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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA SETOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO DE DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS KATIUSCIA ROCKENBACH ENFRENTANDO A PSICOPATIA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO PONTA GROSSA 2016 KATIUSCIA ROCKENBACH ENFRENTANDO A PSICOPATIA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Orientador: Prof. Me. José Jairo Baluta PONTA GROSSA 2016 KATIUSCIA ROCKENBACH ENFRENTANDO A PSICOPATIA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Ponta Grossa, 14 de outubro de 2016. Prof. Me. José Jairo Baluta – Orientador Mestre em Direito das Relações Sociais Universidade Estadual de Ponta Grossa Profa. Dra. Dirceia Moreira Doutora em Direito Universidade Estadual de Ponta Grossa Cirlene Felde Especialista em Psicologia Instituto de Ensino Superior Sant’Ana Dedico a todas as pessoas e suas famílias que, infelizmente, foram vítimas nas mãos de quem julga serem seus interesses mais importantes que a vida e a integridade física e emocional do próximo. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, aos meus pais, Célio José Rockenbach e Marcia Teresinha Rauber Rockenbach, pela minha vida, pela minha maravilhosa criação, pelo apoio material e afetivo tão essencial que sempre me deram para atingir meus objetivos. Amo muito vocês. Agradeço aos meus amigos estranhos, Camila Bueno, Jean Sauka, Jennifer Eslompo, Laura Melo, Mayara Scheffer e Vanessa Janoni, que me acompanham na vida, em todos os momentos, sejam bons ou ruins, também sempre me dando o apoio e ajuda necessários, e pela compreensão nos meus momentos de ausência. Amo muito vocês. Agradeço aos meus amigos e futuros colegas de profissão, Aurora Cappelletti, Bruna Godoy, Jaqueline Kasteller, Marina Rodrigues, Wanessa Starke, Wesley Bueno e William Hilgemberg, responsáveis por tornar prazerosa a trajetória árdua de uma graduação. Amo muito vocês. Agradeço a todos os professores que passaram pela minha vida estudantil, pela sua dedicação ao magistério, pois cada um, de uma maneira ou outra, teve grande influência na minha formação. Admiro muito vocês. Agradeço, por fim, às mulheres militantes do Feminismo, pois, não fosse por elas, meu direito à educação superior não existiria. We can do it! Depois que o medo e o terror do que fiz se foram, o que levou um mês ou dois, eu comecei mais uma vez. Eu sentia uma espécie de fome, eu não sei como descrevê-la, uma compulsão e eu apenas continuei fazendo, fazendo e fazendo novamente, sempre que a oportunidade aparecia. (Jeffrey Dahmer) RESUMO O presente trabalho, a partir de uma pesquisa bibliográfica, teve como objetivo evidenciar as características psicológicas e comportamentais particulares da pessoa que apresenta o transtorno da personalidade antissocial (em especial, a de grau grave que incide em crimes como homicídio e estupro) frente ao criminoso imputável e inimputável. Em seguida, realizou-se um breve estudo sobre alguns aspectos do direito penal, como a culpabilidade, a imputabilidade e quais penas são impostas aos psicopatas infratores. A fim de proporcionar maior palpabilidade no assunto, discorreu- se acerca de 4 casos concretos de psicopatas assassinos brasileiros (2 deles também estupradores) que chocaram a sociedade com seus crimes de extrema crueldade para com suas vítimas. Por fim, tendo em mente a análise inicial do protagonista deste trabalho, verificou-se uma carência de legislação específica para o trato destes personagens no sistema penal brasileiro, uma vez que devem ser considerados imputáveis, porém necessitam de uma atenção psicológica na sua punição, algo que não acontece fora das medidas de segurança, sanções estas aplicadas somente aos inimputáveis e, facultativamente, aos semi-imputáveis. O trabalho também aponta possíveis propostas alternativas de punições/tratamento que, após o devido estudo de viabilidade, poderiam ser implementadas na legislação penal individualizada aos psicopatas. Palavras-chave: psicopatia, transtorno de personalidade, crime, imputabilidade, tratamento, punição, medida de segurança. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 9 1 A PSICOPATIA E O PSICOPATA .................................................................................. 11 1.1 A PSICOPATIA ............................................................................................................ 11 1.1.1 Transtorno ou doença mental? .......................................................................... 13 1.1.2 Transtorno nato ou desenvolvido? .................................................................... 14 1.2 O PSICOPATA ............................................................................................................. 18 1.2.1 Características do psicopata .............................................................................. 19 1.2.2 O psicopata criminoso e as punições ............................................................... 22 1.3 TRATAMENTOS .......................................................................................................... 25 2 O PSICOPATA NO ÂMBITO JURÍDICO ....................................................................... 27 2.1 DA CULPABILIDADE E IMPUTABILIDADE ........................................................... 27 2.2 PERÍCIA MÉDICA ....................................................................................................... 28 3 ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS ............................................................................. 31 3.1 FRANCISCO DE ASSIS PEREIRA – “MANÍACO DO PARQUE” ....................... 31 3.2 PEDRO RODRIGUES FILHO – “PEDRINHO MATADOR” .................................. 32 3.3 ROBERTO APARECIDO ALVES CARDOSO – “CHAMPINHA” ......................... 34 3.4 FRANCISCO DA COSTA ROCHA – “CHICO PICADINHO” ................................ 36 4 A REAÇÃO DO SISTEMA PENAL AO PSICOPATA CRIMINOSO ......................... 38 4.1 PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ........................................................................ 38 4.2 MEDIDAS DE SEGURANÇA .................................................................................... 39 4.2.1 Disposições gerais ............................................................................................... 39 4.2.2 Espécies ................................................................................................................. 42 4.2.3 Duração .................................................................................................................. 43 4.3 MEDIDAS DE SEGURANÇA APLICADA AO PSICOPATA ................................. 45 4.4 LEGISLAÇÃO ADEQUADA AO PSICOPATA ........................................................ 48 CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 50 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 51 9 INTRODUÇÃO Em nosso cotidiano, convivemos com os mais diferentes tipos de pessoas. Algumas são visivelmente instáveis psicologicamente e devemos ter cuidado ao interagir com elas. No entanto, os que mais impõem umaameaça são aqueles que achamos que conhecemos bem, mas escondem uma mente profundamente cruel por trás de uma aparência relativamente normal, e são capazes de provocar o mal ao próximo sem qualquer remorso. Estes são os chamados psicopatas e, apesar de serem apenas de 1 a 4% da população mundial1, já causaram terror a muitas pessoas, algumas ainda vivas, outras não, pelos horríveis crimes que cometeram. Psicopatas não são pessoas acometidas por doença, mas, sim, por um transtorno mental, que os impossibilita de sentir empatia ou amor pelo próximo. Eles têm personalidades perversas e impulsivas, a maioria é altamente inteligente e sedutora, capazes de manipular qualquer um a fazer o que eles queiram. Nem todos são criminosos, mas alguns tornam-se os assassinos mais frios e violentos conhecidos. Porém, de maneira alguma eles perdem noção do que é errado e o que é certo, eles simplesmente não se importam se estão cometendo algum crime ou se estão machucando alguém. A punição, como uma pena privativa de liberdade, não os ensina a não delinquir, pois eles não aprendem com castigo. Por todas suas características, pode se dizer que o psicopata se encontra na linha divisória entre a sanidade e insanidade mental. Assim, objetiva-se neste trabalho o questionamento se o Sistema Penal brasileiro atual é suficiente para enfrentar adequadamente estes indivíduos, justificando-se na necessidade de que se haja uma tentativa real de reabilitá-los para o retorno ao convívio social. No primeiro capítulo, abordaremos as questões psicológicas acerca do transtorno mental da psicopatia a fim de conhecermos bem quais são suas características que os diferem de outras pessoas consideradas normais e daquelas consideradas doentes mentais. 1 SABBATINI, Renato M. E. O Cérebro do Psicopata. Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/n07/doencas/index_p.html>. Acesso em: 12 out. 2016. 10 Em seguida, no segundo capítulo, trataremos das questões jurídicas relacionadas ao psicopata, explicando a culpabilidade e a imputabilidade no Direito Penal, e onde o psicopata se insere nestes institutos. Também ressaltamos a importância do exame psiquiátrico do réu para que seja imposta a sanção penal adequada. No terceiro capítulo, foram trazidos casos reais de psicopatas homicidas brasileiros com a finalidade de analisar esse transtorno mais concretamente e também ponderar a respeito das sanções aplicadas a cada um. Por fim, no quarto capítulo, demos enfoque no modo como o Sistema Penal brasileiro reage frente ao psicopata homicida, de que maneira o classifica em relação à imputabilidade e quais sanções são impostas a estes indivíduos. Ainda, ressaltou-se a importância da formulação de uma legislação específica que enfrente adequadamente o psicopata criminoso, principalmente o homicida e agressor sexual. 11 1 A PSICOPATIA E O PSICOPATA 1.1 A PSICOPATIA Antes que o transtorno de personalidade mais conhecido como psicopatia começasse a ser estudado propriamente, ele já havia sido retratado em obras literárias, como no romance Billy Budd, publicado 30 anos após a morte de seu autor, Herman Melville (mesmo escritor de Moby Dick), em 1924, onde o personagem John Claggart é um homem de aparência amável que possui uma essência maligna.2 O termo “psicopatia” foi começando a ser desenhado no século XIX, quando o psicólogo alemão Koch3, em 1888, passa a falar em “Inferioridades Psicopáticas” com a seguinte conceituação: São psicopáticas as personalidades anormais, cuja anormalidade consiste especificamente em anomalias do temperamento e do caráter, que determinam uma conduta anormal e configuram uma minusvalia social. Entretanto, foi o psiquiatra alemão Kurt Schneider4 em 1923 quem difundiu o conceito de psicopata mais amplamente, como sendo aquelas personalidades que em “função do caráter anormal de sua personalidade, mais ou menos marcadas segundo as situações, as coloca, em todas as circunstâncias, em conflitos externos e internos”. Ainda de acordo com Schneider: “As personalidades psicopáticas são personalidades anormais, cujo caráter anormal lhes faz sofrer ou faz sofrer a sociedade”. Em 1941, Harvey Cleckley5 apresentou uma concepção abrangente da psicopatia em seu livro A máscara da sanidade onde identificou 16 características diferentes que definem ou compõem o perfil clínico do psicopata, as quais serão abordadas posteriormente. 2 SCHECHTER, Harold. Serial Killers, anatomia do mal. Tradução: Lucas Magdiel. Rio de Janeiro: Dark Side Books, 2013, p. 28. 3 MARANHÃO, Odon Ramos. Psicologia do Crime. 2.ed.6.tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 79. 4 MARANHÃO, loc. cit. 5 HUSS, Matthew T. Psicologia forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 92. 12 Tal estudo por Cleckley foi a base para boa parte do trabalho mais recente de Robert Hare6, um dos principais especialistas em psicopatia moderna e autor do método de diagnóstico mais frequentemente utilizado para este transtorno de personalidade, o Psychopathy Checklist-Revised (Escala de Hare). Em 1996, Hare definiu a psicopatia como um “transtorno socialmente devastador, sendo que os psicopatas são predadores dentro da própria espécie” (grifo nosso).7 Atualmente, a psicopatia é utilizada para designar uma forma específica de transtorno de personalidade antissocial (TPA), a qual pode ser diagnosticada de acordo com os critérios do DSM-IV TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria)8, quais sejam: Um padrão global de desrespeito e violação de direitos alheios, que ocorre desde os 15 anos, indicado por, no mínimo, três (ou mais) dos seguintes critérios: 1. Incapacidade de se adequar às normas sociais com relação a comportamentos lícitos, indicada pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção; 2. Propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais ou prazer; 3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro; 4. Irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas; 5. Desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia; 6. Irresponsabilidade consistente, indicada por constante fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou em honrar obrigações financeiras; e 7. Ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado alguém. 6 HUSS, Matthew T. Psicologia forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 93. 7 Ibid., p. 92. 8 HUSS, loc. cit. 13 Nota-se que a psicopatia nem sempre se iguala ao comportamento criminal. Devido ao conhecimento popular, quando pensamos no termo psicopata logo nos vem à cabeça a imagem de assassinos em série retratados em filmes, porém, o portador do transtorno da personalidade antissocial pode não ser um assassino, nem mesmo um criminoso de outro gênero. Entretanto, neste trabalho, é o psicopata infrator que nos interessa estudar, em especial o homicida e/ou agressor sexual. 1.1.1 Transtorno ou doença mental? O termo psicopatia costumava ser utilizado como uma designação genérica para doenças mentais9, uma vez que a palavra “psicopata” foi composta a partir do grego PSYKHÉ (mente, alma) mais PATHOS (sofrimento), formada no século XIX do alemão psychopatisch. No entanto, atualmente a psicopatia por si só não é considerada uma doença mental, tendo sido identificada em 1998 como o primeiro transtorno de personalidade aser reconhecido e, também é utilizada para designar uma forma específica de Transtorno da Personalidade Antissocial (TPA), como citado anteriormente.10 As pessoas portadoras deste transtorno sabem a diferença entre o certo e o errado. São pessoas racionais, muitas vezes altamente inteligentes e alguns conseguem ser também bastante sedutores, sabendo geralmente disfarçar seu distúrbio de forma a parecerem “normais”. De acordo com Cleckley11, os psicopatas produzem uma linguagem tecnicamente correta que mascara ou esconde os seus déficits emocionais subjacentes, além de que uma das características que compõem o perfil clínico do psicopata, segundo Cleckley, é a ausência de delírios ou sinais de pensamento ilógico, visto que não apresentam traços de psicose de qualquer tipo12. Tudo isso é fator indicativo de que psicopatas não se encaixam na categoria de doentes mentais. 9 HUSS, Matthew T. Psicologia forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 91. 10 HUSS, loc. cit. 11 Ibid., p. 103. 12 MARANHÃO, Odon Ramos. Psicologia do Crime. 2.ed.6.tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 87. 14 Diferentemente do neurótico, o psicopata não apresenta ansiedade e angústia. Já do psicótico, o psicopata se diferencia por não perder contato com a realidade ou sua própria identidade, e também não passa por delírios, alucinações e transtornos de conduta severos. O paranoico sofre de delírio crônico e sistemático enquanto o psicopata manipula a realidade, mas não a cria. O esquizofrênico também apresenta alucinações e delírios, algo que não faz parte do transtorno da psicopatia.13 Esta comparação revela-se importante para o debate acerca de culpabilidade, imputabilidade e qual sanção é mais adequada na ocorrência de infração penal, como veremos mais a frente. 1.1.2 Transtorno nato ou desenvolvido? Um dos grandes debates acerca da psicopatia diz respeito ao seu surgimento nos indivíduos. Até o presente momento não se sabe definitivamente quais são as causas da sua origem ou desenvolvimento, sendo que há quem aposte nos fatores genéticos associados à influência do meio familiar e social em que a criança, em sua 1ª, 2ª e 3ª infância foi formada. Por outro lado, há também os que acreditam que este transtorno de personalidade se desenvolva independentemente de qualquer um desses fatores. É difícil obter qualquer tipo de explicação definitiva quando existem tantos elementos aleatórios e incognoscíveis que interferem no desenvolvimento de um indivíduo. Para Robert Hare14, a psicopatia não está relacionada a um tipo específico de passado família ou experiências precoces, “mas o tipo de experiência vivenciada moldará muito do futuro comportamento do indivíduo, inclusive no tocante ao grau de violência e agressividade”. Na obra Serial Killers, anatomia do mal de Harold Schechter15, são descritas várias prováveis causas para a formação de um assassino em série (psicopatas homicidas geralmente com motivações sexuais por trás de seus crimes), 13 GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos; introdução às bases criminológicas da Lei 9.099/95 - Lei dos Juizados Especiais Criminais.7.ed.ref.atual.ampl. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 255. 14 GRECO, Rogério (Coord.). Medicina legal à luz do direito penal e do direito processual penal. 11.ed.rev.ampl.atual. Niterói: Impetus, 2013, p. 177. 15 SCHECHTER, Harold. Serial Killers, anatomia do mal. Tradução: Lucas Magdiel. Rio de Janeiro: Dark Side Books, 2013, p. 251 - 284. 15 vale citar algumas delas que podem ter relação com a formação de psicopatas em geral: - Danos cerebrais: casos de graves lesões na cabeça são surpreendentemente comuns na infância de assassinos em série. Gary Heidnik16, por exemplo, sofreu uma lesão tão grave quando era jovem ao cair de uma árvore que seu crânio ficou permanentemente deformado. Arthur Shawcross17 sofreu pelo menos quatro lesões graves na cabeça durante a juventude que o deixaram com cicatrizes no cérebro e um cisto no lóbulo temporal. A grande frequência de lesões cerebrais nestes indivíduos fez com que pesquisadores apontassem este como um fator-chave no desenvolvimento de psicopatas homicidas, isto porque muitos comportamentos associados às relações sociais são controlados pelo lobo frontal, que está localizado na parte mais anterior dos hemisférios cerebrais. Inclusive, existem muitos exemplos de pessoas que adquiriram transtorno da personalidade devido a lesões patológicas do cérebro, tais como tumores.18 Porém, o dano cerebral, por si só, não seria suficiente causa para a psicopatia, visto que também é comumente identificado na vida desses psicopatas homicidas uma criação muito abusiva. - Abuso infantil: Shawcross passou por diversas violências na sua infância. Seu vizinho o molestava com frequência e também foi sodomizado com um cabo de vassoura aos dez anos de idade. O pai de Heidnik, por sua vez, humilhava-o sistematicamente, exibindo em público os lençóis manchados de urina sempre que Gary molhava a cama. Apesar dos problemas neurológicos serem frequentemente um fator relevante na formação de um psicopata homicida, também os abusos e maus- tratos na infância são quase que universais em seus históricos familiares. O 16 Gary Heidnik foi um psicopata norte americano que manteve um total de 6 mulheres reféns em sua casa, estuprando-as e torturando-as, duas delas vindo a falecer. 17 Arthur Shawcross assassinou brutalmente uma série de prostitutas no norte do estado de Nova York, Estados Unidos, e costumava consumir parte de seus corpos. 18 SABBATINI, Renato M. E. O Cérebro do Psicopata. Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/n07/doencas/index_p.html>. Acesso em 03 ago. 2016. 16 psicoterapeuta paulista, Roberto Ziemer19, defende a tese de que todo assassino perverso sofreu alguma forma de abuso na infância. Pesquisas científicas recentes demonstram que uma criação traumática pode efetivamente alterar a anatomia do cérebro de uma pessoa, mais especificamente em regiões do córtex (relacionadas não só à inteligência, mas também às emoções). Tomografias cerebrais realizadas em crianças que sofreram abusos graves revelaram que estas áreas do córtex nunca se desenvolveram adequadamente, deixando-as incapazes de sentir empatia por outros seres humanos. Tal criação pode fazer surtir a psicopatia violenta ainda durante a infância e juventude, como no caso de Mary Bell, uma precoce assassina que aos 10 anos estrangulou até a morte duas crianças de 3 e 4 anos de idade, em 1968. A mãe de Mary, que era prostituta, participou na tortura sexual de sua filha, entre outros maus-tratos, segurando-a enquanto seus clientes a estupravam oralmente. - “Semente do mal”: a expressão “semente do mal” diz respeito à ideia de que uma criança profundamente psicopata pode crescer em um lar normal, estável e amoroso, ou seja, ela já nasce má. Porém, tal pensamento não possui evidência no mundo real, uma vez que praticamente todos os psicopatas assassinos são produtos de ambientes nitidamente disfuncionais. - Genes ruins: descobertas científicas recentes parecem confirmar que personalidades gravemente antissociais são, pelo menos em parte, produto de fatores genéticos. Sabe-se que pais amorosos, comunicativos e capazes de exercer autoridade conseguem passar uma boa criação aos filhos. Essas características dos pais, porém, podem ser fruto da hereditariedade que também serão passadas aos filhos, resultando em uma pessoa sem o transtorno da personalidade antissocial. Assim, o contrário também seria verdade, ou seja, pais que não são capazes de proporcionaruma boa criação aos filhos, colaborando para uma infância abusiva, podem ter passado seus “genes ruins” para os filhos que eventualmente se tornam psicopatas. 19 MENTE QUE MATA. São Paulo: Abril, n. 175, 2002. Disponível em: <http://super.abril.com.br/ciencia/mente-que-mata>. Acesso em: 03 ago. 2016. 17 Odon Ramos Maranhão20, propõe o reconhecimento de dois tipos de personalidades: a delinquente e a psicopática. A primeira seria fruto de um desvio do caráter proveniente de um ambiente deficitário onde o sujeito incorpora maus valores ou, reagindo a um abandono, torna-se adverso à estrutura social, sendo, porém, capaz de aprender pela experiência, ou seja, são “mal formados porque não tiveram a oportunidade de ser bem formados”. Já no caso da personalidade psicopática, Maranhão crê que o sujeito nasce com um defeito no caráter que o impede de incorporar as experiências vividas e o incapacita de integrar grupos e efetivar um plano de vida. Aqui o sujeito não é mal formado, mas sim, mal constituído. Ainda, afirma que até hoje não se afastou a causalidade biológico-constitucional como causa da origem da psicopatia. Nessa mesma lógica, Huss21 cita evidências de bases fisiológicas e neurobiológicas que distinguem psicopatas de não psicopatas, analisando o funcionamento de seus cérebros. Um estudo com Tomografia Computadorizada por Emissão de Fóton Único, a qual mapeava a atividade cerebral em tempo real, onde mostravam palavras emocionais e neutras aos participantes, revelou que o córtex cerebral dos psicopatas “é menos ativo, e que a ativação está em grande parte confinada ao córtex occipital, enquanto os não psicopatas apresentaram muito mais atividade nos outros córtex cerebrais”22. Isso sugere que psicopatas somente processam as informações visualmente (usando o lobo occipital), sem ligação com uma reação emocional. Vários outros estudos23 utilizando técnicas de mapeamento, como a Ressonância Magnética Funcional, apoiam esta noção de que partes do cérebro não são utilizadas pelos psicopatas ao processar estímulos emocionais. Segundo Sabbatini24, a psicopatia é um transtorno multideterminado, resultado de uma somatória dos fatores biológicos, sociais e psicológicos. Por esta 20 MARANHÃO, Odon Ramos. Psicologia do Crime. 2.ed.6.tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 78 e 79. 21 HUSS, Matthew T. Psicologia forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 105. 22 Ibid., p. 106 23 HUSS, loc. cit. 24 SABBATINI, Renato M. E. O Cérebro do Psicopata. Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/n07/doencas/index_p.html>. Acesso em 03 ago. 2016. 18 razão a abordagem biopsicossocial é a mais aceita na atualidade, em razão de ela tentar articular o fator biológico com os restantes níveis do comportamento humano. 1.2 O PSICOPATA O indivíduo que se enquadra na personalidade psicopática atua para satisfazer suas necessidades. Para isto, utiliza-se de mentiras, dissimulação, extrema sedução, de especial percepção para captar as sensibilidades dos outros e manipulá- los como melhor lhe agradar, sem preocupação com o aspecto ético de sua conduta ou com os sentimentos alheios. Psicopatas são pessoas racionais, sabem a diferença entre o certo e o errado, são muitas vezes altamente inteligentes, charmosos e conseguem passar a ilusão de serem pessoas normais. Porém, tudo passa de uma encenação para esconder uma profunda perturbação. Daniel Goleman25 evidencia que os “psicopatas são notórios por serem ao mesmo tempo encantadores e completamente desprovidos de remorso, mesmo em relação aos atos mais cruéis e impiedosos”. Sua característica mais marcante é a total falta de empatia, uma incapacidade de amar, de se preocupar e se importar com alguém, de sentir pena de qualquer pessoa além de si mesmo. Nada importa a eles a não ser suas próprias necessidades e os outros são simplesmente objetos a serem usados e manipulados a seu bel-prazer. O criminologista Edward Glover em seu livro The Roots of Crime (As raízes do Crime, de 1960) diz que psicopatas são “extraordinariamente egoístas, narcisistas e desonestos”.26 Importante ressaltar a descrição do quadro clínico da psicopatia, feito pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, para apontamentos futuros27: Este termo se refere a indivíduos cronicamente anti-sociais, e que estão em dificuldades, não tirando proveito nem da experiência e nem das punições sofridas e não mantendo lealdade real a qualquer pessoa, grupo ou código. São frequentemente empedernidos e hedonistas, mostrando acentuada imaturidade emocional, com falta de senso de responsabilidade, 25 GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995, p. 121. 26 SCHECHTER, Harold. Serial Killers, anatomia do mal. Tradução: Lucas Magdiel. Rio de Janeiro: Dark Side Books, 2013, p. 27. 27 MARANHÃO, Odon Ramos. Psicologia do Crime. 2.ed.6.tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 80. 19 falta de tirocínio e habilidade de racionalizar sua conduta de modo que ela pareça justificável e razoável. (sic) (grifo nosso) 1.2.1 Características do psicopata Como citado anteriormente, Harvey Cleckley e Robert Hare desenvolveram, cada um, um quadro de características diferentes que definem ou compõem o perfil clínico do psicopata. Existem atributos que se sobrepõe entre as listas e outros que não, como vislumbra-se a seguir28: QUADRO 1 - Características de Cleckley 1. Charme superficial e boa inteligência 2. Egocentrismo patológico e incapacidade de amar 3. Falsidade e falta de sinceridade 4. Ausência de remorso ou vergonha 5. Deficiência geral nas principais reações afetivas 6. Falta de resposta nas relações interpessoais gerais 7. Vida sexual e interpessoal triviais e pobremente integradas 8. Fracasso em seguir um plano de vida 9. Julgamento pobre e falha em aprender com a experiência 10. Não confiável 11. Perda específica de insight 12. Comportamento antissocial inadequadamente motivado, comportamento fantástico e desagradável com bebida e às vezes sem 13. Ausência de alucinações e outros sinais de pensamento irracional 14. Ausência de nervosismo 15. Comportamento fantástico e desagradável 16. Tentativas de suicídio raramente concretizadas É necessário ressaltar o item 13 da lista acima, descrevendo-o da seguinte maneira: “Não apresentam sinais de psicose de qualquer tipo. Seu 28 HUSS, Matthew T. Psicologia forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 94. 20 pensamento é lógico e convincente. São capazes de criticar verbalmente seus erros passados e emitir juízos aparentemente válidos”.29 A lista de Cleckley, elaborada em 1941, foi base para boa parte do trabalho de Robert Hare: QUADRO 2 - Itens do PSYCHOPATHY Checklist-Revised (Robert Hare): 1. Lábia/charme superficial – Fator 1 2. Senso grandioso de autoestima – Fator 1 3. Mentira patológica – Fator 1 4. Ausência de remorso ou culpa – Fator 1 5. Afeto superficial – Fator 1 6. Crueldade/falta de empatia – Fator 1 7. Comportamento sexual promíscuo 8. Falta de objetivos realistas de longo prazo – Fator 2 9. Impulsividade – Fator 2 10. Irresponsabilidade – Fator 2 11. Falha em aceitar responsabilidade pelas próprias ações – Fator 1 12. Versatilidade criminal 13. Necessidade de estimulação – Fator 2 14. Ludibriador/manipulador – Fator 1 15. Estilo de vida parasita – Fator 2 16. Controle deficiente do comportamento – Fator2 17. Problemas comportamentais precoces – Fator 2 18. Muitas relações conjugais de curta duração 19. Delinquência juvenil – Fator 2 20. Revogação da liberdade condicional – Fator 2 A Escala Hare é o método mais utilizado atualmente para se diagnosticar o quadro de psicopatia. Esta lista de 20 sintomas requer o julgamento clínico de um especialista para pontuá-lo. Para cada termo pode ser atribuído 0, 1 ou 2 pontos, significando ausência, possível presença e sintoma definitivamente exibido 29 MARANHÃO, Odon Ramos. Psicologia do Crime. 2.ed.6.tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 87. 21 pelo examinado, respectivamente. Assim, ao final da avaliação, o escore total poderá chegar a 40 pontos. Uma pontuação acima de 30 é geralmente considerada como “nota de corte” para a psicopatia30. A maioria dos itens do PCL-R está agrupada em duas categorias ou fatores. O Fator 1 é frequentemente rotulado como o fator interpessoal/afetivo, relacionado ao comportamento interpessoal e à expressão emocional, enquanto o Fator 2 tem ligação com o estilo de vida socialmente desviante/antissocial e consiste de itens baseados no comportamento. Ademais, discute-se se esse diagnóstico consiste de uma variável de categorias ou variável contínua. A primeira significa que quem pontua acima de 30 é considerado psicopata, já a segunda quer dizer que quanto mais alto o escore, mais psicopatia o indivíduo apresenta, o que nos leva ao debate acerca dos níveis de gravidade de psicopatas: - Psicopata de grau leve: a maior parte dos psicopatas enquadram-se neste grau, apesar de serem mais dificilmente diagnosticados, uma vez que geralmente não satisfazem totalmente os critérios do DSM do transtorno da personalidade antissocial. Sua capacidade de manipulação de outras pessoas os ajuda a passarem despercebidos no ambiente social. Podem nunca cometer crimes, mas quando o fazem, geralmente são atos ilícitos relativamente leves, como pequenos golpes e roubos, ou tiram algum tipo de vantagem sobre aquelas pessoas das quais conquistaram a confiança. Quando são encarcerados são tidos como presos exemplares pelo seu bom comportamento, novamente devido a sua capacidade de manipulação, simulando uma aparência de inocente.31 - Psicopata de grau moderado a grave: os indivíduos com nível de psicopatia moderado a grave exibem quase ou todos os critérios do Manual Diagnóstico referente ao transtorno de personalidade antissocial e normalmente são pessoas antissociais, diferentemente dos de nível leve, os quais têm mais facilidade para socializar. São uma parcela pequena dentre os psicopatas e tendem a ser mais perigosos. Os de grau moderado estão inseridos nos meios das drogas, grandes 30 HUSS, Matthew T. Psicologia forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 95. 31 GRAUS de psicopatia. Disponível em <http://www.psicopata.ardois.com.br/pg/14324/psicopata- graus-de-psicopatia/>. Acesso em 02 set. 2016. 22 golpes e estelionatos. Já os de grau muito grave cometem infrações mais violentas e brutais, sendo frequentemente os assassinos em série, os quais sentem prazer ao ver o sofrimento de outra pessoa. Após cometerem seus crimes, do mesmo modo que psicopatas de grau leve, não apresentam remorso algum, a despeito de terem ciência de que agiram ilegalmente e trouxeram enorme dor para alguém. Existe também uma parcela de psicopatas que não apresentam o TPA, Transtorno da Personalidade Antissocial. Estes indivíduos são comumente chamados de “psicopatas de sucesso” ou de colarinho branco, pois são aqueles que “não estão encarcerados e tendem a exibir inteligência superior, são mais educados e são de uma posição socioeconômica mais alta do que a maioria dos psicopatas”.32 Os psicopatas de sucesso são frequentemente encontrados trabalhando em corporações ou tendo um escritório político. 1.2.2 O psicopata criminoso e as punições Dentro da Criminologia estuda-se a prevenção e a reação ao delito. O primeiro ocupa-se dos modos para se evitar que os sujeitos cometam infrações penais. Já o segundo diz respeito a como o Estado, detentor do jus puniendi, deve lidar com o infrator tanto na questão da punição devida, quanto nas formas de impedir a reincidência. O meio que o Direito Penal possui para enfrentar a prevenção e a reação ao delito reside na pena aplicada ao fato típico. De acordo com o artigo 59 do Código Penal Brasileiro, as penas devem ser necessárias e suficientes à reprovação e prevenção do crime. Destarte, segundo nossa legislação penal, “a pena deve reprovar o mal produzido pela conduta praticada pelo agente, bem como prevenir futuras infrações penais”.33 Nosso Código, em relação às penas, adota um modelo misto (ou eclético), que combina as teorias absolutas e relativas. A primeira tem como objetivo 32 HUSS, Matthew T. Psicologia forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 97. 33 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 16.ed.rev.ampl.atual. Niterói: Impetus, 2014, p. 485. 23 principal a retribuição do crime praticado, significando uma espécie de compensação feita pelo condenado, principalmente no modo de uma aplicação de pena privativa de liberdade, pois, de outra forma, como uma restritiva de direitos, a sociedade entende ser um tipo de impunidade.34 Sobre a teoria absoluta, Mirabete35 ensina: O castigo compensa o mal e dá reparação à moral, sendo a pena imposta por uma exigência ética em que não se vislumbra qualquer conotação ideológica. Para a Escola Clássica, que considerava o crime um ente jurídico, a pena era nitidamente retributiva, não havendo qualquer preocupação com a pessoa do delinqüente, já que a sanção se destinava a restabelecer a ordem pública alterada pelo delito. (sic) Por sua vez, as teorias relativas da pena importam-se com a prevenção, tanto geral quanto especial. A prevenção geral atua na população quando esta fica intimidada ao assistir à pena sendo aplicada a algum infrator; ou, no seu modo positivo, a pena gera uma consciência geral de necessidade de respeito a determinadas regras. Ainda, a prevenção especial corresponde ao isolamento temporário do infrator (caráter negativo) impedindo-o de cometer novos crimes contra a sociedade livre, e funciona também como uma tentativa de inibi-lo a reincidir no futuro (caráter positivo). Mais uma vez Mirabete36, de maneira pertinente, esclarece a respeito das terias relativas: Na Escola Positiva, em que o homem passava a centrar o Direito Penal como objeto principal de suas conceituações doutrinárias, a pena já não era um castigo, mas uma oportunidade para ressocializar o criminoso, e a segregação deste era um imperativo de proteção à sociedade, tendo em vista sua periculosidade. Desta maneira, a teoria eclética adotada pelo nosso Sistema Penal segue o entendimento de que “a pena, por sua natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua finalidade não é simplesmente prevenção, mas um misto de educação 34 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 16.ed.rev.ampl.atual. Niterói: Impetus, 2014, p. 481. 35 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários a lei n§7210 de 11-07- 84. 11.ed.rev.atual. São Paulo: Atlas, 2004, p. 24. 36 MIRABETE, loc. cit. 24 e correção”.37 O Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), promulgada no país pelo Decreto nº 678/92, a qual dispõe no seu artigo 5.6 que as “penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reformae a readaptação social dos condenados”.38 Contudo, as penas não possuem estes efeitos sobre o psicopata. Deve-se chamar atenção a alguns aspectos característicos do estilo de vida do psicopata, em particular sua impulsividade. Por exibir um controle deficiente de sua conduta, “passa à ação sem que funcionem os mecanismos inibidores que permitem aos demais humanos frear suas tendências agressivas” (prevenção geral).39 Aliado a isto, eles também necessitam de excitação continuada e crescente, e não se preocupam com a repercussão negativa de seu comportamento em pessoas ao seu redor. Tais características somam-se para construir um perfil muito propício à prática de crimes, inclusive com uma violência desproporcional e gratuita, ignorando qualquer tipo de instrumento preventivo estatal. Contribuindo ao quadro criminológico do psicopata temos a sua incapacidade de aprender pela experiência ou pelo castigo (prevenção especial), como mencionado na descrição do quadro clínico da psicopatia, feito pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Psicopatas possuem um déficit emocional que concorre com sua incapacidade para “aprender da experiência, já que para aprender da experiência da memória há de armazenar os sentimentos vividos e o psicopata fracassa nesse âmbito”.40 Neles está ausente toda a inibição do comportamento criminoso pela sua péssima capacidade de condicionamento. Portanto, as punições existentes para coibir ações criminosas não são eficientes na prevenção nem reabilitação de psicopatas. 37 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários a lei n§7210 de 11-07- 84. 11.ed.rev.atual. São Paulo: Atlas, 2004, p. 25. 38 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos em San José, Costa Rica. Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Disponível em <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em 07 out. 2016. 39 GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos; introdução às bases criminológicas da Lei 9.099/95 - Lei dos Juizados Especiais Criminais.7.ed.ref.atual.ampl. São Paulo: Saraiva, 2011, p 254. 40 Ibid., p 258. 25 1.3 TRATAMENTOS Huss41 elucida que a maioria dos programas de sucesso na recuperação de criminosos em geral foca nas necessidades criminogênicas, ou seja, naqueles fatores que levaram a pessoa a delinquir e que poderiam resultar na sua reincidência. Assim, tratando estas necessidades as chances de o criminoso voltar para o crime diminuem e aumentam as buscas por alternativas não criminais para os comportamentos antissociais. No entanto, tendo em mente todas as características dos psicopatas estudadas previamente, fica a dúvida se realmente existe alguma cura para estre transtorno mental. Cleckley acreditava que não havia possibilidade de um tratamento efetivo, considerando que os psicopatas não têm a capacidade de formar vínculos emocionais, portanto não se beneficiariam da terapia. Em 1990, foi realizado um estudo com 80 presos inscritos em um programa de tratamento, o qual indicou, consistentemente, que os “psicopatas demonstravam menos melhora clínica, eram menos motivados e abandonavam o programa antes dos não psicopatas”.42 Outro estudo realizado em 1992, examinou 176 infratores de uma instituição forense, e constatou que houve um agravamento no quadro clínico dos psicopatas em questão. Entre os infratores não psicopatas, este tratamento conseguiu produzir uma melhora, reduzindo a reincidência entre os criminosos tratados. Porém, o resultado foi inverso quando o tratamento foi aplicado aos psicopatas. Sobre isto, Huss43 comenta: Esse estudo foi usado como indicação de que o tratamento não apenas fracassa com os psicopatas, como também a abordagem de tratamento errada pode, na verdade, transformar os psicopatas em melhores psicopatas ainda, dando a eles uma compreensão das emoções dos outros. (Huss e Langhinrichsen-Rohling, 2000). Contudo, o tratamento particular empregado naquela instituição era muito anticonvencional. Em outro estudo, 48 indivíduos considerados psicopatas foram tratados e somente 21 deles (44%) não demonstraram resposta ao tratamento, após um ano de tentativa. Alguns fatores foram apontados como responsáveis pela 41 HUSS, Matthew T. Psicologia forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 61. 42 Ibid., p. 107. 43 HUSS, loc. cit. 26 resposta terapêutica negativa: não aceitação prévia em realizar o tratamento psiquiátrico e falta de resposta ao mesmo; baixo nível de motivação para o tratamento; antecedentes prisionais; e crime no qual a vítima era desconhecida pelo paciente.44 Os melhores resultados de intervenção psicoterápica que vêm sendo propostos são aqueles com o objetivo de tratar os sintomas específicos dos transtornos de personalidade. Também a terapia comportamental dialética tem sido reconhecida internacionalmente pela sua eficácia no tratamento de transtornos de personalidade.45 Esta espécie de terapia é definida da seguinte maneira: Terapia Comportamental Dialética (TCD, ou Dialectical Behavior Therapy, DBT) é uma técnica psicoterápica desenvolvida pela psicóloga americana, Dra. Marsha Linehan, na qual se utilizam conceitos e estratégias da Terapia Comportamental Cognitiva (TCC) e treinamento de habilidades emocionais e sociais. Para os psicopatas de grau leve e moderado o tratamento efetivo até pode ser possível com medicação para que ajudem na produção dos hormônios noradrenalina e dopamina, e com psicoterapia cognitiva comportamental para ajudar a organizar os comportamentos disfuncionais e estimular os sentimentos como alegria, tristeza, medo, nojo e raiva, gerando, assim, um equilíbrio emocional. O psicopata de grau grave não irá aceitar nem a medicação e nem a psicoterapia. Ainda há pouco interesse pelos profissionais da área de saúde em estudar a psicopatia por entenderem que este transtorno mental tem caráter permanente, imutável. Assim, a “solução” frequentemente utilizada se resume no afastamento do psicopata criminoso do convívio social, desprezando a busca por novas possibilidades de tratamento. 44 ABDALLA-FILHO, Elias; MORANA, Hilda C P; STONE, Michael H. Transtornos de personalidade, psicopatia, e serial killers. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 28, suppl. 2, out. 2006. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462006000600005>. Acesso em 05 out. 2016. 45 ABDALLA-FILHO, Elias; MORANA, Hilda C P; STONE, Michael H, loc. cit. 27 2 O PSICOPATA NO ÂMBITO JURÍDICO 2.1 DA CULPABILIDADE E IMPUTABILIDADE Para que se possa falar em punição do psicopata, precisamos, primeiramente, abordar o instituto da culpabilidade, uma vez que somente aquele que é culpável é também punível. Podemos conceituar a culpabilidade, atualmente, como o “juízo de reprovação que recai sobre o agente do fato que podia se motivar de acordo com a norma e agir de modo diverso, conforme o Direito”.46 A culpabilidade, na concepção finalista, é composta por 3 elementos normativos: a imputabilidade, a potencial consciência sobre a ilicitude do fato e a exigibilidade de conduta diversa.47 A responsabilidade do agente pelo fato típico e ilícito por ele cometido somente existe caso ele seja imputável. Sanzo Brondt apud Rogério Greco48 leciona: A imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato), outro volitivo (capacidade de determinar- se de acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade (genérica) de compreender as proibições ou determinaçõesjurídicas. Bettiol diz que o agente deve poder ‘prever as repercussões que a própria ação poderá acarretar no mundo social’, deve ter, pois, ‘a percepção do significado ético- social do próprio agir’. O segundo, a ‘capacidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico. Conforme Bettiol, é preciso que o agente tenha condições de avaliar o valor do motivo que o impele à ação e, do outro lado, o valor inibitório da ameaça penal. Portanto, a imputabilidade se traduz na possibilidade de se atribuir (imputar) o fato típico e ilícito ao agente. O criminoso portador de transtorno de personalidade, em regra, é considerado imputável, uma vez que detém capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento. Como já falado, este indivíduo não sofre com alucinações ou outros sinais de pensamento irracional. Por outro lado, doenças mentais como a neurose, a psicose, a paranoia e a esquizofrenia levam à inimputabilidade quem as possui e comete algum delito, segundo o artigo 26 do Código Penal: 46 GOMES, Luiz Flavio. Direito penal: parte geral. 2.ed.rev.atual.ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 409. 47 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 16.ed.rev.ampl.atual. Niterói: Impetus, 2014, p. 392. 48 Ibid., p. 393. 28 Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Comprovada a total inimputabilidade, o agente deverá ser absolvido, conforme artigo 386, inciso VI do Código de Processo Penal, sendo então aplicada medida de segurança ao inimputável que cometeu algum delito, de acordo com o art. 97 do Código Penal. Existe, ainda, a figura da semi-imputabilidade, prevista no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal. O agente considerado semi-imputável terá sua pena reduzida de um a dois terços, visto que, em razão de perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Caso seja determinada a semi-imputabilidade do psicopata, a condenação em pena privativa de liberdade com redução dada pelo parágrafo único do artigo 26 do Código Penal não é a melhor atitude a se tomar. Seria uma decisão extremamente perigosa, pois, além de ele sequer passar por alguma espécie de tratamento psicológico, a sociedade teria em liberdade, mais cedo do que deveria, um criminoso com grande probabilidade de reincidência. Ainda, como já foi esclarecido, o psicopata não tira proveito da punição, portanto a mera prisão em instituição penitenciária comum não é o bastante. Assim, é necessária uma atenção especial nestes casos e que sempre se realize a perícia médica constatando a psicopatia do réu, para que este seja tratado devidamente, conforme as características do transtorno de personalidade antissocial. 2.2 PERÍCIA MÉDICA Através de uma avaliação psiquiátrica forense é possível determinar a imputabilidade do infrator, sendo, por conseguinte, muito importante no contexto jurídico penal. Este exame pode demonstrar o nível global de risco do indivíduo 29 avaliado, bem como compará-lo com outros sujeitos em situação similar e “identificar os fatores que provavelmente aumentam ou diminuem o risco de violência futura” 49. A avaliação psiquiátrica forense é normalmente feita a partir de uma entrevista que reúne informações sobre o examinado durante sua persecução penal ou mesmo quando já está cumprindo pena. Huss50 explica mais a fundo como se dá esta entrevista: As entrevistas clínicas normalmente consistem em solicitar informações pessoais sobre diferentes áreas da vida do examinando, tais como família, trabalho, saúde mental, abuso de substância, educação ou envolvimento legal. Um psicólogo forense pode perguntar a uma pessoa se ela teve alguma dificuldade na escola com os estudos, colegas ou problemas disciplinares. Ele também pode perguntar à pessoa sobre seus sentimentos e pensamentos atuais. Além da entrevista é importante a realização de testes psicológicos, no caso da psicopatia, o mais relevante é o teste de personalidade, concebido para medir alguns aspectos da personalidade do examinando, atestando sua normalidade ou possíveis psicopatologias ou doenças mentais. Existem também os Instrumentos para Avaliação Forense (IAF), os quais incluem medidas designadas para avaliar questões legais específicas como a inimputabilidade. Como já mencionado, o Psichopathy Checklist-Revised é o instrumento de avaliação forense mais frequentemente utilizado.51 É muito relevante, ainda, que o examinador se utilize de informações de arquivo na condução da avaliação forense, as quais equivalem às “informações coletadas dos registros institucionais ou entrevistas em situações em que a pessoa não estava sendo avaliada”52. Também fontes testemunhais, de amigos ou membros da família podem ajudar na corroboração de informações específicas em uma avaliação. 49 HUSS, Matthew T. Psicologia forense: pesquisa, prática clínica e aplicações. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 43. 50 Ibid., p. 46. 51 Ibid., p. 52. 52 HUSS, loc. cit. 30 A análise psicológica do infrator é de extrema importância para que o Direito Penal seja aplicado devida e eficazmente, cumprindo com sua finalidade de prevenção e reprovação. 31 3 ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS Para uma noção mais tangível do comportamento criminoso destes indivíduos, citaremos exemplos de alguns psicopatas homicidas brasileiros, como foram os crimes que cometeram e em qual situação jurídica se encontram. Suas histórias de vida corroboram os estudos teóricos concernentes à psicopatia. 3.1 FRANCISCO DE ASSIS PEREIRA – “MANÍACO DO PARQUE” Um dos casos de assassinatos em série mais famoso da história do Brasil foi perpetrado por Francisco de Assis Pereira, motoboy que ganhou o apelido de “Maníaco do Parque” em razão de seus crimes cometidos no ano de 1998. Francisco abordava suas vítimas, todas mulheres jovens, na rua, apresentando-se como agente de modelos. Com seu charme, Pereira conseguia convencer as mulheres a subir em sua moto para irem até um parque fazer uma sessão de fotos. Quando chegavam ao local, bem conhecido pelo motoboy, ele estuprava e estrangulava suas vítimas até a morte, abandonando seus corpos no local do crime. Ao total foram encontrados oito corpos. Outras mulheres foram vítimas de ataques de Francisco, porém conseguiram escapar vivas. O maníaco do parque foi sentenciado a um total de 271 anos de reclusão e está preso desde 1998. Em 1995, Francisco já havia sido preso por tentativa de estupro, mas foi libertado, pagando fiança de R$ 80,00 por ser réu primário.53 Durante seus depoimentos, Francisco alegava estar possuído por “forças malignas” quando cometeu seus crimes e sua defesa argumentava que o motoboy não tinha consciência do crime. Em um dos julgamentos ele foi considerado semi-imputável, pois tinha consciência do crime, mas não conseguia de “autodeterminar”. Porém, em outro julgamento foi considerado imputável. Chama a atenção o fato de que todas as suas vítimas aceitavam seu convite espontaneamente, sem coação física ou moral por parte de Francisco. “Logo após sua prisão, a perita da Polícia Civil Jane Pacheco Belucci conversou com ele por 53 SERPONE, Fernando. Caso Maníaco do Parque. 2011. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/crimes/caso-maniaco-do-parque/n1596992315299.html>.Acesso em: 21 set. 2016. 32 duas horas e afirmou: ‘Ele é inteligentíssimo, tem uma fala mansa que convence’”.54 Esse comportamento vem de encontro com o entendimento de que psicopatas normalmente possuem alta inteligência e poder de convencimento. Segundo reportagens feitas sobre sua vida55, o maníaco do parque aparentava ser um cidadão normal, adorado por todos, que escondia muito bem sua profunda perturbação psicológica. Francisco relatou que havia sido abusado por uma tia, que quando era mais velho foi assediado por um patrão, mantendo relações homossexuais com este, e também que uma ex-namorada teria machucado seu pênis em uma ocasião, resultando em dores durante relações sexuais futuras, fato confirmado por suas vítimas sobreviventes.56 Em entrevista57 Francisco conta como é a compulsão por violentar e matar uma mulher. Ele diz que tinha desejos canibais, de sentir a carne humana na sua boca. Após a primeira morte, Francisco se masturbava relembrando as imagens do crime e logo isso o fez procurar outra vítima para satisfazer seus impulsos. Impressiona a maneira como Francisco responde às perguntas de maneira tão tranquila e serena enquanto descreve seus crimes. Atualmente ele alega ser uma “pessoa normal”, que se arrepende dos crimes e que “se sente perdoado por Deus”.58 3.2 PEDRO RODRIGUES FILHO – “PEDRINHO MATADOR” O histórico criminoso deste famoso psicopata homicida brasileiro é extenso e precoce. Aos 13 anos cometeu sua primeira tentativa de homicídio contra o próprio primo, da mesma idade, empurrando-o em um moedor de cana. Aos 14 matou pela primeira vez: o prefeito de Santa Rita do Sapucaí, Minas Gerais, ordenou a demissão do pai de Pedro por ser acusado de roubar merenda da escola onde era 54 SERPONE, Fernando. Caso Maníaco do Parque. 2011. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/crimes/caso-maniaco-do-parque/n1596992315299.html>. Acesso em: 21 set. 2016. 55 APRENDIZ, O. Reportagem Retrô: Maníaco do Parque, A Face Inocente do Terror. Disponível em: <http://oaprendizverde.com.br/2015/07/19/reportagem-retro-maniaco-do-parque-a-face-inocente- do-terror>. Acesso em: 26 set. 2016. 56 SERPONE, op. cit. 57 O maníaco do parque, Francisco de Assis Pereira. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=DIW6_oXD-QU>. Acesso em 27 set. 2016. 58 ABC, Diário do Grande. 'Maníaco do Parque' se sente perdoado por Deus. 2001. Disponível em: <http://www.dgabc.com.br/Noticia/374536/-maniaco-do-parque-se-sente-perdoado-por-deus>. Acesso em: 27 set. 2016. 33 vigia, por isso Pedro matou a tiros o prefeito e também outro vigia, o qual achava ser o verdadeiro culpado pelo roubo. Após o início da sua carreira criminosa, Pedro passou a cometer mais infrações. Envolveu-se com a viúva de um líder do tráfico em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, para onde havia fugido. Logo assumiu o papel de traficante, eliminando alguns rivais. Morou nesta cidade até que a polícia executou sua companheira, porém, ele conseguiu escapar para continuar no tráfico. Começou a se relacionar com outra mulher, a qual foi morta a tiros quando estava grávida de Pedro. Para se vingar, o psicopata torturou e matou várias pessoas a fim de descobrir os responsáveis pelo assassinato de sua companheira. Quando delataram o mandante, Pedro e quatro amigos foram até uma festa de casamento onde aquele estava e mataram sete pessoas, deixando, ainda, 16 feridos. Em 1973, logo após completar 18 anos, já tendo cometido vários homicídios, Pedro foi finalmente preso, passando a maior parte da sua vida adulta em reclusão, onde ganhou o apelido de Pedrinho Matador. Antonio José Elias Andraus e Norberto Zoner Jr, ambos psiquiatras, o analisaram em 1982 para um laudo pericial e relataram que a maior motivação da vida de Pedro era a “afirmação violenta do próprio eu”59, concluindo pelo diagnóstico de caráter paranoide e comportamento antissocial do criminoso. Estima-se que, ao total, Pedro Rodrigues Filho tenha assassinado mais de 100 pessoas, parte desse número enquanto estava em liberdade e a outra parte quando preso. Uma de suas vítimas foi o próprio pai, após ter sido preso pelo homicídio da mãe de Pedro, tendo inclusive arrancado um pedaço do coração de seu genitor, mastigado e cuspido fora. Outra vítima foi um suposto assassino de uma de suas irmãs. Alega-se que Pedro também já matou por motivos tão insignificantes quanto o ronco de um companheiro de cela, ou simplesmente porque “não foi com a cara” de sua vítima. Em entrevista, Pedro disse que considerava matar um vício, um 59 MENDONÇA, Ricardo. O monstro do sistema. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR57160-6014,00.html>. Acesso em: 27 set. 2016. 34 hábito.60 O Maníaco do Parque, mencionado anteriormente, ficou preso no mesmo estabelecimento que Pedro e foi jurado de morte por este. Suas condenações somavam 128 anos de reclusão e Pedro deveria ter sido posto em liberdade em 2003, com 30 anos de cumprimento de pena. Porém, devido aos crimes cometidos enquanto encontrava-se recluso, a pena chegou a quase 400 anos e sua permanência na prisão foi prorrogada, sendo solto em 2007. Em 2011 foi preso em Balneário Camboriú, Santa Catarina, pela participação em seis motins e por privação de liberdade de um agente carcerário durante uma das rebeliões. Está em reclusão até o presente momento. Cada um vive de acordo com a sua realidade e dela constrói seus padrões de normalidade. O pai de Pedro desde sempre foi violento e agressivo no ambiente familiar, inclusive agrediu a mãe de Pedro enquanto ela estava grávida dele, resultando em ferimentos no crânio do futuro assassino. Apesar de Pedro não ter crescido e se tornado um agressor de mulheres, ele ainda assim é violento e perigoso para a sociedade, uma vez que encara a morte alheia como algo banal. Sua história é exemplo de que o sistema penal comum não é eficaz nem ideal para se punir e tentar ressocializar psicopatas criminosos. 3.3 ROBERTO APARECIDO ALVES CARDOSO – “CHAMPINHA” Em 2003, Roberto Aparecido Alves Cardoso, na época com 16 anos, juntamente com outros 4 homens maiores de idade, renderam o jovem casal Liana Friedenbach, de 16 anos, e Felipe Caffé, de 19, enquanto estes acampavam na cidade de Embu-Guaçu, região metropolitana de São Paulo. Felipe foi morto com um tiro na nuca, em frente à Liana, que ficou refém por 4 dias, período no qual foi torturada e estuprada por todos os homens do grupo. Por fim, foi morta a facadas por Roberto Aparecido. Os quatro adultos foram condenados pelos respectivos crimes, a maior condenação foi de 110 anos. Champinha foi inicialmente internado por três anos na antiga Febem, atual Fundação Casa, por ser menor de idade na época dos fatos e 60 APRENDIZ, O. Serial Killers: Pedrinho, O Matador, é preso em Santa Catarina. Disponível em: <http://oaprendizverde.com.br/2011/09/16/serial-killers-pedrinho-o-matador-e-preso-em-santa- catarina/>. Acesso em: 27 set. 2016. 35 por este ser o prazo máximo estipulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo seu art. 121, § 3º. Chegando o término da medida socioeducativa, o Ministério Público entrou com pedido de interdição civil e que Roberto continuasse internado em instituição psiquiátrica. Os laudos médicos atestaram sua personalidade psicopática, responsável por seu comportamento impulsivo e perigoso, por sua falta de culpa e remorso em relação aos atos cometidos, e sua alta probabilidade de voltar a infringir caso seja libertado. Em vista disso, Roberto teve sua interdição civil decretada e foi transferido para a Unidade Experimental de Saúde (UES), na capital paulista, onde se encontra desde 2006.61 Na sua adolescência,Roberto Aparecido frequentemente se envolvia em brigas, chegou a ser apontado como integrante de uma quadrilha de desmanche de carros e, ainda, foi suspeito de matar um morador de rua. Ele é o quarto filho de uma família de cinco irmãos, ficou em uma escola da região até os 14 anos e não chegou a estudar além da terceira série.62 Foram diversos pedidos de liberdade em favor de Champinha, porém todos negados, inclusive pelo STF, com base em seus laudos psicológicos os quais continuaram a evidenciar sua predisposição a se envolver em atos violentos, a ausência de culpa e remorso, o desrespeito pelas leis e regras sociais e seu comportamento extremamente impulsivo, o que representa uma alta periculosidade à sociedade, caso seja concedida a liberdade.63 Seus defensores pediram a troca da internação pelo regime ambulatorial, dando continuidade ao seu tratamento em liberdade. Outros laudos periciais apontaram que a “internação não melhora o tratamento e que Champinha 61 ESTADO, Agência do. Internação de Champinha custa R$ 30 mil por mês aos cofres públicos. Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2015/11/25/interna_nacional,711375/internacao-de- champinha-custa-r-30-mil-por-mes-aos-cofres-publicos.shtml>. Acesso em: 29 set. 2016. 62 FANTÁSTICO. Imagens exclusivas mostram como Champinha vive atualmente. 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/11/imagens-exclusivas-mostram-como- champinha-vive-atualmente.html>. Acesso em: 29 set. 2016. 63 ARAÚJO, Glauco. Justiça de SP decide que Champinha vai continuar internado, diz MP. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/05/justica-de-sp-decide-que-champinha- vai-continuar-internado-diz-mp.html>. Acesso em: 29 set. 2016. 36 apresenta condições, mínimas, de controlar seus impulsos”. Ao mesmo tempo, os referidos laudos dizem que o psicopata representa risco à sociedade.64 A Unidade Experimental de Saúde é vinculada à Secretaria Estadual da Saúde e se destina a recuperar jovens infratores com distúrbios mentais graves que oferecem alto risco à sociedade e a outros internos, como se vislumbra no caso de Pedro Rodrigues Filho (item 4.2) que matou aproximadamente 50 homens durante seu tempo preso.65 3.4 FRANCISCO DA COSTA ROCHA – “CHICO PICADINHO” Em 3 de agosto de 1966 Francisco da Costa Rocha estrangulou e esquartejou o corpo de Margareth Suida, quem ele havia conhecido poucas horas antes em um bar no centro de São Paulo e a convidou para irem ao seu apartamento, onde se deu o homicídio. Por este crime, Francisco foi condenado em 1968 a 17 anos de prisão e após 6 anos de cumprimento da pena, conseguiu a progressão do regime por bom comportamento, com o aval de psiquiatras e peritos forenses. No entanto, em 1976, após 02 anos de liberdade, Francisco voltou a delinquir: tentou matar uma mulher, Rosemarie Michelucci, mas ela conseguiu escapar. Um mês depois atacou novamente outra mulher, Angela de Souza da Silva, e no mesmo ano foi condenado e preso pela sua morte, cujo corpo ele também esquartejou, como sua primeira vítima.66 Em 1998 deveria ter sido libertado pelo cumprimento de 30 anos de pena, porém o Ministério Público interveio e pediu a interdição de Francisco baseado em laudos médicos e psiquiátricos os quais atestaram que o réu não tinha condições mentais de voltar a viver em sociedade, por ser ainda considerado perigoso. Ele se encontra, desde então, internado na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. 64 ESTADO, Agência do. Internação de Champinha custa R$ 30 mil por mês aos cofres públicos. Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2015/11/25/interna_nacional,711375/internacao-de- champinha-custa-r-30-mil-por-mes-aos-cofres-publicos.shtml>. Acesso em: 29 set. 2016. 65 ESTADO, op. cit. 66 DIRETA, Linha. Chico Picadinho. Disponível em: <http://redeglobo.globo.com/Linhadireta/0,26665,GIJ0-5257-215805,00.html>. Acesso em: 29 set. 2016. 37 Em 2010 um pedido de levantamento da interdição em favor de Francisco, à época com 68 anos, foi negado pelo juiz Jorge Alberto Passos Rodrigues, baseado na constatação de peritos do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (Imesc) “de que Chico é incapaz de se responsabilizar por seus atos, podendo voltar a matar se sair da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté”.67 Ainda, de acordo com o juiz, “todos os laudos realizados confirmaram que o interditado não possui condições de gerir a sua vida civil, sem representar ameaça à sociedade haja vista as características de transtorno mental descritas nos laudos”.68 Em 2015 o Tribunal de Justiça de São Paulo também já negou recurso para o pedido de liberdade de Francisco seguindo recomendação do Ministério Público por ainda não existir condições para seu retorno ao convívio em sociedade.69 Atualmente Francisco está com 74 anos e segue internado na Casa de Custódia de Taubaté. Segundo entendimento da decisão, a interdição por tempo indeterminado não equivale a prisão perpétua.70 67 FARIA, João Carlos de. Justiça de Taubaté-SP nega liberdade a Chico Picadinho. 2010. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,justica-de-taubate-sp-nega-liberdade-a- chico-picadinho,613200>. Acesso em: 29 set. 2016. 68 FARIA, op. cit. 69 G1, Vale do Paraíba e Região. Tribunal de Justiça nega recurso para liberdade de Chico Picadinho. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba- regiao/noticia/2015/11/tribunal-de-justica-nega-recurso-para-liberdade-de-chico-picadinho.html>. Acesso em: 29 set. 2016.. 70 MATSUURA, Lilian. Interdição por tempo indeterminado não é prisão perpétua, afirma TJ- SP. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-nov-27/interdicao-tempo-indeterminado- nao-prisao-perpetua-tj-sp>. Acesso em: 29 set. 2016. 38 4 A REAÇÃO DO SISTEMA PENAL AO PSICOPATA CRIMINOSO 4.1 PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE Quando um sujeito infringe a norma penal através de uma conduta delituosa, ao Estado surge o direito de punir (jus puniendi), o qual, segundo José Frederico apud Haroldo Caetano da Silva71 significa o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação ou omissão descrita no preceito primário, causando um dano ou lesão jurídica, de maneira reprovável. Com a sentença condenatória, esse direito se concretizará. Tendo em vista que o presente estudo se concentra em psicopatas que cometeram o crime de homicídio capitulado no artigo 121 do Código Penal, cuja sanção prevista é a reclusão de 6 a 20 anos (na sua modalidade simples), a espécie de pena aplicadas nestes casos são as privativas de direito. Como ainda não existe um tratamento penal diferenciado devidamente legislado para casos de psicopatia como um agente fronteiriço, já que vive entre o limítrofe da loucura e da sanidade, estes criminosos normalmente são encarcerados em penitenciárias comuns, juntamente com outros infratores considerados sãos. Poucos são os casos onde o psicopata foi tratado com excepcionalidade, como foi com “Chico Picadinho” e “Champinha”. Já “Pedrinho Matador” cumpre sua pena em prisão comum, o que resultou em quase 50 mortes de outros presos, praticamente dobrando o número de assassinatos que este psicopata já havia cometido. Ao ser aplicada a pena privativa de liberdade para o psicopata, ele é colocado no meio de pessoas que ele pode manipular e persuadir, tornando-se uma espécie de líder no presídio. Acerca desta problemática, Nathalia Cristina Soto Banha72 tece os seguintes comentários: 71 SILVA, Haroldo Caetano da. Manual da execução penal. 2.ed.Campinas: Bookseller, 2002, p. 35. 72 BANHA, Nathalia Cristina Soto. A resposta do Estado aos crimes cometidos por psicopatas. Disponível. <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5321>. Acesso em 05 out. 2016. 39 São eles que, na maioria das vezes, comandam rebeliões, controlam o tráfico mesmo dentro das prisões e ainda aprimoram o conhecimento e a crueldade de presos comuns, confirmando a idéia de que a prisão é uma escola do crime. (sic) Soma-se a essa situação desfavorável o fato de que psicopatas não assimilam a repreensão objetivada pela punição, sendo altamente provável que reincidam nos crimes quando forem libertados após cumprirem sua pena. Assim, fica claro que a condenação à pena privativa de liberdade a ser cumprida em instituição penitenciária comum, sem qualquer acompanhamento psicológico, juntamente com criminosos sem o transtorno de personalidade antissocial e psicopatia, não é a melhor solução, tanto para os psicopatas quanto para os infratores com quem aqueles conviveriam. No mínimo deve existir uma separação entre estes indivíduos. 4.2 MEDIDAS DE SEGURANÇA 4.2.1 Disposições gerais As medidas de segurança surgiram a partir do momento que se desenvolveram os estudos acerca das enfermidades mentais, criando a noção de inimputabilidade pela doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. A partir disto, foi definido que aos enfermos mentais não poderia ser aplicada a mesma sanção que aos criminosos sãos. Assim, a “punição” para os inimputáveis passou a denominar-se de medida de segurança. Também aos semi-imputáveis é possível a aplicação da medida de segurança, caso o juiz determine ser necessário um especial tratamento curativo ao condenado, de acordo com o art. 98 do Código Penal. A Lei nº 7.209/84 alterou o sistema duplo binário que permitia a cumulação de medida de segurança com penas ao semi-imputável, passando a viger o sistema vicariante ou unitário, onde só uma ou outra sanção pode ser aplicada a este indivíduo. Deste modo, a medida de segurança deixou de ser um complemento da pena, passando a ser medida autônoma.73 73 TRISTÃO, Adalto Dias. Sentença criminal: prática de aplicação de pena e medida de segurança. 5.ed.rev.atual.ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 161. 40 Mirabete74 comenta a respeito desta alteração: Ficou assim demarcado o caráter exclusivamente preventivo e assistencial da medida de segurança, aplicada em decorrência da periculosidade, distinto do fundamento da imposição da pena, que é a culpabilidade. Tem-se como finalidade da medida de segurança a “adequada reintegração social de um indivíduo considerado perigoso para a própria sociedade”75, indivíduo este que precisa de tratamento especial para ressocialização, em razão da sua enfermidade ou transtorno mental. O Código Penal não é expresso quanto aos pressupostos para a aplicação da medida de segurança, porém, a partir de interpretação dos seus artigos 97 e 98, infere-se que dois são os requisitos exigidos: (1) a prática, pelo agente, de fato definido como crime; e (2) a comprovação da periculosidade do agente.76 Em relação à primeira condição, é importante ressaltar que o juiz precisa reconhecer que o agente praticou fato típico e antijurídico. Caso o fato não seja ilícito penal ou “se apurar que o acusado agiu ao abrigo de uma excludente da antijuricidade”77, a medida de segurança é inaplicável. Também é necessário que o réu seja perigoso, com grande probabilidade de voltar a delinquir. A respeito desse pressuposto, Mirabete78 ensina: Essa periculosidade é presumida quanto ao inimputável, já que a lei determina a aplicação da medida de segurança àquele que cometeu o ilícito nas condições previstas no art. 26 do Código Penal (art. 97 do CP). No que diz respeito ao chamado semi-imputável, a periculosidade pode ser reconhecida pelo juiz que, em vez de aplicar a pena, a substitui por medida de segurança por necessitar o acusado de especial tratamento curativo (art. 98 do CP). A substituição da pena privativa de liberdade pela medida de segurança no caso do semi-imputável somente deverá ser realizada mediante comprovação pericial de que o agente “é perigoso ou que a doença ou perturbação 74 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários a lei n§7210 de 11-07- 84. 11.ed.rev.atual. São Paulo: Atlas, 2004, p. 735. 75 FREITAS, Ana Clelia de. Medida de segurança: princípios e aplicação. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8536/Medida-de-seguranca-principios-e-aplicacao>. Acesso em 08 out. 2016. 76 TRISTÃO, op. cit., loc. cit. 77 MIRABETE, op. cit., p. 736. 78 Ibid., p. 737. 41 da saúde mental pode ser curada ou ao menos atenuada com um tratamento psiquiátrico especializado”.79 Sempre que houver dúvida quanto à integralidade mental do agente, o incidente de sanidade deve ser suscitado, nos termos dos artigos 149 a 154 do Código de Processo Penal, tanto de ofício, pelo juiz, quanto a requerimento das partes. Também durante o inquérito policial a autoridade policial pode representar quanto à necessidade do exame. Por consequência, sendo o exame determinado, o andamento do feito principal será suspenso e o incidente processado em apartado.80 Após o trânsito em julgado da sentença em que foi aplicada medida de segurança, ordena-se a expedição de guia para a execução do internamento ou do tratamento ambulatorial. Existem diversos estabelecimentos penais estabelecidos pela Lei de Execução Penal. A Penitenciária é o local onde o condenado cumprirá sua pena de reclusão, em regime fechado (art. 87). Os condenados em regime semiaberto cumprem sua pena em Colônia Agrícola, Industrial ou similar (art. 91). Para o cumprimento das penas privativas de liberdade em regime aberto e da pena de limitação de fim de semana, existe a Casa do Albergado (art. 93). Por sua vez, as medidas de segurança são cumpridas nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (art. 99) em casos de internação e tratamento ambulatorial, sendo que este último também pode ser realizado em outro local com dependência médica adequada (art. 101). Não existindo necessidade de custódia ou vigilância, no caso do tratamento ambulatorial, mas somente do tratamento e fiscalização, estas medidas podem ser executadas em qualquer estabelecimento público hospitalar com atendimento psiquiátrico. Na hipótese da internação, permite- se o encaminhamento para hospital psiquiátrico ou similar, desde que ofereça condições de custódia. 79 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários a lei n§7210 de 11-07- 84. 11.ed.rev.atual. São Paulo: Atlas, 2004, p. 743. 80 TRISTÃO, Adalto Dias. Sentença criminal: prática de aplicação de pena e medida de segurança. 5.ed.rev.atual.ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 163. 42 4.2.2 Espécies Estão previstas no artigo 96 do Código Penal brasileiro as duas espécies de medida de segurança, quais sejam: (1) internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou em outro estabelecimento adequado; e (2) tratamento ambulatorial.81 A internação consiste em medida detentiva enquanto o tratamento ambulatorial é não detentiva, de caráter restritivo. Ambas podem ser aplicadas tanto aos inimputáveis quanto aos semi-imputáveis. A diferença fica no tipo de pena que seria aplicada ao crime cometido pelo indivíduo. Caso ela seja de reclusão, impõe-se a medida de internação, já para penas de detenção, determina-se a medida de tratamento ambulatorial. No entanto, como esclarece Mirabete82, apesar de ser condenado com “detenção o crime praticado pelo agente, mediante o exame do caso concreto e da periculosidade por ele
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