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A administração Pombalina e as transformações na Colônia APRESENTAÇÃO O movimento iluminista surgiu na Inglaterra no final do século XVII, mas atingiu o ápice no século XVIII, sendo este conhecido como Século das Luzes. Os iluministas defendiam que somente por meio da razão é que se poderia alcançar o conhecimento, e seus ideais deveriam guiar a reorganização da sociedade para superar o regime absolutista que vigorava em diversos países europeus. Temendo que os ideais iluministas pudessem se chocar com a administração de seus reinos, alguns monarcas iniciaram um movimento que mesclava o regime absolutista com alguns princípios do Iluminismo. Esses monarcas ficaram conhecidos como déspotas esclarecidos. O despotismo esclarecido foi implementado em Portugal pelo Marquês do Pombal, ministro do rei D. José I no período de 1750 a 1777. Responsável por realizar reformas modernizadoras na economia, administração e ensino, tanto de Portugal quanto de suas colônias, o Marquês de Pombal ficou conhecido como um dos maiores estadistas portugueses. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai poder aprofundar seus conhecimentos a respeito das principais ações do Marquês de Pombal, verificando os desdobramentos das reformas pombalinas na colônia portuguesa na América. Além disso, vai ver os impactos das reformas de Pombal no sistema educacional do Brasil Colônia. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Caracterizar as ações do governo do Marquês de Pombal frente às colônias de domínio português. • Identificar a política externa de Pombal em relação ao controle da colônia brasileira.• Analisar o impacto da reforma educacional durante o período pombalino no Brasil Colonial. • DESAFIO Um dos pontos importantes abordados nesta UA é a reforma educacional promovida pelo Marquês de Pombal no Brasil Colônia. As medidas adotadas com relação aos indígenas previam a incorporação dos indígenas à sociedade colonial, desde que estes abrissem mão de seu modo de vida, costumes, crenças e línguas faladas. Analisando hoje, sabe-se o quanto essa prática foi e é prejudicial para a manutenção da cultura indígena. Você é membro do Diretório dos Índios, órgão criado por Pombal em 1757, e precisa propor reformas pedagógicas que serão aplicadas nas comunidades indígenas do período colonial. Quais propostas você apresentaria para a educação indígena, garantindo que a cultura desses povos fosse preservada? INFOGRÁFICO O século XVIII foi muito importante para a história de Portugal. Além do envolvimento português em conflitos e imbróglios externos e da atuação do Marquês de Pombal como ministro do rei D. José I, Portugal se viu mergulhado numa crise econômica de grandes proporções. As principais medidas adotadas por Pombal visavam a recuperar a economia portuguesa, bem como fortalecer o poder do rei. No Infográfico a seguir, você vai ver os principais fatores que desencadearam a crise econômica enfrentada por Portugal no século XVIII. CONTEÚDO DO LIVRO Marquês de Pombal foi um déspota esclarecido, próprio do século em que o absolutismo é dourado pela filosofia das luzes, que governou ditatorialmente, buscando racionalizar e, às vezes, por mais contraditório que fosse, humanizar a administração do reino português. No capítulo A administração pombalina e as transformações na Colônia, Da obra História do Brasil Colônia, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai ver as principais reformas promovidas pelo Marquês de Pombal e os reflexos dessas ações no Brasil colonial. Boa leitura. HISTÓRIA DO BRASIL COLÔNIA Celiane Ferreira da Costa A administração pombalina e as transformações na colônia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Caracterizar as ações do governo de Marquês de Pombal frente às colônias de domínio português. Identificar a política externa de Pombal em relação ao controle da colônia brasileira. Analisar o impacto da reforma educacional no período pombalino no Brasil colonial. Introdução Sob influência do pensamento iluminista, alguns governantes europeus buscaram modernizar seus governos, sem, contudo, abandonar o Abso- lutismo. Essa prática, que mesclava reformas na administração, no ensino e na economia, ficou conhecida como despotismo esclarecido e foi em- pregada na Rússia, pela rainha Catarina II, na Prússia, pelo rei Frederico II, na Áustria, pelo rei José II, e em Portugal, no reinado de D. José I. No século XVIII, a situação de Portugal no contexto internacional era muito delicada, agravando-se ainda mais com a progressiva queda na produção aurífera em Minas Gerais. Frente a isso, foram adotadas algumas medidas visando gerar mais recursos para o reino e superar a crise econômica. As modernizações e reformas em Portugal foram implantadas pelo Marquês de Pombal, que atuou como Primeiro-Ministro do rei D. José I no período de 1750 à 1777. Neste capítulo, você vai estudar a crise que assolou Portugal no século XVIII e as medidas adotadas pelo Marquês de Pombal para recuperar a economia portuguesa, revisando principalmente as reformas propostas com relação à colônia portuguesa na América. Por fim, você vai examinar os reflexos da reforma pombalina na educação do Brasil colonial. 1 Portugal e as reformas do marquês O território que hoje corresponde ao Brasil foi a colônia mais valiosa para Portugal no período da colonização. Assim como Portugal, a Espanha também se benefi ciou com os lucros extraídos das suas colônias na América. Para melhor compreender a extensão dos domínios português, vejamos o que diz o historiador Francisco Calazans Falcon (2001, p. 228): O “Império Português”, no início do século XVIII, compreende os territó- rios metropolitanos e os domínios ultramarinos, uma área semiperiférica que constitui um dos vários “subsistemas” do Sistema Mundial Moderno, capitalista e europeu. No interior desse subsistema, destaca-se o espaço luso-atlântico, por sua riqueza e dinamismo econômicos, envolvendo as relações de Portugal com a América portuguesa e as feitorias situadas no litoral africano. Mesmo com os lucros advindos de suas colônias ultramarinas, as monar- quias ibéricas passaram a enfrentar a concorrência das potências europeias França, Inglaterra e Holanda. A rivalidade entre essas três potências deu a tônica de todo o século XVIII, destacando-se a disputa entre França e Inglaterra. Enquanto os franceses exerciam forte influência sobre outras monarquias europeias, como a Espanha, a Inglaterra conquistava vantagens no mundo ultramarino. Os reis portugueses se mantiveram neutros nesses conflitos enquanto foi possível. No entanto, a frágil economia portuguesa impedia o governo luso de resistir por muito tempo às pressões externas. Pressionados desde meados do século XVII, os reis portugueses se aproximaram dos ingleses, assinando tratados comerciais que beneficiavam a Inglaterra. Dependentes das manufaturas inglesas, os portugueses assinaram com a Inglaterra, em 1703, o Tratado de Methuen, “[...] nos termos do qual os tecidos de lã ingleses e outras manufaturas de lã seriam admitidos sem restrições em Portugal, [...] enquanto os vinhos portugueses entrariam em [sic] Inglaterra pagando dois terços dos direitos pagos pelos franceses” (MARQUES, 1996, p. 358). Podemos considerar que a assinatura do tratado foi mais benéfica para a Inglaterra, uma vez que a quantidade de tecidos que os portugueses importavam da Inglaterra era muito superior à quantidade de vinhos que os ingleses importavam de Portugal. A administração pombalina e as transformações na colônia2 O historiador Francisco Calazans Falcon (2009) analisa em seu artigo “O império luso- -brasileiro e a questão da dependência inglesa...” (confira a seção Leituras Recomenda- das, ao fim deste capítulo) as relações entre Portugal e Inglaterra no século XVIII, com ênfase parao reinado de D. José I, o qual corresponde também ao período em que o Marquês de Pombal atuou como seu Secretário de Estado. Falcon traz como pano de fundo o Tratado de Methuen para verificar as questões que marcaram os conflitos econômicos entre Portugal e Inglaterra. Para saldar seus dividendos, seja com a Inglaterra ou demais países eu- ropeus, os portugueses contavam com o ouro que era extraído do Brasil. No entanto, de acordo com Ciro Flamarion Cardoso (2000, p. 111) “[a] década começada em 1750 marcou ao mesmo tempo o auge e o início do declínio da produção aurífera brasileira”. Com a queda na produção aurífera na região das Minas Gerais, a crise econômica portuguesa se acentuou. Frente a isso, coube a Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, organizar e implementar reformas econômicas e administrativas para gerar mais recursos para a Coroa portuguesa e superar a crise. Marquês de Pombal nasceu em Lisboa, no ano 1699. Oriundo de uma família de fidalgos (uma escala menor entre os nobres), ascendeu à nobreza graças ao seu segundo casamento, com a condessa austríaca Maria Leonor Ernestina Daun, caindo nas graças da rainha Maria Ana, esposa do rei D. João V, que também era austríaca. À época do casamento, 1746, Pombal ocupava o cargo de enviado português em Viena. Em 1749, com o rei D. João V já enfermo, a rainha regente, Maria Ana, chamou Pombal para retornar à Lisboa e ocupar o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Com a morte de D. João V, em 1750, seu herdeiro, D. José I, assumiu a Coroa portuguesa e manteve Pombal no Ministério. Após o terremoto que arrasou Lisboa, em 1755, o rei deu “autoridade virtualmente completa ao ministro” (MAXWELL, 1996, p. 4). Sobre o terremoto que destruiu cerca de metade da cidade de Lisboa, na manhã de 1º de novembro de 1755, Marques (1996, p. 386) comenta: A parte mais importante da capital caiu em ruínas, incluindo o palácio real, numerosas igrejas e casas religiosas, o Hospital para Todos-os-Santos, a Ópera e as ruas e bairros mais opulentos. Em vez de ordenar a reedificação 3A administração pombalina e as transformações na colônia da cidade de acordo com a traça anterior, o futuro Marquês de Pombal de- cidiu que ela se fizesse segundo conceitos totalmente novos em urbanismo e arquitetura. Nesse período, o cargo de Secretário de Estado dos Negócios Interiores do Reino (equivalente ao cargo de Primeiro-Ministro) era ocupado por Pedro da Mota e Silva, que faleceu dias depois do terremoto. O cargo de Primeiro-Ministro foi então assumido por Pombal (SOARES, 1983). Pombal liderou a reconstrução dos bairros de Lisboa e impôs um plano que eliminou ruelas e becos, os quais foram substituídos por grandes ruas que obedeciam a um traçado geométrico. Todos os que desejassem construir edifícios nessa parte da cidade deveriam obedecer ao plano desenvolvido por Pombal. O plano urbanístico ainda previa construções de linhas retas e calçadas iguais para todos, e proibia qualquer detalhe externo que su- gerisse a condição social do proprietário. Resistências eram punidas de forma enérgica pelo governo. De acordo com Soares (1983, p. 137) “[o] terremoto fizera um estadista. A reconstrução de Lisboa será o capital político do Primeiro-Ministro, a base de sua celebridade, o penhor de sua obra administrativa”. Em 1759, Pombal foi nomeado pelo rei como Conde de Oeiras e em 1769 finalmente recebeu o título de Marquês de Pombal. Como reforça Maxwell (1996, p. 2), “[...] essa condição nobre não foi recebida como herança, mas obtida como recompensa por serviços prestados ao monarca e ao Estado português”. Dotado de enorme prestígio com o rei, Pombal realizou outras reformas, além da reconstrução de Lisboa, com o objetivo de ampliar o poder da monarquia, solucionar a crise econômica e diminuir o poder e os privilégios do clero e da alta nobreza de Portugal. As reformas pombalinas para as colônias portuguesas Na visão de Pombal, o crescimento das indústrias, do comércio e da produção agrícola de Portugal decorreria da exploração de seus domínios ultramarinos, do aumento da arrecadação fi scal e do combate ao contrabando. Para que isso fosse possível, “Pombal aventurou-se em um plano ambicioso para restabelecer o controle nacional sobre todas as riquezas que fl uíam para Lisboa, vindas dos domínios ultramarinos de Portugal” (MAXWELL, 1996, p. 95). Para Pombal, o rígido controle exercido sobre as colônias e o fortalecimento do Pacto Colonial seriam uma forma de garantir maior arrecadação para os cofres portugueses. Para tanto, as Companhias de Comércio teriam vital importância: A administração pombalina e as transformações na colônia4 Durante o governo do Marquês de Pombal, adotou-se, mais conscientemente e num sentido mercantilista, o princípio do monopólio, confiado a companhias privilegiadas. Os tráficos com a Ásia, o Brasil e a África foram sujeitos à doutrina monopolista: Companhia para o Comércio com o Oriente, Companhia do Grão- -Pará e Maranhão, Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, Companhia para o Comércio dos Mujuas e dos Macuas (Moçambique) (MARQUES, 1996, p. 359). Essas companhias tiveram sua utilidade para que a balança comercial por- tuguesa pudesse se equilibrar, ou ao menos tender para isso, a partir de 1761. Contribuiu também a criação do Erário Régio, em 1761, apontada por Maxwell (1996, p. 98) como “[...] o elemento-chave no esforço global de Pombal com vistas à racionalização e à centralização”. O Erário Régio tinha atribuições de superintendência de todas as contas públicas, métodos atualizados de controle e maior centralização e eficácia. Pombal se autointitulou Inspetor-Geral do Tesouro, cujo objetivo era centralizar os assuntos do Ministério das Finanças, responsável pela administração fiscal. “A criação do Erário Régio marcou a culminação da reforma, por Pombal, da máquina de receita e coleta do Estado” (MAXWELL, 1996, p. 98). Nas colônias, o Erário Régio tinha a função de cobrar impostos, combater a sonegação e o contrabando. A política centralizadora de Pombal chocava-se com a autonomia demons- trada pelos jesuítas da Companhia de Jesus, que atuavam na metrópole e nas colônias portuguesas e se submetiam ao Papa, e não ao rei de Portugal. Nas colônias, os jesuítas deram especial atenção à implantação de escolas. Os jesuítas recebiam subsídios do governo português e, em troca, comprometiam- -se a catequizar os nativos e instruir tanto os nativos quanto os mestiços e os filhos dos colonos portugueses. A ação catequética era fundamental para o fortalecimento da Igreja diante da expansão do protestantismo. A Companhia de Jesus, ordem religiosa formada por padres jesuítas, foi fundada por Inácio de Loyola em 1534. A Ordem não foi criada apenas com fins educacionais; aliás, é provável que esse objetivo nem figurasse em seus propósitos originais, que priorizavam a confissão, a pregação e a catequização. Aos poucos, porém, a educação ocupou um dos lugares mais importantes, senão o mais importante, entre suas atividades. Atuando como um dos principais instrumentos da Contra-Reforma, a Companhia tinha como objetivo aplacar o grande avanço protestante da época. Para isso, lançou mão de duas estratégias: a educação de europeus e indígenas e a ação missionária e proselitista, visando converter à fé católica os povos das regiões que estavam sendo colonizadas (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006). 5A administração pombalina e as transformações na colônia A expansão cristã na África e na Ásia se deu, em grande medida, graças à atividade missionária da Companhia de Jesus, que atuava em vastas regiões das colônias portuguesas, de acordo com Marques (1996, p. 321): Em meio século, os jesuítas criaram missões por toda Ásia e África Oriental, de Moçambique ao Japão, alcançando a Índia central e setentrional e a maior parte da China até o distante Tibete. Por 1623, a organização jesuítica no Oriente compreendia quatro ‘províncias’: Goa abrangendo a África Orientale a Etiópia, a Índia ao norte de Goa e o Tibete; Malabar, com a Índia ao sul de Goa, Ceilão, Bengala, Malaca e a Indonésia; China com a maior parte deste país; e finalmente Japão, incluindo as ilhas nipônicas, a China meridional, a Indochina e as Celebes. A ampla atuação dos jesuítas dificultava o projeto centralizador de Pombal, que aproveitou o envolvimento de alguns padres em um fracassado atentado contra o rei D. José I para ordenar o sequestro dos bens da Companhia de Jesus em Portugal e nas colônias. Sobre a tentativa de regicídio em setembro de 1758, Maxwell (1996, p. 79) comenta: O rei Dom José regressava ao palácio após uma visita vespertina à sua amante, esposa do marquês Luís Bernardo Távora, quando atiraram contra a sua carru- agem. O rei foi ferido de modo suficiente sério para que a rainha assumisse a regência durante a sua repercussão. Houve um silêncio oficial sobre o incidente até o início de dezembro, quando, numa grande operação de batidas policiais, muitas pessoas foram presas, inclusive um grupo de líderes aristocratas. Os prisioneiros mais proeminentes eram membros da família Távora, o duque de Aveiro e o conde de Atouguia. Sobre os ferimentos do rei, Soares (1983) indica que o D. José I foi ferido no peito, no ombro e no braço direito. A versão oficial divulgada sobre o incidente foi que, “[...] quando se encaminhava para o quarto da rainha, D. José I caíra desastradamente e fraturara o braço direito” (SOARES, 1983, p. 183). No dia em que os supostos envolvidos na tentativa de regicídio foram presos, “[...] os estabelecimentos jesuíticos foram cercados e invadidos por autoridades judiciárias” (SOARES, 1983, p. 212). Ainda de acordo com Soares, o duque de Aveiro, um dos presos sob acusação de regicídio, teria confessado, sob tortura, que os jesuítas estavam envolvidos na tentativa de assassinato do rei. Em carta enviada por D. José I para o Papa Clemente XIII, em abril de 1759, o rei anuncia sua decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de todos os seus territórios da América, da Ásia e da África. As escolas jesuíticas foram fechadas e os padres dessa ordem religiosa foram mantidos presos até A administração pombalina e as transformações na colônia6 embarcarem para a Itália. De acordo com Soares (1983, p. 213), em setembro de 1759, 133 jesuítas foram embarcados num navio e desembarcados em território pontifício. A perseguição à Companhia de Jesus foi apenas um dos aspectos do plano de governo português para eliminar o poder político da Igreja e submetê-la ao Estado laico, de acordo com o pensamento iluminista do século XVIII. Após a expulsão, o governo adotou diversas medidas referentes à religião e ao ensino (setores que até então estavam nas mãos dos jesuítas): em 1769, o tribunal da Inquisição foi convertido em tribunal régio; em 1773, foi abolida a distinção entre “cristãos-novos” (judeus conver- tidos ao catolicismo) e “cristãos-velhos” (católicos); foi retirada do tribunal da Inquisição a competência sobre a censura de livros, que passou a ser feita por um novo órgão do governo português, criado em 1768, denominado Real Mesa Censória; o ensino laico foi implantado por meio de uma reforma ocorrida entre 1759 e 1772, que englobou desde o estudo primário até a Universidade de Coimbra. Em 1761, Pombal determinou a abolição da escravidão dos indianos e decretou também o fim do tráfico negreiro para a metrópole (MARQUES, 1996, p. 373). A partir de 1762, acontecimentos externos complicaram a ad- ministração pombalina, pois, ainda que Portugal tenha tentado manter sua postura de neutralidade diante dos conflitos europeu, o país foi arrastado para a Guerra dos Sete Anos (conflito entre a Inglaterra, que tinha Portugal como aliado, e a França, que contava com o apoio da Espanha). As relações de Portugal com a Áustria, obviamente, foram afetadas de modo adverso pelas mudanças ocorridas na situação europeia e, com a ascensão de Bourbon Carlos III ao trono da Espanha em 1759, a posição de Portugal foi se tornando cada vez mais precária à medida que se criavam condições para o Pacto da Terceira Família entre a França e a Espanha (agosto de 1761). Os objetivos franceses, que agora se estendiam à Península Ibérica, incluíam o de impedir a entrada do comércio britânico ao continente, inclusive fechar o acesso britânico aos portos de Portugal no Atlântico, forçando assim Portugal a sair da neutralidade para entrar na disputa (MAXWELL, 1996, p. 119). Em 1762, a Espanha invadiu Portugal e trouxe à tona algo que Pombal se empenhara em camuflar: a dependência portuguesa em relação à Inglaterra. Ainda em 1962, foi publicada em Londres uma carta anônima destinada ao 7A administração pombalina e as transformações na colônia rei de Portugal. Na carta, o rei português era advertido de que, se a França e a Espanha dominassem Lisboa, os ingleses se veriam no direito de ter acesso direto ao Brasil, e para tal o monarca português e toda sua corte deveria ser transferida para o Brasil. Tal articulação não se realizou nesse momento, ainda que o território português tenha sido invadido pelos espanhóis, mas se concretizou em 1808, quando a corte portuguesa foi transferida para o Brasil por conta de disputas, novamente, entre França e Inglaterra. A invasão espanhola em Portugal alterou os rumos da administração pombalina na colônia americana. Pombal visava criar companhias monopo- listas em todo o território colonial, para fortalecer o Pacto Colonial e trazer mais receitas para os cofres português. Tal medida, no entanto, prejudicaria os interesses da Inglaterra na colônia, visto que os ingleses não poderiam vender seus produtos manufaturados para os colonos brasileiros. Buscando salvaguardar um bom relacionamento com a Inglaterra, Pombal acabou criando apenas duas companhias monopolistas, a do Grão-Pará e Maranhão e a de Pernambuco e da Paraíba, conforme veremos adiante. 2 As ações do Marquês de Pombal no Brasil Colonial As reformas pombalinas tiveram um grande impacto no Brasil, que tinha se tornado a colônia portuguesa mais lucrativa graças à exploração aurífera. O ouro extraído da região das Minas Gerais era a principal renda dos portugueses para saldar suas dívidas, principalmente com os ingleses. Portugal obtinha esse ouro por meio da cobrança de altas taxas e impostos. Durante a administração do Marquês de Pombal, foram tomadas várias medidas em relação ao Brasil que acabaram por aumentar a pressão portuguesa na colônia americana. Nesta seção, analisaremos os impactos das reformas pombalinas em dois aspectos: econômico e político-administrativo. A expulsão dos jesuítas dos territórios portugueses viria a ter grande impacto no Brasil e na reforma educacional na colônia. Esse item será analisado na próxima seção, pois carece de uma análise mais profunda. Reformas econômicas A economia colonial foi marcada, na primeira metade do século XVIII, por oscilações entre longos períodos de estagnação e crise — de acordo com a demanda e os preços do açúcar no mercado internacional — e curtos períodos A administração pombalina e as transformações na colônia8 de prosperidade relativa, ainda que antes de 1750 o setor agromercantil da colônia já estivesse em crise (FALCON, 2001). Comparando o setor minerador ao agroexportador, o primeiro se expandiu rapidamente até a década de 1730, sendo a década de 1740 o período em que a exploração aurífera atingiu seu ápice. No entanto, já nos anos 1730 notavam-se sinais do provável esgotamento das minas. O setor minerador, após uma breve recuperação nos anos de 1750, mergulha em profunda crise, sobretudo nos anos de 1760–1770. A queda da arrecadação proveniente da cobrança do “quinto” abala as finanças do Estado e compromete a balança comercial de Portugal com a Inglaterra e outros países. Os apertos da nova conjuntura, agravados pela guerra com a Espanha, imprimem novos rumos ao “reformismo ilustrado”, na metrópole e na Colônia (FALCON,2001, p. 231). Com a extração do ouro nas Minas Gerais começando a diminuir, prejudi- cando ainda mais a delicada situação econômica de Portugal, Pombal tomou uma série de medidas para aumentar o controle sobre a arrecadação do ouro. Foi imposto nas regiões mineradoras a cobrança de 100 arrobas de ouro por ano (equivalente a 1,5 tonelada). Caso os mineradores não pagassem a quantia estipulada, seria decretada a derrama (confisco dos bens da população até completar o valor devido). Porém, à medida que as minas se exauriam e a arrecadação diminuía, as rendas da Coroa eram prejudicadas, aumentando as suspeitas de sonegação e o aumento no rigor das cobranças (HOLANDA, 2008). Com relação à exploração de diamantes, foi declarado o monopólio régio, ou seja, somente o governo poderia explorar as minas de diamantes. Para tanto, foi fundado o Distrito Diamantino, cercado e rigidamente vigiado para impedir a circulação de pessoas não autorizadas. Contudo, o ouro não era o único produto que passava por maus momentos. Conforme salienta Sérgio Buarque de Holanda (2008), a produção de açúcar sofria com a tributação excessiva e com a concorrência do açúcar produzido pelos holandeses nas Antilhas; o pau-brasil já não garantia o êxito na economia local; com a produção de açúcar declinando, os escravos do nordeste eram enviados para a região das Minas e faltavam embarcações para levar a produção para Europa. A metrópole portuguesa precisava de estratégias para recuperar sua fra- gilizada economia. Uma das primeiras medidas adotadas pelo reformismo pombalino foi a criação das Casas de Inspeção do Tabaco e do Açúcar, em 1751, para solucionar dificuldades nas exportações desses produtos. Já no ano de 1755 foi criada a Junta Comercial, órgão que controlava a saída das frotas, impedia que comissários estrangeiros fossem aos portos brasileiros, 9A administração pombalina e as transformações na colônia combatia o contrabando e fiscalizava o peso e a qualidade dos rolos de tabaco e das caixas de açúcar. “Assim, todo o tráfico ultramarino estava sob a sua alçada: a organização, o controle e fomento do comércio colonial, inclusive a construção de navios, no Reino e no Brasil” (FALCON, 2001, p. 232). Para garantir o fomento à produção metropolitana, foi permitida a instalação de algumas manufaturas de beneficiamento na colônia. Visando fortalecer o Pacto Colonial, que garantia o monopólio do comércio metrópole-colônia, foram criadas as Companhias de Comércio, com o objetivo de controlar a circulação dos produtos, incentivar as produções coloniais de interesse comercial e controlar o tráfico de escravos. Pombal organizou a criação de duas companhias, a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba. A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, criada em 1755, tinha o privilégio de atuação por 20 anos. Ela funcionou entre 1756 e 1778, quando foi abolida. Sua função era diversificar a produção regional (cacau, café, arroz e açúcar, em menor medida). A Companhia foi responsável por introduzir quase 15 mil escravos no Grão-Pará, em mais de duas décadas. Mesmo concedendo facilidade de créditos, a pobreza da região fez com que muitos escravos fossem enviados paras as minas do Mato Grosso (CARDOSO, 2000). Estabelecida a companhia no Grão-Pará, Pombal empenhou-se em restabelecer o controle sobre a economia num dos principais centros brasileiros de comércio e produção do açúcar: as capitanias de Pernambuco e da Paraíba. Criada em 1759, a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba tinha como principais objetivos “[...] reativar a agricultura de exportação, o tráfico de escra- vos e o consumo de mercadorias europeias no Nordeste do Brasil” (CARDOSO, 2000, p. 118). Inicialmente, as duas companhias deram resultados positivos para a Coroa portuguesa, garantindo a introdução de novos produtos para exportação e mão-de-obra. De acordo com Maxwell (1996, p. 97): Na altura de 1760, a exportação de algodão havia começado em São Luís, por exemplo, enquanto em 1767 se iniciava a exportação de arroz. A pro- dução de algodão logo excedeu a demanda metropolitana e proporcionou valiosas reexportações para Roterdam, Hamburgo, Gênova, Ruão, Marselha e Londres. Os produtos exportados de Belém, em especial o cacau, também aumentaram de volume e valor. E coisa incomum para uma época mercanti- lista, o governo português encorajou o processamento e a manufaturação na colônia.[...] No lapso de uma década, uma frota mercante de 43.400 toneladas, com 124 embarcações, havia sido construída e transportava mercadorias europeias, produtos da Amazônia e escravos africanos ao longo de rotas de comércio que abrangiam Bissau, Angola, a Europa, o litoral brasileiro e o Oceano Índico. A administração pombalina e as transformações na colônia10 Já em Pernambuco, a companhia investiu na reabilitação de muitos enge- nhos, elevando seu número de 207 para 320, em 1780. Foi também restabelecido o cultivo do tabaco, contando com subsídios e garantias de preços para os produtores. Para garantir a competitividade do couro pernambucano diante do produto advindo das províncias espanholas, as tarifas alfandegárias foram isentas (MAXWELL, 1996). Apesar dos benefícios apresentados, muitas campanhas de oposição foram feitas contra a permanência das Companhias. Os colonos acusavam a Companhia de Pernambuco de vender produtos e escravos a preços exorbitantes, repassar mercadorias deterioradas, desvalo- rizar os produtos regionais, fraudar as rendas aduaneiras, não assegurar as capitanias de Pernambuco e da Paraíba, elementos esses indispensáveis para que se restaurassem, dentre outras queixas (HOLANDA, 2008). Esse descon- tentamento gerado com a criação das Companhias esteve na base de vários movimentos contra o domínio português ocorridos ao longo do século XVIII. Reformas político-administrativas Para consolidar o domínio português das fronteiras do norte e do sul da Amé- rica portuguesa, Pombal propôs integrar os indígenas à sociedade colonial. Para que houvesse essa integração, os casamentos entre colonos e nativos passaram a ser regidos por uma lei promulgada em abril de 1755, “[...] na qual se declarava que todos os brancos que se casassem com índias não fi cariam ‘com infâmia alguma’” (SILVA, 1986, p. 225). O estímulo aos casamentos entre indígenas e colonos visava multiplicar a população e ocupar de maneira mais efetiva os territórios coloniais, especialmente as regiões de fronteiras, onde frequentemente ocorriam choques com os colonos espanhóis. Essa política adotada por Pombal contrariava a política racial seguida até então pelos jesuítas, que evitava a miscigenação indígena com os brancos, embora apoiassem os casamentos entre indígenas e negros. Em 1757, Pombal colocou em execução o Diretório dos Índios, dando continuidade ao estímulo de incorporar os indígenas ao que ele considerava civilização, ou seja, ao modo de vida dos colonizadores. As principais deter- minações do Diretório eram: substituir a utilização da língua geral — língua de base tupi que era amplamente falada no Brasil — pela língua portuguesa; promover a transformação gradativa das aldeias indígenas em vilas que seriam governadas por um líder local e por um administrador nomeado pelo governo português; 11A administração pombalina e as transformações na colônia permitir que os colonos brancos residissem nessas vilas e se casassem com mulheres indígenas; estimular os indígenas a abandonar seus costumes e aderir aos dos colonizadores, tanto em relação às atividades produtivas (como a agri- cultura e o comércio) quanto em relação ao modo de vida (assimilar a noção de propriedade individual, falar apenas o português, vestir-se como os colonizadores, etc.). Em 1758, a escravidão indígena foi proibida, medida esta que estimulou o tráfico de escravos africanos para o Brasil, atividade que viria a gerar muitos lucros para a Coroa portuguesa. O Diretório dos Índiosfoi abolido em maio de 1798, por determinação régia. A carta régia apregoava que não fossem feitas guerras contra os indígenas, exceto em caso de defesa e, ainda assim, em casos extremos (SILVA, 1986). No âmbito das reformas político-administrativas, percebe-se que algumas delas foram uma extensão das medidas adotadas pela metrópole e operadas também na colônia. Em 1761, foi criado o Erário Régio, em Lisboa, cuja tarefa era de garantir a cobrança de impostos e combater a sonegação e o contrabando. Para isso, foram organizadas nas capitanias da colônia as Juntas da Fazenda e “[...] reformas no sistema de contabilidade e de cobrança de impostos foram realizadas, e adotadas medidas para coibir ou prevenir o contrabando — em especial o do ouro” (CARDOSO, 2000, p. 115). Destacam-se ainda outras duas medidas adotadas por Pombal. Em 1759, as capitanias hereditárias — criadas nos primeiros anos da colonização e que ainda existiam no plano jurídico, embora não existissem de fato — foram formalmente extintas e todas as terras passaram para domínio da Coroa. “Pombal não poderia deixar de extinguir esses vestígios do feudalismo que eram as obscuras ‘capitanias’ particulares ainda existentes ao inaugurar-se a sua administração” (HOLANDA, 2008, p. 53). Em 1763, a sede do governo-geral foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, a fim de melhor fiscalizar a produção do ouro. De acordo com Holanda (2008), o Rio de Janeiro já era a capital eminente das minas, tinha crescido bastante e sua população era superior à de Salvador. Com a transferência da sede do governo, desloca-se também o eixo econômico, que deixava de se situar no Nordeste para rumar ao Centro-Sul da capitania. A administração pombalina e as transformações na colônia12 3 A expulsão dos jesuítas e a reforma educacional Conforme vimos anteriormente, os jesuítas representavam uma ameaça às pretensões centralizadoras de Pombal, por atuarem de forma autônoma ao poder régio. No Brasil, esses religiosos atuaram de forma ampla, pois, além de rezar missas, ministrar sacramentos, etc., dedicaram-se especialmente à conversão dos indígenas ao catolicismo e à formação das missões, onde os nativos cristianizados viviam sob a supervisão dos padres missionários e fi cavam relativamente protegidos da captura pelos bandeirantes. As missões estavam espalhadas por todo o território colonial, mas as mais importantes situavam-se no sul, nas regiões fronteiriças com as colônias espa- nholas, e no norte, na região amazônica. Na Amazônia, os jesuítas chegaram a ter uma lucrativa atividade na exploração das drogas do sertão com utilização de mão-de-obra indígena. Aos poucos, os jesuítas foram assumindo a direção educacional, tanto em Portugal quanto no Brasil, como nos apresenta Lizete Maciel e Alexandre Shigunov Neto (2006, p. 469): A partir do século XVI, a direção do ensino público português desloca-se da Universidade de Coimbra para a Companhia de Jesus, que se responsabiliza pelo controle do ensino público em Portugal e, posteriormente, no Brasil. Praticamente, foram dois séculos de domínio do método educacional jesuítico, que termina no século XVIII, com a Reforma de Pombal, quando o ensino passa a ser responsabilidade da Coroa Portuguesa. Segundo Maxwell (1996), os jesuítas mantinham no Brasil 25 residên- cias, 36 aldeamentos missionários e 17 faculdades e seminários, sendo que em Portugal os jesuítas dirigiam 34 faculdades. A reforma educacional foi encarada como alta prioridade por Pombal na década de 1760, e visava “[...] laicizar os quadros docentes, reformular a estrutura organizacional do sistema e seu funcionamento, tendo como principal objetivo transformar os currículos e métodos pedagógicos de acordo com os valores modernos ou ilustrados” (FALCON, 2001, p. 234). Pode-se dizer que esse movimento foi um sinal dos tempos, pois, de acordo com o ideal iluminista: a nova sociedade exige um novo homem que só poderá ser formado por intermédio da Educação. Assim, apesar de o ensino jesuítico ter sido útil às necessidades do período inicial do processo de colonização do Brasil, já não 13A administração pombalina e as transformações na colônia consegue mais atender aos interesses dos Estados Modernos em formação. Surge, então, a ideia de Educação pública sob o controle dos Estados Modernos. Portanto, a partir desse momento histórico, o ensino jesuítico se torna ineficaz para atender às exigências de uma sociedade em transformação (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006, p. 471). Muitas medidas adotadas por Pombal eram testadas previamente no Bra- sil. Antes mesmo da expulsão dos jesuítas dos territórios portugueses, em 1758, Mendonça Furtado, irmão de Pombal, novo governador do Grão-Pará e Maranhão, “[...] introduziu o sistema diretivo para substituir a administração secular dos jesuítas ali onde o controle jesuítico sobre as aldeias indígenas havia sido abolido pelos decretos reais em 7 de junho de 1755” (MAXWELL, 1996, p. 104). Cabia aos diretores os lugares ocupados pelos missionários e a função de fundar duas escolas em cada aldeia. Uma escola para meninos, que aprenderiam a ler, escrever e contar, além da doutrina cristã, e outra escola para meninas, que aprenderiam a executar as tarefas de casa e outras mais apropriadas “para esse sexo”. O uso do português foi imposto, sendo proibido o uso das línguas nativas. Conforme Luiz Carlos Villalta (1997, p. 340), no Grão-Pará e Maranhão, essa prática foi difundida de modo mais incisivo, “[...] procurando difundir o português para legitimar a posse da terra” e coibir o uso de línguas nativas. Contribui para isso a Lei do Diretório dos Índios, de 1757, vista como “[...] verdadeiro marco inicial na historiografia do ensino de línguas em nosso país, a qual tratará, dentre outras coisas, do ensino da língua portuguesa no Brasil colônia” (SOUZA, 2011, p. 44). Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, o Estado assumiu a responsabilidade pela instrução da população. Para tanto, passou a cobrar um imposto — o sub- sídio literário —, um imposto especial que “[...] deveria garantir aos professores régios ordenados que lhes permitissem ‘decente honestidade de habitação e de independência’” (HOLANDA, 2008, p. 99). Para iniciar a reforma educacional, foi criado por Pombal, em julho de 1759, o posto de diretor de estudos, com objetivo de fiscalizar o sistema nacional de educação secundária, sendo mais tarde “[...] formada a Junta da Providência Literária, para preparar a reforma da educação superior” (MAXWELL, 1996, p. 105). Em 1771, houve a transferência da administração e direção do ensino para a Real Mesa Censória, “[...] órgão criado em abril de 1768, com o qual pretendia efetivar a emancipação do con- trole absoluto dos jesuítas no ensino, passando, então, ao controle do Estado” (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006, p. 471). Foram também introduzidas as aulas régias e a constituição de academias científicas e literárias. Ao propor as reformas educacionais, Pombal pretendia utilizar-se da ins- trução pública para “[...] dominar e dirimir a ignorância que grassava na A administração pombalina e as transformações na colônia14 sociedade, condição incompatível e inconciliável com as ideias iluministas” (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006, p. 471). A elite brasileira era incenti- vada a completar seus estudos na Universidade de Coimbra, fortalecendo os elos com a metrópole. No entanto, tais medidas educacionais não garantiram progresso científico expressivo. Havia um grande distanciamento entre o que as intenções legais preconizavam e o que acontecia na prática, provocando um longo período de decadência e desorganização na educação colonial. O ensino, do nível das primeiras letras ao secundário, passou a ser ministrado sob a forma de aulas avulsas, fragmentando o processo pedagógico. Faltaram professores, manuais e livros sugeridos pelos novos métodos. Os recursos orçamentários foram insuficientes para custear a educação pública, havendo atrasosnos salários dos mestres. A Coroa, em determinadas ocasiões, chegou mesmo a delegar aos pais a responsabilidade pelo pagamento dos mestres. Isso mostra como a educação, tornada pública pela lei, estava em grande parte privatizada (VILLALTA, 1997, p. 349). Assim, a instrução escolar teve um alcance social limitado. A reforma educacional de Pombal não conseguiu atingir a maior parte da população brasileira, já que as aulas e disciplinas, via de regra, não eram oferecidas em todos os vilarejos e cidades, obrigando os interessados a se deslocarem a locais distantes (VILLALTA, 1997). Maciel e Shigunov Neto (2006) de- fendem em seu artigo que a reforma educacional proposta pelo Marquês de Pombal foi desastrosa, tanto para educação brasileira quanto para a educação portuguesa. Para os autores, após a destruição da organização educacional consolidada pelos jesuítas “[...] ainda que contestáveis do ponto de vista social, histórico, científico”, não houve a implementação de uma proposta educacional capaz de atender as necessidades sociais (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006, p. 465). As políticas educacionais, conclui-se, sofreram e seguem sofrendo com o processo de descontinuidade. Novas propostas substituem antigas propostas educacionais, sem que haja projetos constituídos e sem resguardar as práticas instituídas que, de alguma forma, funcionavam. “A expulsão dos jesuítas e a total destruição de seu projeto educacional podem ser consideradas como o marco inicial dessa peculiaridade tão arraigada na educação brasileira” (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2006, p. 472). Outra crítica feita às reformas pombalinas nos é apresentada por Luiz Carlos Villalta, que defende que a instrução escolar implementada por Pombal era prisioneira da orientação religiosa e calcava-se na repetição, sendo, portanto, contrária ao espírito científico defendido pelo Iluminismo. 15A administração pombalina e as transformações na colônia O que contava, tanto do ponto de vista da organização dos estudos quanto de sua apropriação pelas elites sociais, era a imitação dos textos clássicos gregos e latinos, havendo uma grande valorização do exagero, da retórica e da eloquência. A instrução, assim, subordinava-se à civilidade das aparências, constituindo um ornamento a ser ostentado pelos indivíduos socialmente pri- vilegiados. [...] Estado e Igreja, descuidando desse ensino escolar eloquente, retórico e imitativo — e, de resto, elitista e ornamental —, adotaram uma pers- pectiva geral da educação claramente reprodutiva, voltada para a perpetuação de uma ordem patriarcal, estamental e colonial (VILLALTA, 1997, p. 351). Sendo um ensino que se pode considerar em alguns momentos semipú- blico, a educação colonial não era acessível a todos os brasileiros. Quando tinham condições, os pais que desejavam garantir a educação de seus filhos contratavam professores para lhes ensinar. Ademais, conforme defendido por Villalta, a educação não priorizava o método científico, sendo caracterizada pela repetição e imitação, não valorizando o processo criativo, investigativo e empírico. Esses dois pontos destacados deram a tônica da educação no Brasil, em que ensino de qualidade precisava ser comprado. Talvez as políticas edu- cacionais dos últimos anos no país, nos âmbitos municipal, estadual e federal, sejam um prenúncio de uma eventual integração de toda a população brasileira no sistema de ensino, graças a recursos destinados a garantir a permanência de pessoas de baixa renda nas escolas e nas universidades. CARDOSO, C. F. A crise do colonialismo luso na América portuguesa - 1750/1822. In: LINHARES, M. Y. L. (Org.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 111–128. FALCON, F. C. Pombal e o Brasil. In: TENGARRINHA, J. (Org.). História de Portugal. Bauru: EDUSC; São Paulo: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2001. p. 227–243. HOLANDA, S. B. et al. História geral da civilização brasileira. 12. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. Tomo I, v. 2. MACIEL, L. S. B.; SHIGUNOV NETO, A. A educação brasileira no período pombalino: uma análise histórica das reformas pombalinas do ensino. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 465–476, set./dez. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v32n3/ a03v32n3.pdf. Acesso em: 17 mar. 2020. MARQUES, A. H. R. O. Breve história de Portugal. Lisboa: Presença, 1996. MAXWELL, K. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. SILVA, M. B. N. (Coord.). O Império Luso-Brasileiro: 1750–1822. Lisboa: Estampa, 1986. v. VIII. A administração pombalina e as transformações na colônia16 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. SOARES, A. T. O Marquês de Pombal. Brasília: Universidade de Brasília, 1983. SOUZA, A C. P. Sob as luzes das reformas pombalinas da instrução pública: a produção dicionarística luso-brasileira (1757–1827). Dissertação (Mestrado) — Núcleo de Pós- -Graduação em Educação, Universidade Federal de Sergipe, 2011. Disponível em: https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/4721/1/ALVARO_CESAR_PEREIRA_SOUZA.pdf. Acesso em: 17 mar. 2020. VILLALTA, L. C. O que se fala e o que se lê: língua instrução e leitura. In: SOUZA, L. S. (Org.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. Leituras recomendadas CARVALHO, L. M. Os pressupostos ideológicos das reformas pombalinas do Estado português (1750-1777). 2003. 119 f. Dissertação (Mestrado) — Programa de Pós-Graduação em His- tória, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2003. Disponível em: https://files.cercomp. ufg.br/weby/up/113/o/CARVALHO__L_gia_Maria_de.pdf. Acesso em: 17 mar. 2020. FALCON, F. J. C. O império luso-brasileiro e a questão da dependência inglesa — um estudo de caso: a política mercantilista durante a Época Pombalina e a sombra do Tratado de Methuen. Nova Economia, v. 15, n. 2, jun. 2009. Disponível em: https://revis- tas.face.ufmg.br/index.php/novaeconomia/article/view/449. Acesso em: 29 fev. 2020. FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2001. FRANCO, S. A. P. Reformas pombalinas e o iluminismo em Portugal. Revista de História e Estudos Culturais, v. 4, ano IV, n. 4, 2007. Disponível em: http://www.revistafenix.pro. br/PDF13/SECAO_LIVRE_ARTIGO_3-Sandra_Aparecida_Pires_Franco.pdf. Acesso em: 17 mar. 2020. 17A administração pombalina e as transformações na colônia DICA DO PROFESSOR Marquês de Pombal era de uma família de fidalgos e ascendeu socialmente graças ao seu casamento com uma condessa austríaca. Considerando sua origem não tão nobre, Pombal não era totalmente aceito na corte, mas um desastre natural que, terrivelmente, destruiu boa parte da cidade de Lisboa, vai mudar o modo como Pombal era visto na corte. Na Dica do Professor é abordada a relação entre o terremoto de Lisboa, de 1755, e a consolidação do prestígio de Pombal perante o rei e a nobreza portuguesa. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) Apesar de o movimento iluminista criticar as bases do absolutismo, muitos monarcas promoveram reformas modernizantes em seus governos. Tomando como referência o caso de Portugal, assinale a alternativa que melhor explica o que foi o despotismo esclarecido. A) Adesão ao movimento iluminista, promovendo reformas administrativas, como a promulgação de constituições liberais. Muitas monarquias seguiram o exemplo da Inglaterra e adotaram o regime parlamentarista de governo. B) Reformas promovidas no sistema judicial das monarquias absolutista, promovendo legislações que poderiam até confrontaro poder dos reis, mas não pregavam a extinção das monarquias. C) Práticas econômicas implementadas nos domínios coloniais que visavam à integração dos nativos à sociedade europeia por meio do comércio. Essas medidas foram criadas para que houvesse a conciliação entre nativos e colonos, os maiores combatentes do regime absolutista. D) Atendendo ao apelo popular, reformas administrativas e políticas foram feitas, garantindo o acesso da população à política e à administração do reino. Os monarcas atendiam às reivindicações do povo, pois entendiam que a força popular poderia acabar com o regime monárquico. E) Conjunto de medidas econômicas, administrativas e educacionais que buscavam modernizar o governo, ainda que de forma controlada e sem necessariamente atender às reivindicações da população. 2) Em Portugal, a primeira metade do século XVIII foi marcada pela crise econômica. Analise as afirmativas que dizem respeito aos motivos devido aos quais a economia portuguesa enfrentava um momento tão delicado. I) As disputas entre França, Inglaterra e Holanda afetaram a economia portuguesa, uma vez que Portugal era dependente da Inglaterra, que tinha como principal rival a França. II) A queda na arrecadação de impostos relacionados à produção aurífera foi um dos pontos mais sensíveis da crise econômica portuguesa. III) Os processos de independência das colônias espanholas afetaram, ainda que indiretamente, a economia portuguesa, pois o comércio intercolonial foi interrompido. IV) O Pacto Colonial foi encerrado, uma vez que o monopólio do comércio não garantia boa receita para os cofres portugueses por incentivarem o contrabando e a sonegação de impostos. Estão corretas apenas as afirmativas: A) I e II. B) I e III. C) III e IV. D) I e IV. E) II e III. 3) Na segunda metade do século XVIII, Marquês de Pombal adotou diversas medidas para tentar superar a grave crise que atingia a economia portuguesa. Sobre a administração pombalina, analise as afirmações a seguir. I) Para promover a centralização político-administrativa da colônia, Pombal contou com a ajuda dos jesuítas, que atuavam principalmente na administração dos territórios fronteiriços. II) As Casas de Inspeção do Tabaco e do Açúcar foram criadas para facilitar a exportação desses produtos, bem como assegurar a qualidade deles. III) Para garantir a cobrança dos impostos na América portuguesa e combater a sonegação e o contrabando, foi criado o Real Erário. IV) As companhias de comércio do Grão-Pará e Maranhão e de Pernambuco e Paraíba foram criadas para que os colonos pudessem comercializar com mais autonomia em relação à Coroa. Estão corretas apenas as afirmativas: A) I e II. B) II e III. C) I e IV. D) II, III e IV. E) I, III e IV. 4) Entre as medidas político-administrativas tomadas por Pombal estavam as reformas direcionadas aos indígenas. Para ele, incorporar os indígenas à sociedade colonial seria importante para povoar regiões de fronteiras, onde havia disputa de terras com os espanhóis. Sobre a forma como essa integração dos indígenas se daria, é correto afirmar que: A) seguindo a mesma linha de pensamento que os jesuítas, a integração se daria por meio do casamento entre homens brancos e mulheres indígenas. Essa prática já era incentivada pelos jesuítas desde o início da colonização. B) para integrar os indígenas à sociedade colonial, seria necessário adaptar o modo de vida dos colonos para que a convivência com os indígenas se desse sem estranhamentos, uma vez que os costumes indígenas seriam preservados. C) os indígenas passariam a integrar a sociedade colonial a partir do momento em que adotassem o português como língua oficial. Apesar de os casamentos mistos incentivarem a integração, eles foram proibidos, pois os indígenas eram considerados inferiores. D) a integração se daria por meio de casamentos mistos entre indígenas e brancos, o que passou a ser permitido por lei. Para tanto, os indígenas deveriam aderir ao modo de vida dos portugueses, abandonando inclusive a língua nativa. E) por meio da exploração da mão de obra indígena, os nativos seriam integrados à sociedade colonial. O trabalho compulsório dos indígenas passou a ser tolerado, uma vez que Portugal não conseguia abastecer a colônia com escravos africanos. 5) As reformas pombalinas não ficaram restritas à economia e à administração. Pombal promoveu uma ampla reforma educacional, tanto em Portugal quanto nas colônias portuguesas. Historiadores e estudiosos da educação defendem que a reforma educacional promovida por Pombal não obteve bons resultados. São causas do insucesso da reforma educacional: a grande quantidade de escolas criadas, que não garantiu o sucesso da reforma educacional A) por não haver número de alunos suficiente para frequentá-las. B) o ensino laico proposto por Pombal, que desencorajou os colonos a enviarem seus filhos para as escolas. Ademais, o ensino só era permitido para os meninos. C) a fragmentação do processo pedagógico, a falta de professores e materiais necessários, investimentos insuficientes na educação pública e atraso no pagamento dos professores. D) o generoso aporte financeiro feito para garantir a criação das escolas e destinado ao pagamento dos professores, que não foi atrativo o suficiente. Havia verba, mas não professores interessados em ensinar na colônia. E) as práticas educacionais adotadas pelos jesuítas, que continuaram sendo empregadas pelos professores, inviabilizando o avanço pedagógico proposto pela reforma, mesmo com todo o investimento da Coroa portuguesa para produzir novos manuais e livros. NA PRÁTICA As medidas adotadas pelo Marquês de Pombal visavam a recuperar a economia portuguesa e fortalecer o poder do rei de Portugal. Mas as reformas pombalinas que foram implementadas no Brasil foram positivas ou negativas para o desenvolvimento da colônia? Na Prática, veja como as reformas pombalinas no Brasil podem ser abordadas em sala de aula, nos anos finais do Ensino Fundamental. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: O terremoto de Lisboa de 1.º de novembro de 1755, RTP3 Em 1755, a capital do Império Português foi quase que inteiramente destruída por um terremoto. Assista a seguir a um documentário sobre esse importante e triste evento da história de Portugal. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! As artes de governar o Brasil no período pombalino O artigo da historiadora Izabela Gonçalves Vieira analisa a administração da América Portuguesa no período pombalino, destacando os principais objetivos dos portugueses na América. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! O Marquês de Pombal e a invenção do Brasil: coordenadas históricas Neste artigo, Luiz Eduardo Oliveira e José Eduardo Franco buscam mostrar de que forma as medidas adotadas pelo Marquês de Pombal influenciaram a formação do Estado brasileiro. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Marquês de Pombal e a baixa de Lisboa. Poder, influência e cultura na nova baixa Confira a dissertação de mestrado de Guilherme Monteiro Belo dos Santos, que trata da influência do Iluminismo na reconstrução da cidade de Lisboa após o terremoto de 1755. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Como está a educação indígena? | Conexão Você sabe como funciona a educação indígena nos dias de hoje? Veja no vídeo a seguir como a legislação referente à educação indígena vem sendo aplicada. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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