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O DIREITO PÚBLICO E O DIREITO PRIVADO NA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA Em Portugal e, como consequência, também no Brasil, houve grande atraso na chegada do Estado liberal. Permaneceram, assim, indefinida e indelevelmente, os traços do patrimonialismo, para o que contribuiu a conservação do domínio territorial do rei, da Igreja e da nobreza. O colonialismo português, que, como o espanhol, foi produto de uma monarquia absolutista, legou-nos o ranço das relações políticas, econômicas e sociais de base patrimonialista, que predispõem à burocracia, ao paternalismo, à ineficiência e à corrupção. Os administradores designados ligavam-se ao monarca por laços de lealdade pessoal e por objetivos comuns de lucro, antes que por princípios de legitimidade e de dever funcional. A gestão da coisa pública tradicionalmente se deu em obediência a pressupostos privatistas e estamentais. Do descobrimento ao início do terceiro milênio, uma história feita de opressão, insensibilidade e miséria. A Constituição de 1824, primeiro esforço de institucionalização do novo país independente, pretendeu iniciar, apesar das vicissitudes que levaram à sua outorga, um Estado de direito, quiçá um protótipo de Estado liberal. Mas foi apenas o primeiro capítulo de uma instabilidade cíclica, que marcou, inclusive e sobretudo, a experiência republicana brasileira, jamais permitindo a consolidação do modelo liberal e tampouco de um Estado verdadeiramente social. De visível mesmo, a existência paralela e onipresente de um Estado corporativo, cartorial, financiador dos interesses da burguesia industrial, sucessora dos senhores de escravo e dos exportadores de café. A Constituição de 1988, o mais bem- sucedido empreendimento institucional da história brasileira, demarcou, de forma nítida, alguns espaços privados merecedores de proteção especial. Estabeleceu, assim, a inviolabilidade da casa, o sigilo da correspondência e das comunicações, a livre-iniciativa, a garantia do direito de propriedade, além de prometer a proteção da família. Proibição emblemática, que em si abriga mais de cem anos de uma República desvirtuada, é a do art. 37, § 1o, que interdita autoridades e servidores de utilizarem verbas públicas para promoção pessoal. Sob a Constituição de 1988 estabeleceu-se uma discussão rica e importante acerca do princípio da supremacia do interesse público. De fato, sobretudo nos últimos anos, parte da doutrina tem questionado vigorosamente essa premissa metodológica tradicionalmente observada pela doutrina e pela jurisprudência. A controvérsia se estabeleceu tanto em relação à própria existência e à natureza da suposta norma que prescreveria a supremacia do interesse público sobre o privado, como a respeito da sua legitimidade constitucional. Referência Bibliográfica: Barroso, Luís Roberto Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo / Luís Roberto Barroso. – 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
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