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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ARQUITETURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO FLAVIO MARZADRO O PÚBLICO NA ARTE PÚBLICA: PRESENÇAS, DISCURSOS, EXPERIÊNCIAS E ATIVAÇÃO NO BAIRRO DO COMÉRCIO, EM SALVADOR DA BAHIA Salvador 2014 2 FLAVIO MARZADRO O PÚBLICO NA ARTE PÚBLICA: PRESENÇAS, DISCURSOS, EXPERIÊNCIAS E ATIVAÇÃO NO BAIRRO DO COMÉRCIO, EM SALVADOR DA BAHIA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração: Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis Costa Salvador 2014 3 FLAVIO MARZADRO O PÚBLICO NA ARTE PÚBLICA: PRESENÇAS, DISCURSOS, EXPERIÊNCIAS E ATIVAÇÃO NO BAIRRO DO COMÉRCIO, EM SALVADOR DA BAHIA Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Área de concentração: Urbanismo. Aprovada em....... de.............................de Banca Examinadora ___________________________________ - Orientador Francisco de Assis da Costa (PPGAU-UFBA) Doutor em História da Arquitetura e História Urbana ___________________________________ Eugênio de Ávila Lins (PPGAU-UFBA) Doutor em História da Arte ____________________________________ Maria Suzana de Souza Moura (PDGS-UFBA) Doutora em Administração 4 Dedico esta Dissertação à minha esposa Zana e ao nosso pequeno filho Pietro, por me ensinarem um novo modo de ver o mundo, com muito mais amor e beleza, dando um novo sentido ao meu cotidiano e um novo curso à minha vida. 5 AGRADECIMENTOS Os agradecimentos em um trabalho tão longo não é tarefa fácil, ainda que muito agradável. Em primeiro lugar, agradeço imensamente à minha esposa, Zana, por toda ajuda e conforto espiritual e afetivo oferecidos em todo este período. Nossas intensas conversas sobre as ambivalências, limites e desafios de meu percurso de pesquisa, imbricada em minha produção artística, foram extremamente ricas, pois encontrei sempre uma interlocutora com uma imensa capacidade crítica e que também compartilha da abordagem pragmaticista do fazer ciência. Também agradeço à Pietro, meu filho de quatro anos, que, muitas vezes, me acompanhou para os lugares da minha pesquisa e da minha arte, revelando- se um rapazinho sensível e curioso, que comumente me mostrava coisas que, em sua ausência, certamente não seriam por mim percebidas. Uma gratidão especial é devida à minha sogra, D. Rosa, sem a qual a minha dedicação ao trabalho, sem dúvida, teria sido menor. O segundo conjunto de agradecimentos é direcionado aos colegas e amigos que conheci durante o processo de pesquisa e que me acompanharam – com diferentes intensidades – por um longo período, nos três programas de pós- graduação pelos quais transitei (Arquitetura e Urbanismo, Cultura e Sociedade e Artes Visuais). Nossas diversas discussões foram úteis para que eu aprofundasse a pesquisa, percebesse fragilidades e tentasse corrigi-las, na medida do possível. Essas pessoas também me ajudaram a entender uma cultura que não é a minha e um modo de produzir conhecimento acadêmico dentro de outra tradição, que eu, até então, pouco conhecia. Meus sinceros agradecimentos aos amigos Janine, Morgana e Chico, do grupo de pesquisa Cultura e Subaternidade. Aos professores Maurício e Marinyse, cuja convivência, há três anos, vem me ajudando muito a amadurecer, ainda que, talvez, menos do que eles merecem. Aos amigos do PPG-AU, Marina, Cinira, Felipe, Sérgio, Gustavo e Pablo, meus calorosos 6 agradecimentos e amizade. E aos professores e colegas de Belas-Artes, representados por Nanci Novaes, Beth Actis e Mariela Brazón Hernandes. O terceiro conjunto de agradecimentos direciono a todos os amigos do Movimento Nosso Bairro é o 2 de Julho, em particular a Ivana, Viviane, Sandro, Mendes, Maya e Vilma, com os quais compartilhei tempo e esforço em nossa luta pelo bairro, bem como com os amigos Marcelo, Antonello, Iasnaia e Flavia, que estiveram mais diretamente envolvidos com a ação do Que Ladeira é Essa? e seu desenrolar. Devo mencionar aqui os amigos que participaram das experiências de ativação artística, desenvolvidas no âmbito desta pesquisa, e que constituem o quarto conjunto de agradecimentos: Talitha Andrade (em Grafite com Talitha Andrade); Roberta Nascimento, Arthur Scovino, Alex Simões, Thalita Andrade, Ricardo Alvarenga, Eduardo Silva, Alex Oliveira, Gerônimo, Aruane Garzedin (em Post-Factum Ladeira da Montanha); Eduardo Silva, Alex Simões, Zé Mario, Eliane Gracia e Sônia Chaves (em Mercado do Ouro ou Praça das Mãos?). Obrigado ainda à Francisco Zorzo pela iniciada parceria. Gostaria de citar ainda os colegas e amigos envolvidos com a mostra individual Memórias do Concílio de Trento, que, mesmo não fazendo parte oficialmente dos materiais de pesquisa, se tornou uma ocasião de grande importância para mim no decorrer deste processo. Um obrigado especial aos professores Eugênio Lins, Pe. Gilson Magno, Vinicius Lins Gesteira, Lula Carvalho, Neila Maciel, Mônica Farias, Maurício Matos, Sandro Santos Ornelas, Malie Matsuda e Nancy Vieira, bem como aos amigos Eduardo Silva, Marco Nicolletti, Rita Nascimento e à minha curadora Lêda Deborah. Obrigado ainda ao diretor do Museu de Arte Sacra, Francisco Portugal, e toda a sua equipe. Agradeço ao corpo de professores do Mestrado em Arquitetura e Urbanismo, que me ajudaram a pensar diferentes aspectos da minha pesquisa. Sou grato à professora Paola Berenstein e seu grupo de pesquisa, pelas ricas oportunidades de ação e discussão no Mestrado. Aos professores Eugênio Lins e Maria Suzana Moura, pelas observações, críticas e sugestões nas Bancas de Qualificação, que em muito contribuíram para o desenvolvimento 7 deste produto final. Agradeço de coração ao professor Francisco Costa (e, por extensão, ao seu grupo de pesquisa Visões Urbanas), que acolheu o meu projeto, oferecendo a liberdade que precisava para desenvolvê-lo. Obrigado pela parceria e por acreditar em mim. Não poderia deixar de agradecer aos professores Pierluigi Crosta e Liliana Padovani, duas referências para mim em termo de formação, sabedoria, amizade e amor na Itália. Muito parecido ao que Susana Olmos e Chango Cordiviola representam aqui no Brasil para mim. Obrigado ao quatro. Obrigado ainda pelos bons conselhos de Elena Calvo Gonzales. E, finalmente, um agradecimento muito especial à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, FAPESB, pelo suporte dado a esta pesquisa, e a todos os entrevistados que gentilmente me concederam um pouco de seus tempos e suas histórias. 8 RESUMO A presente dissertação buscou discutir as relações possíveis entre arte pública e espaço público, assumindo a centralidade do conceito de público como determinador da qualidade pública da arte pública. Do ponto de vista do método, este estudo alinhou-se à Sociologia Pragmaticista, que permitiu seja a assunção da abdução para a construção da inferência de pesquisa, seja a assunção da experiência entre os materiais de pesquisa construídos. Como objetivos específicos, foram tomados a modelização da relação da arte pública para com o espaço público (discursos) a partir da literatura; a modelização da relação do espaço público para com a arte pública, a partir dos resultados do campo empírico no Bairro do Comércio (presenças/mapeamento e experiências);e a discussão da relação entre as duas modelizações acima (ativação de público na arte pública). Assim, foram assumidos dois campos complementares de estudo: de um lado, o campo teórico, que também pode ser considerado um produto de pesquisa, pois foi estruturado a partir da hipótese da existência de uma tradição de estudos da arte pública mais centrada no objeto, que estaria, a meu ver, mais presente na Europa, e outra, de matriz estadunidense, mais interessada na experiência sobre o objeto. De outro, o campo empírico que foi construído sobre as obras de arte existentes no Bairro do Comércio, com o mapeamento e a classificação de monumentos, painéis, pinturas, grafites, pichações e escritas, quer sobre as experiências de arte meaning-making que realizei ou ativei no contexto deste trabalho, intituladas “Grafite com Thalitha Andrade”, “Mercado do Ouro ou Praça das Mãos?”, “Post-Factum Ladeira da Montanha” e “Que Ladeira é essa?”. Os resultados desta pesquisa se deram em dois níveis analíticos: no primeiro, construído a partir de um movimento de secundidade piercieana, produziu um primeiro quadro de análise, que sintetiza as diferentes problematizações encontradas da arte pública para com o espaço público (lugar da representação, da crítica social ou do diálogo), e um segundo quadro complementar que sintetiza como o espaço (o público) interpreta a arte pública (indiferença, percepção indireta sem significação, percepção declarada com atribuição de valor negativo, percepção declarada com atribuição de valor positivo, apropriação com significado, apropriação com atribuição de identidade, apropriação ativada). No segundo nível, construído a partir de um movimento de terceiridade pierceana, uma síntese provisória, como todo trabalho científico, sobre as relações possíveis entre os dois quadros encontrados. Palavras-chave: arte pública, espaço público, público 9 RIASSUNTO Questa tesi dal titolo "Il pubblico dell’arte pubblica: presenza, discorsi, esperienze e attivazione nel quartiere del Comércio a Salvador da Bahia", ha voluto discutere le possibili relazioni tra l’arte pubblica e lo spazio pubblico, assumendo la centralità del pubblico come decisivo della qualità dell'arte pubblica. Dal punto di vista del metodo, questo studio si allinea alla sociologia pragmatica, ciò, ha permesso sia l’uso dell’abduzione per la costruzione dell’inferenza sia assunzione dell’esperienza tra i materiali di ricerca. Così, come obiettivi specifici si è cercato di modellizzare, tramite la ricerca bibliografica, le relazioni dell’arte pubblica (discorso) nei confronti dello spazio pubblico; modellizzare le relazioni dello spazio pubblico nei confronti l’arte pubblica, partendo dai risultati delle ricerca empirica nel quartiere del Comércio (presenza, mapeamento ed esperienza); per poi discutere la relazione dei due modelli precedentemente esposti (interesse e attivazione di pubblico da parte dell’arte pubblica). A questo fine, sono stati ipotizzati due campi complementari di studio: da un lato, uno teorico, che, in un certo senso, può essere considerato come un prodotto di questa ricerca, dato che è stato costruito partendo dall’ipotesi che esista una tradizione di studi dell’arte pubblica focalizzata sull’oggetto, il quale, a mio modo di vedere, s’incontra nella tradizione europea, e un altra, che focalizza la sua attenzione nell’esperienza dell’oggetto, di matrice statunitense. In Brasile, tali tradizioni coesistono. Il secondo campo, quello empirico, è stato costruito sia sulle opere di arte già esistenti nel quartiere del Comércio, come la classificazione e la mappatura di tutti i monumenti, pannelli, dipinti, graffiti, writting e scritte, sia di opere di arte meaning-making, che ho realizzato o ho partecipato e aiutato alla loro creazione durate questo lavoro di ricerca. Tali opere sono: “Grafite com Thalitha Andrade”, “Mercado do Ouro ou Praça das Mãos?”, “Post-Factum Ladeira da Montanha” e “Que Ladeira é essa?”. I risultati di questa ricerca si possono incontrare in due livelli analitici: il primo costruito a partire da quella che viene definito ragionamento deduttivo per Pierce, che ha prodotto un primo quadro di analisi, che sintetizza le diverse problematiche incontrate dell’arte pubblica con lo spazio pubblico (luogo di rappresentazione, di critica sociale o di dialogo), e un secondo quadro complementare, che sintetizza, come lo spazio (il pubblico) interpreta l’arte pubblica (indifferenza, percezione indiretta senza dare un significato, percezione dichiarata attribuendo valore negativo, percezione dichiarata attribuendo valore positivo, appropriazione con significato, appropriazione con attribuzione di identità, appropriazione attiva). Nel secondo livello, costruito partendo dal concetto di ragionamento induttivo proposto da Pierce, s’incontra una sintesi provvisoria, come tutti i lavori scientifici, che tratta delle relazioni possibili tra i due modelli sopramenzionati. Parole-chiave: arte pubblica, spazio pubblico, pubblico 10 LISTA DE ILUSTRAÇÃOS Ilustração 1: Os três níveis metodológicos da pesquisa .................................................. 23 Ilustração 2: Passos, materiais e instrumentos de pesquisa ......................................... 24 Ilustração 3: Número de entrevistas realizadas em função de cada objeto, cuja percepção foi mapeada .................................................................................................................. 27 Ilustração 4: Correlação das obras de arte com os lugares das entrevistas ........... 28 Ilustração 5: Correlação das obras de arte com os lugares das entrevistas no decorrer das experiências artísticas ........................................................................................ 29 Ilustração 6: Correlação das obras de arte com os lugares das entrevistas no decorrer das experiências artísticas ........................................................................................ 30 Ilustração 7: Correlação das obras de arte com os lugares das entrevistas no decorrer das experiências artísticas ........................................................................................ 31 Ilustração 8: Correlação das obras de arte com os lugares das entrevistas no decorrer das experiências artísticas ........................................................................................ 32 Ilustração 9: Número de entrevistas em função de cada experiência, cuja percepção foi mapeada .................................................................................................................. 33 Ilustração 10: Número de entrevistas em função de cada experiência cuja percepção foi mapeada .................................................................................................................. 34 Ilustração 11: Autorias do levantamento fotográfico ....................................................... 35 Ilustração 12: Tilted Arc, Richard Serra, 1981, Escultura, Aço, New York City (destruída) ........................................................................................................................................... 47 Ilustração 13: In Mourning and In Rage. Social intervention, 1977. Autoria de Suzanne Lacy and Leslie Labowitz Starus .............................................................................49 Ilustração 14: Olhos Atentos, escultura de José Resende ............................................... 52 Ilustração 15: Obra “Para que servem os pobres?”, Grupo Tá Na Rua ...................... 54 Ilustração 16: O Bairro do Comércio na cidade de Salvador da Bahia, localização geral ........................................................................................................................................................ 58 Ilustração 17: O Bairro do Comércio, Salvador da Bahia, em planta e vista aérea .................................................................................................................................................................. 59 Ilustração 18: Síntese do mapeamento de obras de arte pública no Bairro do Comércio em Salvador da Bahia, entre maio e junho de 2013 ..................................... 60 Ilustração 19: Síntese do mapeamento de obras de arte pública, monumento moderno e contemporâneo, no Bairro do Comércio em Salvador da Bahia, entre maio e junho de 2013 ..................................................................................................................... 62 Ilustração 20: Síntese do mapeamento de obras de arte pública, momumento arquitetônico, no Bairro do Comércio em Salvador da Bahia, entre maio e junho de 2013 ................................................................................................................................................. 64 Ilustração 21: Painel “Quetzalcoatl”, Fachada do Edifício Ilhéus, Av. Estados Unidos, nº 137 .................................................................................................................................... 65 Ilustração 22: O conjunto de obras de arte pública presentes nos muros externos da CODEBA .......................................................................................................................................... 67 Ilustração 23: O conjunto de obras de arte pública, presentes nas janelas das duas fachadas do Mercado Modelo ........................................................................................... 70 11 Ilustração 24: Grafites de Mônica e Pinel nas duas primeiras fotos e de Mônica, Bigod e Pinel na última, ambas no mesmo local, depósito de lixo do Mercado Modelo (última é a mais recente) .............................................................................................. 71 Ilustração 25: Grafites realizados pelo artista Zezé localizado na Rua da Belgica, em frente à lateral do Mercado Modelo, esquina com a Rua Miguel Calmon ......... 72 Ilustração 26: Grafites de autoria desconhecida no prédio na esquina entre as ruas da Bélgica e Santos Dumont .............................................................................................. 72 Ilustração 27: Grafites de autoria desconhecida no início da subida da Ladeira da Montanha ............................................................................................................................................. 73 Ilustração 28: Grafites de autorias múltiplas na Av. Jequitaia, sentido Cidade Baixa, resultado de um concurso promovido pela ANBEV em 2001/2002 ............ 77 Ilustração 29: Grafites de autorias múltiplas na Av. Jequitaia, sentido Cidade Alta .................................................................................................................................................................. 78 Ilustração 30: Escritas de diferentes pichadores em muros de vias transversais à Av. Miguel Calmon. Foto mais à direta com pichações sobre a obra Homenagem à AICO, de Kennedy Salles ................................................................................................................ 81 Ilustração 31: Instituto do Cacau ............................................................................................... 82 Ilustração 32: Escritas que realizadas nos muros do Mercado Modelo, dialogando com as obras pré-‐existentes ........................................................................................................ 83 Ilustração 33: Escritas de S. Luís, o pichador fantasma ................................................... 84 Ilustração 34: S. Luís, o pichador fantasma, em ação ........................................................ 84 Ilustração 35: Local de realização da experiência Que Ladeira é esta? .................... 87 Ilustração 36: Cartaz de divulgação da experiência Que Ladeira é esta? ................. 88 Ilustração 37: A vida nossa de cada dia. Instalação. Gesso, formato opened ......... 89 Ilustração 38: (A) Antes, (B) durante A Instalação e (C) depois uma semana da Instalação A vida nossa de cada dia .......................................................................................... 90 Ilustração 39: Instalação A vida nossa de cada dia, quebrada ...................................... 91 Ilustração 40: Centro Cultural Que Ladeira é Essa? .......................................................... 92 Ilustração 41: Realização de grafite por Talitha Andrade .............................................. 98 Ilustração 42: Localização e foto do Largo do Cais, no Bairro do Comércio, em Salvador da Bahia .......................................................................................................................... 100 Ilustração 43: Intervenção Praça das Mãos, com instalação Campo Santo do Ouro ............................................................................................................................................................... 101 Ilustração 44: Intervenção Praça das Mãos, com instalação "Café com Zé Mario", com o artista Zé Mário ................................................................................................................. 102 Ilustração 45: Intervenção Praça das Mãos, com a instalação "Poesia na Praça", com o artista Alex Simões .......................................................................................................... 102 Ilustração 46: Flayer de divulgação do projeto Post Factum Ladeira da Montanha ...............................................................................................................................................................105 Ilustração 47: Performance de Roberta Nascimento no contexto do Post Factum Ladeira da Montanha ................................................................................................................... 105 Ilustração 48: Performance de Alex Simões (Escrita), Arthur Scovino (Instalação Quero apenas um minuto para minhas penas) e Eduardo Silva (instalação de corpos), todas no contexto do Post Factum Ladeira da Montanha .......................... 106 Ilustração 49: Poesia Soneto à Ladeira da Montanha, de/com Alex Simões ....... 107 Ilustração 50: Performances com Ricardo Alvarenga (girassol ao pôr-‐do-‐sol), Gerônimo e Eduardo Silva (segurando partes de sua obra), no contexto de Post-‐ Factum Ladeira da Montanha .................................................................................................. 108 12 Ilustração 51: Modelização das possíveis interpretações da Arte Pública para com o Espaço Público .................................................................................................................. 113 Ilustração 52: Garota beijando estátua ................................................................................ 116 Ilustração 53: Modelização da percepção do público que frui as obras de arte pública ................................................................................................................................................ 117 Ilustração 54: Modelização da percepção do público que frui as obras de arte pública que constituem o espaço público ........................................................................... 120 Ilustração 55: Correlação possíveis entre percepção do público e o discurso das obras de arte .................................................................................................................................... 124 Ilustração 56: Publico que observa Roberta Nascimento performando no contexto do Post-‐Factum Ladeira da Montanha .............................................................. 128 13 LISTA DE ABREVIAÇÕES AICO – Associação Ibero Americana de Comércio CEAO – Centro de Estudos Afro-Orientais CODEBA – Companhia de Docas do Estado da Bahia FAP – Federal Art Project FAPESB – Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Bahia MNBÉ2J – Movimento Nosso Bairro é o 2 de Julho NEA – National Endowement for the Art PPG-AU – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo UFBA – Universidade Federal da Bahia WPA – Works Progress Administration 14 SUMÁRIO 1. Apresentação argumentada da pergunta de pesquisa ..................................... 15 1.1 Objetivos de pesquisa ......................................................................................................................... 19 1.2 Estrutura da dissertação ....................................................................................................................... 20 2. Ativação de um percurso pragmaticista de pesquisa ........................................ 21 2.1 Os passos de pesquisa ....................................................................................................................... 23 2.2 Instrumentos de pesquisa .................................................................................................................. 24 2.2.1 Análise da literatura ou análise bibliográfica ...................................................... 25 2.2.2 Entrevistas ............................................................................................................... 25 2.3 Levantamento fotográfico .................................................................................................................. 35 3 Entre discursos, modelos e tradições de arte pública ......................................... 36 3.1 O modelo europeu centrado no objeto ....................................................................................... 37 3.2 O modelo estadunidense centrado na experiência .............................................................. 44 3.3 O estudo da arte pública no Brasil ................................................................................................ 50 4 Entre presenças, sujeitos e experiências de arte pública .................................... 56 4.1 O mapeamento e leitura das obras de arte pública ............................................................. 59 4.1.1 Monumentos (históricos): estátuas ...................................................................... 59 4.1.2 Mosaico de pedra na Av. Estados Unidos, nº 137 ............................................ 65 4.1.3 Painéis encomendados da Avenida da França ................................................. 65 4.1.4 Pinturas nas janelas do Mercado Modelo ........................................................... 68 4.1.5 Grafites .................................................................................................................... 71 4.1.6 Escritas (pichações) ............................................................................................... 80 4.2 Experiência de arte meaning-making process ........................................................................ 85 4.2.1 Que Ladeira é essa? .............................................................................................. 85 4.2.2 Grafite com Talitha Andrade ................................................................................. 96 4.2.3 Mercado do Ouro ou Praça das Mãos? ............................................................ 100 4.2.4 A experiência Pós-factum Ladeira da Montanha ............................................. 104 5 Possíveis relações entre arte pública e espaço público ..................................... 112 5.1 Da arte pública para o espaço público (secundidade) .................................................... 112 5.2 Do espaço público para a arte pública (secundidade) .................................................... 116 5.3 Síntese provisória das relações possíveis entre arte pública e espaço público (terceridade) ................................................................................................................................................... 119 6. Reflexões finais ou iniciais: novas ativações .................................................... 123 Referências ......................................................................................................... 130 Apêndice 1 .......................................................................................................... 135 15 1. Apresentação argumentada da pergunta de pesquisa Esta pesquisa é de caráter interdisciplinar, pois foi estruturada nas interfaces entre os campos disciplinares dos estudos sobre cidade (espaço público), artes (arte pública) e sociologia (público). O seu objetivo geral é discutir as relações possíveis entre arte públicae espaço público, assumindo a centralidade do conceito de público como determinador da qualidade de pública da arte. Em outras palavras, significa compreender que a qualidade de pública da arte não pode ser uma qualidade dada a priori. Pelo contrário, ela só pode ser atribuída pelo próprio público da arte, levando à compreensão de que a arte pública deve ser conformadora de público para que justifique tal qualidade. A compreensão acima, por óbvio, de distancia muito da compreensão da obra de arte pública definida a partir da localização da obra. Nesta última perspectiva, bastaria que a obra de arte estivesse posicionada em lugar considerado como público para que a mesma fosse adjetivada como pública, independente das motivações para estar ali ou mesmo do desejo em dialogar com o seu (novo) lugar. Todavia, a literatura não se resume a tal dicotomia, pois existem muitos outros modos de compreender o significado de arte pública, cuja natureza é reconhecidamente polissêmica (PALAMIN, 2002; KNOW, 2006; PERELLI, 2006; COGNETTI, 2010; INGUAGGIATO, 2010). A natureza polissêmica do conceito Arte Pública (public art), de fato, torna difícil qualquer diálogo mais aprofundado sobre o mesmo sem que os interlocutores pactuem a respeito das fronteiras de tal objeto, tamanha a sua variedade. Podemos falar em Arte Pública quando falamos da escultura Discóbolo de Miron (pela sua importância histórica), mas também da Monalisa de Leonardo Da Vinci (pelo seu reconhecimento social, mesmo estando em um museu privado), da Torre de Pisa (pela singularidade estética inserida em um contexto urbano), de Guernica de Picasso (por retratar difusamente um fato histórico e as memórias coletivas), da escultura Anjo do Norte de Gormley (por estar localizado em um anel rodoviário e ressignificar a paisagem em seu entorno), das instalações de monumento de Cristo e Jeanne-Claude, como a que fizeram no monumento de 16 Vittorio Emanuele II, em Milão, em 1970 (por intervirem sobre monumentos que já estavam localizados em espaços públicos), das intervenções de tricô urbano de Olek (por ressignificarem equipamentos urbanos ou objetos do cotidiano), bem como dos grafites de Basquiat (que nasceram em espaços públicos das periferias de Nova Iorque e, depois, migraram para coleções de arte privada) ou dos grafites de Os Gêmeos (que nasceram nos muros das cidades e assim permanecem), ou mesmo das performances de artistas como o soteropolitano Alex Simões (por recitar poesias para o público transeunte em locais urbanos, tornando-o transitoriamente público de arte), até, por fim, para reafirmar a diversidade, de Tropicália de Oiticica (por se tornarem artísticas a partir da interação com o público) ou Democracy Wall do Group Material (por compreenderem a arte como ativismo social). Esta grande variedade de obras de arte pública (objeto) acabou também por produzir uma grande variedade de estudos sobre estes (discursos sobre os objetivos), promovendo uma crescente especialização sobre o mesmo. Dentre os conceitos associados/derivados do conceito de Arte Pública, destacam-se os conceitos de arte urbana (urban art), cuja linguagem, para muitos de seus defensores, está associada à caoticidade e estilos da vida urbana); arte de rua (street art), cuja linguagem, para muitos de seus estudiosos, está associada às representações culturais das periferias; arte de grafite (graffite art), que, para seus estudiosos, é uma técnica que se transformou em linguagem; arte de paisagem (land art), que, para seus estudiosos, refere-se às obras de arte realizadas em grandes paisagens, em geral, em grandes formatos e fora dos domínios das cidades; e arte site-specific (site-specific art), que reúne e interpreta um subconjunto de obras de arte pública que busca uma maior relação com o lugar. Todos estes conceitos, porém, buscam a singularidade dos seus subconjuntos, a partir muito mais da linguagem e qualidade estético-sinestésica das obras de arte do que no modo como foram produzidas as obras e/ou suas motivações. Estes esforços conseguiram, em um curto intervalo temporal, inaugurar uma nova corrente para o estudo da arte pública, na qual o público foi colocado no centro da obra, dando uma nova resposta para a crise do modelo centrado no monumento (PERELLI, 2006). O monumento, para esta nova corrente, era excessivamente 17 impositivo ao público, interpretado como audiência da obra de arte pública. Patrícia Phillips (1989) sintetiza esta nova corrente da seguinte maneira: Claramente, a arte pública não é pública porque é colocada em lugares externos, ou em qualquer espaço cívico identificado, ou porque é algo de compreensível para qualquer um: ela é pública porque é a manifestação de atividades de arte e estratégias que assumem a ideia de público como a gênese e o sujeito de análise. Ela é pública pelo conjunto de questões que escolhe, para interrogar ou transformar, e não por causa de sua acessibilidade ou volume de espectadores (PHILLIPS, 1989, p. 333). A partir da década de 1990, a natureza expressiva das obras de arte pública e de suas propostas estéticas e de finalidade social se ampliou com muita rapidez, experimentando novos processos criativos, linguagens, públicos e técnicas. Tais transformações deram origem a novos estudos, que propuseram novos instrumentos conceituais e de categorização, que consideravam a relação que tais obras estabeleciam com seus próprios processos de construção, indo numa direção oposto ao que acontecia até então. Dentre estas novas categorias, destacam-se: arte contextual, arte participativa, arte relacional, arte dialógica, arte baseada na comunidade (community-based art), installation art, institutional critique, performance art, arte ativista, dentre outros. Todas estas propostas dialogavam com a afirmação de Arthur Danto (2000), para quem a arte tinha se distanciado definitivamente do belo, pois, como reinterpretou Ghirardi (2005), a era do gosto tinha sido substituída pela era do significado. De certa forma, este deslocamento pode ser observado também no estudo da arte pública, pois o objeto obra de arte pública também foi sendo rapidamente substituído pelo discurso do objeto da arte pública e, em seguida, para as relações discursivas entre a obra de arte pública e o público que ela mesma conseguia formar. Estes estudos propunham novas categorias ou teorias e enfatizavam a relação dialógica das obras de arte com o lugar e com contexto nos quais se inseriam, numa relação de mútua codeterminação, como se, por um lado, o artista, de certo modo, perdesse a totalidade criativa da obra de arte, mas, por 18 outro, ganhasse a qualidade de ator dentro de arenas políticas e públicas (RAVEN, 1989; LACY, 1995; KWON, 2004; COGNETTI, 2010; INGUAGGIATO, 2010; BRUZZESE, 2010). Os quadros analíticos que surgem, porém, se concentram ainda, em grande parte, no discurso da obra de arte e do seu criador, mesmo quando compreendem a obra de arte em seu potencial de diálogo e conformação de público, em vistas de transformação socioespacial. Este é o caso, por exemplo, da teórica Miwon Know (2004), cujo frame de análise é provavelmente o mais conhecido e utilizado nos estudos mais recentes (PERELLI, 2006; INGUAGGIATO, 2010; BRUZZESE, 2010). Know propôs uma nova lógica para o estudo das obras de arte pública ao prever três consequenciais fases de evolução da arte no espaço público: arte no espaço público (Art in public spaces), arte como espaço público (Art as public spaces) e arte no interesse público (Art in the public interest), defendendo esta última fase, proposta, anos antes, por Arlene Raven (1989), sob a forte influência dos reconhecidos trabalhos de crítica feminista sobre intervenções urbanas de Mary Jane Jacob (1999). A intenção ou a proposta de diálogo, contida no discurso da obra de arte,não é definidora da percepção da obra de arte, por parte de seus fruidores, muito menos é definidora da transformação (involuntária) do público passante em público de arte. Mesmo quando se trata de arte no interesse público, que pressupõe a passagem da arte enquanto objeto para a arte enquanto ação de diálogo, processual, tal transformação não é garantida, não pode ser tomada por óbvio. Nem mesmo em experiência de place making, que pressupõe uma ação conjunta entre artistas e comunidade, tal transformação deveria ser tomada como condição sine qua non, pois, se, por um lado, uma parte da comunidade se engaja e compartilha significados com tal construção coletiva, por outro, há sempre uma parte que não se engaja e que não vem assumido como público para esta mesma construção. Olhar somente para o público que se envolve pode significar, do ponto de vista da pesquisa, trabalhar com uma amostra da comunidade que pode ser pouco significativa do ponto de vista do universo total, mas também pode significar ter respostas muito tendenciosas para avaliar a apropriação da construção coletiva. 19 Para compreender, em maior profundidade, porque algumas obras de arte conseguem ativar públicos e, portanto, espaços públicos, deveria ser assumida, metodologicamente, certa independência entre o discurso e a percepção, mesmo quando construída conjuntamente. Esta pesquisa busca justamente ajudar na melhoria da compreensão a respeito desta lacuna, investindo em sua problematização. Para isto, busquei reconstruir teoricamente o percurso de estudos de autores de referência da arte pública em direção ao espaço público (referencial teórico), para, em seguida, percorrer o caminho inverso com uma pesquisa de campo no Bairro do Comércio, na cidade de Salvador, Bahia (pesquisa de campo), apresentando, finalmente, algumas considerações finais, resultantes da ponderação destes dois caminhos, que, hoje, parece mesmo confirmar a minha hipótese sobre a independência entre estes. A investigação constrói como campo empírico um território bem definido: o bairro do Comércio, na cidade de Salvador, Bahia. Este bairro é um dos mais antigos da cidade, apresentando forte caráter identitário, com funções predominantes de comércio e serviços. Por ter vivido diferentes momentos da história de Salvador, com fases de prosperidade e decadência, teve a possibilidade de ser contemplado com uma grande diversidade de obras de arte pública, tais como o monumento Vitória de Riachuelo (1874, de Francisco Lopes Rodrigues), a Fonte da Rampa do Mercado (1972, de Mario Cravo Jr.), os grafites de Mônica e Pinel, as pichações do S. Luís sobre o Plano Inclinado Gonçalves, bem como a sequência de grafites encomendados nos muros externos das Docas na Avenida da França, dentre muitos outros. 1.1 Objetivos de pesquisa Objetivo geral: Discutir as relações possíveis entre arte pública e espaço público, assumindo a centralidade do conceito de público como determinador da qualidade de pública da arte pública. 20 Objetivos específicos (construídos como passos de pesquisa): (a) Modelizar a relação da arte pública para com o espaço público (discursos) a partir da literatura; (b) Modelizar a relação do espaço público para com a arte pública, a partir dos resultados do campo empírico no Bairro do Comércio (presenças/mapeamento e experiências); (c) Discutir a relação entre as duas modelizações acima (ativação de público na arte pública); 1.2 Estrutura da dissertação Esta dissertação está estruturada em seis capítulos. O primeiro deles, denominado Introdução (que agora é desenvolvido), apresenta o problema argumentado de pesquisa, seus objetivos, além da estrutura da dissertação. O segundo capítulo apresenta o posicionamento do olhar metodológico alinhado à sociologia pragmaticisma, incluindo os materiais e os instrumentos de pesquisa utilizados. O capítulo seguinte, por sua vez, apresenta o referencial teórico que, de certa forma, também é um produto de pesquisa, pois foi estruturado a partir da hipótese da existência de uma tradição de estudos da arte pública mais centrada no objeto, que, a meu ver, teria mais força na Europa, e outra, de matriz estadunidense, mais voltada para a experiência sobre o objeto. De antemão, pontua-se que, no Brasil, tais tradições coexistiriam. O quarto capítulo apresenta, em detalhes, o campo empírico construído, quer sobre as obras de arte existentes no Bairro do Comércio (monumentos, painéis, pinturas, grafites, pichações e escritas), quer sobre as experiências de arte meaning-making que realizei ou ativei no contexto deste trabalho. Por fim, o quinto capítulo apresenta e discute os resultados da pesquisa, deixando, para o sexto, as reflexões finais, as quais podem inaugurar novas possibilidades de pesquisa. 21 2. Ativação de um percurso pragmaticista de pesquisa Esta pesquisa de Mestrado foi realizada no âmbito de estudos da Sociologia Pragmática, que se explica pela minha primeira formação em Sociologia. O Pragmatismo é uma corrente filosófica que defende que a verdade é um produto de uma dada realidade. É contextual e utilitarista, pois se produz no contexto localizado de criação de sentidos, conforme as discussões do pragmaticistas Charles Pierce (1839-1914), John Dewey (1859-1852) e Willian James (1842- 1910), que rechaçavam a compreensão da verdade como produto de sistemas fechados e absolutos. Isto é precisamente o que interessa para esta pesquisa, sobretudo, pelo foco apresentado pelos trabalhos de Dewey, ligados aos processos de produção de conhecimento. Este foco me permitiu trazer a experiência para o centro da minha pesquisa e os significados que são produzidos nos contextos das experiências. Assim, minha pesquisa se fundamentou em dois métodos: a abdução pierciana e a teoria da indagação deweyana. A abdução foi proposta por Pierce como o caminho possível para a produção de uma ciência que fosse construída a partir de questões concretas, encontradas na realidade e que, de consequência, se voltasse para a solução de tais problemas. Para este filósofo, era necessário que uma terceira forma de construção de inferência científica também ganhasse validade, ao lado das formas clássicas da indução (do caso para a teoria) e da dedução (da teoria para o caso). Como explica Ferrara (1986), esta nova forma de inferência nega a pretensão absoluta da verdade e coloca o cientista sob o domínio da experiência. O cientista passaria, então, a se debruçar sobre situações problemáticas concretas, com maiores chances de produzir ciência viva (FERRARA, 1986). Tais situações são cientificamente construídas a partir da experiência, ou seja, a partir de uma ação na qual o sujeito que interrogo – que produz a inferência científica – é um sujeito em ação, interrogando-se sobre um fato social, assumindo-o como um fato de pesquisa. Apenas a partir de uma inferência abduzida é (que, para Pierce, seria a primeiridade) que o cientista passaria às formas seguintes de inferência, que seriam a indução (secundidade, do caso para a teoria) e a dedução (terceiridade, da teoria para o caso). Com este movimento, Pierce, de certa forma, passa a 22 reconhecer ou autorizar um tipo de produção de ciência que, até então, era pouco reconhecido academicamente. É fato que ainda hoje não representa propriamente um caminho comum, mas é inegável a grande oportunidade que tem oferecido de fundamentação teórico-metodológica a trabalhos como este sobre arte pública, no qual posso me permitir ser um pesquisador-artista e, ao mesmo tempo, estar fora e dentro do meu objeto de pesquisa. Os estudos de Pierce sobre produção de conhecimento a partir da experiência, todavia, colocavam como o sujeito da experiência o indivíduo, deixando de lado as produções mais coletivas de ciência. Esta lacuna foipercebida por Dewey, que assumiu os princípios de produção de conhecimento científico pierciano, mas assumiu a centralidade do coletivo e não mais do indivíduo como produtor de conhecimento. Assim, Dewey criou uma teoria da indagação que, assume a dúvida subjacente à indagação como um produto coletivo, dando lugar à sua abordagem social da aprendizagem, principal legado a sua obra como pedagogo. Com isto, se Pierce finca as bases para uma produção autorizada de ciência a partir da experiência, Dewey assume que esta experiência é sempre uma experiência social, pois ninguém aprende ou produz conhecimento sozinho. Nesta complementar perspectiva, esta pesquisa desenhou como metodologia para o alcance de seus objetivos um percurso que nasce da seguinte inferência abduzida (relativa à experiência): relações possíveis entre arte pública e espaço público, assumindo a centralidade do conceito de público como determinador da qualidade de pública da arte pública. Neste momento, é importante situar meu lugar de observação como pesquisador e como artista, lembrando que esta posição é aceita e incentivada tanto pela abdução quanto pela teoria da indagação. A pesquisa é alicerçada em um frame analítico que distingue as dimensões do objeto (obras de arte pública), dos sujeitos (artistas e fruidores das obras de arte pública) e do discurso (produção de significados sobre as obras de arte pública), sintetizados na ilustração 1. Neste sentido, a discussão entre arte pública e espaço público é codependente da entre artista público e público (de arte), bem como entre intenções das obras de arte e as percepções destas mesmas obras. 23 Ilustração 1: Os três níveis metodológicos da pesquisa Fonte: Elaboração própria, 2013 2.1 Os passos de pesquisa A partir do início apresentado acima, o lugar da minha prática artística foi preservado, assim como um lugar mais ampliado para o campo empírico, em contínuo diálogo com os avanços da pesquisa, buscando a complementaridade entre as dimensões das presenças, diálogos, experiências e ativação. Nesta perspectiva, foram desenhados três passos de pesquisa, assumidos como objetivos específicos de pesquisa (também em alinhamento com o pragmatismo), os quais, por sua vez, se associam tanto a instrumentos de pesquisa quanto a produtos parciais de pesquisa, conforme o quadro abaixo. 24 Ilustração 2: Passos, materiais e instrumentos de pesquisa Fonte: elaboração própria, 2013 2.2 Instrumentos de pesquisa Para o desenvolvimento de toda a pesquisa, foram utilizados predominantemente instrumentos de Pesquisa Social. Segundo Tim May (2004), o uso das técnicas de coleta de dados, oriundas do universo da pesquisa social e organizacional, deve respeitar a natureza da própria análise, assim como a cultura, as particularidades Passos de pesquisa (objetivos específicos) Materiais de pesquisa Instrumentos de pesquisa Modelizar a relação da arte pública para com o espaço público (discursos); Discursos de estudiosos e praticantes de arte pública sobre: • as obras de arte pública, • a produção dos discursos sobre as obras de arte pública • as experiências de arte pública Análise bibliográfica Entrevistas com artistas sobre o que é a cidade em sua arte pública. Os artistas entrevistados foram: Arthur Scovino, Alex Simões, Ricardo Alvarenga, Roberta Nascimento, Talitha Andrade, Eduardo Silva, Marcos Costa, Nanci Novaes, Naara Nascimento, dentre outros. Modelizar a relação do espaço público para com a arte pública, a partir dos resultados do campo empírico no Bairro do Comércio (presenças/mapeamento e experiências); Presença/mapeamento das obras de arte presentes no Comércio Discursos dos fruidores sobre tais obras Processos de construção e compartilhamento de discursos coproduzidos em experiências de arte pública Levantamento fotográfico Entrevistas em profundidade e semi-estruturadas Experiências de arte pública: • Grafite com Talitha Andrade • Experiência no Mercado do Ouro • Post-Factum da Ladeira da Montanha • Que Ladeira é essa? • Discutir a relação entre as duas modelizações acima (ativação de público na arte pública) Produtos dos objetivos acima Análise cruzada 25 e a dinâmica dos seus objetos. A seguir, são oferecidas explicações sobre o uso detalhado de instrumentos. 2.2.1 Análise da literatura ou análise bibliográfica A seleção de textos para leitura e construção do quadro teórico se deu a partir de um conjunto inicial de livros, artigos e trabalhos acadêmicos que priorizavam o tema da arte urbana, arte pública e espaço público. Com as leituras e, sobretudo, a partir do cruzamento das informações, pude perceber que era possível distinguir duas grandes escolas de compreensão do que era e de como deveria ser estudada a arte pública (mais abrangente do que a arte urbana ou urban art). Esta percepção se deu com a construção de um mapa conceitual dos principais olhares sobre espaço público, mais do que propriamente arte pública1. A partir desta hipótese, busquei construir um percurso mais autoral de estudos, apresentado no capítulo dedicado ao referencial teórico. As técnicas utilizadas para a análise da literatura foram bastante simples, como fichamentos e notas de aprendizagem, que, ao longo de todo o trabalho, me ajudaram a “dialogar” com os autores. 2.2.2 Entrevistas Segundo May (2004), as entrevistas podem ser divididas em 4 diferentes tipos (com a ressalva de que frequentemente utiliza-se tipos mistos): entrevista estruturada, entrevista semi-estruturada, entrevista não estruturada e entrevista em grupo. Nesta pesquisa, foram utilizadas predominantemente as de tipo semi- estruturadas, não estruturadas e de grupo. Serget e Ziegke (2000, apud MAY, 2004) defendem que as entrevistas não estruturadas podem revelar a “base subjetiva de mudanças sociais duradouras nos padrões de percepção e comportamento de grupos sociais particulares” (SERGET e ZIEGKE, 2000, apud MAY, 2004, p. 149), uma forte preocupação desta pesquisa. As entrevistas em grupo puderam ajudar a recuperar significados sociais contidos nas obras. Como 1 Este trabalho foi apresentado e discutido durante uma das aulas da disciplina Atelier V, lócus da minha experiência de tirocínio docente, atividade obrigatória curricular do Mestrado. 26 o público das entrevistas é variado e situado, este será especificado na seção dedicada ao trabalho de campo. As entrevistas foram realizadas para a leitura e compreensão da fruição em todo o trabalho de campo. Foram realizados três tipos de entrevistas, conforme apresentação a seguir. 2.2.2.1 Survey de percepção sobre as obras mapeadas A survey de percepção sobre as obras mapeadas foi realizada a partir de um roteiro simples de entrevista semi-estruturada e identificação dos entrevistados. Todos os entrevistados nas pesquisas de percepção das obras mapeadas eram trabalhadores formais ou informais, que conviviam há mais de um ano com a(s) obra(s) de arte, tomadas como objeto da entrevista. A abordagem foi invariavelmente realizada por mim e diretamente a estes trabalhadores em seus locais de trabalho (fossem tais locais de trabalho formais ou informais). As entrevistas foram realizadas a partir do seguinte roteiro: (a) A disponibilidade em realizar a entrevista semi-estruturada (b) O tempo de trabalho naquele lugar da entrevista (c) Se já conheciam a(s) obra(s) de arte pública, objetos da entrevista (d) Se sim, se conhecia alguma informação sobre esta obra. Se não, era pedido para que dessem uma rápida olhada(e) Se gostavam ou não da obra e, eventualmente, os motivos As entrevistas duravam de 2 a 10 minutos, com um maior índice em torno de quatro minutos. Aos entrevistados que se mostravam mais disponíveis para prolongar um pouco mais a conversa, eu perguntava: 27 (f) Se conheciam alguma outra obra de arte pública no Comércio pela qual tinham interesse. Caso contrário, na cidade como um todo. (g) O que achavam de pichações e grafites em geral No total, foram realizadas 501 entrevistas sobre as obras de arte e conjuntos de obras de arte mapeados (ilus. 3). Cada entrevista foi contabilizada em relação a um único objeto (obras de arte pública). Os lugares das entrevistas variaram em função do objeto da entrevista (ilus. 4). Assim, houve mais de uma entrevista, em muitos casos, por entrevistado. O total de entrevistados, em função de cada objeto (obras de arte pública), foi de 232 pessoas, sendo 138 homens e 94 mulheres, com uma média de 2,16 entrevistas por entrevistado (ou seja, uma média de 2,16 objetos em cada entrevista realizada). Ilustração 3: Número de entrevistas realizadas em função de cada objeto, cuja percepção foi mapeada Objetos das entrevistas Entrevistas realizadas Total Homens Mulheres Monumento da Batalha de Riachuelo 10 7 3 Monumento à Visconde de Cairu 14 7 7 Monumento ao Conde dos Arcos 10 5 5 Monumento (busto) a J.J. Seabra 20 12 8 Monumento em Homenagem aos Irmãos Pereira 10 7 3 Monumento à Eng. Arnaldo Pigmenta da Cunha 20 10 10 Monumento (escultura) Rampa do Mercado 20 10 10 Monumento à AICO – Associação Ibero Americana de Comércio 20 10 10 Projeção da fachada antiga do Mercado Modelo 20 8 12 Mercado Modelo 20 10 10 Elevador Lacerda 20 10 10 Painel Quetzalcoat 3 3 0 Paineis de pintura sobre os muros do porto 20 13 7 Pinturas da janela do Mercado Modelo (lado esquerdo) 12 8 4 Pinturas da janela do Mercado Modelo (lado direito) 15 8 7 Grafites em geral 105 63 42 28 Grafites da casa de lixo do Mercado Modelo 15 8 7 Grafites da Praça Cairu 20 10 10 Grafites da Av. Jequitaia, sentido Cidade Baixa 10 9 1 Grafites da Av. Jequitaia, sentido Cidade Alta 12 10 2 Pichações em geral 79 42 37 Pichações/escritas 26 14 12 Total de entrevistas realizadas sobre os objetos mapeados 501 284 217 Fonte: elaboração própria 2014 Estas entrevistas foram realizadas em 18 diferentes lugares da região do Comércio, de acordo com a ilustrações 4, que correlaciona os objetos das entrevistas (21 obras ou conjunto de obras). As ilustrações 6,7 e 8 identificam os locais das entrevistas de acordo com a tabela da ilustração 4. Ilustração 4: Correlação das obras de arte com os lugares das entrevistas Correlação dos objetos das entrevistas com os lugares das entrevistas (com indicação para a localização no mapa) Objeto/ Obra(s) de arte pública Lugar(es) das entrevistas No mapa 1 Monumento da Batalha de Riachuelo Em frente ao monumento da B. de Riachuelo 1 2 Monumento à Visconde de Cairu Em frente ao monumento à Visconde de Cairu 2 3 Monumento ao Conde dos Arcos Em frente ao monumento ao Conde dos Arcos 3 4 Monumento a J.J. Seabra Em frente ao monumento a J.J. Seabra 4 5 Monumento em Homenagem aos Irmãos Pereira Em frente ao monumento aos Irmãos Pereira 5 6 Monumento ao Eng. Arnaldo Pigmenta da Cunha Em frente ao busto à Eng. Arnaldo P. Cunha 6 7 Monumento (escultura) Rampa do Mercado Em frente à escultura da Rampa do Mercado 7 8 Monumento à AICO – Associação Ibero Americana de Comércio Em frente ao monumento à AICO – Associação Ibero Americana de Comércio 8 9 Projeção da fachada antiga do Mercado Modelo Na Praça da Projeção da fachada antiga do Mercado Modelo 9 10 Mercado Modelo Em frente ao Mercado Modelo 10 11 Elevador Lacerda Em frente ao Elevador Lacerda 11 12 Painel Quetzalcoat Em frente ao painel Quetzalcoatl 12 13 Paineis de pintura sobre os muros do porto Ao longo da Av. da França 13 14 Pinturas da janela do Mercado Modelo (lado esquedo) Na lateral esquerda (mar) do Mercado Modelo 14 15 Pinturas da janela do Mercado Modelo (lado direito) Na lateral direita Rua da Bélgica do M. Modelo 15 16 Grafites em geral Em frente ao Mercado Modelo 10 Em frente ao monumento à Visconde de Cairu 2 29 Na lateral esquerda (mar) do Mercado Modelo 14 Ao longo da Av. Jequitaia, sentido C. Baixa 17 Ao longo da Av. Jequitaia, sentido C. Alta 18 Ao longo da Av. da França 13 17 Pichações em geral Em frente ao monumento à Visconde de Cairu 1 Em frente ao Mercado Modelo 10 Na lateral direita Rua da Bélgica do Mercado Modelo 15 Ao longo da Av. da França 13 Em frente ao monumento à J.J. Seabra 4 Ao longo da Av. Jequitaia, sentido Cidade Alta 18 Em frente ao Plano Inclinado Gonçalves 16 18 Pichações/escritas Em frente ao Plano Inclinado Gonçalves 16 19 Grafites da Av. Jequitaia, sentido Cidade Baixa Ao longo da Av. Jequitaia, sentido C. Baixa 17 20 Grafites da Av. Jequitaia, sentido Cidade Alta Grafites da Av. Jequitaia, sentido C. Alta 18 21 Grafites da Praça Cairu Em frente ao monumento à Visconde de Cairu 2 Fonte: Elaboração própria, 2014 2.2.2.2 Entrevistas no decorrer das experiências artísticas Como trabalho de campo, foram realizadas quatro experiências artísticas, que serão apresentadas no capítulo dedicado ao trabalho de campo: (a) Que Ladeira é Essa? (b) Grafitte com Thalita Andrade (c) Mercado do Ouro ou Praça das Mãos? (d) Post-Factum Ladeira da Montanha Os 4 locais de realização das entrevistas (ilus. 5) estão apresentados nos mapas das ilustrações 7 e 8. Ilustração 5: Correlação das obras de arte com os lugares das entrevistas no decorrer das experiências artísticas Correlação dos objetos das entrevistas com os lugares das entrevistas (com indicação para a localização no mapa) Experiências/ Obra(s) de arte pública Lugar(es) das entrevistas No mapa 1 Grafite com Thalita Andrade Nas proximidades do Plano Gonçalves 19 2 Mercado do Ouro ou Praça das Mãos? Praça do Mercado do Ouro 20 30 3 Post-Factum Ladeira da Montanha Ao pé da Ladeira da Montanha 21 4 Que Ladeira é essa? Ao pé da Ladeira da Preguiça 22 Fonte: Elaboração própria, 201 Ilustração 6: Correlação das obras de arte com os lugares das entrevistas no decorrer das experiências artísticas 31 Fonte: Elaboração própria, 2014 Ilustração 7: Correlação das obras de arte com os lugares das entrevistas no decorrer das experiências artísticas Fonte: Elaboração própria, 2014 32 Ilustração 8: Correlação das obras de arte com os lugares das entrevistas no decorrer das experiências artísticas Fonte: Elaboração própria, 2014 33 Do ponto de vista do método, foi realizada pesquisa de percepção, fruição e reflexão em todas elas. Ao todo, foram entrevistadas 103 pessoas (77 homens e 26 mulheres). O público das entrevistas era sempre o público das obras de arte em realização. Ou seja, eram pessoas que, de alguma forma, interagiram com elas. Parte deste público era formado por pessoas que se aproximavam naturalmente para comentar ou perguntar algo sobre as obras. Outra parte era formada por artistas que tinham sido convidados a integrar coletivamente a obra ou tinha se juntado ao grupo espontaneamente. Outra parte, menor, era atraída diretamente por mim, que convidava pessoas que passavam próximo às obras de arte em construção para se aproximar e contar um pouco sobre seu processo de fruição ou percepção da obra. O objeto de cada entrevista foi sempre a experiência em curso. Assim, comparando com as entrevistas anteriores, houve um número igual de entrevistas e entrevistados (ilus. 9), pois cada entrevistado respondia somente pela obra que estava acontecendo no momento da entrevista. Ilustração 9: Número de entrevistas em função de cada experiência, cuja percepção foi mapeada Entrevistados Total HomensMulhere s Que Ladeira é Essa? 31 25 6 Grafite com Talitha Andrade 26 22 4 Mercado do Ouro ou Praça das Mãos? 28 19 9 Post-Factum da Ladeira da Montanha 18 11 7 Total 103 77 26 Fonte: Elaboração própria 2014 Foram utilizadas duas diferentes metodologias para estas entrevistas: a primeira considerava e capturava como entrevistado somente as pessoas passantes que se aproximavam por algum interesse da experiência, enquanto a segunda foi 34 realizada com as pessoas que se envolveram com a experiência (artistas ou não artistas), conforme será explicitado no capítulo sobre o campo empírico. 2.2.2.3 Entrevistas filmadas realizadas na experiência Post-Factum Ladeira da Montanha A experiência artística intulada Post-Factum – Concerto Performático na Ladeira da Montanha aconteceu no dia 10 de julho de 2013, um sábado, ao pé da Ladeira da Montanha. A experiência consistiu em uma espécie de concerto performático com diferentes artistas, além de mim, que se reuniram com o objetivo de problematizar e dialogar poeticamente com o genius loci daquele lugar. Foram inicialmente convidados dez artistas, mas outra dezena apareceu e fez parte do processo. Nesta experiência, realizei entrevistas com 18 pessoas, todas registradas. O roteiro das entrevistas foi o seguinte: (a) O que é a cidade na sua arte? (b) Quais as relações possíveis entre arte e cidade? Quando o entrevistado não era artista, mas, sim, estudioso sobre o tema, a única pergunta realizada era a segunda. Com isto, foram entrevistadas 18 pessoas, com a composição representada no quadro abaixo. Ilustração 10: Número de entrevistas em função de cada experiência cuja percepção foi mapeada Entrevistados na experiência Post-Factum Ladeira da Montanha Entrevistados Total Homens Mulheres Artistas 11 7 4 Não artistas 7 2 5 Total 18 18 18 Fonte: elaboração própria 2014 35 2.3 Levantamento fotográfico O levantamento fotográfico foi realizado nas obras de arte pública autorizadas e não-autorizadas, para fins de catalogação e de seleção dos exemplos a serem aprofundados. As fotos foram realizadas nos locais de boa visualização das obras. A autoria das fotos está apresentada na tabela abaixo (ilus. 11). Ilustração 11: Autorias do levantamento fotográfico Objeto/Obra(s) de arte pública Autor do levantamento fotográfico apresentado neste trabalho 1 Monumento da Batalha de Riachuelo Elaboração própria 2 Monumento à Visconde de Cairu Elaboração própria 3 Monumento ao Conde dos Arcos Elaboração própria 4 Monumento (busto) à J.J. Seabra Elaboração própria 5 Monumento em Homenagem aos Irmãos Pereira Elaboração própria 6 Monumento à Eng. Arnaldo Pigmenta da Cunha Elaboração própria 7 Monumento (escultura) Rampa do Mercado Elaboração própria 8 Monumento à AICO – Associação Ibero Americana de Comércio Elaboração própria 9 Projeção da fachada antiga do Mercado Modelo Elaboração própria 10 Mercado Modelo Elaboração própria 11 Elevador Lacerda Elaboração própria 12 Painel Quetzalcoat Elaboração própria 13 Paineis de pintura sobre os muros do porto Neila Maciel 14 Pinturas da janela do Mercado Modelo (lado esquerdo) Google maps 15 Pinturas da janela do Mercado Modelo (lado direito) Google maps 16 Grafites em geral Elaboração própria/Google maps 17 Pichações em geral Elaboração própria/Google maps 18 Pichações/escritas Elaboração própria 19 Grafites da Av. Jequitaia, sentido Cidade Baixa Google maps 20 Grafites da Av. Jequitaia, sentido Cidade Alta Google maps 21 Grafites da Praça Cairu Elaboração própria 22 Grafites da casa de lixo do Mercado Modelo Elaboração própria 23 Que Ladeira é Essa? Antonello Veneri 24 Grafite com Talitha Andrade Elaboração própria 25 Mercado do Ouro ou Praça das Mãos Elaboração própria 26 Post-Factum da Ladeira da Montanha Elaboração própria/Antonello Veneri Fonte: elaboração própria 2014 36 3 Entre discursos, modelos e tradições A grande variedade de obras de arte pública (objeto) produziu uma grande variedade de estudos sobre estes (discursos sobre os objetivos), promovendo uma crescente especialização sobre o mesmo. Esta variedade de discursos, porém, pelo que pude perceber com as muitas leituras realizadas, possui um berço mais ou menos comum: o trabalho pioneiro do historiador de arte austríaco Alois Riegel (1858-1905) que, com sua Kunstwollen, defendia que cada tempo e cada espaço produzem a sua própria obra de arte. Esta mudança de paradigma trazida por Riegel foi objeto de estudo do teórico italiano Benedetto Croce (1932), para quem a teoria do Kunstwollen de Riegel representou um avanço considerável, em relação à anterior Teoria da Pura Visibilidade, também modelizada pelo próprio Croce para evidenciar tal superação. Nesta última, a pura visibilidade limitaria o estudo das formas ao campo da percepção visual, sendo substituída por uma compreensão mais ampla segundo a qual cada tempo tem a sua própria arte. A novidade trazida por Reigel acabou por abrir espaço para que, rapidamente, o estudo das obras de arte pública começasse a se desenvolver no âmbito filosófico-sociológico da fenomenologia clássica. A fenomenologia, sobretudo, a sociologia fenomenológica, privilegia os aspectos comunicativos da interação a partir da problematização da percepção na fruição, neste caso, na fruição de arte pública. Todavia, ao se concentrar na comunicação, assume como emissor e desencadeador da fruição a própria obra de arte. Além disto, me parece, assume o fruidor como um ideal tipo, como um público genérico que, de certa forma, existe independentemente da obra de arte, mas que é capaz de frui-la (possui os meios cognitivos para tal). Este caminho de compreensão e problematização da arte pública se difundiu pela Europa, produzindo diferentes correntes de estudo da arte pública, ligadas à centralidade do movimento e aproximando-se das disciplinas da arquitetura, patrimônio, história urbana e planejamento. Pertencem a esta grande vertente, os trabalhos dos teóricos, além de Reigel, Benedetto Croce, José Guilherme Abreu, Ernest Gombrich, Giulio Carlo Argan, dentre outros, respeitados os seus propósitos e reenquadramentos disciplinares e teóricos. 37 A esta grande vertente, soma-se uma segunda, que se desenvolve nos Estados Unidos, assumindo não mais a sociologia fenomenológica como contexto de produção de conhecimentos, mas a sociologia pragmaticista, que toma a ação como sua principal unidade analítica. Como se verá mais adiante, o estudo da obra de arte pública dentro desta vertente significa assumir a passagem de uma atenção mais concentrada e discreta sobre a obra de arte em si para uma dimensão mais aberta, interativa, contingencial e contextual ao seu ambiente físico e perceptivo. Esta preocupação passou do conceito de espaço público para o conceito de público como conformadores dos espaços e, portanto, da própria obra de arte. Esta substâncial mudança acontece no contexto pragmaticista da produção de conhecimento nos Estados Unidos, ainda que quase nunca declarada ou problematizada. Este mesmo contexto de produção de conhecimentos foi responsável pelas tematizações de público e esfera pública, como contextos de formação e recriação de sentido e significado para os envolvidos, dentro da chamada sociologia pragmática estadunidense, a partir dos trabalhos pioneiros de John Dewey (1859-1952), Charles Pierce (1839-1914) e George Mead (1863-1931). Assim, para fins de análise, proponho compreender o referencial teórico sobre a arte pública a partir destes dois grandes blocos acima acenados e aprofundados a seguir. Antes, porém, devo ressaltar que a produção brasileira se aproxima tanto da tradição europeia, como atestam os trabalhos de José Francisco Alves (2003), quanto da tradição estadunidense, como se verifica nos trabalhos de Vera Pallamin (2000; 2002). 3.1O modelo europeu centrado no objeto O surgimento da corrente de estudo da arte pública que valoriza as obras de arte remonta à Escola de Viena, sobretudo, a partir das contribuições do historiador de arte austríaco Alois Riegel, já citado anteriormente, que desenvolveu a teoria do Kunstwollen (que, em alemão, significa literalmente “vontade da arte”). Para Riegel (2006), o valor do monumento não é uma categoria atemporal e, muito menos, eterna, pois é socialmente e historicamente delimitado: 38 Segundo as concepções modernas, não há valor de arte absoluto, mas unicamente um valor de arte relativa, atual. Consequentemente, o conceito de “valor de arte” varia segundo o ponto de vista que se adota. De acordo com a concepção antiga, a obra de arte possui valor artístico à medida que responde às exigências de uma suposta estética objetiva, irrefutável, até o presente momento. Segundo a concepção moderna, o valor de arte de um monumento é mensurado pela maneira como satisfaz as exigências da vontade artística moderna, que não foram, evidentemente, formuladas claramente e, estritamente falando, não serão jamais, pois variam de indivíduo a indivíduo e do momento a momento. [...] Se não existe valor de arte eterno, mas somente valor relativo, moderno, o valor de arte de monumento não é mais um valor de rememoração, mas um valor atual. (RIEGEL, 2006, p. 47-48) Riegel defendia que cada tempo e cada território modelariam o seu próprio gosto e o expressaria em certos eventos artísticos, defendendo, com isto, a dignidade de cada obra de arte e, por tabela, rechaçando depreciações comuns naquele tempo sobre obras que representavam e tinham sido modeladas por outros gostos. Tal premissa orientou este autor a propor uma distinção entre obra de arte, que teria um valor artístico em seu próprio tempo, e monumento, cujo valor não seria dado a priori, mas, sim, construído pelas gerações futuras que veriam nele a qualidade de trazer de volta um passado e sua importância. Em outras palavras, Riegel retoma a origem da palavra monumento, que se remete à memore, de memória, para afirmar que o monumento, tal qual o conhecemos hoje, foi uma invenção da sociedade moderna, que criou um novo valor de rememoração, não mais ligado à memória coletiva e não só ao valor histórico-artístico da obra. Segundo suas próprias palavras: Por monumento, no sentido mais antigo e verdadeiramente original do termo, entende-se uma obra de arte criada pela mão do homen e edificada com o propósito preciso de conservar presente e viva, na consciência de gerações futuras, a lembrança de uma ação ou destino (ou uma combinação de ambos) (RIEGEL, 2006, p. 47). 39 A partir desta compreensão, o autor traz a discussão para a sua contemporaneidade, afirmando que, ao invés de considerar o monumento enquanto tal, o valor de contemporaneidade tenderá, imediatamente, a “tomá-lo de forma igual a uma criação moderna recente e a exigir também que o monumento (antigo) apresente o aspecto característico de toda obra humana em sua gênese: em outras palavras, que dê a impressão de uma perfeita integridade, inatacada pela ação destrutiva da natureza. (RIEGEL, 2006, p. 91) A contribuição de Riegel está nas referências mais profundas do método iconológico proposto pelo historiador alemão Erwin Panofsky (1892-1968). Para este, iconografia e iconologia levam a dois objetos de estudo diferentes: enquanto que a primeira assume como objeto de pesquisa a obra em si, a segunda, o significado da obra. Segundo Panofsky (1991, p. 53), a iconografia estuda “a interação entre os diversos tipos; a influência das ideias filosóficas, teológicas e políticas; os propósitos e inclinações dos artistas e patronos; a correlação entre os conceitos inteligíveis e a forma visível que assume em cada caso específico”. Desta leitura, o autor propôs o conceito de iconologia, explicando as diferenças com o conceito de iconografia e seus usos: Devido às graves restrições que o uso corriqueiro, especialmente neste pais (EUA), opõe a palavra iconografia, proponho reviver o velho e bom termo, “iconologia”, sempre que a iconografia for tirada de seu isolamento e integrada em qualquer outro método histórico, psicológico ou crítico, que tentemos usar para resolver o enigma da esfinge. Pois, se o sufixo “grafia“ denota algo descritivo, assim também o sufixo “logia” – derivado de “logos”, que quer dizer pensamento, razão – denota algo interpretativo. [...] Assim, concebo a iconologia como uma iconografia que se torna interpretativa (PANOFSKY, 1991, p. 54) Ao fazer isto, o autor propõe que o conhecimento que tido das obras pode ser dividido em três estágios: primário, relativo a uma compreensão inicial da obra; secundário, relativo à iconografia; e de significado intrínseco, relativo à iconologia. Mas, “grafia” ou “logia”, o que se mantém é o ícone, não obstante a busca por outras dimensões do objeto (arte pública em nosso caso), ou seja, o que se mantém é a centralidade do objeto. A permanência da centralidade do objeto 40 mantém a busca do significado atribuído/implicado a este ou neste. Esta discussão era nova, mas, enfim, nascia no âmbito da mesma escola vienense de Riegel. Outros dois autores emergem com grande consistência na Europa, reforçando a tradição do objeto: o historiador austríaco Ernst Gombrich (1909-2001) e o historiador italiano Giulio Carlo Argan (1909-1992). Gombrich sublinhou a importância da cultura e do momento para compreender as obras de arte, enriquecendo o método iconográfico. Para ele, a tradição era o contexto ou material de e da arte e até mesmo o público era visto de forma historicizada. Em outras palavras, cada público tem o seu momento e sua história que deve ser estudada e compreendida, observando a cultura do sujeito que percebe, do fruidor da obra de arte. A fenomenologia perceptiva é condicionada da experiência, da cultura do sujeito e da sua complexa ligação com o mundo do sujeito social e do sujeito indivíduo que percebe. Ele argumenta a não existência de uma tipologia única de ver e perceber a realidade, como propunha a Gestalt, mas ele se alinha à corrente de pensamento da New look of Perception, de matriz cognitiva na psicologia. Gombrich inova ao trazer conceitos como capacidade comunicativa e de apelo, capacidade informacional e de envolvimento emocional, além da distinção entre valores alusivo, simbólico e estético, que passam a ser muito usados nos estudos da arte, incluindo, da arte pública. Todavia, permanece a centralidade do objeto, cuja percepção subjetiva se dá a partir dele, após a sua existência. O segundo autor, Giulio Carlo Argan, mostra-se importante para a compreensão do fenômeno da arte pública porque o mesmo estudou a cidade e a sua evolução histórica, palco incessante de representações de arte pública. Por ser muito sensível a uma ideia concreta de urbis democrática, mas também a uma logicidade no estudo de tal urbis, o autor propõe que: Todas as pesquisas visuais deveriam organizar-se como pesquisa urbanística. Faz urbanística o escultor, faz urbanística o pintor, faz urbanística até mesmo aquele que compoe uma pagina tipográfica, faz 41 urbanística qualquer um que realize algo que, colocando-se como valor, mesmo nas escalas dimensionais mínimas, entre no sistema de valores (ARGAN, 1998, p. 233). Nesta perspectiva, Argan propôs um modelo pluralista para compreender seu principal objeto de estudo, a cidade, a partir do cruzamento qualitativo das variáveis bens culturais e centro histórico, com particular ênfase nas relações de convivência entre o passado histórico e o presente, no qual a arte merece papel de destaque. Este autor parte do idealismo de Benedetto Croce e de Lionello Venturi para compreender o processo-histórico como fato crítico, como juízos críticos que se sucedem
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