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Filosofia Geral e Filosofia do Direito Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Marize Oliveira dos Reis Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco A Filosofia do Direito na Modernidade A Filosofia do Direito na Modernidade • Conhecer a história da Filosofia do Direito e seus maiores pensadores; • Debater questões importantes ao pensamento ético; • Assumir postura crítico-reflexiva. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • Jusnaturalismo; • Juspositivismo; • Jusnaturalismo Versus Juspositivismo. UNIDADE A Filosofia do Direito na Modernidade Introdução Na Idade Média a Filosofia foi identificada pelo predomínio da fé, vez que toda investigação e pensamento buscava a sua justificativa na religião. Desde Santo Agostinho, que colocava o conhecimento em situação de dependência da fé; a São Tomás de Aquino e a sua defesa da racionalização para o alcance da fé, a compreen- são da verdade, do justo, adequado passaria por questões teológicas. A Filosofia greco-romana era centrada na ideia de que o homem é a medida de todas as coisas. No período medieval, com a influência dos filósofos cristãos, uma nova ideia se fixou, onde a medida de todas as coisas é Deus. Na Modernidade o movimento filosófico ocorreu de forma em que poderia ser dividido nos períodos Renascentista, Absolutista e Iluminista. O Renascimento, que se deu aproximadamente no início do século XV, marcando o final da Idade Média, período em que ressurgiu a ideia de que o homem é a medida de todas as coisas, recebeu tal nome pelo ressurgimento da centralização do conhe- cimento na figura do homem. Os filósofos concentraram a busca do conhecimento tendo como objeto primordial o indivíduo, diante da observação de que todos os indivíduos teriam a mesma capacidade de avaliação racional, de forma que o conhe- cimento era compreendido como universal e individual. Ainda nesse mesmo período, final da Idade Média e início da Idade Moderna, sob o âmbito da argumentação teológica dominante, os movimentos católicos e protestantes foram marcantes, mas perderam espaço para a liberdade de um pensamento distante da Teologia, que buscava a sua força na filosofia clássica greco-romana. Chama-se renascentista a esse movimento por conta da inspiração bus- cada junto aos clássicos, que, parecendo terem sido mortos pelos me- dievais, renasciam então pelas mãos dos novos pensadores. Em termos filosóficos, o Renascimento representou um deslocamento do eixo dos fundamentos teóricos, de Deus para o homem. Por tal razão, costuma-se denominar tal movimento também por Humanismo. (MASCARO, 2018, p. 109, grifo nosso) Jusnaturalismo Destacaram-se na filosofia política e jurídica do início da Modernidade ou ainda do declínio da Idade Média, pensadores como Dante Alighieri, Marsílio de Pádua, Guilherme de Ockham e Nicolau Maquiavel, que romperam com a tradição medieval do governante cristão, do exercício do poder como virtude divina. Diante de uma nova visão de Estado, não mais compreendido como ordem justificada em uma lei natural determinada por Deus, mas como uma ordem jurídica baseada na razão, no Direito Natural procedente do homem. 8 9 Dante Alighieri (1265-1321) foi influenciado pela situação da Itália que naquele período, dividida em vários Estados pequenos e independentes, outrora sob o coman- do de imperadores alemães, enfrentava disputas entre partidários da ação política da Igreja e partidários do Império, que representavam de alguma forma a ideia de laiciza- ção do poder. E m sua obra intitulada A monarquia, Dante Alighieri aborda o jusnaturalismo e apresenta a exclusão da interferência da Igreja nos negócios políticos. O poeta italiano afirmava que o homem seria dotado, por Deus, de livre-arbítrio e que uma vez que tal condição fora atribuída pelo Criador da natureza, seria o homem capaz de conduzir o Estado. É nessa obra que se lê a conhecida definição de Direito, entendido como “[...] a proporção real e pessoal de homem para homem, a qual, conservada, conserva a sociedade, corrompida, corrompe-a”. Ainda no Canto XVI – intitulado Do Purgatório –, Dante Alighieri faz uma alusão aos poderes temporal e espiritual, reforçando sua ideia de separação como na Roma Antiga: Bem haja Roma, ao bom mundo, então, Ergueu dois sóis, por revelar a estrada Ali da terra e aqui da salvação. Mas, um ou outro eclipsou, e uniu-se a espada à pastoral; e, juntos claramente, não podem bem cumprir a sua jornada Nicolau Maquiavel (1469-1527) nasceu em Florença, na Itália ainda dividida, desmembrada em inúmeros Estados, sob constantes conflitos internos e experimen- tando a cobiça e as ocupações em seu território, promovidas por nações como Es- panha e França. Além de político, Maquiavel era diplomata na Re- pública Florentina e nessa função viajou por mais de uma década entre vários Estados-Cidades, com o ob- jetivo de fortalecer a República. Em sua obra intitulada Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio, são desenvolvidas ideias republicanas. Ocorre que, para muitos e durante muito tempo, destacava-se tão somen- te o pensamento de Maquiavel reportado à defesa do absolutismo e da imoralidade. É o pensamento de Maquiavel e seus conselhos aos governantes, apresentados em sua obra O príncipe, a fim de manter a ordem e o poder, que promovem o absolutismo. Muito embora o filósofo recupere o pen- samento greco-romano e leve a Filosofia ao campo Figura 1 – Dante Alighieri, por Sandro Botticelli Fonte: Wikimedia Figura 2 – Nicolau Maquiavel Fonte: Wikimedia 9 UNIDADE A Filosofia do Direito na Modernidade político, tendo a ordem social como objetivo, através de meios humanísticos, suas ponderações encaminham à teorização de outros pensadores, tal como Jean Bodin, defendendo a legitimação do poder real, humano, por meio divino. Diante de uma análise comparativa e atualizada das duas obras citadas, interpreta- -se que Maquiavel teria explorado duas ações políticas distintas, afirmando que, ini- cialmente, através do exercício do poder pelo governante (príncipe), este deve ser não apenas conquistado, mas especialmente perpetuado, justificando-se no poder absoluto para tal e, uma vez preservado, seria viável e interessante o estabelecimento de um governo republicano. Os críticos do filósofo afirmavam ainda que Maquiavel preconizou uma teoria de prática totalmente desprovida de valores morais, contrária ao Direito Natural, por se afastar da Ética e busca do justo, analisando as ações do governante em vista de consequências da atividade política, justificada na utilidade para a comunidade. Você sabia? Que na linguagem comum, chamamos pejorativamente de maquiavélica a pessoa sem escrúpulos, traiçoeira, astuciosa que, para atingir seus fins, usa de mentira e de má-fé, enganando com tanta sutileza, que pensamos estar agindo livremente quando, na ver- dade, somos por essa manipulados? (ARANHA, 2003, p. 234). Jean Bodin (1530-1596), filósofo, político e jurista francês, defendia que a melhor forma de governo seria a soberania, manifestada de forma perpétua e absoluta, de modo que a sociedade sem a soberania seguiria para uma desordem que a desestabilizaria. Na defesa da monarquia absolutista fundamentada na soberania divina, Bodin defende que o rei soberano apenas se submeteria às leis divinas, ao Direito Natural, mas não às leis civis, que poderiam ser por este criadas, modificadas ou anuladas conforme o seu entendimento, mas nunca de forma a contrariar a Lei Eterna e Imu- tável, a vontade de Deus. Na obra A república, dividida em seis volumes (Les six livres de La république) Bodin trata de temas relativos ao Estado, governo e exercício do poder e à religião. Hugo Grócio (1583-1645), filósofo e jurista holandês, definiu o Direito Natural como um entendimento humano, consciente, na distinção das coisas como más ou boas por sua própria natureza, um conjunto de normas provenientes da natureza humana. O jurisconsulto holandês, cristão, escreveusobre religião, mas seu objeto era o Di- reito, na concepção de Direito Natural não mais como Revelação Divina, mas como agrupamento de normas impostas pela razão e sociedade. O Direito Natural, segundo Grócio, existiria ainda que ausente à Vontade Divina, e até mesmo Deus, e seria compreendido com a utilização de duas hipóteses, quais 10 11 sejam, n o primeiro momento com a constatação de correspondência com a natureza racional ou social e, no segundo momento, com a confirmação da utilização dos mesmos critérios e das mesmas noções de Justiça por outros povos. Figura 3 – Hugo Grotius, Hugo de Groot, Huig de Groot, ou Hugo Grócio Fonte: Wikimedia Assim, é Grócio apontado como ponto de partida d a Escola Clássica do Direito Natural, responsável pela laicização do Direito Natural, destacando-se ainda na for- mação de um conceito de Direito Internacional, que sujeita governantes e Estados. Outros nomes se destacaram na Escola Clássica do Direito Natural, tais como Hobbes, Locke e Rousseau, entre outros. Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo, político e matemático inglês, de origem humilde, conviveu e recebeu apoio da nobreza para se dedicar aos estudos. Destacou- -se como defensor do absolutismo, já àquela época ameaçado por tendências liberais. Figura 4 Fonte: Wikimedia O f ilósofo inglês d efendia que o homem inicialmente conviveria em estado de natureza, correspondendo n ão somente ao estágio primitivo, mas também em toda situação de desordem processada nas circunstâncias em que suas ações não são controladas diante da razão ou das instituições políticas. 11 UNIDADE A Filosofia do Direito na Modernidade Sua crença era de que os homens, no estado de natureza, poderiam usar seu pró- prio poder para a preservação dos seus desejos, fazendo tudo aquilo que julgarem adequado, o que determina uma ameaça permanente sobre a sociedade, diante da qualidade egoísta e ambiciosa de cada um, de forma a causar a guerra de todos contra todos, bem como gerando instabilidade e medo. A célebre frase de Hobbes “O homem é o lobo do homem” é utilizada para justificar que o homem, em sua natureza e sem uma ordenação estatal, seria seu maior, causando sua própria destruição. Hobbes indica duas leis fundamentais da natureza, que estariam na base da vida em sociedade e deveriam ser seguidas pelo homem, pois este, apesar de suas paixões más, é um ser racional que reconhece princípios que devem ser seguidos. Em primei- ro lugar, deve cada homem empenhar-se pela paz, enquanto crer na sua obtenção e, caso identifique a impossibilidade de alcançá-la, deve empregar a guerra como ajuda e vantagem; deve o homem renunciar ao seu direito a todas as coisas e desejos pessoais, em favor da paz e defesa própria, quando os demais homens também assim o consen- tirem. Apresenta-se em sua obra a ideia de um contrato social. Seria necessário que todos os homens fizessem um pacto, renunciando ao direito de se autogovernar, ocasião em transferiam ao soberano tal direito e autorizariam todas as suas ações. O entendimento de Hobbes era de que não se deve esperar que a razão, como Lei Natural, domine o homem tendente às suas paixões, impondo-se necessária a figura de um soberano para concretizar a Lei Natural através do Estado, que se mostra como um grande e potente homem artificial, formado pelo homem natural para a sua própria defesa e proteção. Você sabia? Que Leviatã, título da principal obra de Hobbes, publicada em 1651, é o nome de um mons- tro bíblico, utilizado por esse autor para se reportar ao Estado forte e poderoso, absoluto? John Locke (1632-1704) médico, filósofo e jurista inglês, destacou-se por seus textos políticos, propondo uma teoria de contrato social da legitimidade do governo e a ideia de direitos naturais à propriedade privada. Contemporâneo da Revolução Inglesa, em que esteve envolvido, e de formação liberal, o filósofo discordou do absolutismo e, seguidor da Escola Clássica do Direito Natural, apresentou seu en- tendimento de que ainda no estado de natureza existiriam certos direitos oriundos da natureza sociável do homem, necessitando este apenas de uma autoridade que garantisse sua eficácia. Locke afirmava que o poder é uma construção humana, não existindo poder inato, oriundo de Deus e diferenciava o seu pensamento a respeito do estado de natureza, diante do pensamento de Hobbes, ao determinar que os homens em estado natural 12 13 são iguais e livres, mas não indomáveis, podendo viver com certo respeito. A guerra ocorreria em desrespeito à Lei Natural, mas não determinantemente, e sim como uma possibilidade que comumente se concretiza, motivando os homens a unirem- -se em sociedade na busca da preservação de seus interesses. Diferentemente de Hobbes, Locke não ligava obrigatoriamente a guerra ao estado de natureza, mas reconhecia que tanto era possível a paz no estado de natureza, quanto a guerra na sociedade política. Figura 5 Fonte: Wikimedia O Direito Natural em Locke não se sustentava em uma razão inerente ao homem, mas alcançável por este através de suas próprias experiências, um estado de natureza individual, onde já se apresenta a Lei Natural como orientação para o comportamento do homem. Identificava o Direito Natural com a razão humana – e não como vontade divina –, de forma que o pacto social se apresenta como método racionalmente aplica- do para consecução de determinados fins, especialmente aqueles ligados aos direitos individuais, como liberdade, trabalho e propriedade privada. O estado de natureza não seria um universo fadado à guerra e ao egoísmo; mas os riscos das paixões e da parcialidade é grande, por ser cada um juiz de sua própria causa, podendo estremecer as relações entre os homens. Assim, os homens abandonam sua condição natural e autorizam a criação de um corpo político capaz de manter a segu- rança e ordem. Seguidor do jusnaturalismo, Locke afirmava que os direitos humanos naturais não desaparecem com a criação do Estado, mas permanecem para, inclusive, limitá-lo, podendo o homem tomar o poder do governante e transferi-lo a outro, quando a justificativa for a preservação do interesse público. Obras de maior destaque: • Carta acerca da tolerância (1689); • Ensaio acerca do entendimento humano (1690); e • Dois tratados sobre o governo (1690). 13 UNIDADE A Filosofia do Direito na Modernidade Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu em Genebra, vivendo em peregri- nação pela Europa após a adolescência e em 1942 mudou-se para Paris, onde se agitavam os ideais liberais que resultaram na Revolução Francesa. Logo, ganhou destaque por apresentar pes- simismo diante do progresso e da Ciência, desacredi- tando no poder da razão humana para construir um mundo melhor, o que contraria o pensamento iluminis- ta, destoando no meio intelectual francês a que fez par- te e enfrentando vários atritos. Jusnaturalista, o filósofo defendia que os homens nascem bons e livres, e, vivendo em estado de nature- za, são sadios e felizes enquanto cuidam de sua própria sobrevivência, vez que seus atos são puros. Contrarian- do Hobbes, que entende o homem como mau por na- tureza, Rousseau afirmava que o homem em estado de natureza é bom e livre para suas escolhas. Rousseau é um jusnaturalista não porque propugne a plena volta ao en- tendimento da vida natural um dia havida, mas apenas na medida em que aposta que é possível outra natureza futura aos homens, da razão e do sentimento, e, portanto, outro guia natural que não os já deturpados. A natureza não é um dado estático a ser contemplado e tomado por guia apenas por reflexo. Deve ser retrabalhada, e, assim sendo, para Rousseau um Direito Natural seria tanto a partir da natureza quanto para ela, para a mudança da natureza humana. Trata-se de um jusnaturalismo peculiar. Assim diz Bobbio: “Não se compreende Rousseau se não se entende que, ao contrário de todos os demais jusnaturalistas, para os quais o Estado tem como finalidade proteger o indivíduo, para Rousseauo corpo político que nasce do contrato social tem a finalidade de transformá-lo. O cidadão de Locke é pura e simplesmente o homem natural protegido; o cidadão de Rousseau é um outro homem”. (MASCARO, 2018, p. 174) A desigualdade e os conflitos entre os homens surgiriam quando alguns, valendo- -se da força, buscariam a propriedade privada, nascendo a diferenciação entre rico e pobre, poderoso e fraco, senhor e escravo. A vida em sociedade corromperia o homem, despertando sentimentos como inveja e ganância, desviando-o do seu es- tado natural. Uma vez instaurada a desigualdade, seria necessária a celebração de um pacto, um contrato legítimo, oriundo de um consentimento geral, onde cada componente do povo renunciaria a seus direitos em favor da sociedade. Desta forma, ocorrendo manifestação igualitária de todos, não haveria que se mencionar perda de direitos individuais, vez que surgiria um corpo moral, uma sociedade capaz de defender tudo aquilo que fosse comum aos seus membros. O Estado, oriundo de um contrato social, teria como objetivo transformar o indi- víduo em um cidadão – e não apenas protegê-lo de sua própria corrupção. Figura 6 Fonte: Wikimedia 14 15 Obras de maior destaque: • Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755); • Discurso sobre a economia política (1755); e • O contrato social (1762). Os jusnaturalistas, como forma geral, apontam a natureza humana como fonte do Direito Natural e designadora dos fins humanos. É generalizado atualmente o entendimento que o Direito Natural constitui grandes princípios, oriundos da ordem natural das coisas, não possuindo caráter normativo, mas impondo-se a despeito de qualquer condição, como o direito à vida, igualdade e propriedade. Seria o Direito Natural o influenciador das normas jurídicas e fundamento do poder coercitivo do Estado que, por sua vez, devem seguir os princípios maiores do Direito Natural, pois afastando-se deste torna-se ilegítimo. Juspositivismo No início do século XIX a sociedade reivindicava limites ao poder do governante so- berano, questionando os arbítrios dos reis absolutistas. A insatisfação produziu resultado manifestado nas declarações de direitos como a Constituição norte-americana de 1787 e a Constituição francesa de 1791, que elevaram a Lei a uma posição de grande destaque, reconhecida como a vontade suprema do povo, por sua vez titular do poder político. O anseio social visava à remoção dos valores jusnaturalistas do sistema jurídico, pois muitos excessos eram cometidos em nome dos princípios naturais, especial- mente os princípios religiosos. Assim, diante da busca por segurança jurídica e estabilidade, o juspositivismo se apresentou como o pensamento jurídico eficiente. O termo juspositivismo reporta-se, em sentido amplo, às doutrinas que defen- dem a legitimação do ordenamento jurídico, por si, sem fundamento em qualquer valor além do Direito Positivo. Direito positivo é o conjunto de princípios e regras que regem a vida social de determinado povo em uma época específica. O s juspositivistas, defensores d a segurança jurídica, entendem que o Direito Positivo, e laborado pelo Estado e na conformidade de seus procedimentos, é a u- tossuficiente no tocante à legitimidade; sendo, de fato, o único direito existente. P ara o jusnaturalista e xistiriam o Direito Natural e Direito Positivo, manifestando uma teoria dualista, enquanto para o juspositivista não existiria outro Direito senão o Positivo, daí seu caráter monista. 15 UNIDADE A Filosofia do Direito na Modernidade O juspositivismo, chamado também de positivismo jurídico, é um pensamento que confronta a teoria naturalista e, por muitas vezes, nega a existência do Direito Natural, não reconhecendo qualquer natureza a que o Direito deva se submeter. Assim, é Direito tudo quanto estiver previsto no ordenamento estatal, vez que é o Estado, através de seu corpo legislativo o detentor do exercício legislativo, em nome do povo, seu legítimo proprietário. Com o juspositivismo a Lei aufere tal importância a ponto de retirar do ordena- mento jurídico todo valor, postulado principiológico, não positivado. Os positivistas estreitam o campo de abordagem do Direito, limitando-se à análise do Direito Positivo. O Direito é a Lei; seus destinatários e aplicado- res devem exercitá-la sem questionamento ético ou ideológico. Para eles não existe o problema da validade das leis injustas, pois o valor não é obje- to da pesquisa jurídica. Quanto à Justiça, consideram apenas a legal, mes- mo porque não existiria a Justiça Absoluta. O ato de Justiça consiste na aplicação da regra ao caso concreto. Diversamente da linha moderada, que admite o recurso aos fatos empíricos, em sua manifestação radical, os po- sitivistas não aceitam a influência de elementos extra legem na definição do Direito Objetivo. Praticam o puro legalismo ou o codicismo. (NADER, 2019, p. 211, grifos nossos) Augusto Comte (1798-1857), filósofo francês, é considerado por muitos como pioneiro do positivismo, manifestado quando focou seu pensamento na experi- ência diante de acontecimentos concretos, na ideia de que apenas o conhecimento comprovado através de métodos científicos deve ser considerado, afastando os conhecimentos ligados a crenças e costumes, sem res- paldo científico. Entretanto, foi Hans Kelsen que levou o positivismo determinantemente no mundo jurídico, e estabeleceu o juspositivismo, ao defender que o Direito deve ser anali- sado, independentemente das outras áreas do conheci- mento e afastado dos valores externos à própria norma. Três correntes se destacam como pensamento que de algum modo se vinculam ao juspositivismo: eclético, estrito e ético. Juspositivismo Eclético No início, diante do pensamento liberal burguês, os jurispositivistas defendem que o Direito Positivo se baseia em fontes externas ao próprio Estado, tais como a cultura, moral e os valores sociais. O juspositivistas ecléticos ensinam que o Direito Positivo consiste em um conjunto de normas que refletem as tradições, a cultura e os valores de cada povo. Figura 7 – Isidore Auguste Marie François Xavier Comte Fonte: Wikimedia 16 17 O jurista brasileiro Miguel Reale destaca-se como um dos mais importantes defen- sores do positivismo eclético, elaborando a teoria tridimensional do Direito. D efende que a e strutura da norma colocada pelo Estado deve ser observada como fenômeno jurídico tríplice, composto de norma, fato e valor. FATO VALOR NORMA Figura 8 Fonte: Acervo do conteudista • F ato é o acontecimento, é o mundo do ser e identifica-se com a realidade social, sua dimensão é objeto da Sociologia Jurídica; • V alor é o mundo do poder ser e se relaciona aos juízos valorativos, à moralida- de. São preceitos que se desenvolvem e alteram-se historicamente na sociedade. Sua dimensão é objeto da Filosofia Jurídica; • N orma é o mundo do dever ser que se relaciona com os aspectos da ordem nor- mativa, esta que se manifesta como processo histórico e social. É a Lei, e para sua formação devem convergir a junção de valores (componente axiológico) e de fatos (componente fático). Figura 9 Fonte: Wikimedia 17 UNIDADE A Filosofia do Direito na Modernidade Miguel Reale (1910-2005), professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o Largo São Francisco, reitor da USP – envolvido com as questões políticas ao lado do integralismo e da ditadura militar de 1964, e como jurista, entre outras atividades, res- ponsável maior pelo novo Código Civil brasileiro –; Miguel Reale, desde a década de 1940, com a obra Fundamentos do Direito, lançou-se à fundação de uma teoria tridimensional do Direito, que vai a par de uma visão tridimensional de toda a Filosofia e do mundo da cultura. Juspositivismo Estrito Hans Kelsen (1881-1973), jurista e filósofo austríaco, é considerado um dos mais influentes pensadores do Direito. Defendia que o conhecimento jurídico deve se diri- gir às normas jurídicas,regras estatais dotadas de coercitividade, afastando qualquer análise de ordem social e moral. Estudou o Direito sob os olhos do cientista jurídico, analisando a Norma em si, afastando-se de uma análise com ponderações morais, culturais, históricas e ideológicas, analisando tão somente a identificação estrita do fenômeno do Direito à forma estatal. Figura 10 Fonte: Wikimedia Para esse jurista, o campo de análise do Direito seria a norma jurídica e seu conhe- cimento não se daria sob uma análise de fatos ou valores, mas da norma em si. A mo- ral deveria ser extirpada do Direito, a fim de proteger sua pureza normativa. Sua obra é de grande relevância, sobretudo pela construção elaborada na teoria pura do Direito, onde pretendeu desprender o direito de considerações sociológicas e filosóficas. Kelsen defendia que o estudo do Direito deveria ser desprovido de valores; a moral seria estranha ao ordenamento jurídico. Não deve se dizer que o filósofo ignorou a car- ga valorativa que informa o fato jurídico, mas que tão somente destacou a importância de o fenômeno jurídico ser analisado como tal; independentemente de outras áreas do conhecimento. O fundamento de validade de todo o sistema se baseia na norma fun- damental, que se mostra como o fato produtor de normas, cuja essência é dinâmica, de forma que todo conteúdo pode ser inserido no Direito. 18 19 A verificação da validade da norma ocorre por meio de sua compatibilidade com a norma hipotética fundamental. A Justiça seria encontrada na própria Lei, cabendo ao aplicador do Direito tão somente conferir a validade formal, sua compatibilidade com o sistema jurídico – e não a Justiça ou correção de sua aplicação. Nas faculdades de Direito, o pensamento de Kelsen mais estudado é a visão do ordena- mento jurídico como conjunto de normas jurídicas estruturadas e hierarquizadas na forma de uma pirâmide abstrata, onde as normas jurídicas de hierarquia inferior se subordinam àquela em posição de superioridade, chamada de norma hipotética fundamental, da qual as demais retiram seu fundamento de validade. Juspositivismo Ético O juspositivismo ético é uma corrente de pensamento jurídico que analisa o Direito tendo como ponto de partida as questões éticas presentes na constituição do fenôme- no jurídico. Os seguidores do juspositivismo ético valorizam alguns princípios e horizontes éti- cos mínimos identificados na vontade social, sem se distanciar do respeito à estrutura formal pregada pelo positivismo ou do entendimento de mandamento estatal. Seus estudos buscam mecanismos através dos quais, normativamente, atinja-se a virtude na relação entre Direito e sociedade. S ão seus defensores mais conhecidos Ronald Dworkin, Robert Alexy e Habermas, este último um pensador muito influente e ainda vivo, produzindo um pensamento seguido por muitos políticos e pensadores jurídicos contemporâneos, defendendo o conhecimento do Direito a partir de princípios éticos retirados do consenso social. O juspositivista ético defende a democracia institucionalizada, propondo uma in- terpretação do Direito a partir de uma teoria de comunicação capaz de proporcionar uma interação ética e democrática do Direito com a sociedade. Busca-se padrões morais elaborados para o bem das convenções sociais. Figura 11 Fonte: Wikimedia 19 UNIDADE A Filosofia do Direito na Modernidade Jürgen Habermas (1929) é um filósofo alemão, considerado um dos mais importantes in- telectuais contemporâneos. A obra desse filósofo apresenta forma de atuação política sensível à realidade social. Sua teoria de agir comunicativo funda-se na argumentação que o entendimento entre os indivíduos e os grupos sociais, o consenso político e social é ne- cessário. Apesar de não ser um jurista, Habermas reconhece o Direito como “[...] um agir comunicativo superior, garantidor da democracia, da liberdade e da interação igualitária entre os sujeitos e os grupos sociais”. Jusnaturalismo Versus Juspositivismo A compreensão e síntese do nosso estudo nesta Unidade, encaminha-nos à ave- riguação dos temas propostos, quais sejam a Filosofia do Direito na Modernidade e os pensamentos jusnaturalista e juspositivista. O jusnaturalismo e seus defensores, como vimos, compreendem o Direito como universal, imutável, inviolável e independente da vontade humana. Tem o Direito Natural como dedução do que é justo e comum a todos os homens. O positivismo jurídico ou juspositivismo é uma corrente de filósofos que utilizam o método científico para conhecer o Direito apenas em sua forma normativa, positiva, de forma autônoma, fragmentada e aprofundada, mas dissociada do todo da realidade social. Alcunha-se como positivista, em âmbito jurídico, aquele jurista que escolhe como exclu- sivo objeto de estudo o Direito colocado por uma autoridade, as normas positivadas feitas pelo Poder Político do Estado e aplicadas pelas autoridades efetivamente competentes. Tabela 1 Jusnaturalismo Juspositivismo • O Direito é válido em qualquer local. É universal; • O Direito é imutável; • Defende que o Direito independe da vontade humana; • O Direito é aquele que existe antes mesmo do homem e está acima das normas criadas por esse, de forma que os comportamentos são bons ou maus em si; • O Direito estabelece o que é bom. • O Direito é válido em determinado local; • O Direito pode ser mudado; • Defende que o Direito é conhecido através da razão; • O Direito é aquele que o Estado impõe à sociedade que o compõe mediante conformidade com os princípios fundamentais ali presentes; • O Direito estabelece o que é útil. Fonte: Acerva da conteudista 20 21 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Leviatã HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2002. O príncipe MAQUIÁVEL, N. O príncipe. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. Teoria pura do Direito KELSEN, H. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Vídeos Academia – positivismo jurídico e a teoria geral do Direito https://youtu.be/4PXJ9EnLL_0 Saber Direito: Filosofia do Direito – Aula 3 https://youtu.be/iBu39MGmDok Saber Direito: Filosofia do Direito – Aula 4 https://youtu.be/hOkDPyDcCqM Saber Direito: Filosofia do Direito – Aula 5 https://youtu.be/_Zh4cdnPfXU 21 UNIDADE A Filosofia do Direito na Modernidade Referências ADEODATO, J. M. Filosofia do Direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. ARANHA, M. L. A.; et al. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003. BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A. de. Curso de Filosofia do Direito. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2019. INGRAM, D. Filosofia do Direito: conceitos-chave em Filosofia. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011. MASCARO, A. L. Filosofia do Direito. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2018. ________. Filosofia do Direito e Filosofia Política: a Justiça é possível. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. NADER, P. Filosofia do Direito. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. ________. Manual de Filosofia do Direito. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. REALE, M. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. RICARDO, C. Filosofia Geral e Jurídica. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. SOUSA, C. V. S. Filosofia Geral e Jurídica. Porto Alegre, RS: Sagah, 2018. 22
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