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5º da Constituição (direitos e garantias fundamentais) - Ivan Santiago

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Rio, 24 de fevereiro de 2011 
Direito Penal
Focaremos hoje no artigo 5º da Constituição (direitos e garantias fundamentais) para entendê-lo no contexto do Direito Penal. 
O Direito Penal deve ser visto como o direito que tem o escopo de frear o poder punitivo e não aquele que inicia o ato de punir. O impulso de punir é inerente ao indivíduo, por conseguinte, inerente à própria sociedade. E de um pacto social, surge a idéia de um Estado que impõe limites – define que condutas e que posturas podem ser passiveis a uma punição. O Direito Penal é regulador das condutas que podem vir a sofrer uma repressão. 
A norma penal define o comportamento proibido e delimita uma sanção para tal comportamento. A existência da sanção determinada é importante para que não existir livre arbítrio do juiz, de forma a não existir segurança jurídica. A punição só pode existir dentro dos estritos limites legais – não fica a critério do juiz, ele só aplica a pena prevista em lei e nos seus limites. O Direito Penal, então, determina os limites do que é proibido e os limites da sanção diante do comportamento do que é proibido. 
O sujeito tem o livre arbítrio no sentido de realizar o ato proibido, desde que aceite a punição prevista por lei. O Direito Penal não existe para punir – essa é uma idéia muito autoritária. O Direito Penal visa proteger determinados bens (bem jurídico) impondo a proibição de condutas que possam proteger esse bem. E a proibição deve ter uma pena atrelada para que tenha eficácia. Mas o fim do Direito Penal não é punir e simplesmente punir – a punição é conseqüência do ato do indivíduo que tem um comportamento proibido pelo legislador.
A vontade, enquanto não praticada, não tem consequencias penais. O que pode ser punido é a materialização da vontade. 
Os crimes patrimoniais começam a surgir com a Revolução Industrial (art. 155 e 157 – furto e roubo). Ambos são crimes patrimoniais, que recaem na subtração do que é alheio e móvel. Além da RI, o patrimônio era imóvel (era ligado às terras) – apenas quando o patrimônio passa se constituir de produtos e moedas que o furto e o roubo se tornam criminosos, já que surge a preocupação de salvaguardar essa espécie de patrimônio.
A escolha do que é ou não crime atende a critérios sociais, econômicos, históricos e morais. O que é crime em uma temporalidade e localidade pode não o ser em outra. O adultério, por exemplo, já foi crime – e hoje em dia não é por uma modificação do pensamento da sociedade. Não existe a idéia do crime natural – o comportamento que sempre é e sempre foi crime em todas as sociedades. A definição do crime é fruto do pensamento legislativo, e os legisladores são representantes do povo – logo, é o povo, a sociedade, que define o crime. O tráfico de drogas foi considerado crime gradualmente, evoluindo com a história.
A capoeira já foi crime no Brasil como forma de contenção social de determinado grupo (é um mecanismo de controle social). A vadiagem também era uma conduta delitiva para fazer com que todos os negros tivessem uma ocupação laboral. Até hoje o fato de ter trabalho confere um status para a pessoa. No decreto-lei 3688/41 artigo 59 – existe a descrição da vadiagem. Nos EUA, o consumo da cocaína e da maconha tornou-se crime com a imigração dos latinos, que tinham grande hábito desse consumo. Isso mostra como a escolha dos tipos penais pelos legisladores nem sempre visa o bem comum – às vezes é baseado em interesses. Muitas vezes as modificações legislativas são motivadas por pressões de um grupo minoritário que possui poder. 
O artigo 5º da Constituição contém uma série de disposições penais. Foi importante para o legislador de 1988 apresentar princípios que possam nortear o Direito Penal. A Constituição veda a prisão perpétua – então uma reflexão sempre deve ser feita sobre como se dará a liberdade progressiva dos presos. 
O problema do excesso de delitos no Brasil surge por uma questão da estrutura da sociedade. A impunidade é dada como justificativa para o agravamento das penas – mas é um discurso que desacredita o Direito Penal. É muito mais fácil agravar as penas do que se aprofundar na real problemática inserida naquele problema – as bases sociais. O discurso da impunidade, então, é um discurso que interessa para o governo e para a imprensa (porque gera a idéia de caos, que é o que a imprensa compra). 
CF - Artigo 5º - XXXIX – Diz que não existe crime sem uma lei que o coloque como crime (princípio da reserva legal, da legalidade). O delito deve se enquadrar exatamente na definição descrita por lei – não pode ser uma adaptação. A definição com clareza distingue o lícito do ilícito. A lei é necessária para a criação de crime e de pena. Lei, no caso desse dispositivo, diz respeito a fonte do Direito Penal: apenas a lei ordinária (strictu sensu). É uma garantia do indivíduo que o crime seja definido apenas por lei (lei que tenha passado por todo o processo legislativo). 
CF - Artigo 22 – I – Diz que apenas a União (a instancia federal) pode criar leis penais. Logo, o crime e a pena só podem ser definidos por lei federal. Isso inclui a lei que cria e a lei que modifica. Obs: Fazer remissão no inciso XXXIX do artigo 5º. 
É importante lembrar também que, no Direito Penal, não existe revogação por desuso. Deve existir uma lei que substitua ou que decrete sua invalidade. Tudo que foi dito anteriormente pode ser resumido no princípio da estrita reserva legal. 
Esse princípio está descrito também no Código Penal – Artigo 1º.
O Direito Penal é um direito público – a partir do momento passa a existir, ele recebe a atribuição de punir, de defender os bens jurídicos. A ofensa cometida em um crime é diretamente uma ofensa ao Estado, é uma ofensa social – já que foi o próprio Estado que determinou que aquela conduta é nociva ao convívio social por ofender os bens jurídicos. O bem jurídico é um bem sobre o qual recai uma proteção jurídica colocada pelo legislador. O legislador define o bem e a modalidade de agressão imposta a esse bem que tem relevância penal. O legislador, em suas determinações, expressa a vontade estatal – por isso a punição é exclusividade do Estado (mais um fator que faz do Direito Penal um direito público). A vítima mediata sempre será o Estado (por isso a acusação do Ministério Público na maior parte dos casos), independentemente que quem seja a vítima imediata. O Estado exerce o poder de império sobre o criminoso, o que caracteriza principalmente o caráter público do Direito Penal.
Se existe o princípio da reserva legal, podem existir analogias? Sim, apenas quando ela ocorre a favor do réu (nunca para criar crime ou aumentar pena) – in bonam partem. Um exemplo é o caso do estupro/atentado violento ao pudor – desde o ano passado existe apenas o estupro. Está previsto no artigo 128 o aborto em caso de estupro (é legal). Caso fosse gravidez decorrente de atentado violento ao pudor, pode ser feita a analogia. Essa é uma analogia permitida pelo Direito Penal.

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