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Thais Alves Fagundes REFLUXO GASTROESOFÁGICO Refluxo gastroesofágico (RGE): fluxo retrógrado involuntário do conteúdo gástrico para o esôfago. Condição muito frequente em lactentes e crianças. Regurgitações recorrentes ocorrem em cerca de 50% dos lactentes normais nos 3 primeiros meses de vida. Há redução gradual dessa taxa com a idade, chegando a 5% dos lactentes de 10 a 12 meses de vida. CLASSIFICAÇÃO DO RGE RGE FISIOLÓGICO: Não acompanha repercussões clínicas. Pode se tornar patogênico em qualquer momento da sua evolução. Nos primeiros meses de vida, manifesta-se por regurgitações pós-alimentares imediatas. Crianças têm crescimento normal e não apresentam outras manifestações clínicas. Frequência dos sintomas diminui a partir do segundo semestre de vida (coincidindo com a adoção de postura mais ereta e a transição para dietas pastosas e sólidas). Nas crianças maiores e adultos, episódios de RGE fisiológico podem ocorrer no período pós-prandial. RGE PATOGÊNICO: Acompanha-se de repercussões clínicas: o Perda de peso. o Manifestações decorrentes de lesão esofágica. o Manifestações respiratórias. Deve-se suspeitar de RGE patogênico quando: o Regurgitações e/ou vômitos: Não diminuírem no segundo semestre de vida Não responderem às medidas posturais e dietéticas após quatro a seis semanas Persistirem após o primeiro ano de vida. o Lactente apresenta vômito, em vez de regurgitações, como principal manifestação do refluxo. RGE patogênico primário: decorrente de disfunção na região da junção esofagogástrica. RGE patogênico secundário: associado a doenças subjacentes, localizadas no trato digestivo ou fora dele. ETIOPATOGENIA DO RGE Barreia antirrefluxo: localizada na junção esofagogástrica previne o movimento do conteúdo gástrico para o esôfago, sob condições fisiológicas normais. Seus componentes são: o Esfíncter esofagiano inferior (EEI) o Ligamento frenoesofágico o Diafragma crural o Ângulo de His o Roseta da mucosa gástrica Esfíncter esofagiano inferior (EEI): Estrutura funcional localizada abaixo do diafragma (m. liso). Está submetido à pressão intra-abdominal, que contribui para a competência da junção esofagogástrica. Thais Alves Fagundes o EEI no adulto 2,5 a 3,5 cm de extensão localizado no tórax e no abdome. Recém-nascido apresenta imaturidade anatômica e funcional do EEI. o EEI ao nascimento, tem extensão de 0,5 a 1 cm e localização predominantemente intratorácica. o Após os três anos de idade, EEI atinge dimensões e localização encontradas no indivíduo adulto. Em termos pressóricos, a maturação também é gradual, funcionando como esfíncter efetivo somente após cinco a sete semanas de vida. Diafragma: Fibras musculares do diafragma constituem o hiato diafragmático. Durante a inspiração, forma-se um gradiente de pressão entre o estômago e o esôfago, que pode ser superior à pressão do EEI e predispõe ao RGE. Nessa fase da respiração, o hiato diafragmático contrai-se, com consequente aumento da pressão intraluminal da junção esofagogástrica, dificultando ou impedindo o RGE. Ligamento frenoesofágico: Ligamento frenoesofágico ancora o esôfago no diafragma. Durante a inspiração, ele faz com que o EEI e o hiato diafragmático deslizem juntos para baixo, impedindo que o esfíncter assuma posição totalmente intratorácica, o que facilitaria o RGE. Portanto: Durante a expiração, EEI é o fator mais importante da barreira antirrefluxo. Durante a inspiração, diafragma e o ligamento frenoesofágico assumem papel preponderante. FISIOPATOLOGIA DO RGE RGE torna-se patogênico quando disfunções dos mecanismos de barreira propiciam: Episódios de refluxo volumosos e/ou mais prolongados. Acesso do material refluido para a árvore respiratória. Perda calórica importante. Material refluido mais nocivo - ácido, pepsina, bile e tripsina. PRINCIPAIS FATORES ENVOLVIDOS NO RGE Relaxamentos transitórios do EEI inadequados (RTEEI): redução acentuada e abrupta da pressão do EEI, sem relação com a deglutição e com duração de mais de cinco segundos (35% dos episódios de RGE). Pressão do EEI: diminuição da pressão basal do EEI (12% dos casos de refluxo patogênico). Aumento da pressão intra-abdominal: pode ser secundário a choro, tosse e esforço evacuatório, especialmente quando há disfunção do EEI. Associação de esvaziamento gástrico retardado e RGE: (25 a 30% dos casos de refluxo patogênico). Existência de hérnia de hiato no RGE: tem papel controverso, já que nem todo paciente que apresenta o EEI dentro do tórax tem RGE. Entretanto, adultos com hérnia têm com mais frequência refluxo. Tempo de clareamento esofágico: tempo de duração do contato do material refluido com a mucosa esofagiana. No indivíduo normal, o clareamento é resultante da peristalse esofagiana, da ação da gravidade e da produção e deglutição da saliva. Thais Alves Fagundes Durante o sono, os três mecanismos estão suprimidos ou reduzidos, o que resulta em prolongada exposição do esôfago ao ácido e aumenta a chance de esofagite e de sintomas respiratórios. Aproximadamente 18% das crianças com doença do RGE têm esofagite. Esta depende do tempo de clareamento esofágico, da qualidade do material refluido e da resistência da mucosa. Papel primário do RGE na produção de doença respiratória: Mecanismos prováveis do seu desencadeamento são: o Aspiração com inflamação e infecções secundárias. o Microaspirações do conteúdo gástrico, que promovem a liberação de substâncias mediadoras de inflamação e de broncoespasmo. o Reflexo vagal, que, por irritação das terminações nervosas, pode causar broncoespasmo. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Deve-se suspeitar de RGE patogênico quando: Regurgitações e/ou vômitos: o Não diminuírem no segundo semestre de vida o Não responderem às medidas posturais e dietéticas após quatro a seis semanas o Persistirem após o primeiro ano de vida. Lactente apresenta vômito, em vez de regurgitações, como principal manifestação do refluxo. Acompanha-se de repercussões clínicas: Perda de peso. Manifestações decorrentes de lesão esofágica. Manifestações respiratórias. Manifestações clínicas do RGE podem ser subdivididas em três grupos: Regurgitação - eliminação de pequenas quantidades do conteúdo gástrico, sem esforço - e/ou vômito -, eliminação de conteúdo gástrico com maior volume e acompanhada de contrações da musculatura abdominal, em geral, precedida por náuseas. Sintomas de esofagite e suas complicações. Manifestações respiratórias. Regurgitações e/ou vômitos: São os sintomas mais frequentes. Acometendo 80 a 95% das crianças menores de 12 meses com RGE patogênico. Dependendo da frequência e do volume das perdas, pode haver déficit de crescimento e anemia ferropriva. Nos pacientes maiores de 12 meses, esses sintomas são menos frequentes. Entretanto, crianças maiores com refluxo, habitualmente, não se queixam dos sintomas típicos do refluxo do adulto - como queimação retroesternal. Esses pacientes podem evoluir com RGE oculto e o diagnóstico pode ser postergado até que o quadro assuma mais gravidade. Esofagite péptica: Manifesta-se, nas crianças mais jovens, por: o Choro excessivo o Irritabilidade o Distúrbio do sono Thais Alves Fagundes o Dificuldade alimentar o Pode acompanhar-se, também, de hipodesenvolvimento somático. Crianças maiores podem queixar-se de: o Dor retroesternal o Pirose o Azia o Dor abdominal recorrente. Pirose e dor retroesternal, muitas vezes, não estão associadas à esofagite. Podem significar apenas irritação das terminações nervosas do esôfago pelo ácido. Hemorragia digestiva alta, sob a forma de hematêmese, melena ou sangue oculto nas fezes, pode ocorrer em qualquer faixa etária. Esofagite é grave e prolongada, pode resultarem: o Estenose esofagiana acompanha-se de disfagia, que, nos lactentes, pode ser erroneamente interpretada como recusa alimentar para alimentos sólidos. o Esôfago de Barret consiste na metaplasia da mucosa esofágica, que pode sofrer malignização. o Síndrome de Sandifer é representada pela tríade: esofagite grave, movimentos rotatórios da cabeça e do pescoço e anemia ferropriva. Manifestações respiratórias: Sem confirmação da relação causa-efeito, várias manifestações respiratórias têm sido associadas ao RGE: o Pneumonia crônica ou recorrente o Asma o Tosse crônica noturna o Sinusite Refluxo, apesar de mais frequente nessas situações, pode ser um efeito secundário: o Da tosse: aumento da pressão intra-abdominal; o Da dispneia: diminuição da pressão intratorácica; o Da medicação broncodilatadora: diminuição da pressão do EEI. Estudos sugerem o papel primário do refluxo na produção de doença respiratória, principalmente na: o Hiper-reatividade brônquica não alérgica o Pneumonia recorrente o Bronquite. DIAGNÓSTICO DE RGE História clínica, com especial atenção à história alimentar, ao padrão dos vômitos e regurgitações, às manifestações associadas e às histórias pregressa e familiar. Avaliação do ritmo de crescimento deve constituir parte fundamental do exame físico. Exploração propedêutica só está indicada em crianças com suspeita de refluxo gastroesofágico patogênico. EXAMES Cada um deles avalia aspectos diferentes da doença do refluxo: Estudo radiológico contrastado do esôfago, do estômago e do duodeno. o Avalia a deglutição e a anatomia do trato digestivo até o ceco. o Reduzida duração do exame pode resultar em falsa negatividade, enquanto a frequente ocorrência de episódios de refluxo pós-prandiais pode ser traduzida em falsa positividade para RGE. o Exame útil para a identificação de estenose de esôfago e para o afastamento de causas anatômicas de RGE secundário (má-rotação intestinal, duplicação intestinal, estenose hipertrófica do piloro). Thais Alves Fagundes Cintilografia com tecnécio 99: o Apresenta acurácia diagnostica próxima da do exame radiológico contrastado. o No entanto, é melhor para se detectar aspiração pulmonar e para se estudar o esvaziamento gástrico. o Frequência de mais de três episódios de refluxo por hora é, provavelmente, anormal. Monitoração do pH esofagiano. o Utilidade para o diagnóstico do RGE, em especial do refluxo chamado de oculto ou sem manifestações específicas. o Realizada por 18 a 24 horas. o Apresenta sensibilidade de 88 a 97% e baixas taxas de falsa positividade. o Contudo, detecta também RGE fisiológico. o Mais utilizado para correlação entre refluxo e eventos como apneia, sibilância, dor retroesternal, tosse, irritabilidade, distúrbios do sono e choro excessivo. o Critérios avaliados para diferenciar o RGE fisiológico do patogênico: frequência dos episódios de refluxo, porcentagem de tempo com pH abaixo de quatro, número de episódios com duração superior a cinco minutos, porcentagem do tempo com episódios de duração acima de cinco minutos, média de tempo de clareamento e número de episódios de duração acima de cinco minutos. Esofagogastroduodenoscopia e histologia da mucosa esofagiana (endoscopia digestiva alta): o Procedimento invasivo. o Comumente realizado sob anestesia geral nos menores de dois anos de idade. o Ela não diagnostica o RGE, mas, sim, a esofagite a ele associada. o Indicada quando houver suspeita de esofagite ou suas complicações. o Identifica estenose do esôfago, hérnia de hiato, esôfago de Barret, úlcera péptica gastroduodenal e, também, a coleta de biópsias para estudo histológico. o Como a normalidade macroscópica não exclui esofagite histológica e as alterações endoscópicas mais discretas - como espessamento e alterações da coloração da mucosa - não se correlacionam sempre com a microscopia, faz-se necessária a confirmação histológica. o Erosões ou ulcerações no esôfago definem a existência de esofagite moderada ou grave. o Critérios utilizados por Boyle para o diagnóstico de esofagite de refluxo são: um ou mais eosinófilos e/ou neutrófilos por campo maior; hiperplasia da mucosa basal maior que 30% da espessura do epitélio; e/ou alongamento das papilas maior que 50% da espessura do epitélio. o Alterações discretas à histologia sugerem a presença de refluxo, mas não permitem a avaliação da gravidade e do prognóstico da doença, que são mais bem definidos pela sintomatologia e/ou erosões e ulcerações. TRATAMENTO Tratamento do refluxo é individualizado e depende da faixa etária e das manifestações clínicas predominantes. Baseia-se na instituição de medidas comportamentais (modificações alimentares e posturais) e medicamentosas. O tratamento medicamentoso deve se restringir aos pacientes com refluxo patogênico ou àqueles que, com provável refluxo fisiológico, não respondem às medidas anteriores. MUDANÇAS NA ALIMENTAÇÃO: Aleitamento materno deve sempre ser mantido. Recomendação para a alimentação de menores volumes e a intervalos mais curtos: o Embora de ampla utilização, tem sido contestada por alguns estudiosos. o Alega-se que essa medida, além de dificultar as tarefas da mãe, pode causar estresse à criança, em virtude da interrupção frequente das mamadas antes de ser alcançada a saciedade. o Na prática, o fracionamento das dietas é de utilidade para crianças com RGE que não respondem a outras medidas. Thais Alves Fagundes Espessamento da dieta o Reduz o número de vômitos e regurgitações. o Mas não promove normalização do índice de refluxo avaliado por pHmetria. o Apesar do seu efeito benéfico, dietas espessadas podem provocar aumento do tempo de contato do ácido gástrico com a mucosa esofagiana, predispondo à esofagite e a sintomas respiratórios ou piorando-os. Crianças em uso de leite de vaca, fórmulas infantis lácteas ou de soja, que apresentam refluxo e diarreia, podem ter intolerância à proteína láctea ou da soja. o Retirada desses alimentos da dieta deve ser avaliada para lactentes que iniciaram o RGE após a introdução desses alimentos, para atópicos ou para aqueles que não respondem a tratamento adequado. Para as crianças maiores, recomenda-se evitar alimentos gordurosos, chocolate, café, bebidas gaseificadas em excesso e alimentação noturna antes de deitar. MEDIDAS POSTURAIS: Postura que mais reduz o refluxo é o decúbito ventral, com cabeceira elevada a 20° ou 30°. o Questionada por sua possível associação com a síndrome da morte súbita (SMS) do lactente. Podem ser recomendadas, com segurança, para lactentes com refluxo, a posição supina, com elevação da cabeceira, e/ou o decúbito lateral esquerdo. Para as crianças maiores, recomenda-se a elevação da cabeceira do leito em 15 a 20 cm. OUTRAS RECOMENDAÇÕES: Evitar roupas apertadas. Constipação intestinal. Drogas que diminuam a pressão do EEI. Troca de fraldas no período pós-prandial imediato. Crianças mais velhas e adolescentes, deve-se prevenir a obesidade e evitar ingestão de bebidas alcoólicas e uso de fumo. TRATAMENTO MEDICAMENTOSO Podem ser usadas drogas bloqueadoras da ação ácida. Medicamentos procinéticos não constituem, na atualidade, armas eficazes no controle do RGE. Drogas supressoras da produção de ácido promovem redução da exposição do esôfago à ação do ácido refluido do estômago mediante neutralização ou bloqueio da secreção de ácido pelo estômago. SUPRESSORES DA ACIDEZ: Antiácidos: Usados para o alívio temporário dos sintomas. Podem aliviar temporariamente os sintomas da esofagite. Mas para tanto é necessário o uso de doses altas e frequentes, o que torna difícil a adesão do paciente ao tratamento. No lactente alimentado a curtos intervalos, devem ser administrados uma hora após cada refeição. Na criança maior, devem ser administradosde uma a três horas após as três principais refeições e ao deitar. Inibidores da secreção ácida: Inibidores H2 são antagonistas competitivos e reversíveis das ações da histamina nos receptores H2. o Inibindo a secreção ácida gástrica induzida pela histamina ou outros agonistas - agonistas muscarínicos e gastrina - de modo competitivo e dependente da dose (Cimetidina; Ranitidina) Thais Alves Fagundes Omeprazol pode ser considerado uma pró-droga que, em meio ácido, transforma-se em inibidor da H+/K+ ATPase, promovendo intensa redução da secreção ácida gástrica. Esomeprazol é o único inibidor de bomba de prótons autorizado pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento da esofagite erosiva em crianças de um a 11 meses de idade. Vale ressaltar que o uso prolongado desses medicamentos não é isento de efeitos colaterais, como alterações metabólicas, hematológicas e predisposição às infecções. Assim, a sua utilização, quando indicada, deve ser parcimoniosa. Terapias emergentes e promissoras, mas ainda não aprovadas para uso rotineiro, são os agonistas de receptores GABAb e os antagonistas da glutamina, que têm efeito sobre os relaxamentos transitórios do EEI. TRATAMENTO CIRÚRGICO: Tratamento cirúrgico deve ser reservado aos casos excepcionais de pacientes que não respondem ao tratamento clínico adequadamente instituído e/ou que apresentem condições ameaçadoras à vida. Resultados satisfatórios entre crianças operadas em função de sintomas respiratórios e insuficientes naquelas operadas por esofagite. Novas alternativas para o manejo do refluxo gastroesofágico - técnicas que envolvem injeção de silicone na região da junção esofagogástrica, emissão de energia por radiofreqüência e suturas endoscópicas - vêm sendo testadas em pacientes adultos. Entretanto, mais experiência deve ser acumulada até que essas técnicas possam ser adotadas para o controle do refluxo em crianças.
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