna-se lesivo, gerando proteinúria, esclerose glomerular e agravamento na perda de massa renal funcionante. De que maneira o aumento da pressão no capilar glomerular leva a progressiva injúria renal tem sido objeto de inúmeros estudos experimentais, que têm permitido postular algumas teorias. Para explicar a chamada teoria hemodinâmica, a hipertensão intracapilar e a hipertrofia glomerular seriam os deflagradores da agressão mecânica ao glomérulo. A tensão mecânica constante sob a parede do capilar gera dano glomerular progressivo, com lesão de podócitos, aumento da permeabilidade e perda da seletividade da barreira glomerular. Além disso, o estiramento mecânico de células mesangiais e endoteliais gera alterações fenotípicas celulares, com síntese aumentada de TGF-beta, de componentes da matriz extracelular e angiotensinogênio, com conseqüente produção aumentada de angiotensina II. Na progressão das nefropatias, a angiotensina II, ao menos em grande parte, é responsável não só pelas alterações hemodinâmicas intraglomerulares, como também inflamatórias. Os efeitos da angiotensina II sob a hemodinâmica renal já são bem conhecidos, com sua ação vasoconstritora maior na arteríola eferente levando a hipertensão intraglomerular para manter a pressão de perfusão glomerular. A angiotensina Il tem efeito imunomodulador, estimulando a síntese de diversos fatores de crescimento como PDGE (plateler-derived growth facfor), TGF-beta (transforming growth factor beta) e FGF (fibroblast growth factor), induzindo a proliferação de células mesangiais e o acúmulo de matriz extracelular. Receptores de angiotensina Il estão presentes na superfície dos podócitos, e sua ativação pode alterar as propriedades contráteis do complexo citoesqueleto dessas células; portanto, a angiotensina II pode alterar, de forma direta e não somente via alterações hemodinâmicas, a permeabilidade seletiva do capilar glomerular permitindo escape de proteínas à luz tubular. A sobrecarga proteica no túbulo também pode gerar mudanças fenotípicas na célula tubular com maior secreção de substâncias vasoativas, citocinas e fatores de crescimento na membrana basolateral, com consequentes inflamação e fibrose intersticial. Os mecanismos fisiopatológicos envolvidos com a progressão das nefropatias são complexos e estão ilustrados no Algoritmo 1. Nos últimos anos, têm-se acumulado evidências do importante papel dos eventos imunológicos também nas nefropatias não-imunomediadas, a exemplo da nefropatia diabética, da nefroesclerose hipertensiva e da glomeruloesclerose segmentar focal (GESF). Em modelos experimentais, a administração do micofenolato mofetil, um imunossupressor de ação antilinfocitária através da inibição da síntese de novo" das purinas, parece atenuar a lesão glomerular e intersticial, e surge como perspectiva no tratamento das nefropatias progressivas. Mais do que um simples marcador de injúria renal, o ultrafiltrado de proteínas parece ser lesivo ao rim, com base em evidências experimentais e em observações dinâmicas que correlacionam o grau da proteinúria com a progressão das nefropatias. Embora ainda não esteja esclarecido em definitivo na literatura médica se a proteinúria é causa ou marcador de gravidade para nefropatia crônica, estudos clínicos têm mostrado um efeito de proteção renal com a redução da proteinúria por estrito controle pressórico, dieta com restrição protéica e terapia farmacológica para inibição da angiotensina Il. Alterações metabólicas parecem desempenhar importante contribuição na progressão da nefropatia diabética; na prática clínica, a hiperglicemia persistente é o distúrbio metabólico reconhecido como fator de progressão na nefropatia diabética. A glicação não-enzimática de proteínas circulantes ou estruturais em decorrência da exposição à glicose leva à produção aumentada dos AGE (advanced glycation endproducts). No rim, já foram identificados receptores dos AGE na célula mesangial, nos podócitos, nas células do túbulo proximal e nos macrófagos, e a ativação desses receptores poderia desencadear uma resposta inflamatória. 4)Manifestações clínicas A progressão insidiosa é a característica clínica da DRC, de modo que o rim mantém a capacidade de regulação da homeostase até fases avançadas da doença. A noctúria, decorrente da perda da capacidade de concentração urinária, costuma ser um dos primeiros sintomas da DRC mas dificilmente é valorizada pelo paciente. Posteriormente, surgem os sintomas decorrentes dos distúrbios hidroeletrolíticos e do acúmulo de escórias nitrogenadas, acometendo diversos sistemas do organismo (Tabela II). A DRC pode ter como primeira manifestação situações emergenciais como tamponamento pericárdico, edema agudo de pulmão, parada cardiorrespiratória, acidose metabólica e hipercalemia graves, convulsões e estados comatosos. Nessas circunstâncias, é comum surgir dúvida sobre a natureza aguda ou crônica da nefropatia. Os distúrbios hidroeletrolíticos, a anemia e os sintomas urêmicos são comuns tanto à insuficiência renal aguda quanto à DRC; para o diagnóstico diferencial, devem-se pesqui-sar: 1) achados ultra-sonográficos compatíveis com nefropatia crônica, como o aumento da ecogenicidade do parênquima renal e a redução do diâmetro renal e da espessura do córtex renal: 2) exame de fundo de olho com evidência de retinopatia diabética ou hipertensiva; 3) a presença de sinais de osteodistrofia renal como a elevação dos níveis séricos de paratormônio. A Tabela III apresenta as alterações laboratoriais presentes na DRO. Acumulação de escórias nitrogenadas A acumulação de escórias nitrogenadas no sangue (ou azotemia) é um sinal precoce de insuficiência renal e, em geral, ocorre antes que se evidenciem outros sintomas. A ureia é uma das primeiras escórias nitrogenadas a acumular-se no sangue e o nível sanguíneo de uréia aumenta progressivamente à medida que a DRC avança. A concentração plasmática normal de ureia é de cerca de 20 mg/d Nos pacientes com insuficiência renal, esse nível pode chegar a 800 mg/df.' A creatinina - um subproduto do metabolismo muscular - é filtrada livremente nos glomérulos e não é reabsorvida nos túbulos renais. A creatinina é produzida a uma taxa relativamente constante e quase tudo o que é filtrado nos glomérulos é eliminado na urina, em vez de ser reabsorvido para a corrente sanguínea. Desse modo, a creatinina sérica pode ser usada como indicador indireto para avaliar a TFG e a extensão da lesão renal associada à DRC. O termo uremia, que significa literalmente "urina no sangue", é usado para descrever as manifestações clínicas da insuficiência renal. Alguns dos sintomas da uremia não se evidenciam antes que sejam perdidos no mínimodois terços dos néfrons renais. Uremia não é o mesmo que azotemia, termo que indica simplesmente acumulação de escórias nitrogenadas no sangue, que é assintomática em alguns casos. O estado urêmico inclui sinais e sintomas de distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos; alterações das funções reguladoras (p. ex., controle da pressão arterial, formação das hemácias e síntese reduzida de vitamina D); e efeitos da uremia na função do organismo (p. ex., encefalopatia urêmica, neuropatia periférica, prurido). Nesse estágio, quase todos os órgãos e estruturas do corpo são afetados. Em geral, os sinais e sintomas iniciais da uremia (p. ex, fraqueza, fadiga, náuseas e apatia) são sutis. As queixas mais graves incluem fraqueza extrema, vômitos frequentes, letargia e confusão mental. Sem tratamento com diálise ou transplante renal, a condição evolui ao coma e à morte. Distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos Os rins participam da regulação do volume de líquidos extracelulares eliminando ou retendo sódio e água. A insuficiência renal crônica pode causar desidratação ou sobrecarga de volume, dependendo do processo patológico da doença renal. Além da regulação do volume, também há redução da capacidade renal de concentrar urina. Um dos primeiros sinais de lesão renal é poliúria com urina praticamente isotônica com o plasma (i. e., densidade entre 1.008 e 1.012) e pouca variação entre as micções. À medida que a função renal declina ainda mais, a capacidade de regular a excreção de sódio é reduzida. Normalmente, os rins toleram amplas variações da ingestão de sódio, embora mantendo níveis séricos normais.Nos casos de insuficiência renal crônica, os rins perdem sua capacidade de regular a excreção de sódio. Há redução da capacidade de adaptar-se a uma diminuição súbita da ingestão de sódio e pouca tolerância a uma sobrecarga aguda de sal. Depleção de volume com redução associada da TEG pode ocorrer quando há restrição da ingestão de sódio ou perda salina excessiva em consequência de diarreia ou vômitos. Perda de sal é um problema comum nos casos de insuficiência renal grave. porque a reabsorção tubular de sódio está reduzida. 3 O aumento progressivo da ingestão de sódio pelos pacientes com insuficiência renal frequentemente aumenta a TFG e melhora qualquer função renal residual. Nos pacientes com hipertensão coexistente a possibilidade de aumentar a pressão arterial ou desencadear insuficiência cardíaca congestiva geralmente exclui a possibilidade de suplementar a ingestão de sódio. Distúrbios do metabolismo do cálcio e do fósforo e doença óssea As anormalidades do metabolismo do cálcio e do fósforo ocorrem nos estágios iniciais da evolução da DRC. A regulação dos níveis séricos do fósforo depende da excreção urinária diária de quantidades iguais às que são ingeridas com a dieta. Quando há deterioração da função renal, a excreção de fosfato diminui e, consequentemente, as concentrações séricas aumentam. Ao mesmo tempo, diminuem os niveis séricos de cálcio, que são regulados em relação inversa com as concentrações séricas do fosfato. Por sua vez, a redução do cálcio sérico estimula a secreção de hormônio paratireóideo (PTH), que aumenta a reabsorção de cálcio dos ossos. Embora os níveis de cálcio sérico sejam mantidos por estimulação da função do PTI, esta adaptação é conseguida à custa do sistema esquelético e de outros órgãos do corpo. A síntese de vitamina D também diminui nos pacientes com DRC. Os rins regulam a atividade dessa vitamina convertendo a forma inativa da vitamina D (25[OH] vitamina Ds) em calcitriol (1,25[OH] vitamina Ds), que é sua forma fisiologicamente ativa. O calcitriol é conhecido por seu efeito supressor direto da síntese do PTH e, por esta razão, niveis mais baixos de calcitriol aumentam as concentrações deste hormônio. Além disso, os níveis baixos de calcitriol diminuem a absorção de cálcio no sistema digestório. A vitamina D também regula a diferenciação dos osteoblastos e, deste modo, dificulta a reposição óssea. Bb A maioria dos pacientes com DRC tem hiperparatireoidismo secundário resultante da estimulação crônica das glândulas paratireoides.2425 Ao longo das últimas duas a três décadas, o marcador bioquímico principal do diagnóstico de DRC tem sido a avaliação da atividade do PTH utilizando uma técnica imuno reativa conhecida como PTH intacto. Doenças ósseas. O termo osteodistrofia renal ou distúrbio da mineralização óssea associado à DRC é usado para descrever as complicações desta doença. 7 As alterações esqueléticas que ocorrem nos pacientes com DRC foram divididas em dois tipos principais de distúrbio: osteodistrofias com turnover ósseo aumentado ou reduzido. Alguns pacientes podem ter predomínio de um tipo de distúrbio ósseo, enquanto outros apresentam osteodistrofias do tipo misto. Dois fatores intrínsecos a esses dois distúrbios são reabsorção anormal e remodelação óssea ineficaz. As formas brandas do metabolismo ósseo anormal podem ser encontradas nos estágios iniciais da DRC (estágio 2), mas se tornam mais graves à medida que a função renal se deteriora em sua evolução ao estágio 5. Distúrbios hematológicos Anemia. Anemia crônica (níveis de hemoglobina < 13,5 g/ d nos homens adultos e < 12 g/dl nas mulheres adultas) é o distúrbio hematológico mais grave associado à DRC.? Afro-americanos e pacientes diabéticos têm incidência ainda mais alta de anemia a cada estágio mais avançado da DRC. As diretrizes da NKF recomendam que os pacientes com TFG menor que 60 mC/min/1.73 m° devam ser avaliados quanto à existência de anemia. A avaliação da anemia e suas causas inclui determinações da hemoglobina, do hematócrito e das reservas de ferro A anemia da DRC é causada por vários fatores, inclusive perdas sanguíneas crônicas, hemólise, supressão da medula óssea por compostos urêmicos retidos e redução da produção de hemácias em consequência da síntese reduzida de eritropoetina e da deficiência de ferro. Os rins são os órgãos principais responsáveis pela síntese do hormônio eritropoetina, que controla a produção das hemácias. Quando há insuficiência renal, a produção desse hormônio geralmente não é suficiente para estimular a formação normal de hemácias pela medula óssea. Entre as causas da deficiência de ferro dos pacientes com DRC estão anemia e restrições dietéticas que limitam a ingestão e a perda sanguínea que ocorre durante a diálise.Quando não é tratada, a anemia causa ou contribui para as queixas como fraqueza, fadiga, depressão, insônia e distúrbio da função cognitiva. Também há preocupação crescente quanto aos efeitos fisiopatológicos da anemia na função cardiovascular.2 A anemia da insuficiência renal diminui a viscosidade sanguínea e causa aumento compensatório da frequência cardíaca. A viscosidade sanguínea reduzida também acentua a vasodilatação periférica e contribui para a redução da resistência vascular O débito cardíaco aumenta em razão de uma resposta compensatória para manter a irrigação sanguínea, principalmente nos pacientes com doença cardíaca coronariana, resultando em angina do peito e outros episódios isquêmicos. Coagulopatias. Os distúrbios hemorrágicos evidenciam-se por epistaxe, menorragia, sangramento gastrintestinal e equimoses na pele e nos tecidos subcutâneos. Embora a formação de plaquetas geralmente esteja normal nos pacientes com DRC, a função plaquetária está deprimida. 17 A função da coagulação melhora com diálise, mas não normaliza por completo, sugerindo que a uremia contribua para o problema. Os pacientes com DRC também são mais suscetíveis aos fenômenos trombóticos Distúrbios cardiovasculares Nos pacientes com DRC, o índice de mortalidade global por doença cardiovascular é muito maior que o da população geral. Mesmo depois da estratificação por idade, a incidência de doença cardiovascular continua 10 a 20 vezes maior entre os pacientes com DRC que na população em geral. Hipertensão. Em geral, a hipertensão é a manifestação clínica inicial da DRC. Os mecanismos responsáveis pela hipertensão associada a DRC são multifatoriais, masincluem aumento do volume vascular, elevação da resistência vascular periférica, redução dos níveis das prostaglandinas vasodilatadoras e aumento da atividade do sistema renina-angiotensina. Estudos demonstraram que o diagnóstico precoce e o controle rigoroso da hipertensão retardam a progressão da disfunção renal associada a alguns tipos de doença renal.233 O tratamento inclui restrições de sódio e água e uso de anti-hipertensivos para controlar a pressão arterial. Muitos pacientes com DRC precisam usar vários anti-hipertensivos para controlar os níveis de pressão. Existe uma classe nova de anti-hipertensivos conhecidos como bloqueadores de endotelina. O uso desses fármacos está em processo de avaliação nos pacientes com hipertensão de difícil controle. Doença cardíaca. O espectro das doenças cardiovasculares associadas à DRC inclui hipertrofia ventricular esquerda e cardiopatia isquêmica. Os pacientes com DRC tendem a apresentar prevalência mais alta de disfunção ventricular esquerda com redução da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (atribuída à disfunção sistólica) e diminuição da fração de enchimento ventricular (atribuída à disfunção diastólica? Vários fatores causam disfunção ventricular esquerda, inclusive sobrecarga de líquidos extracelulares, desvio do sangue por uma fístula arteriovenosa de diálise e anemia. Em especial, a anemia foi relacionada com hipertrofia ventricular esquerda. Quando estão associadas à hipertensão, comumente manifesta, essas anormalidades aumentam o trabalho miocárdico e a demanda de oxigênio, resultando por fim no desenvolvimento de insuficiência cardíaca. Insuficiência cardíaca congestiva e edema pulmonar tendem a ocorrer nos estágios avançados da insuficiência renal. Entre os distúrbios coexistentes implicados como fatores contribuintes para a incidência mais alta de doenças cardiovasculares estão hipertensão, anemia, diabetes melito, dislipidemia e coagulopatias. O PTH também pode desempenhar um papel importante na patogênese da miocardiopatia associada à insuficiência renal. Pericardite. Alguns pacientes com DRC do estágio 5 têm pericardite secundária à uremia e à diálise prolongada. As manifestações clínicas da pericardite urêmica são semelhantes às da pericardite viral com todas as suas complicações potenciais, inclusive tamponamento cardíaco. Os sinais e sintomas iniciais incluem dor torácica branda a grave com agravação durante a inspiração e atrito pericárdico. Febre é variável quando não há infecção e é mais comum com a pericardite associada à diálise do que a pericardite urêmica. Distúrbios gastrintestinais Anorexia, náuseas e vômitos são comuns nos pacientes com uremia, além do paladar metálico que reduz ainda mais o apetite. Náuseas nas primeiras horas da manhã são uma queixa frequente. Os pacientes podem ter úlceras e sangramento da mucosa gastrintestinal e soluços são comuns. Uma causa possível das náuseas e dos vômitos é a decomposição da uréia pela flora intestinal, resultando em concentrações altas de amônia. O PTH aumenta a secreção de ácido gástrico e contribui para os distúrbios gastrintestinais. Em geral, a náuseas e os vômitos melhoram com a restrição de proteínas da dieta e depois de iniciar a diálise e desaparecem por completo após o transplante renal. Distúrbios neuromusculares Alguns pacientes com DRC têm alterações da função do sistema nervoso central e periférico. A neuropatia periférica - ou acometimento dos nervos periféricos - envolve mais comumente os membros inferiores que os superiores. Esse tipo de neuropatia é simétrico e afeta as funções sensorial e motora. A neuropatia periférica é causada por atrofia e desmielinização das fibras neurais, possivelmente causada pelas toxinas urêmicas. A síndrome das pernas inquietas é manifestação clínica da neuropatia periférica e pode ser encontrada em até dois terços dos pacientes em diálise. Essa síndrome caracteriza-se por sensações de prurido, picadas ou "vermes rastejantes", que comumente são mais intensos em repouso. A movimentação das pernas traz alívio transitório. Sensação de ardência nos pés, que pode ser seguida de fraqueza e atrofia dos músculos, é manifestação clínica da uremia. Nos pacientes urêmicos, os distúrbios do sistema nervoso central são semelhantes aos causados por outras doenças tóxicas e metabólicas. Também conhecida como encefalopatia urêmica, essa condição não está bem esclarecida e pode ser causada ao menos em parte pelo excesso de ácidos orgânicos tóxicos, que alteram a função neural. Distúrbios eletrolíticos como as anormalidades dos níveis de sódio também podem contribuir para isso. As manifestações clínicas estão relacionadas mais diretamente com a progressão do distúrbio urêmico, que com o nível dos produtos metabólicos finais. Depressão do nível de atenção e consciência é o sinal mais precoce e significativo da encefalopatia urêmica. Em geral, essas alterações são seguidas de incapacidade de fixar a atenção, perda da memória a curto prazo e transtornos de percepção na identificação de pessoas e objetos. Delirium e coma são anormalidades tardias da evolução da uremia, enquanto convulsões são complicações pré-terminais. Os distúrbios da função motora frequentemente acompanham as manifestações neurológicas da encefalopatia urêmica. Durante os estágios iniciais, geralmente há dificuldade de realizar movimentos delicados com os membros. A marcha do paciente torna-se instável e desajeitada com tremores ao realizar movimentos. Nos casos típicos, os pacientes têm asterix (movimentos de dorsiflexão das mãos e dos pés) à medida que a doença avança. Esse sinal pode ser desencadeado pedindo-se ao paciente para hiperestender os braços no nível dos cotovelos e punhos com os dedos das mãos afastados. Quando o paciente tem asterixis, essa posição provoca movimentos adejantes laterais dos dedos das mãos. Distúrbios imunes Infecção é uma complicação comum e uma causa frequente de internação hospitalar e morte entre os pacientes com insuficiência renal. As anormalidades imunológicas reduzem a eficácia da resposta imune à infecção. Todos os componentes da inflamação e da função imune podem ser afetados negativamente pelos níveis altos de ureia e escórias metabólicas, inclusive com redução das contagens de granulócitos, depressão da imunidade humoral e celular e disfunção fagocitária. A resposta inflamatória aguda e a reação de hipersensibilidade retardada também estão deprimidas. Embora os pacientes com DRC tenham respostas humorais normais às vacinas, pode ser necessário adotar um programa de imunização mais rigoroso. As barreiras cutâneas e mucosas à infecção também podem estar alteradas. Nos pacientes mantidos em diálise, os dispositivos de acesso vascular são acessos comuns para os patógenos. Muitos pacientes com DRC não podem ter reação febril à infecção e isto dificulta o diagnóstico. Distúrbios da integridade da pele As manifestações cutâneas são comuns nos pacientes com DRC.2 Em geral, a pele é pálida em consequência da anemia e pode ter tonalidade amarelo-acastanhada ou amarelada. Em geral, a pele e as mucosas estão ressecadas e é comum encontrar equimoses subcutâneas. O ressecamento da pele (ou xerose) é causado por redução da transpiração em consequência da diminuição do tamanho das glândulas sudoríferas e da redução da atividade das glândulas sebáceas. Prurido é uma queixa comum e resulta dos níveis séricos altos de fosfato e da formação de cristais de fosfato, que ocorre nos casos de hiperparatireoidismo. Escarificação grave da pele e picadas repetidas de agulhas (especialmente para hemodiálise) violam a integridade da pele e aumentam o risco de infecção. Nos estágios avançados da insuficiência renal não tratada, os cristais de ureia podem se precipitar na pele em consequência da concentração alta deste composto nos líquidos corporais. As unhas dos dedos das mãos também podem ficar finas e frágeis. Disfunção sexual A causa da disfunção sexual é multifatorial e pode resultar de níveis altos de toxinas urêmicas, neuropatia, distúrbios da função endócrina,fatores psicológicos e fármacos (p. ex., anti-hipertensivos). É comum que os pacientes tenham alterações das reações sexuais fisiológicas, da função reprodutiva e da libido. Alguns homens em diálise têm impotência. As alterações dos hormônios hipofisários e gonadais - inclusive reduções dos níveis de testosterona e aumentos das concentrações de prolactina e hormônio luteinizante - são frequentes e podem causar disfunção erétil e reduzir as contagens de espermatozoides. A perda da libido pode ser causada por anemia crônica e níveis baixos de testosterona. Vários fármacos como testosterona exógena e bromocriptina têm sido usados na tentativa de normalizar os níveis hormonais. Estudos de pequeno porte demonstraram que o citrato de sildenafila foi eficaz e seguro nos pacientes em hemodiálise crônica. A disfunção sexual das mulheres evidencia-se por níveis anormais de progesterona, hormônio luteinizante e prolactina. Outras alterações relatadas foram fertilidade reduzida, distúrbios menstruais, redução da lubrificação vaginal e várias anormalidades do orgasmo. Eliminação de fármacos Os rins são responsáveis por eliminar vários fármacos e seus metabólitos. A DRC e seu tratamento podem interferir com a absorção, a distribuição e a eliminação dos fármacos.3 A administração de doses altas de antiácidos captadores de fosfato para controlar a hiperfosfatemia e a hipocalcemia dos pacientes com insuficiência renal avançada interfere na absorção de alguns fármacos. Alguns fármacos ligam-se às proteínas plasmáticas (p. ex., albumina para seu transporte na circulação; a fração livre do fármaco fica disponível para atuar nos vários receptores e pode ser metabolizada. A redução das proteínas plasmáticas (especialmente albumina), que ocorre em alguns pacientes com DRC, diminui a fração do fármaco ligado às proteínas e aumenta a fração livre no plasma. No processo metabólico, alguns fármacos formam metabólitos intermediários, que são tóxicos quando se acumulam. Algumas vias metabólicas dos fármacos, inclusive hidrólise, estão reduzidas quando há uremia. Nos pacientes diabéticos, por exemplo, as necessidades de insulina podem diminuir à medida que a função renal deteriora. A eliminação renal reduzida possibilita que fármacos ou seus metabólitos acumulem-se no organismo e exige que suas doses sejam ajustadas proporcionalmente. Alguns fármacos contêm nitrogênio, sódio, potássio e magnésio (elementos indesejáveis) e devem ser evitados nos pacientes com DRC. Por exemplo, as penicilinas contêm potássio. A nitrofurantoina e o cloreto de amônio aumentam o pool de nitrogênio do corpo. Alguns antiácidos contêm magnésio. Em razão dos problemas com posologia e eliminação dos fármacos, os pacientes com DRC devem ser alertados quanto ao uso de preparações farmacêuticas comercializadas sem prescrição. 5)Diagnóstico Muitos pacientes podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos, e o diagnóstico da doença renal crônica inclui necessariamente a realização de exames complementares. É importante salientar que o diagnóstico de DRC pode ser feito mesmo quando a etiologia da doença renal seja desconhecida. O primeiro passo na abordagem do paciente com suspeita de doença renal, após anamnese e exame físico, é determinar se há perda de função e qual o grau de declínio na filtração glomerular; o passo seguinte é identificar fatores de risco para doença renal crônica e sua progressão e evidenciar sinais de injúria renal por meio da análise do sedimento urinário, da pesquisa de proteínas na urina e da avaliação ultra-sonográfica do parênquima renal. Na vigência de déficit de função renal, devem-se buscar causas com potencial de tratamento e reversão, tais como obstrução da via urinária, estenose de artéria renal e doenças imunológicas em atividade, como lúpus eritematoso sistêmico e vasculites Determinação do nível de função renal O ritmo de filtração glomerular (RFG) é considerado o melhor índice de função renal, baseado na evidência de que a filtração glomerular guarda intrínseca relação com as demais funções do néfron. A técnica mais utilizada para sua avaliação é a medida da depuração (clearance) plasmática de certos compostos, endógenos ou exógenos, pelos rins. A determinação rigorosa do REG requer a medida da depuração renal de um marcador que não seja reabsorvido nem secretado pelo túbulo, sendo excretado na urina apenas por filtração glomerular. A depuração renal de inulina é o padrão de referência de medida do REG. A inulina é um polimero de frutose com peso molecular de 5,2 kd e é encontrada na natureza em poucas espécies de plantas, como na alcachofra-de-jerusalém, na dália e na chicória. Possui todos os atributos de um marcador ideal de filtração glomerular: não se liga às proteínas plasmáticas, distribui-se no fluido extracelular, é livremente filtrada pelos glomérulos e inerte ao túbulo, não sofrendo reabsorção nem secreção pela célula tubular renal. A necessidade da realização do exame em condições padronizadas com infusão contínua endovenosa do marcador, o elevado custo do produto para uso endovenoso em humanos e aspectos peculiares da dosagem laboratorial trazem limitações ao uso da depuração renal de inulina na prática clínica, res-tingindo-a praticamente ao ambiente da pesquisa. Os isótopos radioativos Cr-EDIA (ácido etilenodiaminotetracético marcado com cromo-51) e de Tc-DIPA (ácido dietilenotriaminopentacético marcado com tecnécio-99m), bem como os contrastes radiológicos iotalamato (iônico) e iohexol (não-iónico), apresentam excelente correlação com depuração de inulina, mas estão disponíveis em poucos centros hospitalares. A creatinina sérica é o marcador mais utilizado para estimar a função renal, é acessível na maioria dos laboratórios, com técnica simples e rápida de dosagem, além do baixo custo. Entretanto, a medida de creatinina sérica não deve ser utilizada isoladamente quando se avalia função renal, em razão de sua elevação no sangue, em geral, só ser observada quando o clearance declina a valores abaixo de 60 ml/min, sendo de baixa sensibilidade para detectar insuficiência renal incipiente, o que pode gerar sub investigação e sub diagnóstico de DRC. O nível sérico de creatinina também apresenta limitações quanto à acurácia dos resultados, especialmente em populações específicas, com reduzida geração de creatinina, como em idosos e em pacientes com hepatopatias, que podem apresentar nível sérico de creatinina normal, ou próximo ao limite de normalidade dos laboratórios, mas ter sério comprometimento do RFG. A depuração renal de creatinina medida em urina de 24 horas, por sua vez, pode também superestimar a filtração glomerular. Por tratar-se de uma pequena molécula de 113 dáltons e não se ligar às proteínas plasma-ticas, a creatinina e livremente filtrada pelos glomérulos; entretanto, ela é também secretada pela célula tubular proximal, por meio de transportador de cátions orgâni-cos, o que corresponde, em média, a 10 a 20% da creatinina excretada na urina. Essa secreção pela célula tabular é variável num mesmo indivíduo e se eleva à medida que se reduz a filtração glomerular. A depuração renal de uréia pode ser utilizada, mas a reabsorção da uréia no túbulo renal implica subestimação da filtração glomerular. Desse modo, propõe-se que seja utilizada a média aritmética das depurações de uréia e de creatinina para minimizar o erro das medidas isoladas. A National Kidner Foundation (K/DOOI) preconiza o uso de fórmulas ou equações para estimar o REG a partir da concentração sérica de creatinina. A estimativa do RFG por equações não necessita da medida de urina de 24 horas, sujeita a erros de coleta e esvaziamento inadequado da bexiga, e tem o propósito de reduzir a influência dos fatores, não relacionados a filtração glomerular, que determinam a concentração sérica de creatinina, tais como peso, altura, idade, sexo e raça. A medida da concentração sérica de cistatina C tem sido utilizada como marcador de função renal. A cistatina C é uma proteína não glicosilada, da família dos inibidores de cisteínaproteinase, sintetizada por todas as células nucleadas e com um ritmo de produção estável Tem carga positiva e baixo peso molecular de 13,6 kd, sendo livremente filtrada pelos glomérulos e completamente degradada pelas células tubulares proximais, tendo, assim, baixa concentração urinária. Tais caracteres sugerem que a concentração sérica de cistatina C seja determinada por filtração glomerular e, dessa forma, refletiria o RFG. Desde 1985, vários estudos têm observa. do a relação entre cistatina C e filtração glomerular, e avaliado a acurácia e precisão da cistatina C como marcador de função renal, com muitos trabalhos evidenciando uma superioridade da cistatina C em detectar pequenas mudanças na filtração glomerular, em relação à creatinina sérica, em diversas populações. Mais recentemente, alguns estudos têm sugerido que a cistatina C seja preditiva de risco para evento cardiovascular e morte em indivíduos idosos, talvez porque, nessa população, ela possa ser mais sensível em detectar pequenos declínios na filtração glomerular". Algumas situações clínicas, no entanto, parecem influenciar a concentração sérica de cistatina C independentemente da filtração glomerular, como o uso de corticosteróides em altas doses e a presença de disfunção tireoidiana e de neoplasias; ape- sar disso, não está claro na literatura médica se a utiliza. cão da cistatina C como marcador de função renal deve ter limitações na vigência desses fatores clínicos. Marcadores laboratoriais de lesão renal O exame de urina é o primeiro e mais importante teste não-invasivo a ser feito na avaliação inicial de paciente com suspeita de doença renal crônica. Devem-se pesquisar anormalidades no sedimento urinário que sejam indicativas de doenças glomerular, túbulo intersticial e vascular renal. A análise microscópica do sedimento compreende basicamente a pesquisa de células, cilindros e cristais. A hematúria é definida como a presença de quantidade anormal de eritrócitos na urina, acima de 3 a 5 eritrócitos por campo microscópico de aumento de 400 vezes ou até 3.000 hemácias por mililitro, quando a análise é feita por meio de câmaras de contagem. Hemácias com origem no parênquima renal são dismórficas e indicativas de glomerulonefrites proliferativas ou nefrites hereditárias. A presença de grande número de leucócitos, acima de 10 por campo ou 10.000/ml, define piúria e indica inflamação no trato urinário. Embora a infecção seja a causa mais comum de leucocitária, vale ressaltar situações clínicas em que há leucocitúria com cultura de urina negativa (leucocitária estéril), tais como tuberculose de trato urinário, infecção por clamídia, doença glomerular proliferativa difusa, litíase renal, nefrite intersticial aguda (linfomononucleares e eosinófilos) e doença renal ateroembólica (eosinófilos). A cilindrúria, definida como a excreção aumentada de cilindros na urina, nem sempre significa doença renal. Diversas situações clínicas, como desidratação, exercício extenuante, uso de diurético e febre, podem provocar cilindrurias transitórias, que remitem em um período que varia de 24 a 48 horas após desaparecer o estímulo inicial. A excreção aumentada de cilindros hialinos e granulosos pode não ser indicativa de doença renal, no entanto a excreção de todos os outros cilindros (céreos, celulares, gordurosos e cilindros pigmentados) é anormal e indicativa de patologia renal. A urina normal pode conter vários tipos de cristais, como os de ácido úrico, de fosfato ou de oxalato de cálcio, mas nem sempre sua presença tem significado diagnóstico, especialmente quando há refrigeração ou retardo na análise da amostra, com mudança de pil e temperatura. A excreção urinária de proteínas é um indicador sensível de lesão glomerular. A identificação de proteínas na urina pode ser feita inicialmente por meio de fitas reagentes. As fitas, ou dipstiks, constituem teste simples e de elevada especificidade, mas de baixa sensibilidade para diagnóstico de proteinúria, visto que se torna positivo apenas quando a excreção de proteínas excede de 300 a 500 mg/dia. As fitas são sensíveis para detectar a presença de proteínas de carga negativa, como a albumina, e praticamente não detectam proteínas da família das imunoglobulinas. As fitas reagentes também são ineficazes para o diagnóstico de microalbuminúria, cuja definição estabelece nível de excreção de albumina de 30 a 300 mg/dia, abaixo do limiar de sensibilidade do método. A microalbuminúria é um marcador precoce de doença renal e sua medida deve ser solicitada na população de risco para DRC, em especial se a proteinúria for negativa no exame de amostra isolada de urina. Uma vez diagnosticada a presença de proteínas na urina, o segundo passo é quantificar a proteinúria em urina de 24 horas, dado importante tanto para o diagnóstico diferencial entre as doenças glomerulares quanto para o seguimento e a avaliação de resposta terapêutica. O índice proteinúria/creatininúria (mg/mg) é um método alternativo para estimar a excreção de proteínas e são considerados normais os valores abaixo de 0,2, enquanto os valores acima de 3,5 sugerem proteinúria em nível nefrótico. Ultra-sonografia renal A ultra-sonografia das vias urinárias é adequada para definir o diagnóstico de obstrução do trato urinário, de refluxo vesicoureteral, da doença renal policística autossômica dominante (Figura 8) e na diferenciação entre tumores sólidos e cistos renais. Em pacientes que na avaliação inicial de doença renal já se apresentam com perda de função, a ultrassonografia é importante não apenas para afastar obstrução urinária, uma causa potencialmente reversível, como também para identificar sinais radiológicos de nefropatia crônica; a redução de córtex renal e o aumento de ecogenicidade do parênquima renal são sinais ultra-sonográficos característicos do acometimento crônico dos rins (Figuras 9 e 10). Biópsia renal na DRC - quando indicar? A avaliação da histologia renal é um importante instrumento para o diagnóstico, determina o prognóstico e direciona a terapêutica dos pacientes com doença renal. Saber a causa da doença renal tem importância prognós-tica também no transplante renal, uma vez que algumas doenças podem recidivar no enxerto renal. Entretanto, no momento do diagnóstico de DRC, habitualmente, o grau de fibrose glomerular é demasiado avançado para definir o aspecto histológico da doença de base; nessa situação, o córtex renal também está reduzido de tamanho, e o risco de sangramento, decorrente do procedimento percutáneo da biópsia renal, não compensa os potenciais beneficios e, na maioria das vezes, contra-indica o procedimento. 6)Automedicação A automedicação pode ser entendida como a seleção e o uso de medicamentos por pessoas para tratar doenças ou sintomas sem a supervisão ou a prescrição de um profissional, inserida no contexto do autocuidado (Naves, 2010). Já Galato (2012), define a automedicação como o consumo medicamentoso, no qual os indivíduos tratam os seus problemas de saúde com medicamentos aprovados e disponíveis, adquiridos sem prescrição, que sejam seguros e efetivos quando utilizados como indicado por profissionais. Essa prática tem se mostrado muito comum na sociedade e pode estar relacionada a diferentes causas. Dentre elas, pode-se citar a variedade de produtos fabricados pela indústria farmacêutica, a facilidade de comercialização de medicamentos, a própria cultura e comodidade assimilada pela sociedade, a grande variedade de informações médicas disponíveis (Brasil, 2012) e a substituição inadvertida da orientação médica por sugestões de medicamentos provenientes de pessoas não autorizadas, entre estes familiares, amigos ou balconistas em farmácias (MATOS, 2018). Uma preocupante consequência da automedicação são as intoxicações medicamentosas, às quais surgem devido a mecanismos complexos, relacionados a processos farmacodinâmicos e farmacocinéticos envolvidos, por sua vez, com características individuais, com propriedades farmacêuticas do produto e com interações com medicamentos e alimentos(NÓBREGA et al, 2015). No Brasil, o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox/Fiocruz) registrou, apenas em 2017, cerca de 20 mil casos de intoxicação por uso de medicamentos e 50 mortes, correspondendo a uma letalidade de 0,25%. No mesmo ano, os medicamentos foram a primeira causa de intoxicação humana por agente tóxico, sendo responsável por 27,11% do total de casos registrados deste tipo de toxicose. Quanto à faixa etária, percebeu-se uma predominância de crianças menores de 4 anos e jovens adultos (20 a 29 anos) como os grupos que sofreram de envenenamento por medicamentos em 2017 (SINITOX,2020). Nesse contexto, é necessário o delineamento de estratégias para o controle da automedicação, devendo essas estarem focadas na avaliação e no entendimento de como a população adquire, armazena e utiliza os medicamentos, na identificação do perfil das pessoas que se automedicam e no conhecimento dos motivos que levam a população a realizar essa prática.
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