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Joëlle Moreira - Medicina UFPE Nefrologia DISTÚRBIOS ACIDOBÁSICOS A consequência da produção de energia no meio intracelular é a liberação de hidrogênio - H+ (ácido) - para o meio extracelular. Devido a sua característica ácida, o organismo usa o bicarbonato - HCO3- (básico) - para formar o ácido carbônico - H2CO3 - que se decompõe em CO2 e H2O, que são facilmente eliminados pela respiração, transpiração, urina, etc. H+ + HCO3- ⇆ H2CO3⇆ CO2 + H2O Essa reação é responsável por manter o pH sanguíneo neutro, configurando um sistema tampão. A balança para esse equilíbrio depende do HCO3- e CO2: ⇒ O pH é diretamente proporcional ao bicarbonato e inversamente proporcional ao ácido carbônico. Tipos de alterações possíveis: 1. ⇣HCO3- ⤍ ⇣pH ⤍ acidose metabólica 2. ⇡HCO3- ⤍ ⇡pH ⤍ alcalose metabólica 3. ⇡pCO2 ⤍ ⇣pH ⤍ acidose respiratória a. Hipoventilação 4. ⇣pCO2 ⤍ ⇡pH ⤍ alcalose respiratória a. Hiperventilação O bicarbonato é regulado por mecanismo renal = metabólico. Já o ácido carbônico é regulado pela respiração. Se ambos saírem do valor de corte = mista. GASOMETRIA ARTERIAL . É o exame padrão-ouro para avaliar oxigenação, ventilação e status acidobásico. Ela está indicada para todo paciente potencialmente grave. O sangue é colhido na artéria radial, podendo também ser colhido na braquial ou femoral. Parâmetros avaliados no exame: ➔ pH: 7,35 - 7,45 ➔ pCO2: 35-45 mmHg ➔ HCO3 act: 22-26 mEq/L - sofre muita influência da pCO2 - sofre alteração até em mudanças fisiológicas ➔ HCO3 std: 22-26 mEq/L - calculado a partir de uma pCO2 ideal - mais fidedigno ➔ BB ecf: 48 mEq/L (total de base do fluído extracelular) ➔ BE ecf: -3,0 a +3,0 mEq/L (excesso de base do fluído extracelular - variação do BB da normalidade) ◆ Permite dizer se o distúrbio é agudo ou crônico (acidose metabólica): ● Agudo: não altera BB e BE ● Crônico: altera BB e BE Um pH normal não é indicativo de normalidade. Precisamos olhar os outros parâmetros. Ou seja, é importante SEMPRE olhar: (1) pH, (2) HCO3 e (3) pCO2 ⇒ A gasometria venosa pode ser usada para avaliação do pH e bicarbonato em pacientes estáveis. ⇒ O limite mínimo de pH no qual a pessoa pode viver, por poucas horas, está em torno de 6,8, e o limite superior, em torno de 8,0. RESPOSTA COMPENSATÓRIA . Acidose metabólica: hiperventilação - ⇣pH + ⇣HCO3 + ⇣PCO2 - pCO2 esperada = (1,5 x HCO3) + 8 - O valor pode variar em +/- 2 Alcalose metabólica: hipoventilação - ⇡pH + ⇡HCO3 + ⇡PCO2 - pCO2 esperada = HCO3 + 15 Acidose respiratória aguda: ⇣pH + ⇡HCO3 + ⇡PCO2 - HCO3 esperado = 24 + 1([PaCO2 – 40] /10) Acidose respiratória crônica: pH normal + ⇡HCO3 + ⇡PCO2 - HCO3 esperado = 24 + 4([PaCO2 – 40] /10) Alcalose respiratória aguda: ⇡pH + ⇣HCO3 + ⇣PCO2 - HCO3 esperado = 24 - 2([PaCO2 – 40] /10) Alcalose respiratória crônica: pH normal + ⇣HCO3 + ⇣PCO2 - HCO3 esperado = 24 - 5([PaCO2 – 40] /10) ⇒ Pura = simples = compensada ACIDOSE METABÓLICA . CAUSAS: ● Acidose lática - muito consumo de bicarbonato ● Cetoacidose - muito consumo de bicarbonato ● Uremia - muito consumo de bicarbonato ● Perdas digestivas baixas - diarreia rica em bicarbonato ● Acidoses tubulares renais - segura hidrogênio ou perde muito bicarbonato Como determinar causa? Anion Gap - ânions não-medidos O meio intra e extracelular são balanceados pela presença equitativa de cargas positivas e negativas, o que acarreta em um equilíbrio iônico. No plasma, o principal íon positivo é o Na+, de forma que as cargas negativas precisam balancear a quantidade desse íon. Já Cl- é o principal íon negativo. Apesar disso, sua concentração é ainda inferior à concentração de sódio, de forma que precisamos pegar o segundo íon mais importante, o bicarbonato, para equilibrar a equação. Assim, temos os seguintes valores numéricos: ● Na+: 140 mEq/L ● Cl-: 106 mEq/L ● HCO3-: 24 mEq/L Com isso, a diferença aniônica (DA) ou anion gap se refere à diferença de concentração entre o cátion mais importante (Na+) e os ânions mensuráveis (Cl− e HCO3−). Isso pode ser visto na seguinte equação: Na+ = (Cl- + HCO3- + ânion gap) ou Ânion gap = Na+ - (Cl- + HCO3- ) Valor de referência do AG: 8-12 Na acidose metabólica temos: Na+ = (Cl- + ⇣HCO3- + ânion gap) Assim, precisamos compensar a queda do bicarbonato aumentando o cloro OU o ânion gap. Isso indica que temos dois tipos de acidose metabólica: Acidose metabólica hiperclorêmica ➢ Perdas digestivas - pH alto (AGU negativo) ➢ Acidoses tubulares renais (ATR) - pH baixo (AGU positivo) Ânion-gap urinário (AGU = [Na + K]u – [Cl]u). Joëlle Moreira - Medicina UFPE Nefrologia ACIDOSE TUBULAR RENAL Acidose Tubular Renal tipo I ou distal: acometimento distal do néfron (células intercaladas no túbulo contorcido distal e no túbulo coletor), com inadequada acidificação da urina, em decorrência da redução da excreção de hidrogênio. Apresenta aumento do pH urinário (>5,5), hipocalcemia, hipocitratúria, hipercalciúria, nefrocalcinose e acidose metabólica. - Tratamento: mistura de sais de sódio e potássio de bicarbonato ou citrato (2-3 mmol/kg/dia) Acidose Tubular Renal tipo II ou proximal: Acometimento da parte proximal dos túbulos renais, resultando na diminuição da reabsorção do bicarbonato filtrado pelo túbulo proximal. Pode existir como um defeito isolado na reabsorção de HCO3 ou como parte de um defeito de transporte mais generalizado conhecido como síndrome de Fanconi, quando ocorrem também a perda de aminoácidos, glicose, fósforo e ácido úrico na urina. Apresenta diminuição do pH da urina (< 5,5), HCO3 sérico 15-18 mEq/L, hipocalemia, hipercloremia e ânion-gap normal. - Tratamento: citrato de potássio em dose alta (10 mEq/kg/dia) Acidose Tubular Renal tipo III ou proximal e distal: apresenta características da tipo I e da tipo II, devido a disfunção das anidrases carbônicas II e IV, as quais são necessárias para a reabsorção do bicarbonato nos túbulos proximais e distais. Com isso, ocorre alteração na produção e reabsorção do bicarbonato. Acidose Tubular Renal tipo IV: pode estar relacionado a aldosterona, a qual tem a sua produção, liberação e secreção alteradas, também podendo ser decorrente da resistência à ação da aldosterona. Além disso, também pode ser resultante do defeito na manutenção da bioeletrogênese nas células principais tubulares, não conseguindo manter o meio intracelular negativo. É caracterizado pela diminuição da excreção do potássio e dos ácidos pelo ducto coletor, resultando em acidose hipercalemica. Também apresenta pH urinário <5,5. Acidose metabólica com AG alto ➢ Acidose lática: ⇡ác lático ⤍ doa H+ ⤍ sobra lactato (negativo = ⇡AG) ⤍ consumo do HCO3 ⤍ formação do CO2⤍ hiperventilação ➢ Cetoacidose: ⇡cetoácido ⤍ doa H+ ⤍ sobra acetoacetato (negativo = ⇡AG) ⤍ consumo do HCO3 ⤍ formação do CO2⤍ hiperventilação ➢ Uremia: ⇡ác sulfúrico ⤍ doa H+ ⤍ sobra sulfato (negativo = ⇡AG) ⤍ consumo do HCO3 ⤍ formação do CO2⤍ hiperventilação ➢ Intoxicações: salicilatos, metanol (ác. fórmico), etilenoglicol (ác. glicólico) Todas têm em comum a formação de um novo ácido, que consequentemente cria um novo ânion. Após calcular o AG, compare a queda dos níveis de HCO3 (ΔBIC: 24 – HCO3) com o aumento no AG (ΔAG: AG – 10); a queda do bicarbonato e o aumento no AG devem ser similares. Se a variação do HCO3 for discrepante da alteração no AG (i.e., > 5 mEq/L), existe um distúrbio misto. Δ(AG) / Δ(BIC) = (AG atual − 10)/(24 – HCO3atual) Achados: ★ Δ(AG)/Δ(BIC) > 2: alcalose metabólica associada (p. ex., cetoacidose associada a vômitos abundantes). ★ Δ(AG)/Δ(BIC) < 1: acidose metabólica de ânion-gap normal associada (p. ex., acidose láctica associada a diarreia grave). ★ Δ(AG)/Δ(BIC) 1-2: acidose de ânion-gap aumentado sem outro distúrbio metabólico associado. Gap osmolar: Deve ser calculado nos pacientes com AG aumentado sem causa aparente ⤍ excluir intoxicação exógena Gap Osmolar = Osm (medida) – Osm (calculada) Normal < 10 TRATAMENTO: Acidose lática e Cetoacidose: Não repor NaHCO3 ⤍ tratar doença de base Uremia e intoxicação: Repor NaHCO3 - Na tentativa de reduzir asobrecarga de sódio, recomendamos que a infusão de bicarbonato seja realizada juntamente com solução glicosada a 5% (p. ex., 50 mL de NaHCO3 8,4% + 950 mL de SG5%), em infusões lentas (100-200 mL/h – 30-45 minutos). Hiperclorêmica: Reposição de bases (citrato de potássio) - uso crônico ALCALOSE METABÓLICA . CAUSAS: ● Perdas digestivas altas (vômitos/SNG) - libera ácido ● Diuréticos tiazídicos/furosemida ○ Paciente em uso de diuréticos/furosemida ⤍ desidratam ⤍ ⇣volume arterial efetivo ⤍ ⇣filtração renal ⤍ ativação do aparelho justaglomerular ⤍ liberação de renina ⤍ SRAA ⤍ a aldosterona aumenta a reabsorção de sódio e libera hidrogênio ⤍ sobra bicarbonato ⤍ alcalose metabólica. ● Hiperaldo primário - ⇡aldosterona ● HAS renovascular - pouco volume para o rim ● Adenoma viloso do cólon (hipoK+) - ⇣potássio ⤍ troca 2x mais hidrogênio para reabsorver sódio Bomba de aldosterona ⤍ Troca sódio por potássio ou hidrogênio Achados laboratoriais: ● ⇣Cloro + ⇣Potássio: Alcalose metabólica hipoclorêmica e hipopotassêmica/hipocalêmica ● pH urinário: ⇣ volemia + ⇣Cl- + ⇣K+ = dificuldade de eliminação de bicarbonato ⤍ acidúria paradoxal TRATAMENTO: Vômitos/diuréticos: SF 0,9% + KCl Hiperaldosteronismo primário (sd. de Conn): espironolactona + cirurgia Estenose da artéria renal: IECA + revascularização