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Lúria Niemic – MED UNIC 34 O termo hipertireoidismo refere-se ao aumento da síntese e liberação dos hormônios tireoidianos pela glândula tireoide. Tireotoxicose refere-se à síndrome clínica decorrente do excesso de hormônios tireoidianos circulantes, secundário à hiperfunção da glândula tireoide ou não. A tireotoxicose por T3 decorre do aumento isolado dos níveis séricos de T3 e supressão do TSH. Resulta da ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário- tireoidiano em qualquer nível. Pode haver aumento da produção hormonal a partir dos folículos tireoidianos (hipertireoidismo), ingestão ou liberação de hormônio tireoidiano pré-formado. ETIOLOGIA COMO AVALIAR E MANEJAR ESSE PACIENTE Em caso de suspeita de tireotoxicose deve ser submetido a anamnese e exame físico para buscar o diagnóstico e estabelecer sua etiologia. O tempo de início dos sintomas, uso de medicamentos, exposição ao iodo (exames com contraste iodado ou uso de compostos com alto teor de iodo), gestação recente e história familiar de doença autoimune da tireoide devem ser questionados. No exame físico, o peso corporal, PA e FC são importantes. Taquicardia sinusal e hipertensão arterial sistólica são comuns, e a fibrilação atrial pode estar presente, principalmente em idosos. Sinais oculares como retração palpebral, olhar fixo ou assustado e sinal de lid-lag são decorrentes da hiperatividade adrenérgica e podem ser observados em qualquer quadro de tireotoxicose. No entanto, a presença de sinais como hiperemia conjuntival e palpebral, edema palpebral, quemose, paralisia de músculos extraoculares ou exoftalmia são característicos da oftalmopatia da DG. No quadro de tireotoxicose, a pele é quente e úmida. São vistos tremor fino de extremidades, fraqueza muscular proximal e hiperreflexia. Dermatopatia infiltrativa (mixedema pré-tibial) é uma manifestação rara da DG. A palpação e ausculta da glândula tireoide permitem avaliar o tamanho, a consistência, a presença de nódulos ou o sopro tireoidiano. Bócio de tamanho variado é geralmente observado na DG e no bócio multinodular tóxico (BMNT). Dor espontânea ou à palpação da tireoide é característica da tireoidite subaguda, enquanto a presença de nódulo único leva à suspeita de adenoma folicular hiperfuncionante. Nos pacientes com suspeita clínica de tireotoxicose, a avaliação inicial consiste na determinação dos níveis séricos do TSH e dos hormônios tireoidianos. A determinação dos níveis do TSH é o método mais sensível para diagnóstico de tireotoxicose (sensibilidade de 95%, especificidade de 92%). Sempre que possível, deve ser solicitada a determinação da T4L, visto que anormalidades nas proteínas carreadoras dos hormônios tireoidianos (secundárias ao uso de medicações ou determinadas condições clínicas) podem alterar a concentração total do T4 ou T3. Exceto nos raríssimos casos de hipertireoidismo secundário ao adenoma produtor de TSH (< 1%) ou à síndrome de resistência aos hormônios tireoidianos (doença autossômica dominante), o excesso de hormônios tireoidianos circulantes, independente da causa, resultará em supressão do TSH (usualmente < 0,1 mUI/L). No hipertireoidismo franco, tanto o T4L quanto o T3 séricos estão aumentados e o TSH está indetectável. No entanto, em fases iniciais da DG ou do adenoma funcionante, pode ocorrer aumento isolado do T3, condição clínica denominada de “T3-tireotoxicose”. Em casos suspeitos de tireotoxicose factícia (ingestão de hormônios tireoidianos), níveis séricos baixos ou indetectáveis de tireoglobulina sérica podem ser úteis no diagnóstico. A dosagem do anticorpo antirreceptor do TSH (TRAb) é raramente necessária para o diagnóstico da DG, sendo indicada apenas em casos selecionados: gestantes com DG ou história médica pregressa de DG para avaliação do risco de tireotoxicose neonatal por passagem transplacentária dos anticorpos; diagnóstico diferencial da tireotoxicose gestacional e nos indivíduos eutireoidianos com exoftalmopatia, especialmente bilateral. O iodo é um elemento fundamental para síntese dos hormônios tireoidianos, sendo a captação de iodo um excelente indicador da função tireoidiana. A taxa de captação de iodo pela tireoide pode ser avaliada utilizando-se iodo radioativo (131I ou 123I) e permite diferenciar as causas de tireotoxicose associadas ao aumento da captação (hipertireoidismo) daquelas com captação baixa ou ausente. A captação de iodo é geralmente elevada em pacientes com DG ou BMNT, estando praticamente ausente nas tireoidites ou na tireotoxicose factícia. A captação também diminui em indivíduos que usaram contrastes radiológicos iodados nos 30-60 dias prévios ou que possuem dieta muito rica em iodo (alimentos como algas marinhas). Problema 9 - Hipertireoidismo TIREOTOXICOSE Lúria Niemic – MED UNIC 34 No entanto, a captação de iodo pode estar presente em usuários de amiodarona, apesar de a droga ser altamente iodada. A cintilografia de tireoide evidencia a distribuição do radiomarcador na glândula e tem indicações limitadas na avaliação do hipertireoidismo. É difusa na DG e heterogênea no BMNT (focos de hipercaptação entremeados com áreas hipocaptantes). A sua principal indicação é na suspeita de adenoma folicular hiperfuncionante (nódulo quente). A USG da tireoide não está indicada rotineiramente na avaliação do hipertireoidismo e está reservada somente nos casos de nódulo tireoidiano pela palpação. No entanto, quando o exame da captação de iodo não pode ser realizado ou é contraindicado (gestação e amamentação), ou ainda não for elucidativo no diagnóstico (exposição recente ao iodo), ela pode ser útil no diagnóstico etiológico. A Dopplerfluxometria da tireoide pode contribuir no diagnóstico diferencial dos subtipos de tireotoxicose induzida por amiodarona (tipos 1 e 2) e entre DG e tireoidite destrutiva. O tratamento com betabloqueadores deve ser considerado em pacientes sintomáticos, com suspeita ou diagnóstico de tireotoxicose. Esses medicamentos diminuem a FC, PA, tremores, labilidade emocional e a intolerância aos exercícios. O betabloqueador não seletivo propranolol é o mais utilizado, com melhora dos movimentos hipercinéticos, tremores finos de extremidades e mãos úmidas, mas também podem ser prescritos betabloqueadores cardiosseletivos (atenolol, metoprolol) ou com meia-vida mais curta (esmolol). A dose oral habitual de propranolol ou atenolol varia de 20-80 mg a cada 6-12 horas e 50-100 mg 1x ao dia, respectivamente. Os bloqueadores de canais de cálcio, verapamil e diltiazem VO, podem ser utilizados nos casos de contraindicação ao uso de betabloqueadores. Representa a etiologia mais comum de hipertireoidismo (80% dos casos). Apesar de ser uma doença autoimune órgão-específica, cursa com manifestações ou complicações sistêmicas autoimunes ou decorrentes do excesso de hormônios tireoidianos. A DG pode estar associada a outros distúrbios autoimunes endócrinos (DM 1, doença de Addison, ooforite autoimune, deficiência isolada de ACTH etc.) e não endócrinos (miastenia gravis, LES, artrite reumatoide, doença de Sjögren, AP, hepatite crônica ativa, vitiligo etc). De 10-20% dos pacientes com DG apresentam remissão espontânea, e 50% tornam-se hipotireóideos após 20-30 anos, na ausência de qualquer tratamento. Isso ocorre em razão da contínua destruição da tireoide pelo processo autoimune. Entretanto, em função das complicações cardiovasculares do hipertireoidismo (taquiarritmias, IC e fenômenos tromboembólicos), a DG não tratada é muito fatal, sendo importante que seu diagnóstico e tratamento sejam precoces. ETIOPATOGENIA A DG é um distúrbio autoimune cujo principal sítio antigênico é o receptor do TSH (TSHR). O hipertireoidismo se origina da produção pelos linfócitos B deanticorpos contra o TSHR (TRAb), que se ligam ao TSHR e ativam complexos de sinalização das proteínas Gsα e Gq, o que resulta em crescimento da tireoide, aumento de sua vascularização e incremento da taxa de produção e secreção dos hormônios tireoidianos. Ao se ligarem ao receptor do TSH, os TRAb vão estimular a síntese e a liberação de T3 e T4, que exercem retroalimentação negativa sobre a hipófise, mas não sobre os TRAb. Como consequência, surgirá elevação do T3 e T4, associada à supressão do TSH. Outras variedades de TRAb também podem estar presentes: Anticorpos que atuam como antagonistas do TSH são referidos como TRAb bloqueadores. Eles são encontrados em alguns pacientes com DG e em 15% dos pacientes com tireoidite de Hashimoto, particularmente naqueles sem bócio (variedade atrófica). A DG e a TH compõem o espectro da chamada doença tireoidiana autoimune (DTA). Ocasionalmente, em pacientes com DTA, pode acontecer modificação (temporária ou permanente) do tipo predominante de TRAb, fazendo com que eles possam evoluir do hipo para o hipertireoidismo e vice- versa. Além disso, em alguns pacientes com DG, o hipertireoidismo pode estar ausente (transitoriamente ou não), devido a um equilíbrio entre anticorpos bloqueadores e estimuladores. A exata sequência de eventos que leva à produção de anticorpos contra o receptor do TSH ainda não foi identificada. Um defeito antígeno-específico, mediado geneticamente, na função do linfócito T supressor tem sido proposto. Esse defeito na vigilância imunológica tornaria possíveis o surgimento e a persistência de clones de linfócitos T helper, que estimulariam a produção de anticorpos pelos linfócitos B contra o receptor do TSH. Como alternativa, as células tireoidianas, ao serem estimuladas por citocinas específicas, produzidas em resposta a uma infecção viral, poderiam expressar, na sua superfície, moléculas classe II de tipos específicos de HLA-DR, que apresentariam fragmentos do receptor do TSH aos linfócitos T, que estimulariam os linfócitos B a produzir os anticorpos. Os 2 mecanismos não são mutuamente excludentes, e ambos poderiam contribuir na patogênese da DG. DOENÇA DE GRAVES Lúria Niemic – MED UNIC 34 FATORES PREDISPONENTES A DG é poligênica e multifatorial; se desenvolve como resultado de uma interação complexa entre a suscetibilidade genética e fatores ambientais ou endógenos, que conduz à perda da tolerância imunológica a antígenos da tireoide e, em particular, ao receptor do TSH. FATORES GENÉTICOS – Na DG, há uma nítida predisposição familiar, especialmente materna; 15% dos pacientes têm um parente próximo com DG, e 50% dos parentes de pacientes com a doença apresentam anticorpos antitireoidianos. A propensão para o desenvolvimento de autoanticorpos da tireoide parece ser uma característica autossômica dominante ligada ao gene do antígeno do linfócito T citotóxico 4 (CTLA 4) que codifica para um modulador do segundo sinal para as células T. Existe também uma associação de alelos HLA (cromossomo 6), variável de acordo com a etnia dos pacientes; por exemplo, caucasianos, o HLA-DR3 e o HLA-DQA1*0501 estão positivamente associados à DG, enquanto o HLA-DRB1*0701 tem efeito protetor. Contudo, os haplótipos HLA conferem < 5% da suscetibilidade genética à DG e propiciam taxa de risco de apenas 2-4x. Uma contribuição adicional tem sido atribuída aos genes da tirosina fosfatase linfoide (PTPN22), da molécula de sinalização CD40, do receptor α da IL-2, da tireoglobulina, do receptor do TSH e do receptor Fc L3. FATORES AMBIENTAIS E ENDÓGENOS – Entre os fatores ambientais, se incluem danos à tireoide, por radiação ou por injeção de etanol, com a liberação de antígenos tireoidianos na circulação. Aumento da ocorrência de DG foi relatado em pacientes com linfoma submetidos à radioterapia cervical, bem como em crianças e adolescentes vitimados pela explosão de Chernobyl. Tratamento com iodo radioativo (RAI) para bócio multinodular (tóxico e atóxico) e injeção de etanol para cura de bócios nodulares tóxicos podem ser seguidos do surgimento de TRAb e desenvolvimento de DG. Cerca de 1% dos pacientes com bócio nodular tóxico desenvolve DG após RAI, sendo esta incidência 10x > se anticorpos anti-TPO estiverem presentes. Indução de autoimunidade tireoidiana, incluindo a DG, pode ser consequente à utilização terapêutica de IL (IL- 1 a, IL-2), bem como IFN-α e γ. Também tem sido associada à terapia antirretroviral altamente ativa para o HIV, que pode estar relacionado com aumento do número de células T CD4+ ou com alteração em suas funções. Também ocorre em pacientes com esclerose múltipla tratados com o anticorpo monoclonal Campath-1H, dirigido contra as células T. Da mesma maneira, pode ser induzido pela terapia com lítio (pode modificar as respostas imunes), bem como desencadeado ou agravado pelo uso da amiodarona. Em alguns pacientes, situações adversas (privação, aflição, divórcio, perda do emprego etc.) ou dieta agressiva de perda de peso, antecedem a eclosão da DG. Isso sugere a participação do estresse como fator iniciante da doença, pelas vias neuroendócrinas. O tabagismo aumenta em 2x o risco para DG e está mais relacionado com o desenvolvimento da oftalmopatia, que tende a ser mais acentuada em fumantes. QUADRO CLÍNICO Apresenta-se com 3 manifestações principais: hipertireoidismo com bócio difuso, oftalmopatia infiltrativa e dermopatia (mixedema pré-tibial). Raramente, esses pacientes podem desenvolver um quadro de hipertireoidismo grave (tempestade tireoidiana ou crise tireotóxica). Também é raro o achado de inflamação subperióstea em falanges de mãos e pés (osteopatia tireoidiana). Essas manifestações clínicas são decorrentes do efeito estimulatório dos hormônios tireoidianos sobre o metabolismo e os tecidos. Entre as mais características, incluem-se nervosismo, insônia, emagrecimento (apesar da polifagia), taquicardia, palpitações, intolerância ao calor, sudorese excessiva com pele quente e úmida, tremores, fraqueza muscular e hiperdefecação. Há um quadro chamado de hipertireoidismo apático, observado em idosos, em que não há os sintomas de hiperatividade adrenérgica, mas astenia intensa, fraqueza muscular e prostração ou depressão grave. Muitas vezes, predominam manifestações cardiovasculares (fibrilação atrial e/ou IC refratárias ao tratamento usual). Uma distinção pode ser feita entre hipertireoidismo e tireotoxicose. O primeiro implica que tanto a formação quanto a liberação de T3 e T4 estejam aumentadas, enquanto tireotoxicose representa a síndrome clínica resultante do excesso circulante de T3 e T4. O BÓCIO é difuso (97%). Pode ser assimétrico ou lobular, com volume variável. Em alguns pacientes, há frêmito e sopro sobre a glândula, produzidos por aumento do fluxo sanguíneo. Qualquer paciente com bócio difuso e hipertireoidismo tem DG até que se prove o contrário. Em idosos, quando presente, o bócio tende a ser pequeno. A OFTALMOPATIA ou orbitopatia tem a mesma etiopatogênese autoimune do hipertireoidismo da DG e pode ser exacerbada tanto pelo hipo como pela hiperfunção tireoidiana. Lúria Niemic – MED UNIC 34 Os anticorpos reagem provocando autoagressão intraorbitária, como no tecido tireoidiano. A oftalmopatia pode preceder hipertireoidismo (20%), sucedê-lo (40%) ou surgir concomitantemente a ele (40%). Os casos em que a oftalmopatia, transitória ou permanentemente, não se faz acompanhar de hipertireoidismo são denominados DG eutireóidea. É decorre do espessamento dos músculos extraoculares e aumento da gordura retrobulbar, o que leva a um incremento da pressão intraorbitária. Como consequência, podem ocorrer protrusão do globo ocular (exoftalmia) e diminuição da drenagem venosa, resultando em edema periorbital, edemada conjuntiva (quemose) e hiperemia conjuntival. As manifestações oculares mais comuns são a retração palpebral, o olhar fixo ou assustado e o sinal de lid-lag. Entretanto, elas ocorrem em qualquer forma de tireotoxicose, por serem consequentes à hiperatividade adrenérgica. O achado de edema periorbital e exoftalmia praticamente confirma o diagnóstico de DG. Além disso, diplopia pode acontecer em razão do comprometimento funcional da musculatura extrínseca ocular. Oftalmoplegia e ptose palpebral podem, também, ser observadas. Nos casos graves, pode haver disfunção do nervo óptico (por compressão ou isquemia), defeitos nos campos visuais, distúrbios da visão em cores e/ou perda da visão. Homens idosos e fumantes apresentam maior risco de desenvolver oftalmopatia grave. A exoftalmia, geralmente, é bilateral, mas pode ser unilateral. Nessa situação, precisa ser diferenciada de um tumor retrobulbar ou malformação arteriovenosa por meio de TC ou RM. Exoftalmia grave impede o fechamento da pálpebra durante o sono, podendo levar à queratite por exposição. A quemose pode ser leve, apenas evidenciável por pressão da pálpebra inferior sobre a conjuntiva, ou grave, com prolapso da conjuntiva edemaciada. A melhor maneira de identificar a proptose e estabelecer sua magnitude é por meio do exoftalmômetro de Hertel. Pode ser classificada como leve (aumento de 3-4 mm), moderada (5-7 mm) e grave (> 7 mm). A DERMOPATIA acomete 5-10% dos pacientes com DG e, quase sempre, está associada à oftalmopatia (geralmente grave) e a títulos elevados de TRAb. É vista em pacientes eutireóideos com DG ou com tireoidite de Hashimoto. Consiste no espessamento da pele, particularmente na área pré-tibial, devido ao acúmulo de glicosaminoglicanos. As lesões mostram-se em placas e a pele está bastante espessada, com aspecto de casca de laranja e coloração violácea. Às vezes, envolve toda a parte inferior da perna e pode estender- se até os pés. Raramente (< 1%), pode ser vista em outros locais (mãos ou ombros), sobretudo após traumatismo prolongado. Muito raramente, é a manifestação inicial da DG. ONICÓLISE (unhas de Plummer) é a manifestação mais comum da DG, que se caracteriza pela separação da unha de seu leito. Geralmente reverte espontaneamente, com a melhora do hipertireoidismo. DIAGNÓSTICO ➔ EXAMES BIOQUÍMICOS E HORMONAIS: Função tireoidiana – A DG e quase todas as outras causas de tireotoxicose endógena significativa caracterizam-se por níveis baixos ou indetectáveis de TSH, associados à elevação das frações total (ligada à globulina de ligação da tiroxina [TBG]) e livre do T4 e T3. Ocasionalmente, apenas o T3 está elevado, acompanhando a supressão do TSH (T3-tireotoxicose), que é mais comum na fase inicial da doença ou em casos de recidiva. Além disso, inicialmente pode-se encontrar apenas níveis baixos de TSH, com T4 e T3 normais, caracterizando o hipertireoidismo subclínico. Lúria Niemic – MED UNIC 34 Anticorpos antitireoidianos – Até 50% dos pacientes com DG apresentam anticorpos anti-Tg e até 90%, anticorpos anti-TPO, em títulos mais baixos do que os observados na tireoidite de Hashimoto. Embora anticorpos TRAb possam ser encontrados em indivíduos normais, na tireoidite de Hashimoto e na tireoidite subaguda indolor ou tireoidite pós-parto, sua ocorrência em pacientes hipertireóideos é altamente específica para a DG (90-100%). É recomendado priorizar a dosagem dos TRAb em algumas situações específicas, como: (1) diagnóstico da DG eutireóidea; (2) diagnóstico do hipertireoidismo apático; (3) distinção entre DG e tireoidite pós-parto ou tireoidite subaguda linfocítica; (4) avaliação do risco de recidiva do hipertireoidismo após a suspensão do tratamento com as tionamidas (títulos elevados aumentam o risco de recidiva); e (5) em gestantes com DG. TRAb em títulos elevados no final da gestação implica risco aumentado de hipertireoidismo neonatal. Em contrapartida, sua negativação favorece a interrupção do tratamento, visando diminuir o risco de hipotireoidismo fetal. Parâmetros hematológicos e bioquímicos – Leucopenia (comum), hipercalciúria e hipercalcemia (ocasionais), elevação de transaminases e hiperbilirrubinemia (casos mais graves). Há também redução do colesterol total e do LDL-colesterol. ➔ EXAMES DE IMAGEM: Captação do iodo radioativo nas 24 horas (RAIU/24 h) – Se encontra elevada em praticamente 100% dos casos de DG, o que possibilita sua diferenciação com os casos de tireotoxicose secundária à tireoidite subaguda linfocítica e tireoidite pós-parto, situações em que a RAIU/24 h está muito baixa ou ausente. Esse exame somente deve ser solicitado, quando houver dúvida diagnóstica entre a DG e as outras patologias. Uma alternativa para fazer essa distinção é a determinação dos níveis dos TRAb (menos acurada) ou com a USG tireoidiana com Doppler colorido. USG – Suas vantagens são ausência de exposição à radiação ionizante, maior precisão na detecção de eventuais nódulos tireoidianos e custo mais baixo. Além disso, pode diferenciar a DG (glândula hipoecogênica difusamente aumentada) da tireotoxicose induzida pela destruição folicular (volume glandular e fluxo sanguíneo diminuídos). Cintilografia tireoidiana – Deve ser realizada em pacientes com nódulos identificados à USG, para avaliar se são nódulos “quentes” ou “frios”. Punção aspirativa com agulha fina – Indicada quando forem encontrados nódulos tireoidianos normo ou hipocaptantes à cintilografia. Não pode ser feita em nódulos quentes devido ao extravasamento de hormônios, apenas nódulos frios. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Na distinção entre essas etiologias, alguns dados clínicos e laboratoriais podem ser úteis. Por exemplo, a existência da oftalmopatia infiltrativa, dermopatia, confirma DG e bócio difuso tóxico, até que se prove o contrário, tem DG. Entretanto, na ausência da oftalmopatia e da dermopatia, pode-se considerar o envolvimento de outras patologias na gênese da tireotoxicose, sobretudo a tireoidite subaguda linfocítica (TSL) e o bócio nodular tóxico. A possibilidade de TSL, ainda que baixa, mostra- se maior em pacientes com bócios pequenos, tireotoxicose pouco intensa e de curta duração (< 3 meses) e relação T3/T4 < 20. A importância dessa distinção, evidenciada pela RAIU/24 h (elevada na DG e muito baixa ou ausente na TSL), reside no fato de que o tratamento da tireotoxicose na TSL limita-se ao uso de betabloqueadores, uma vez que não há síntese excessiva de T3 e T4, mas liberação exagerada dos mesmos, resultante da destruição dos folículos tireoidianos pelo processo autoimune. Raramente, a DG e o bócio nodular tóxico coexistem, caracterizando a síndrome de Marine-Lenhart. Deve ser suspeitada sempre que o tratamento do hipertireoidismo requerer altas doses de antitireoidianos de síntese ou quando recidiva acontecer logo após a suspensão dos mesmos. Nas pacientes com tireotoxicose e baixa captação do iodo, pode-se pensar em tireoidites subagudas, tireotoxicose factícia (por uso de hormônios tireoidianos), metástases funcionantes de carcinoma folicular e o struma ovarii (teratoma ovariano com tecido tireoidiano ectópico – RAIU aumentada na região pélvica). Tireotoxicose ou hipotireoidismo ocorrem em 15-28% dos pacientes que tomam amiodarona (fármaco com elevado teor de iodo). A AIT é classificada em tipo 1 ou tipo 2. A AIT 1 é uma forma de hipertireoidismo induzido pelo iodo (efeito Jod Basedow), desenvolve-se em indivíduos com doença tireoidiana subjacente ou positividade para os anti-TPO, e resulta do aumento da síntese e liberação de hormônios tireoidianos. A AIT 2 representa uma tireoidite destrutiva, e a tireotoxicose resulta da liberação excessiva de T3 e T4 na circulação. Pacientes com AIT 2 tomando prednisolonaatingem FT3 normal em um período de 8 semanas e na AIT 1, isso somente é conseguido com metimazol após 4 semanas. Lúria Niemic – MED UNIC 34 Bócio multinodular tóxico – Achados clínicos: bócio multinodular; Achados laboratoriais: elevação de FT 4 e T 3, com TSH suprimido, TRAb negativo. Achados de imagem: múltiplos nódulos hiperfuncionantes; Outras características: mais comum em idosos, mulheres. Adenoma tóxico (bócio nodular tóxico) – Achados clínicos: nódulo tireoidiano solitário volumoso (> 3 cm); Achados laboratoriais: elevação de FT 4 e T 3, com TSH suprimido, TRAb negativo. Achados de imagem: nódulo solitário hiperfuncionante, com supressão do tecido paranodular e do lobo contralateral; Outras características: mais comum em idosos, mulheres e em áreas com relativa deficiência de iodo. Tireoidite subaguda linfocítica ou indolor – Achados clínicos: hipertireoidismo leve e pequeno bócio indolor; condição autolimitada (em geral, < 2 a 3 meses); Achados laboratoriais: elevação variável de FT4; T 3 aumentado; anti-TPO geralmente positivo. Achados de imagem: RAIU/24 h ausente ou muito baixa (0 a 5%); vascularização tireoidiana normal ou diminuída na US com Doppler; Outras características: predileção pelo período pós-parto; pode recidivar em mais de uma ocasião. Tireoidite subaguda de De Quervain ou granulomatosa – Achados clínicos: tireoide aumentada dolorosa que frequentemente ocorre após infecção do trato respiratório superior; Achados laboratoriais: elevação variável de FT4; T 3 aumentado; anti-TPO geralmente positivo; VSH muito alta (tipicamente > 50 mm/h). Achados de imagem: RAIU/24 h ausente ou muito baixa (0 a 5%); Outras características: em geral não associada a sequela permanente. Tireoidite induzida por medicações – Achados clínicos: tireoide levemente aumentada; Achados laboratoriais: elevação variável de FT4; T3 aumentado. Achados de imagem: RAIU/24 h ausente ou muito baixa (0 a 5%); Outras características: associada com o uso de amiodarona, lítio, interferon-α, sorafenibe e outros inibidores de tirosinoquinases. Ingestão de hormônios tireoidianos – Achados clínicos: sinais e sintomas de tireotoxicose, sem bócio. Achados laboratoriais: elevação de FT4 e T3 em pacientes tomando L-T4; T3 elevado, com FT4 baixa, em pacientes ingerindo T 3. Achados de imagem: RAIU/24 h ausente ou muito baixa (0 a 5%); Outras características: pode ser intencional ou não. Struma ovarii – Achados clínicos: sinais e sintomas de tireotoxicose, sem bócio; Achados laboratoriais: elevação de FT4 e T3; TSH suprimido. Achados de imagem: captação aumentada do RAI na pelve; Outras características: teratoma ovariano contendo tecido ovariano. Gravidez molar e coriocarcinoma – Achados clínicos: sinais e sintomas de tireotoxicose, sem bócio; Achados laboratoriais: elevação de FT4 e T3 e TSH suprimido. Achados de imagem: RAIU/24 h aumentada; Outras características: tireotoxicose causada por altos níveis de hCG, os quais têm ação estimuladora da tireoide. Tireotropinoma – Achados clínicos: bócio geralmente difuso, sem orbitopatia; Achados laboratoriais: elevação de FT4 e T3, com TSH elevado ou normal (cerca de 25%). Achados de imagem: RAIU/24 h aumentada; macroadenoma hipofisário em mais de 80% dos casos à RM; Outras características: muito raro (cerca de 500 casos descritos). Formas atípicas de apresentação da DG – Às vezes, cursa com acentuada atrofia muscular e precisa ser diferenciada de um distúrbio neurológico primário. Em idosos, pode encontrar o hipertireoidismo apático, em que as manifestações clássicas da DG estão ausentes, com predomínio da sintomatologia cardíaca. Assim, deve ser considerada em qualquer paciente com fibrilação atrial ou IC sem causa aparente e/ou refratárias ao tratamento usual. Deve, também, ser considerada em casos de amenorreia ou infertilidade, visto que mulheres jovens podem apresentar esses problemas como manifestação primária do hipertireoidismo. Raramente, pode manifestar-se, em homens orientais e latinos, com um quadro súbito de paralisia flácida e hipocalemia (paralisia periódica tireotóxica hipocalêmica). Tal paralisia é geralmente de resolução espontânea, pode ser a manifestação inicial do hipertireoidismo e pode ser tratada por suplementação de potássio e uso de betabloqueadores. Ela é curada pelo tratamento adequado do hipertireoidismo. TRATAMENTO Abordagens: (1) uso de drogas antitireoidianas (DAT), também denominadas antitireoidianos de síntese ou tionamidas, para normalizar a produção de T3 e T4; (2) destruição da tireoide, usando o iodo radioativo (RAI); ou (3) remoção cirúrgica da tireoide. ➔ MEDICAMENTOSO: Antitireoidianos de síntese (tionamidas): metimazol (MMI) ou tiamazol, e propiltiouracil (PTU). A longa duração do MMI (24 horas ou +) torna possível sua administração em dose única diária, o que facilita a melhor adesão ao tratamento. Em contrapartida, o PTU deve ser administrado, pelo menos inicialmente, em 2 a 3 tomadas diárias. Contudo, uma dose dividida pode ser mais efetiva inicialmente nos casos mais graves. Mecanismo de ação – Não inibem a captação do iodo nem afetam a liberação dos hormônios já sintetizados e estocados dentro da glândula. Por isso, seu efeito pleno é mais observado após 10 a 15 dias. O mecanismo é a inibição da síntese de T4 e T3 dentro das células foliculares, por interferirem na organificação (formação de MIT e DIT) e no acoplamento (junção de MIT e DIT para formar T3 e T4) das iodotirosinas, pelo bloqueio da peroxidase tireoidiana, enzima responsável pela iodinação dos resíduos tirosínicos na Tg. Além disso, PTU, mas não metimazol, inibe a conversão periférica de T4 em T3, com queda nos níveis séricos de T3 e aumento do T3 reverso. Após o início do tratamento, os pacientes devem ser avaliados a cada 4 a 6 semanas. Uma vez alcançado o eutireoidismo, a dose da tionamida deve ser reduzida Lúria Niemic – MED UNIC 34 gradualmente até que se obtenha a menor dose que mantenha os pacientes eutireóideos. A partir daí, as visitas passam a ser trimestrais. Os níveis séricos de TSH podem permanecer suprimidos por vários meses após a obtenção do eutireoidismo e tal situação pode ser verificada mesmo quando há hipotireoidismo bioquímico (T4 livre baixo). A duração ideal da terapia ainda é motivo de controvérsia, mas parece ser de 12 a 18 meses. Reações adversas: As mais usuais são alergias (prurido, erupção cutânea, febre e artralgias) e epigastralgia. Também se observam cãibras, dores musculares, edema, fadiga geral, queda ou pigmentação anormal dos cabelos e alteração do paladar (mais comum com o MMI). Entre os efeitos colaterais graves das DAT, destacam-se as alterações hematológicas (sobretudo a agranulocitose) e a hepatotoxicidade. Betabloqueadores: Têm como indicação principal idosos com tireotoxicose sintomática e outros pacientes tireotóxicos com FC de repouso > 90 bpm ou doença cardiovascular. São úteis na fase inicial do tratamento da DG com tionamidas, quando ainda não se alcançou o eutireoidismo, em razão de seu rápido efeito sobre as manifestações que resultam do sinergismo entre os hormônios tireoidianos e o SN simpático (nervosismo, insônia, taquicardia, palpitações, tremor, sudorese etc.). Em doses elevadas, causam redução nos níveis de T3 sérico, bloqueando a conversão periférica de T4 em T3. Propranolol (40 a 120 mg/dia, em 2 a 3 tomadas) é a opção mais utilizada. Como alternativa, podem-se usar fármacos β-1 seletivos (atenolol, 50 a 100 mg/dia). São geralmente suspensos após as primeiras 3 ou 4 semanas. Caso estejam contraindicados (asma brônquica, DPOC ou bloqueio cardíaco), a taquicardia pode ser controlada com os antagonistas do cálcio diltiazem ou verapamil. Iodeto de potássio: Desde as DAT, deixou de ser usado comoterapia primária. Sua principal limitação é o escape da inibição da síntese dos hormônios tireoidianos pelo iodo (efeito de Wolff-Chaikoff). Achados sugerem que KI pode ser uma abordagem potencialmente útil para pacientes com DG leve que desejem evitar uma terapia definitiva, mas que sejam intolerantes às DAT. Iodo radioativo (radioiodo): Tem como objetivo controlar o hipertireoidismo, tornando o paciente hipotireóideo. É facilmente administrado por VO e tem baixo custo. Pode ser empregado como terapia inicial ou como terapia definitiva de segunda linha, nos casos de recidiva após o uso das DAT. É o de melhor custo- benefício. O 131I está contraindicado para pacientes que estejam grávidas ou amamentando. Costuma-se, também, recomendar que ele não seja administrado a homens e mulheres que estejam planejando ter filhos dentro de 4 a 6 meses. Os pacientes devem ter a função tireoidiana checada após 15 dias e, depois, mensalmente ou a cada 2 meses. Tal recomendação visa à detecção precoce do hipotireoidismo. A reposição de L-tiroxina deve ser introduzida de imediato diante de evidências laboratoriais de hipotireoidismo. A administração de uma nova dose de 131I deve ser considerada nas se: (1) persistência do hipertireoidismo após 6 meses e (2) resposta mínima ao tratamento após 3 meses. Entretanto, podem ser necessários 6 meses ou mais para o TSH se normalizar. ➔ CIRURGIA: Tireoidectomia: Está indicada nas seguintes situações: (1) bócios muito volumosos (> 150 g), (2) existência de sintomas compressivos locais ou nódulos com suspeita de malignidade após PAAF e (3) opção do paciente. As vantagens sobre as demais formas de tratamento incluem rápida normalização de T3 e T4 e maior efetividade nos casos com sintomas compressivos. As desvantagens são o custo, a necessidade de hospitalização, o risco anestésico e as complicações inerentes ao ato cirúrgico em si. O procedimento de escolha é a tireoidectomia total (TT) que propicia taxa de cura em torno de 100%. A tireoidectomia subtotal (TST) implica probabilidade de 5 a 20% (8%, em média) de persistência ou recorrência do hipertireoidismo em 5 anos. Hipertiroidismo subclínico – quando tratar:
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