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Apagamento dos vestígios da presença dos negros da história do bairro (São Paulo 1779 1835)

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ÁFRICA-LIBERDADE
Apagamento dos vestígios da presença dos negros da história do bairro (São Paulo 1779 – 1835)[footnoteRef:1] [1: Artigo apresentado à Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), curso de História, sob orientação da Profª Drª Maria Heloisa Aguiar da Silva, como requisito parcial para aprovação na disciplina Seminário de Pesquisa II. Dez. 20] 
Amanda Caroline Lopresa Varini
Cassiani da Costa Souza
Giovanni Dosso Benedicto
Guilherme Soares de Souza
Karina Araújo do Nascimento
Samuel Roberto Pereira Moraes
Resumo:
Esse artigo tem como objetivo analisar a presença dos negros no bairro da Liberdade, em São Paulo. O período de analise vai de 1779 a 1835, fazendo-se o uso de livros de óbitos do antigo Cemitério dos Aflitos. O estudo pretende entender a presença dessas pessoas e também o seu esquecimento e a substituição da sua cultura.
Palavras-chave: Bairro da Liberdade, Cemitério dos Aflitos, Memória Negra, Livro de óbitos.
Introdução
O tema central deste artigo é uma análise da presença de pessoas negras no bairro da Liberdade, em São Paulo, no final do século XVIII e início do século XIX e como ao longo dos anos essa presença está sendo esquecida e substituída.
Nossa principal fonte são os livros de óbitos da Paróquia Nossa Senhora de Assunção, também conhecida como Paróquia da Sé. Nesses livros estão presentes óbitos de pessoas sepultadas no antigo Cemitério dos Aflitos, primeiro cemitério público da cidade de São Paulo, que era destinado aos escravos, 
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indigentes, criminosos, escravos libertos e pessoas pobres. Também serão analisados documentos da época referentes a condenação e enforcamento do cabo do Primeiro Batalhão de Caçadores de Santos, Francisco José das Chagas, considerado santo popular do bairro da Liberdade e responsável pelo nome “Liberdade”. Este artigo visa, não só analisar esta presença negra no bairro, mas também entender o que leva ao seu apagamento e sua substituição.
Durante as pesquisas ficou evidente a escassez de documentos da época em questão, séculos XVIII e XIX, os livros de óbitos, que ainda existem, da paróquia Nossa Senhora da Assunção estão totalmente rasurados, com manchas de água, tinta borrada, sem levar em consideração a caligrafia da época, o que podemos observar é que a maioria esmagadora de escravos e “forros”, como são chamados os escravos libertos, foram enterrados no Cemitério dos Aflitos, alguns outros na Paróquia da Boa Morte e na Igreja do Rosário dos Pretos.
A São Paulo dos séculos XVIII e XIX foi palco de rápidas e profundas transformações que a tornaram a grande cidade dos dias atuais. E desde a colonização, os escravos estiveram presentes em sua construção, desde os indígenas aos negros africanos. A presença do negro escravizado só passou a ser significativa no século XIX. Na São Paulo oitocentista existiam poucos locais que se preocupavam com o sepultamento de pessoas não católicas, dentre elas, os escravos, seus sepultamentos ocorriam no primitivo Cemitério dos Aflitos, destinados as classes populares, as sepulturas possuíam apenas uma cruz de madeira, sem datas ou bençãos.
Esta pesquisa está dividida em quatro partes. A primeira, São Paulo dos séculos XVIII e XIX, refere-se ao contexto social e econômico em São Paulo no período estudado. A segunda, Excluídos da Sociedade: os negros indigentes do Cemitério dos Aflitos, analisa os livros de óbitos da Paróquia Nossa Senhora da Assunção, onde constam óbitos do antigo Cemitério dos Aflitos, o primeiro cemitério público da cidade de São Paulo, e como as pessoas que ali eram enterradas eram tratadas com desigualdade até mesmo em sua morte. A terceira, Os “fantasmas” da antiga São Paulo, versa sobre a religiosidade presente no Bairro da Liberdade desde 1821 até os dias atuais e por fim a quarta parte, Da escravidão a orientalização: uma memória em disputa, tem como objetivo analisar e problematizar sobre a questão de apagamento histórico e a substituição por uma memória coletiva.
São Paulo dos séculos XVIII e XIX.
A São Paulo do início do século XIX pouco se diferenciava de vilas coloniais, sua ocupação desde então se limitava entre os vales do Anhangabaú e do Tamanduateí. Os pontos onde haviam aglomeração urbana eram os seguintes: a Ponte do Fonseca, sobre o rio Tamanduateí; a Ponte de Miguel Carlos, sobre o Vale do Anhangabaú; o Largo da Forca, atual praça da Liberdade, de onde partia o Caminho do Mar em direção a Santos; a Estrada do Mata-Fome; e a Ponte do Acú, onde hoje se inicia a Avenida de São João. As ruas eram marcadas pela irregularidade da largura e cheia de becos.
As famílias mais abastadas viviam confinadas nas suas chácaras distantes ou em seus sobrados, deixando as estreitas ruas, as ladeiras íngremes, os becos os páteos para as classes mais humildes, para os tipos populares, escravos, quitandeiras e tropeiros (GUIMARÃES, 1979, p. 20)
Segundo Manzoni (2007), até meados do século XIX a cidade não possuía energia elétrica, o centro da cidade era composto por poucas ruas, “edifícios públicos acanhados, uma humilde catedral, alguns mosteiros”. Havia uma grande concentração de chácaras nos arredores do centro paulista. Algumas demarcações da cidade eram definidas por propriedades rurais antigas. No bairro da Liberdade se encontrava o Matadouro Municipal, ao seu lado havia cerca de quatro chácaras “de amplos alqueires”.
Na visão de Toledo, o uso residencial das chácaras e sítios constituía o caráter fundamental desses espaços, onde as atividades de produção agrícola são encaradas como práticas complementares aos modos de vida e à subsistência dos moradores, configurando uma São Paulo onde as áreas urbanizadas ainda não tinham força para sobrepor-se às áreas rurais, nem sequer distinguindo-se delas. Entretanto, esse modelo limita-se às propriedades de algumas famílias mais abastadas, deixando de abordar as inúmeras áreas de lavoura verificadas neste trabalho. O olhar de Toledo e de outros memorialistas que preservaram apenas as memórias das mais abastadas famílias paulistanas, não dão conta de que existiam muitas outras formas de utilização das chácaras e de outras propriedades rurais. O próprio uso do termo ‘chácara’ remete à múltiplas experiências sociais que incluem áreas de cultivo agrícola, produção de alimentos e animais, coleta de frutas, pescaria, transporte e comércio de gêneros alimentícios e outras vivências de trabalhadores nacionais, brancos pobres, mestiços, caipiras e negros na cidade. (MANZONI, 2007, p. 87)
Segundo Jorge (2006), o centro da cidade de São Paulo, que era delimitado entre os conventos do Carmo, de São Francisco e de São Bento estava marcado pela situação de acrópole. As ruas eram construídas de forma espontânea sem nenhum tipo de planejamento prévio.
Apesar de conservar suas características, a cidade de São Paulo, em finais do século XVIII e início do século XIX, dera seus primeiros passos rumo à intensificação na vida urbana. Muitas das obras públicas que estarão aparelhando a cidade no período Imperial provêm dos dias de capitães-generais, que eram os encarregados, desde o estabelecimento da capitania, em 1765, de impor, por razões políticas, administrativas e militares, a presença da coroa lusitana na colônia. (JORGE, 2006, p. 28)
Segundo Morse (1970), a proximidade de São Paulo com a cidade de Santos contribuiu para que ela dominasse rotas terrestres e fluviais de forma estratégica. A cidade de Santos era como um entreposto comercial. A cidade de São Paulo centralizou as funções políticas industriais e culturais. Após a abertura dos portos, em 1808, houve uma intensa entrada de viajantes europeus ao Brasil, que produziam registros detalhados sobre a sociedade paulista.
Os viajantes, ao observarem os modos e ritmos de trabalho das populações locais, não conseguiam entender suas concepções de tempo cíclico, guiadas pelas estações do ano, pelo "bom tempo" e pelas atividades religiosas, diferentes de suas noções de trabalho disciplinado medido por um tempo abstrato que regula as atividades dos trabalhadores da economia capitalista. Partindode tais conceitos, os viajantes desqualificavam os costumes e a cultura material dos subalternos, caracterizando-os como ociosos e preguiçosos. No entanto, não fugiu ao olhar desses estrangeiros a intensa exploração do trabalho à qual o homem comum encontrava-se submetido. (BARREIRO, 2002, s/p)
Através de depoimentos de visitantes pode-se ter uma ideia de algumas características da população paulista da época. Eram considerados trabalhadores, espirituosos e também “dotados de talentos próprios para grandes coisas”. As senhoras vestiam-se de seda preta aos domingos, para frequentar a igreja e nos bailes e festividades compareciam vestidas em “elegantes vestidos brancos, com uma profusão de colares de ouro no pescoço”.
Devemos deixar aqui consignado o fato de não terem rivais no Império as paulistanas, quanto à beleza e aos dotes que as exornam, constituindo motivo de orgulho a pureza e a nobreza de sua linhagem. (KIDDER, 1980, p. 193)
Desde o início do século XVII, por falta de mão-de-obra, o indígena passou a ser escravizado e mais tarde, quase no fim do século, negros escravizados foram introduzidos em São Paulo. Alguns paulistas, no final do século XVII possuíam entre 15 e 25 negros escravizados em suas propriedades, com a descoberta e a exploração das minas houve uma “substituição definitiva do braço indígena pelo africano”. Eram vendidos a preços mais altos, pois eram considerados trabalhadores mais aptos. Durante o século XVIII o negro escravizado passou a ser mão-de-obra essencial para o trabalho agrícola e indispensável aos serviços domésticos. Segundo Blaj (1998), essa mudança mexeu profundamente nas estruturas econômicas e sociais de São Paulo.
John Monteiro fornece outros elementos para este quadro, apontando para uma “dupla face da escravidão africana” em São Paulo durante esse período. A partir dos inventários, o autor destaca dois tipos de proprietário de escravos. O primeiro, cuja base estava nas atividades comerciais, negociava escravos nas minas. O segundo, cuja base era agrícola, integrava números cada vez maiores de escravos africanos em seus plantéis ainda consideráveis de índios. Mesmo se a maior parte dos escravos que passaram por São Paulo tiveram como destino o garimpo nas minas das Gerais, de Mato Grosso ou Goiás, a presença africana na vila – cidade a partir de 1711 – de São Paulo se firmou neste período, sendo suficientemente densa para edificar a primeira Igreja do Rosário, iniciada ainda na década de 1720. (MACHADO, 2004, p. 3)
Segundo Kidder (1980), as senhoras ocupavam-se poucos com os serviços domésticos, deixavam tudo sob reponsabilidade do “negro ou à negra cozinheira” e aos “demais servos”. Uma das características que chamou sua atenção foi a proximidade entre senhores e escravos que, pelo menos durante um tempo, tornavam-se amigos.
No século XIX, de acordo com o censo do Marechal Daniel Pedro Müller, de 9.391 habitantes da área urbana, 5.220 eram classificados como pardos, petos e índios. Na freguesia da Sé eram: 2.557 brancos; 1.085 pardos; 1.935 pretos e 1 índio. De acordo com os censos de Klein e Luna, de 1804 e 1829, na região da capital cerca de 36% dos escravos eram africanos. Já em 1829, cerca de 50% de todos os escravos eram africanos. Essa situação só começou a se modificar a partir de 1850. Na freguesia da Sé, onde se encontravam as famílias mais ricas, a quantidade de escravos era maior, 858 (370 crioulos e 488 africanos), segundo o censo do Marechal Daniel Pedro Müller.
Em 1765 a população total de São Paulo era de 20.873 pessoas, das quais 5.988 eram escravos, ou seja, 28,6%. Em 1772, houve um aumento dessa taxa: a população total passou para 21.272 pessoas, das quais 5.160 eram escravos, ou seja, 24,2%, observando-se uma pequena diminuição na quantidade de escravos. Em 1798, a população total contava com 21.304 pessoas, das quais 6.075 eram escravos. Apesar de a população total ter aumentado de forma pouco significativa, a cidade continuava contando com 24,2% de escravos. (SCHLEUMER, 2011, p. 1)
A escravidão na cidade de São Paulo ganhou importância de forma tardia, no início do século XIX, e também desapareceu de maneira lenta. A partir de 1880, com a centralização do movimento abolicionista, escravos que fugiam procuravam cada vez mais abrigo na cidade.
Livros como os de Zélia Cardoso de Melo, que estudou os inventários do XIX relativos aos senhores de escravos que residiam na cidade, aí incluindo também as fazendas e os cativos que eles por ventura possuíssem fora do município, sugerem que a cidade viveu uma crescente concentração de escravos nas mãos de proprietários mais abastados, situação esta que se aprofundou nas duas décadas finais da escravidão. (MACHADO, 2004, p. 5)
Segundo Monteiro (1994), a sociedade paulista era extremamente hierarquizada, suas pesquisas revelam que uma elite pequena detinha a maior parte dos bens e riquezas em suas mãos. 
Dessa forma, evidenciando toda uma produção interna transacionada com as vilas vizinhas e com as outras capitanias através do porto de Santos, acentuando uma base escravista e comercial que origina uma formação social hierarquizada, estratificada, com alto grau de concentração de riquezas nas mãos de uma elite produtora e mercantil, estas pesquisas apontam tendências que irão se desenvolver de forma plena a partir da descoberta dos minérios nas áreas de Minas Gerais e Cuiabá, dinamizando, ainda mais, o processo de mercantilização paulista. (BLAJ, 1998, s/p)
Até metade do século XIX a expansão de São Paulo havia sido modesta. A cidade ainda estava ligada ao “triângulo” onde se retinha a vida política, econômica, religiosa e social da cidade. As ruas Direita de Santo Antônio, atual Rua Direita, do Rosário, atual Rua XV de Novembro, e Direita de São Bento, atual Rua Sã Bento foram a base para o crescimento da cidade.
Excluídos da sociedade: os negros indigentes do Cemitério dos Aflitos.
No século XVIII, a presença de uma população vinda da África, com a finalidade de serem exploradas através do trabalho escravo, era considerável, em São Paulo a presença de cativos que chegavam por meio dos navios negreiros, estavam em grande crescimento. É importante mencionar que a mão de obra escravizada no Brasil colonial, foi primeiramente a dos povos originários dessa terra, e que certamente foram as presenças históricas que primeiro habitaram essa região. Porém de certa forma o comércio do escravo africano colaborou para a transformação de São Paulo em um polo comercial, mesmo que ainda inferior a outras cidades. Com a efetiva substituição da mão de obra no trabalho escravo, teve-se também um grande número de negros escravizados que foram integrados às lavouras das grandes propriedades rurais da região.
À primeira vista, uma solução para a crise da escravidão indígena seria a sua substituição por escravos negros, solução aliás adotada por todos os paulistas mais abastados no início do século XVIII. Para alguns, no contexto do declínio da população indígena, a presença crescente de cativos africanos em São Paulo parecia indicar uma incipiente transição para a escravidão africana. (MONTEIRO, 1994, p. 220)
	A presença do negro na região que hoje conhecemos como bairro da Liberdade, pode ser comprovada e analisada de diversas formas, no âmbito econômico, social e cultural. Pensando na influência social, a presença do negro naquela região, os pressionou a uma exclusão social, o que levou a criação de um local específico para estes serem sepultados quando vierem a falecer. Portanto, analisando as práticas ritualísticas e toda a burocracia do pós-morte na qual a sociedade dos séculos XVIII e XIX estava envolvida, pode-se refletir a presença negra, e toda sua condição social através da criação de cemitérios específicos para suas sepulturas. 
Para ser considerado oficial, um cemitério deveria ter as "bençãos" da igreja católica, tendo um aval eclesiástico, do contrário ele não seria considerado uma extensão do territóriosanto onde era originalmente enterrado os mortos. Os cemitérios eram também exclusivamente reservados ao público católico, viso que o catolicismo era a religião oficial do estado. O importante analisar alguns pontos como: o domínio da igreja católica com relação aos cemitérios, e a classificação do que é passível de ser considerado um local sagrado e toda a questão urbanística, que foi se criando no início do século XIX. Existia uma obrigatoriedade do enterro nesses locais "católicos sagrados", visto que também para ser considerado cidadão era necessário ser católico. Para os escravos, não restava escolha, eles seriam enterrados onde os donos achassem que deveriam ser enterrados ou seja o local menos sagrado dos terrenos das igrejas.
Segundo Petruski (2006), os primeiros cemitérios foram as catacumbas. O sepultamento em terra tinha um significado importante, os cemitérios eram considerados lugares santos. Com o passar do tempo, em diversos cemitérios, foram edificadas basílicas, que além da sua função religiosa, alojavam os mortos. 
Essa prática de enterrar em solo sagrado foi se ampliando ao longo do medievo e muitos cemitérios em espaços abertos foram sendo deixados de lado, passando a localizarem-se próximos às igrejas. Todavia nem todas as pessoas poderiam ter seus corpos depositados nesses locais, reservados aos mais abastados como também a aqueles que possuíam influência na sociedade local. Eram os sepultamentos denominados ad sanctus cujos corpos ficavam “no coro ou na cave, ou no exterior, à sombra das paredes, ou ainda nos cemitérios em lugares privilegiados, os mais próximos do santuário: perto da entrada das capelas sepulcrais, das estátuas, cruzes de pedra, estações para procissões” (PETRUSKI, 2006, p. 5)
O cemitério nasce do sentido que as pessoas deveriam ser enterradas em igrejas, porém somente as pessoas consideradas importantes nas sociedades, com grande poder aquisitivo, poderiam ser enterradas dentro da igreja. É a forma que elas encontram de permanecer "vivas", estando nesse lugar "santo" estariam mais próximas de Deus. Para os considerados "indigentes", restava serem empilhados em covas rasas as margens dos terrenos das igrejas.
Ao analisarmos profundamente os fragmentos históricos do bairro da Liberdade, podemos encontrar uma história literalmente subterrânea nesse conhecido bairro do centro de São Paulo. Assim, nos deparamos com um bairro que resguarda sobre sua história agentes que contribuíram para construção histórica do bairro, e que se ofuscou perante uma nova construção de memória sobre o local. Os agentes carregam sobre si a alcunha de seres passiveis de esquecimento, pessoas desprivilegiadas ou indigentes. O indigente é visto, grosso modo, como um sujeito que vive em extrema carência material, ausência de condições mínimas, de salubridade e conforto com meios próprios além de outras fragilidades socioafetivas, entregue ao abandono, estresse, frustração, apatia, imagem negativa perante a sociedade.
Em São Paulo, o local de inumação dos segmentos desprivilegiados sobre o qual existem mais referências é o Cemitério dos Aflitos – nome este que pode nos sugerir o tipo de cadáver e de enterramento presentes neste local –, que estava localizado na região correspondente ao atual bairro da Liberdade e era administrado pela Santa Casa da Misericórdia. Em 1774, a Diocese definiu o terreno onde se fixaria o cemitério e, em 1775, foi inaugurado o local no qual seriam inumados escravos, indigentes e sentenciados. Os que faleciam na cadeia também eram lá sepultados. Acredita-se que este local foi escolhido devido à sua proximidade com a Santa Casa (CYMBALISTA, 2002, p. 39; PAGOTO, 2004, p. 62-3). Da mesma forma que em Salvador, a forca localizava-se próximo ao cemitério, certamente para facilitar o transporte e enterro dos corpos dos justiçados. Embora fosse construída uma capela neste cemitério, “com o passar do tempo, o seu estado de abandono era tamanho que não se sabia ao certo qual autoridade era responsável pela sua manutenção”. (PAGOTO, 2004, p. 62). (BRAVO, 2012, s/p)
	O tratamento pós-morte para com os escravos era o mais baixo possível, os senhores dos escravos não tinham o costume, ou o cuidado de providenciar sepulturas dignas aos seus escravos, inumando-os em valas comuns. Portanto, não era realizado com os escravos mortos o costume de encomendarem seus corpos e/ou enterrá-los em campo santo, o mesmo acontecia aos demais considerados indigentes na sociedade.
	De acordo com Bravo (2012), para os situados em certas posições sociais e econômicas, não lhes permitiram ou possibilitaram sepultamento dentro dos templos, mesmo que eles não tenham sido excomungados e se enquadrassem, portanto, no âmbito católicos, os: pobres, indigentes, a maioria dos escravos, justiçados, e os chamados “pretos novos”. Dessa forma, alguns mortos provenientes destes grupos sociais tiveram seus corpos sepultados nos matos, terrenos baldios e nas praias. 
	Era comum também os senhores de escravos lançarem para fora de suas casas os escravos que morriam, o abandono de escravos mortos nas portas das igrejas era bastante recorrente. Esses hábitos eram tão comuns que, segundo relatos, atraiam diversos cães, e não era raro encontrar os corpos que eram abandonados nas igrejas aos pedaços. A situação ficou insustentável, então a cúpula de bispos da igreja católica passaram a determinar que quando um escravo morresse, era obrigação do seu senhor comunicar ao pároco do lugar para que este negro tivesse seu corpo encomendado e enterrado em local sagrado e com mortalha de acordo com suas possibilidades. 
Em São Paulo, até 1775 uma parte da população, era sepultada nas igrejas. Naquele mesmo ano, Dom Frei Manoel da Ressurreição, Bispo de São Paulo, decidiu fundar um cemitério separado da igreja, para escravos, condenados e indigentes. Em 1779 ergueram ali uma capela com o nome “Nossa Senhora dos Aflitos” que foi inaugurada no dia da sagração do cemitério, constando a seguinte ata:
Cimiterio da rua do Arsipreste da Cidade de São Paulo.A 27 de junho de 1779 foi sagrado o nosso Cimiterio, pelo Exmo.Sr. Bispo D. Frei Manoel da Ressureição, assistindo o Rmo.Sr. Conego Asipreste Paula, e mais tres cônegos sendo hum Arcediago. Foi sagrado com toda cerimonia da igreja; S.E.a Paramentado – com vestes de Pontificar. O – qual entrarão pelo velho portão com todos os Srs. Rdo.Padres. tendo sido armado grande tordo para o este acto.Assistio o nosso governador Martins Lopes Lobo de Saldanha com toda pompa do costume. Começou a Sagração as 8 horas da manhã – findando as 3 da tarde. O jantar foi na Chacra do R.do.Conego Paula Asipreste. São Paulo 28 de junho de 1779 Sacristia de N.Sª dos Aflitos na Capela do Cimiterio Silva. (AUTOS DE PATRIMÔNIO E EREÇÕES DE CAPELAS Vol. 1-2-3, p.189)
	Para a sociedade dos séculos XVIII e XIX, tanto o negro forro ou os que ainda tinham sua posição inserida no trabalho escravo, era tal como um indigente, visto uma ascensão social quase inexistente, e todas as condições sub-humanas da escravidão. Sendo assim como um indigente, para a sociedade do período analisado, o negro sendo ele escravo ou forro, não tem um passado ou origem, tão pouco uma perspectiva de futuro. Tanto o negro na condição de escravo ou forro, eram empurrados para a margem da sociedade, e isso fica claramente representado tanto em vida quanto depois de mortos.
	No dia 23 de julho de 1821, foi expedido um aviso ao Senado da Câmara para que levantassem uma forca, no lugar mais público da cidade e próxima ao cemitério. Sendo assim, o cemitério dos Aflitos, passou a receber também em grande escala, aqueles que foram condenados à morte por enforcamento. Pode ser observado em qual patamar social os negros estavam na sociedade do século XIX, os que eram escravos estariam no mesmo patamar de criminosos condenados, portanto, assim como os justiçados não eram dignos de serem lembrados. O fato de a forca ser colocado no local mais público da região, pode estar aliado a uma forma de inibir e impor medo na população, sobretudo as camadasmais baixas da sociedade, o que também inclui os negros que estavam na condição de escravos. 
O Cemitério dos Aflitos, assim como os corpos “indesejáveis” que ali eram sepultados, não recebiam muita atenção da Igreja, que era a responsável por ele. O cemitério funcionou durante seus primeiros quatro anos, sem que tivesse sido consagrado pela igreja, ou seja, durante quatro anos ocorreram sepultamentos nesse lugar e ainda assim não era um terreno sagrado. Outro aspecto que pode demonstrar a indiferença com que era tratado o cemitério está relacionado com a própria estrutura. O cemitério não contava nem ao menos com um equipamento básico para proceder aos enterramentos, o que fica evidente em uma Ata da Câmara Municipal de 1852 onde “[...] informa que no cemitério não há enxada, e nem pá para enterros que ali se fazem, sendo por isso preciso fornecer-se ao carcereiro esses instrumentos para o enterro dos presos [...]” (JORGE, 2006, p. 102)
Segundo Petruski (2006), os cemitérios mostram muito mais do que a obviedade funcional de um cemitério, eles podem mais do que nunca mostrar as desigualdades sociais que existem no mundo dos vivos. Vemos nos cemitérios a construção de túmulos com estruturas luxuosas e, em contrapartida, é possível ver também pessoas que são simplesmente amontoadas em valas. Então dessa forma fica bem representada a diferença das classes sociais na sociedade.
No livro de óbitos, são encontrados registros de diversos sepultamentos realizados em igrejas espalhadas por São Paulo, que ocorreram no período analisado. Fazendo uma análise comparativa sobre as diversas informações contidas no livro de óbitos acerca dos sepultamentos que ocorram dentro do período, foi possível observar as contradições e problematizar as diferentes formas nos tratamentos mortuários. 
É possível observar o aspecto social dos enterrados na Capela dos Aflitos, praticamente todos os indivíduos considerados desprivilegiados ou indigentes, tinham como destino o enterro na área que compete a Capela dos Aflitos. O registro de morte dos que foram enterrados no Cemitério dos Aflitos, que o seu passado familiar foi apagado, todos os negros, sendo escravos ou forros, tinham somente o primeiro nome, que certamente foi dado a eles por seus respectivos donos. Existe um padrão ao se referir aos que eram enterrados no Cemitério dos Aflitos, além da alcunha de "menor" ou "adulto", sempre era identificada a cor do corpo, como sendo “pardo” ou “preto”, o que parece ser uma forma de reforçar a separação pelo aspecto racial. Da mesma forma, existia o padrão na descrição do registro de informar se era "escravo" ou "forro", neste caso uma aparente forma de reforçar uma separação social. Em alguns poucos havia sua nacionalidade, porém em todos os registros dos escravos carregavam o nome do seu proprietário.
Não era raro não constar também a idade, porém quando observamos o registro de algumas idades, temos a possibilidade de refletir sobre o que existe por de trás desses registros. Através dos registros podemos observar a alta taxa de mortalidade infantil, que está atrelada as condições terríveis que a escravidão pode oferecer. Foram encontrados muito pouco registros de mortos na condição de escravos em fase adulta que ultrapassaram os 20 anos de idade. No caso dos negros “forros”, a expectativa de vida aumentava um pouco. Isso pode nos revelar a baixa expectativa de vida de um ser humano na condição de escravo, assim como revela a crueldade exploratória do trabalho escravo. A violência era algo presente no que diz respeito a morte dos negros na condição de escravo, e pode ser observada na causa da morte de um escravo com o nome de Joaquim, que morreu sendo vítima de facadas:
Joaquim escravo adulto - Aos vinte oito de dezembro de mil oito centos e dezoito annos, falleceu com os sacramentos (...) violência de facadas, idade trinta e dois annos, Joaquim solteiro, naturalidade não definida, filho de Joaquim já fallecido e de sua mulher (...), escravo de Dona Maria (...), foi encomendado e sepultado no cemitério publico desta parochia de que fiz este assento e assinei, (...) João (...) Fernandes. (LIVRO DE ÓBITOS, 1818, p. 28)
De acordo com Schleumer (2011), que se baseou em mais de 3.398 registros de óbitos registrados no Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, pode-se afirmar que 489 cativos falecidos em São Paulo e seus arredores foram identificados como escravos provenientes da Guiné, onde ela afirma que veio a maior parte dos escravos africanos. Porém outros locais merecem destaque, como Congo, Cabo Verde, Moçambique, Angola, Monjolo e Rebolo, e certamente teve presença marcada no Brasil. 
A presença de negros escravizados vindos de Guiné, no centro de São Paulo pode ser observada e comprovada, ao analisarmos os registros de óbito de duas escravas, onde são descritas com o nome de "Maria" e "Joanna", que foram enterradas no Cemitério do Aflitos:
Maria - Aos vinte e três de junho de mil oito centos e onze, falleceu afogada, idade de dezesseis annos mais ou menos, Maria, solteira, natural de Guiné escrava de João Ignacio, incomendada e sepultada no cemiterio publico desta parochia de que fiz este assento e assinei. O Coadjutor José Velozo Carmo. (LIVRO DE ÓBITOS, 1811, p. 31)
Joanna - Aos vinte de julho de mil oito centos e onze, falleceu com os sacramentos da Penitencia Extrema Unção de moléstia maligna, idade treze annos, Joanna, natural de Guiné escrava de Gertrudes Albania de Castro, foi incomendada e sepultada nesta Sé deque fiz este assento que assino. O Coadjutor José Velozo Carmo. (LIVRO DE ÓBITOS, 1811, p. 33)
Analisando os sepultamentos dos mortos que não foram enterrados no Cemitério dos Aflitos, mas sim em cemitérios ou igrejas espalhadas por São Paulo, pode-se perceber uma grande diferença, na forma como é registrado no livro dos óbitos. Diferente dos mortos enterrados no Cemitério dos Aflitos, os mortos enterrados em ouras igrejas aparentam ter um considerável poder econômico, e se encontram em uma escala social mais elevada, como pode se observar nos registros no livro de óbitos. Também é possível observar que, além dos primeiros nomes, esses têm os sobrenomes por completo, assim também como é descrita no livro de óbitos a filiação e entes familiares. A causa da morte dos corpos destinadas a igrejas destinadas a altas camadas sociais, raramente demonstram ter caráter violento, o que contrasta com a violência presente na morte dos escravos. Nos registros dos mortos enterrados em outras igrejas, é facilmente descrito os cargos ou trabalhos que exercem na sociedade, assim como suas posses, como terras e escravos.
Na descrição desses mortos que pertencem a uma classe social mais elevada, existe toda uma orientação a respeito da forma do tratamento desse corpo, é especificado como este corpo deve ser preparado por meio dos rituais de exumação e fúnebres assim como também onde deve ser enterrado. As descrições no registro, demonstram que estas especificações, para com o tratamento do corpo devem ser seguidas minunciosamente. E registrado também no livro de óbitos uma espécie de testamento deixado a um determinado destinatário. Com base no é descrito nesses testamentos, podemos observar que no contexto escravista da época o negro não era nada além de uma mercadoria, uma posse, e como tal pode ser deixada de herança. Pode ser observado esta relação, quando observamos no registro de óbito de um a falecido chamado de Joaquim Francisco de Vasconcelos, onde este deixa de herança a escrava chamada de Tereza:
O Capitão Joaquim Francisco de Vasconcelos - Aos dezenove de Novembro de mil oito centos e doys falleceu de hydropesia(?) com todos os sacramentos o Capitão Joaquim Francisco de Vasconcelos natural desta cidade casado segunda vez com Dona Maria Rosa de Conceição Trindade de idade de quarenta seys annos. Fez testamento e declara seguinte que deve o corpo ser sepultado na Ordem Terceira de (...) do Carmo e que (...) vinte e cinco milhas do corpo presente – que (...) mais duas capellas de (...) conforme intenção (...) deseus doys fallecidos irmãos. Declara que de (...) da escrava Tereza mulata que deixa de (...) a sua Comadre Maria de Assunção doze mil e oito centos, e a remacecente de sua terra, deixa sua mulher (...). O Pr. Agostinho José Jr. (LIVRO DE ÓBITOS, 1802, p. 5)
	Existiam também casos em que o testamento presente no registro de óbito haveria um "ato de bondade" por parte do proprietário de escravos, na qual era realizado o ato de libertar algum dos seus, com é o caso da Isabel de Almeida, que além de libertar seu escravo, deseja ser sepultada com o hábito de senhora do Carmo, santa que tem forte ligação com o resgate das almas que padecem depois da morte:
Isabel de Almeida - Aos vinte de novembro de mil oito centos e três falleceu com todos os sacramentos Isabel de Almeida, natural de (...) viúva do Capitão José de Souza Neves. Fez testamento e declara que o corpo seja sepultado com o habito de senhora do Carmo e sepultado na mesma ordem do Carmo. Declara que deixa liberto seu escravo Joaquim. Declara que (...). Foi encomendada e sepultada (...). O Pr. Agostinho José Jr. (LIVRO DE ÓBITOS, 1803, p. 25)
Ao realizar uma análise comparativas, entre os aspectos diferentes que vão desde a realização dos sepultamentos, os locais, e a forma como é registrado as diferenças presentes no livro de óbitos. Os registros nos mostram que até na morte é possível ver que as diferenças tanto raciais quanto sociais, ainda estão presentes, e podem determinar o destino de um indivíduo, ainda que morto.
	De acordo com Bravo (2012), pode ser observado que a hierarquização da morte não se dava apenas pela cor da pele, mas também de acordo com a origem desse negro, ou seja, os corpos dos considerados crioulos, poderiam ter maior distribuição entre as igrejas matrizes, enquanto que os corpos dos africanos, estavam concentrados em igrejas de irmandades ou cemitérios específicos.
Em relação ao status, acreditamos que estes seriam desprivilegiados não necessariamente por serem, segundo os relatos, “mal conservados”, com ausências de rituais/cerimônias religiosas ou por sua localização, mas principalmente pelos segmentos sociais que lá estavam sepultados, ou seja, os grupos e indivíduos em posição nas escalas mais inferiores da hierarquia social, a exemplo dos aqui já mencionados. Afinal, tratava-se de uma sociedade inserida na ambientação do Antigo Regime e seriam os lugares sociais ocupados pelos cadáveres neles sepultados que pareciam conferir àqueles cemitérios a posição e imagem que possuíam nas diferentes cidades, tais como a aqui citadas. (BRAVO, 2012, s/p)
	Analisando as fontes e toda relação do cemitério, hierarquia social e a escravidão no Brasil, é possível observar diversos pontos. Toda violência reproduzida por um estado escravista, um exemplo foi que, o aumento do tráfico negreiro e toda crueldade oriunda dessa prática, trouxe como consequência um aumento nas mortes. Desse modo, se fez necessário as cidades brasileiras criarem espaços que facilitem o enterro dessas vítimas em específico. 
	Quando analisamos a fundo os indigentes que foram enterrados no cemitério dos Aflitos, obviamente é certo que no período podem haver diversos sujeitos que levam esse estigma, porém nesta pesquisa a atenção foi direcionada ao negro, que tanto não condição de escravo ou forro, foram empurrados para um amplo grupo social na época, os indigentes. Ao observar que os negros sempre estiveram presentes no que hoje conhecemos como bairro da liberdade, porém vistos como indigentes, traz à tona um dos motivos da escassez de detalhes descritivos dos indivíduos que foram enterrados na capela dos Aflitos. Porém, neste item foi proposto de refletir sobre a presença do negro através dos sepultamentos no cemitério dos Aflitos, e ainda que considerado indigente, foi e ainda é um agente produtor de história.
Os “fantasmas” da antiga São Paulo.
Uma das primeiras ações adotadas pela Câmara da Vila de São Paulo foi a construção da forca, a proposta foi apresentada pelo procurador Baltazar Rodrigues na sessão de 21 de fevereiro de 1564. Ao decorrer dos anos diversas forcas foram levantadas e derrubadas como mostram as Atas. No dia 21 de junho de 1775 dirigia-se a Câmara para que “sem perda de tempo mandem levantar uma forca nos subúrbios da cidade, cujo lugar conferirão com o ouvidor-geral”.
Cumprindo o que lhes determinara o recém-chegado governador, escreveram os camaristas ao ouvidor-geral e corregedor da comarca, José Gomes Pinto de Morais, convidando-o para irem ver e assentar o lugar da forca. E “no caminho de Santos, no largo em frente da chácara do tenente Francisco José Machado”, em um morro, escolheram e resolveram se assentasse a forca exigida, passando, desde então, o local a ser conhecido por Campo da Forca e, mais tarde, por Largo da Forca. (AMARAL, 1980, p. 201)
Porém, essa forca não ficou de pé por muito anos, já que em 26 de julho de 1821, recebia a Câmara, da Junta Governativa da Província, ordens para a construção de uma nova forca, no local mais público da cidade. O espaço escolhido foi o ponto de encontro das ruas dos Estudantes, atual Galvão Bueno, e a Rua da Pólvora, atual Avenida da Liberdade.
Na noite do dia 28 para 29 de junho de 1821 a população de Santos recebia a notícia que o 1º Batalhão de Caçadores se revoltara. O motivo era a falta e a desigualdade nos pagamentos de seus salários por muitos anos. De acordo com documentos da época, no dia 27 de agosto de 1821, trinta e três soldados do 1º Batalhão de Caçadores de Santos foram subjugados, presos e condenados nos artigos 15, 17 e 18 e do Novo Regulamento da Guerra: 
Todo aquelle que fôr cabeça de motins, ou traição, ou tiver parte ou concorrer para estes delictos, ou souber que se urdem e não delatar a tempo os agressores será infalivelmente enforcado. 
Um mês depois, o governo provisório aprovou somente a execução dos responsáveis, o Sargento José Corrêa, o furriel Joaquim Roiz, os cabos Floriano Peres e Francisco José das Chagas e os soldados José Maria Ramos, José Joaquim Lontra e Joaquim José Cotindiba. A ordem era para que o soldado José Maria Ramos e o furriel Joaquim Roiz fossem executados primeiro por serem os principais responsáveis, ambos foram enforcados nas vergas de embarcações por não haver forca em Santos. Francisco José das Chagas e Joaquim José Cotindiba foram os únicos que seguiram presos para São Paulo por “serem naturais de serra acima”. No dia 15 de setembro, Francisco José das Chagas, o Chaguinhas, e Joaquim José Cotindiba partiram de Santos sob a guarda de uma escolta de confiança e no dia 17 o governo os colocou à disposição do juiz da Província.
Lembrando que os mandasse “quanto antes tomar conta dos ditos réus e transferidos para o Oratório, passando às ordens ao Dr. Juiz de Fora para fazer a sentença”. Na sessão da Câmara, realizada na véspera da execução, representou o procurador Amaro José de Morais, sobre a necessidade de “mandar-se fazer duas cordas de barbantes para serem enforcados dois padecentes, que se achavam no Oratório para serem enforcados”. (AMARAL, 1980, p. 137)
A execução ocorreu no dia 20 de setembro de 1821, o primeiro a ser enforcado foi Joaquim José Cotindiba, e um fato curioso então ocorreu quando se iniciou o enforcamento de Chaguinhas, a corda de barbante que suspendia o cabo se partiu, foi rapidamente substituída por um laço de couro de um açougue próximo, mas este também se partiu e seu assassinado se deu em terra. Diversas lendas circundam a respeito do singular episódio, porém sua descrição está presente no depoimento do Padre Diogo Antônio Feijó, testemunha ocular, prestado na sessão da Câmara dos Deputados em 22 de maio de 1832.
Sr. Presidente, o que eu entendo por atrocidade é, por exemplo, isto: mandar enforcar um homem, tendo ainda recurso legal contra sentença. Senhor Presidente, eu, o vi com meus próprios olhos, na minha província. Era o primeiro espetáculo destes; a curiosidade chamou-me àquele lugar. O desgraçado pendurado, caiu por haver se cortado a corda. Recorreu-se ao governo da Província, pedindo que sedemorasse a execução, enquanto se implorava a clemência ao príncipe regente; não foram atendidos; alegou-se não haver corda própria para enforcar; mandou que se usasse laço de couro. Foi-se ao açougue, levou-se o laço; o infeliz foi de novo pendurado, mas o instrumento não era capaz de sufocar com presteza. Partiu-se de novo a corda e o miserável caiu ainda semi-vivo; já em terra foi acabado de assassinar.
Para a numerosa população, de todas as classes sociais, que assistia o enforcamento, como de costume, o rompimento das cordas foi um sinal de milagre, sinal da inocência de Chaguinhas. O cabo passou a ser visto como um herói, um santo protetor milagroso. Desde o século XVIII ocorrem cultos onde antes existia a forca. Ao lado da antiga forca foi erguida uma simples cruz de madeira, acreditava-se no poder dela de afastar os causadores do mal. Ao lado da cruz foi colocada uma mesa, onde se acendiam velas que, segundo a tradição, não se apagavam nem mesmo com a chuva e o vento.
Em 1891 alguns populares erigiram no lugar do cruzeiro uma tosca capela onde os devotos passaram a se reunir para orar pelas almas e praticar rituais. Essa devoção laica se expandiu e a capela precisou ser constantemente ampliada para acolher o povo. Em dado momento, estes agentes religiosos leigos sentiram a necessidade de legitimar socialmente suas crenças e, ao mesmo tempo, de atender a demandas internas por ritos oficiais. A fonte de legitimidade foi percebida pelos devotos como prerrogativa da religião instituída. Por isso, recorrem à autoridade eclesiástica capaz de concedê-la. Ela o fez mediante certas exigências prévias, capazes de lhe assegurar o controle do local, de tudo nele contido, bem como o gerenciamento dos cultos, das relações e formas de associação entre os fiéis. Em 1895 a capela é benta e concedida provisão para celebrações na forma do ritual romano. Particularmente importante na história da edificação da atual igreja é o ano de 1921, centenário da morte de Chaguinhas, quando devotos e autoridades eclesiásticas se mobilizaram para recolher recursos destinados à construção da nova igreja, cuja pedra fundamental foi lançada em 1925. (VILHENA, 2004, p. 7)
Segundo Vilhena (2004), praticamente toda a população brasileira não enxerga a morte biológica como um encerramento da existência do ser humano, este, de alguma forma, sobrevive a ela e com várias acentuações, as crenças sobre a realidade da comunicação e interação entre vivos e mortos são muito frequentes. Essa comunicação pode ser feita através de pensamentos que conectam esses dois estados de vida, e também pode se realizar através da escrita, através de bilhetes deixados nos velários, no interior de igrejas e aos pés dos santos. É um ato social para entabular e conservar relações entre os devotos e seus protetores. Na Capela dos Aflitos bilhetes são deixados todos os dias na porta da cela em que Chaguinhas esteve preso até a execução de sua sentença, os devotos, além dos bilhetes, batem na porta três vezes, para que suas bençãos sejam recebidas.
Quase dois séculos após sua morte, seus devotos, como ele pessoas simples, não cessam de reverenciar sua memória, suplicar seu auxílio e agradecer suas benesses. Assim, a partir de um fato histórico, jurídico e político, é gestado pelo povo o mito Chaguinhas , que interpreta, narra, dramatiza, santifica e comunica a saga do herói popular. (VILHENA, 2004, p. 6)
O caráter martirizante de sua morte, junto com a morte de tantos outros pelo enforcamento, desperta solidariedade da população que tem o desejo de proporcionar a essas almas paz e libertação. Sua gratidão por aqueles que oram por seu descanso em paz se manifesta através de proteção. Cristián Parker (1996) ao observar uma comunidade de Santiago, no Chile, afirma que a crença no poder mediador da “alma” dos que morreram tragicamente tem o poder de ultrapassar as barreiras institucionais, políticas e sociais.
Desde o século XVIII, no lugar da antiga forca e no cemitério dos Aflitos, acontece o culto às almas desencaminhadas, inconformadas e aflitas que, quando vivas em corpo, tanto sofreram pelas agruras da vida, injustiças, desprezo social e por conta de suas mortes violentas. (VILHENA, 2004, p. 6)
Segundo Vilhena (2004), o culto às almas afirma a imortalidade do indivíduo. Sua identidade pessoal é preservada, todos conservam seus nomes, quando chamados, respondem e vêm ao encontro de quem os clamou. Além de sua identidade também são preservadas as histórias de vida e os traços de caráter individual. O culto para as almas afirma a imortalidade da sociedade formada pelos mortos entre os vivos.
Da escravidão a orientalização: uma memória em disputa.
No dia dezoito de junho de 1908, em Santos, no Armazém 14 aportou o navio Kasato-Maru que partiu do porto de Kobe no Japão. Chegavam os primeiros trabalhadores japoneses ao Brasil. Os imigrantes chegavam ao porto de Santos e se dirigiram para a cidade de São Paulo onde tinham que assinar um contrato com o Governo de São Paulo junto a Companhia de Imigração Imperial que previa as regras de imigração. 
Segundo os registros da época, eram 781 pessoas entre passageiros e tripulantes, sendo que cada família tinha em média de 4 a 5 componentes, 37 pessoas não faziam parte de nenhuma família, haviam 16 crianças com menos de 12 anos e 8 crianças tinham menos de 1 ano, não havia nenhum idoso e 532 sabiam ler e escrever enquanto 150 eram semi-analfabetos. (GÓES, 2012, p. 5)
A presença japonesa no bairro da Liberdade começou em 1912, quando imigrantes japoneses começaram a residir na Rua Conde de Sardezas por conta do baixo preço de aluguel em quartos no subsolo, por ser no centro da cidade conseguiam se locomover com facilidade para seus locais de trabalho. 
De acordo com pesquisas realizadas e publicadas, dentre os imigrantes que chegaram ao Brasil pelo Kasato Maru, alguns se estabeleceram em São Paulo. Porém, anteriormente a este episódio, já havia na cidade alguns pioneiros nipônicos como Teijiro Suzuki, que possuía uma loja de artigos japoneses estabelecida na Rua São Bento, chamada Casa Fujisaki, onde trabalhavam Tokuji Sato e Takeo Goto. Era a filial de uma casa comercial da cidade de Sendai-Japão. (GÓES, 2012, p. 7)
Segundo Nora (1985), a memória da coletividade é formada através de monumentos, patrimônio arquitetônico, paisagens, datas e personagens, tradições, costumes, música, folclore e também a tradição culinária. Ao visitar o bairro da Liberdade encontramos todos estes elementos voltados para cultura oriental, atualmente o bairro é considerado a maior comunidade nipônica fora do Japão, toda a sua estética é baseada nisso, por todas as ruas encontramos as clássicas lanternas vermelhas, o mar vermelho presente no bairro que enche os olhos do visitante faz com que construções históricas mais antigas que as orientais passem totalmente desapercebidas, é o que acontece com a Capela dos Aflitos.
Com o Programa de Orientalização, a Rua Galvão Bueno, passou a conviver com a paisagem do vermelho vivo que se erigiu imponente junto ao concreto, fincando-se em um majestoso portal de entrada, o Torii. Tais cores passam também a se replicar nos postes de três lanternas, os chôchin suzurantou, delimitando as ruas que pertencem, ou não, a tal programa. As calçadas recebem o símbolo heráldico mitsudomoe que também se inscreve dentro do traçado estabelecido. (SAITO, 2008, p. 1)
As ruas que antes eram caminho para os condenados à morte na forca ou torturas no pelourinho, hoje são repletas de restaurantes de comida oriental, lojas de cosméticos, lojas de presentes e lembranças do bairro, e também palco de festivais da cultura oriental durante todo o ano. Em 18 de junho de 1978 foi inaugurado o Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil.
O Património cultural, como realidade complexa, tem que ser devidamente considerado – desde o código genético e do genoma humano, até às tradições, às comunidades, às instituições, aos hábitos e costumes, num conjunto vasto do que designamos como Património imaterial (o modo como os artesãostrabalham, como a culinária se desenvolve, como as pessoas e as comunidades se relacionam), passando pelos vestígios arqueológicos, pelos monumentos, pelo modo de organização das populações e das cidades, mas também pela valorização da criação contemporânea […] (MARTINS, 2007, p. 17).
Antes de se aprofundar nessa questão, é necessário entender a diferença entre orientalidade e orientalização quando se trata do bairro da Liberdade. A orientalidade é o resultado espontâneo do longo processo de ocupação do bairro por povos asiáticos, aonde é necessário reconstruir uma identidade oriental fora da sua terra natal, principalmente no que diz respeito a hábitos culturais, que precisam sofrer algumas mudanças em sua pratica devido as diferentes condições de vida enfrentadas, ou seja, é um processo continuo e lentamente construído por esses povos. Por outro lado, a orientalização é um processo mais rápido e planejado, que surge principalmente devido a esfera econômica mercantil, com o aumento da procura e popularidade de produtos e hábitos culturais orientais, que ocorre devido a descoberta e valorização de traços culturais asiáticos, como a culinária japonesa, videogames, mangás e afins.
Logo, quando se trata do bairro da Liberdade, o que ocorreu foi um processo de orientalização, que foi iniciado durante o período da ditadura militar no Brasil. O Plano de Orientalização da Liberdade foi um pacto político-econômico idealizado pelo jornalista Randolfo Marques Lobato e consolidado pelas associações de comerciantes locais e a Prefeitura de São Paulo no ano de 1974. Vale ressaltar que o período em que o plano é colocado em prática diz muito sobre suas pretensões, a ideia era criar uma Little Tokyo ou uma Chinatown (cidades situadas nos Estados Unidos que tem forte influência cultural asiática e grande lucro comercial) na cidade de São Paulo, buscando um crescimento e valorização econômica no bairro, usando como inspiração modelos e ações estadunidenses.
Na tradição metodológica durkheimiana, que consiste em tratar fatos sociais como coisas, torna-se possível tomar esses diferentes pontos de referência como indicadores empíricos da memória coletiva de um determinado grupo, uma memória estruturada com suas hierarquias e classificações, uma memória também que, ao definir o que é comum a um grupo e o que, o diferencia dos outros, fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras sócio-culturais. (POLLAK, 1989, p. 1)
Com isso, o Plano de Orientalização toma forma com a implementação de equipamentos que remetem a cultura asiática, com ênfase na nipônica. As denominadas lanternas suzurantô são instaladas nas ruas do bairro, associando a iluminação pública a cultura japonesa. Foram inseridas nas calçadas do bairro a figura do mitsudomoe, um símbolo heráldico japonês que representa ‘A união do Céu, da Terra e do Homem’. Além disso, é instalado no Viaduto Osaka, um Portal Torii, uma peça de extrema relevância e significado na cultura japonesa, geralmente é utilizado para marcar a entrada a um lugar sagrado, logo, o seu local de instalação não remete a seu significado original. Esses são os três principais pilares na revitalização urbana do bairro, mas também houve implementações de simbologia mais discretas, como as faixadas comerciais, a disposição e uso da cor vermelha em diversos locais do bairro, os tipos de plantas utilizadas na arborização urbana etc. Voltando assim a paisagem urbana do bairro a referências culturais japonesas, de modo estratégico e discreto, o que foi um sucesso.
Orientalidade e orientalização são visões e procedimentos distintos do uso do espaço no bairro da Liberdade para a construção de um bairro oriental. No trecho observado na Rua Galvão Bueno, a área de articulação dominante da orientalidade persiste no segmento após o Viaduto até a sede da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e a esfera dominante de atuação da orientalização localiza-se entre a Praça da Liberdade e o Viaduto Osaka. (NAKAGAWA; OKANO, 2011, p.46)
O Plano de Orientalização não foi o único projeto posto com o objetivo que reafirmar a tradição asiática do bairro, em 2008, em homenagem ao centenário da imigração japonesa no Brasil, foi lançado o Projeto Caminho do Imperador, que consistia em diversas reformas e revitalizações que remetessem ainda mais a cultura asiática no bairro, quase que como uma extensão do plano de 1974. O novo projeto realizou modificações nas fachadas comerciais, colocando adornos orientais, o piso da Praça da Liberdade foi modificado, inserindo desenhos circulares que representam a origem das ilhas do Japão. As mudanças realizadas na praça foram propositais, tornando o local o ponto chave no processo de orientalização do bairro, já que a praça tem diversas funções, é um local de convivência, um centro comercial e também uma local de acesso ao bairro, já que a praça está localizada em uma das saídas da estação de metrô que leva o nome do bairro.
Com isso, vemos os resquícios da memória e a construção inicial do bairro, uma memória negra, sendo enterrados e substituídos por uma tradição e memória de origem asiática, tudo isso patrocinado pelo Estado e por instituições privadas em busca de crescimento comercial e de lucros, mas não somente isso, mas promovendo também uma higienização histórica.
Segundo Pollak (1989), a cisão entre memória coletiva e memória subterrânea está, geralmente, ligada a fenômenos de dominação, assim como o silêncio em relação ao passado. Essa questão é vista com mais frequência em relações entre “grupos minoritários e sociedade englobante”.
A despeito da importante doutrinação ideológica, essas lembranças durante tanto tempo confinadas ao silêncio e transmitidas de uma geração a outra oralmente, e não através de publicações, permanecem vivas. O longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo, ela transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas. (POLLAK, 1989, p. 3)
As discussões acerca do tema tratado nesse artigo tomaram grandes proporções no ano de 2018, devido a alteração do nome da estação de metrô que se localiza na praça de “Liberdade” para “Japão–Liberdade”, em um decreto assinado pelo então governador de São Paulo, Márcio França, no dia 24 de julho de 2018. A mudança foi um pedido de Hirofumi Ikesaki, dono da rede de cosméticos Ikesaki, grande rede comercial de São Paulo, que tem seu ponto comercial mais famoso localizado no coração do Bairro da Liberdade, o empresário justificou o pedido alegando seu investimento de 200 mil reais em obras de revitalização na praça em comemoração dos 110 anos da Imigração Japonesa no Brasil. A alteração gerou indignação não somente entre a comunidade negra, mas também em outros grupos orientais do bairro, como chineses e coreanos, que alegam também fazer parte da construção histórica do bairro. Mas a principal discussão ainda gira em torno da questão da história negra do bairro, sua memória e seu apagamento institucionalizado, tais discussões deram origem a ideia de escrita e realização deste artigo.
Conclusão
A São Paulos dos séculos passados, como pudemos observar, era regada de preconceitos. A análise realizada nos livros de óbitos da Paróquia Nossa Senhora da Assunção revelou que este preconceito estava presente desde o nascimento até a morte. Negros escravizados ou libertos, sendo crianças ou adultos, pobres e pessoas não católicas eram considerados indignos de até mesmo receber um sepultamento adequado. Seus corpos eram lançados em covas rasas, não tinham nomes, família ou bençãos.
Nesses livros encontramos uma clara diferença entre os óbitos de pessoas enterradas no Cemitério dos Aflitos, o cemitério público da cidade, e pessoas enterradas nos demais cemitérios privados e pertencentes as igrejas, diferença essa puramente ligada a questão social dessas pessoas.
Atualmenteexiste um grande esforço para que o passado sórdido da grande capital paulista seja esquecido, apagado e para que futuramente ninguém se lembre de suas atrocidades, de suas execuções, torturas em praças públicas e de suas numerosas forcas levantadas nos lugares mais públicos para que o espetáculo hediondo fosse visto de todos os lugares. Hoje, o esforço é para que isso seja desconhecido e acobertado pela bela paisagem vermelha do atual bairro da Liberdade, maior comunidade nipônica fora do Japão.
Aos poucos, o sentido da palavra “Liberdade” é esquecido, assim como a pequena Capela dos Aflitos, onde Chaguinhas esteve em seus últimos momentos, que até hoje se mantém, com muito esforço, de pé no centro da cidade de São Paulo. Pudemos observar que a história anterior a vinda dos imigrantes japoneses é quase que desconhecida, apesar de não ser tão distante, e isso faz parte de um processo premeditado, um plano para que o lado obscuro da história seja apagado.
Percebemos que, o “enquadramento da memória” tem seu papel fundamental no cenário atual do bairro da Liberdade. O uso de objetos materiais reforça cada vez mais a ideia de que o bairro sempre foi oriental, sejam as luzes, lojas, o nome “Japão-Liberdade”, feiras e festivais e até o Museu da Imigração Japonesa. 
Conclui-se que, atualmente, a ideia de reter o passado ao que convém para a representação do presente está muito visível na cidade de São Paulo, não só no bairro da Liberdade, mas também em diversos outros bairros que sofrem este mesmo processo de apagamento do seu passado. A ideia de que esses bairros sempre pertenceram a cultura de imigrantes asiáticos e europeus é extremamente comum e o esforço para apagar um passado sombrio é muito grande. Porém, o passado, por mais escondido que ele esteja, jamais será esquecido.
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ÁFRICA
-
LIBERDADE
 
Apagamento dos vestígios da presença dos negros da história do bairro 
(São Paulo 1779 
–
 
18
35
)
1
 
 
Amanda Caroline Lopresa Varini
 
Cassiani da Costa Souza
 
Giovanni Dosso Benedicto
 
Guilherme Soares de Souza
 
Karina Araújo do 
Nascimento
 
Samuel Roberto Pereira Moraes
 
 
 
 
Resumo:
 
Esse artigo tem como objetivo analisar a presença dos negros no bairro 
da Liberdade, em São Paulo. O período de
 
analise vai de 1779 
a
 
18
35
, 
fazendo
-
se o uso de livros de óbito
s
 
do antigo Cemitério dos Aflitos. O 
estudo pretende 
entender a presença dessas pessoas e também 
o seu 
esquecimento e 
a 
substituição da sua cultura.
 
 
Palavras
-
chave:
 
Bairro da
 
Liberdade, Cemitério dos Aflitos
, Memória 
N
egra
, Livro de óbitos
.
 
 
Introdução
 
O tema central deste artigo
 
é 
uma
 
análise
 
d
a presença de pessoas negras 
no bairro da 
L
iberdade
, em São Paulo,
 
no final do século XVIII e início do século 
XIX e como ao longo dos anos essa presença 
está sendo
 
esquecida e 
substituída.
 
Nossa princi
pal fonte são os livros de óbitos da Paróquia Nossa Senhora 
de Assunção, também conhecida como Paróquia da Sé. Nesses livros estão 
presentes óbitos de pessoas sepultadas no antigo Cemitério dos Aflitos, primeiro 
cemitério público da cidade de São Paulo, qu
e 
era destinado 
aos
 
escravos, 
 
1
 
Artigo apresentado à Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), curso de História, sob orientação da 
Profª Drª Maria Heloisa Aguiar da Silv
a, como requisito parcial para aprovação na disciplina Seminário de 
Pesquisa
 
II.
 
Dez. 20
 
ÁFRICA-LIBERDADE 
Apagamento dos vestígios da presença dos negros da história do bairro 
(São Paulo 1779 – 1835)
1 
 
Amanda Caroline Lopresa Varini 
Cassiani da Costa Souza 
Giovanni Dosso Benedicto 
Guilherme Soares de Souza 
Karina Araújo do Nascimento 
Samuel Roberto Pereira Moraes 
 
 
 
Resumo: 
Esse artigo tem como objetivo analisar a presença dos negros no bairro 
da Liberdade, em São Paulo. O período de analise vai de 1779 a 1835, 
fazendo-se o usode livros de óbitos do antigo Cemitério dos Aflitos. O 
estudo pretende entender a presença dessas pessoas e também o seu 
esquecimento e a substituição da sua cultura. 
 
Palavras-chave: Bairro da Liberdade, Cemitério dos Aflitos, Memória 
Negra, Livro de óbitos. 
 
Introdução 
O tema central deste artigo é uma análise da presença de pessoas negras 
no bairro da Liberdade, em São Paulo, no final do século XVIII e início do século 
XIX e como ao longo dos anos essa presença está sendo esquecida e 
substituída. 
Nossa principal fonte são os livros de óbitos da Paróquia Nossa Senhora 
de Assunção, também conhecida como Paróquia da Sé. Nesses livros estão 
presentes óbitos de pessoas sepultadas no antigo Cemitério dos Aflitos, primeiro 
cemitério público da cidade de São Paulo, que era destinado aos escravos, 
 
1
 Artigo apresentado à Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), curso de História, sob orientação da 
Profª Drª Maria Heloisa Aguiar da Silva, como requisito parcial para aprovação na disciplina Seminário de 
Pesquisa II. Dez. 20

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