Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 GESTÃO NA ERA DIGITAL A complexidade e os desafios da gestão num mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo Jorge Bertolino Filho 2 BERTOLINO FILHO, Jorge Gestão na Era Digital: A complexidade e os desafios da gestão num mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo). (livro- texto) / Jorge Bertolino Filho – São Paulo: Pós-Graduação Lato Sensu UNIP, 2020. 3 GESTÃO NA ERA DIGITAL APRESENTAÇÃO Caro aluno Hoje iniciamos uma nova jornada de aprendizado. Nesta disciplina vamos discorrer sobre um tema extremamente atual, que está impactando diretamente nossas vidas, assim como a vida das nossas organizações. Um tema apaixonante, mas que também pode ser aterrorizante. Tudo depende, é claro, de quão preparado você esteja para aceita-lo. Estamos nos referindo ao Mundo Digital, um contexto de infinitas oportunidades, mas também de muitas ameaças. Sob o ímpeto das novas tecnologias digitais, o mundo está se transformando em velocidade exponencial. Muitas empresas tradicionais estão trabalhando para se adequarem à nova realidade, mas a adaptação não está sendo nada fácil. As startups1 com sua mentalidade perturbadora e raciocínio rápido na visualização de novas soluções e novos negócios, estão causando um verdadeiro reboliço no mercado. Falando francamente, essas empresas comandadas por jovens empreendedores, estão dominando o jogo, porque são muito mais preparadas física e, sobretudo, mentalmente. Se você tem mais de 30 anos, deve estar atônito, porque a Era Digital está criando um ambiente radicalmente diferente de tudo o que conhecemos e vivemos no século passado. Se você tem menos do que 30, é bem provável que enxergue o contexto atual com maior naturalidade, mas mesmo assim você vai se surpreender com o que ainda está por vir. No contexto empresarial, você poderá contar com um assistente digital, baseado na IA – Inteligência Artificial2. Ele estará sempre ao seu lado, disponível e pronto para gerenciar suas tarefas, avaliar e ajustar proativamente seus sistemas de hardware e software antes que apresentem qualquer tipo de problema, reunir, analisar e correlacionar informações de modo a transformá-las e disponibilizá-las na forma de novos conhecimentos, propor ações estratégicas para a condução dos seus negócios e, até mesmo, corrigir possíveis falhas de sua conduta profissional. Você não precisará mais se preocupar em como conectar seus equipamentos as redes de comunicação da empresa ou mesmo da sua casa. Ao entrar em um ambiente, as câmaras dotadas de tecnologia de reconhecimento facial identificarão sua presença e ajustarão imediatamente a configuração dos terminais e dispositivos de compartilhamento. Prédios com infraestruturas inteligentes garantirão que a temperatura do ambiente seja ajustada com antecedência e a iluminação regulada 4 conforme seu gosto ou suas necessidades. Se você não puder participar da próxima reunião, não se preocupe, bastará acionar seu avatar para que ele compareça em seu lugar. Nas áreas operacionais a tecnologia de realidade aumentada – RA, estará desempenhando um papel importante, fornecendo informações críticas à medida que os trabalhadores realizam operações e reparos, graças aos óculos de realidade mista que permitem a sobreposição de informações nas imagens do mundo físico. Vale destacar que nos próximos anos, o compartilhamento de informações, baseadas em RA, será possível com apenas o toque de um dedo. Em sua vida pessoal os impactos da tecnologia digital não serão diferentes. À medida que os dispositivos digitais ficam cada vez menores e mais poderosos, o foco da inovação caminhará da plataforma mecânica para a plataforma biológica, ou mais precisamente para dentro do seu organismo. Dispositivos físicos acoplados ao seu corpo irão monitorar sua forma de se locomover e conversar, o ritmo de sua respiração e os seus batimentos cardíacos, os padrões de seus pensamentos e emoções, bem como as características de sua genética. Isso permitirá a criação de dispositivos vestíveis, implantes e nutrientes especiais que aumentarão substancialmente sua capacidade mental e criativa, assim como sua produtividade E quando a fome bater, não se preocupe. À medida que as lojas e os restaurantes usam cada vez mais a tecnologia digital, suas opções aumentam. Nos estabelecimentos próximos da sua residência ou do seu escritório, você poderá selecionar uma refeição com os nutrientes necessários ao seu organismo, depois, é claro, de checar a procedência dos ingredientes em seu smartphone, por meio de códigos de barra. Sua refeição será preparada e despachada em poucos minutos para o local que você determinar, provavelmente por meio de um drone. Mas, indo muito além do cotidiano, você poderá baixar suas conexões neurais em um computador biológico e, dessa maneira, manter guardadas suas memorias, bem como os conhecimentos que você adquiriu ao longo da sua vida. Mais ainda, poderá implantar chips de processamento em seu cérebro, construídos com base em nanotecnologia, de maneira a ampliar substancialmente sua capacidade de processar as informações, aprender novos conceitos e poder armazená-los. Você vai esquecer aquela época em que você esquecia das coisas. Tudo isso parece saído de um filme de ficção científica? Só que não! Boa parte do que você leu aqui já está acontecendo e o restante irá acontecer num futuro muito próximo. É sobre essas possibilidades e, acima de tudo, sobre os impactos que elas causam na gestão das empresas modernas que vamos discorrer nesta disciplina. No primeiro capítulo, falaremos sobre os períodos produtivos da humanidade, ou seja, a Era Agrícola, a Era Industrial e a Era Digital. Em uma retrospectiva história, 5 abordaremos os três pilares sobre os quais foi edificado o sistema produtivo de cada período, a saber: terra, capital e conhecimento. No segundo capítulo vamos abordar as tecnologias que foram criadas nas últimas décadas e mostrar como essas tecnologias impulsionaram o desenvolvimento levando a humanidade a entrar na Era Digital. No terceiro capítulo vamos discorrer sobre os impactos causados pela Disrupção Tecnológica. Analisaremos como e porque muitas organizações de sucesso entraram em declínio ou simplesmente desapareceram, em função das transformações causadas pelas tecnologias emergentes. No quarto capitulo vamos discorrer sobre a principais ações estratégicas que a uma organização deve implantar no sentido de fazer a transição do modelo de gestão tradicional para o modelo digital. No quinto e último capítulo vamos abordar o tema cultura organizacional. Vamos ver porque a cultura é determinante para o sucesso e sobrevivência de uma organização em longo prazo e, ao mesmo tempo, porque uma cultura tóxica pode decretar a decadência ou o fim de uma organização. Para que você possa aproveitar ao máximo os conceitos apresentados nesta disciplina, precisamos do seu empenho e da sua dedicação. Não há como lhe dar o conhecimento pronto e acabado, pois o verdadeiro conhecimento é aquele que construímos a partir de tudo o que apreendemos em nossa vida. Ele decorre da nossa interação com o ambiente físico e social. Portanto, lembre-se que você é o arquiteto do seu conhecimento, os professores apenas fornecem os materiais de que você necessita para edifica-lo. Se você realmente quer aprender, comprometa-se com três elementos fundamentais: suas mãos, sua mente e seu coração. Estamos obviamente utilizando uma metáfora para expressar o que esperamos de você. As mãos fazem alusão ao empenho que você deve realizar para obter os conhecimentos de que necessita,pois não há conquistas sem esforços. Para construir seu conhecimento, leia todos os textos com a máxima atenção, não desconsidere nenhum detalhe. Faça leituras regulares e pausadas. Não deixe para traz informações que você não tenha compreendido claramente. Acesse os textos complementares, pois eles trazem informações relevantes para a consolidação dos seus conhecimentos. Vale aqui destacar a frase do nosso grande herói das pistas, Ayrton Senna: “No que diz respeito ao empenho, ao compromisso, ao esforço, à dedicação, não existe meio termo. Ou você faz uma coisa bem-feita ou não faz”. Suas mãos são, portanto, muito importantes, mas não suficientes. Precisamos também da sua mente. Aqui nos referimos à mente como a capacidade de pensar e 6 refletir sobre todos os conceitos explorados. É por meio do estímulo da mente que nosso potencial criativo vem à tona. Assim, antes de achar que você entendeu um conceito, reflita profundamente sobre ele. Pense em situações nas quais você pode utilizá-lo. Procure exemplos que possam validar o seu entendimento a respeito do que foi assimilado em seus estudos. Lembre-se que sem esforço mental, não há também como produzir conhecimento. Por fim, além das mãos e da mente, precisamos do seu coração. Estamos, é claro, diante de mais uma representação metafórica. Em sentido amplo, o coração expressa a paixão que você deve ter pela busca do saber. A paixão é a base do crescimento cognitivo, pois sem ela não há como completar seu arcabouço de conhecimentos. Neste caso, a mensagem é simples: “apaixone-se pelo que você faz e os resultados serão surpreendentes”. Para encerrar esta pequena apresentação, registramos uma última nota: a essência da conquista não está no verbo “poder”, mas sim no “querer”. Antes de dizer “não posso”, diga “eu quero”. Por mais improvável que pareça, quando você quer realmente alcançar um destino e, para isso luta com todas as suas forças, você certamente chegará lá. Portanto, lembre-se: você pode, quando você realmente quer. Então vamos em frente. Desejo que você tenha uma excelente jornada. 7 1. OS PERÍODOS PRODUTIVOS DA HUMANIDADE: DA ERA AGRÍCOLA À ERA DIGITAL “Em nossas vidas mais privadas e subjetivas somos não só as testemunhas passivas de nossa era, e suas vítimas, mas também seus artífices. Nós fazemos nossa própria época”. Carl Gustav Jung3 1.1. INTRODUÇÃO Em termos produtivos a sociedade é dividida em períodos de tempo, que servem de base para um sistema cronológico que nos permite estudar as características socioeconômicas, culturais e tecnológicas de cada época. São as chamadas “eras”. A primeira delas, com duração de aproximadamente 10 mil anos, foi denominada “Era Agrícola”4 e sobreviveu até meados do século XVIII. Ela prosperou principalmente com o aprimoramento das precárias ferramentas do período paleolítico. Junto com o melhor aproveitamento da terra, o homem também aprendeu a dominar a criação de animais, fato que contribuiu significativamente com o deslocamento da água e dos alimentos, modificando a forma de vida das tribos. Antes nômades, já que viviam da coleta e da caça, as tribos passaram a se concentrar em torno da agricultura, dando origem aos primeiros centros urbanos. O movimento conhecido como “Revolução Industrial”5, surgido a partir de 1760 na Inglaterra, decretou o enfraquecimento gradativo do modelo agrícola e abriu as portas para o início de uma nova etapa do processo produtivo denominada “Era Industrial”. Esse novo período repercutiu de modo avassalador na ordem econômica, política e social da época. O início do capitalismo é, indiscutivelmente, um dos marcos mais expressivos da era industrial. Outros pontos de destaque são a produção em massa e a expansão acentuada das populações urbanas. OBJETIVO É objetivo deste capítulo fazer com que você compreenda as características dos três principais períodos produtivos da humanidade, bem como a influência de cada um no pensamento humano. Este capítulo deve proporcionar, também, uma visão geral sobre as mudanças que ocorreram em cada período, bem como fazer com que você entenda a influência de cada período nas organizações humanas de trabalho. 8 Infelizmente, apesar dos avanços inerentes dessa revolução, há que se destacar um efeito colateral impiedoso: a enorme diferença econômica que foi gerada entre os proprietários dos meios de produção e a classe trabalhadora. Foi exatamente em função dessas diferenças gritantes e, consequentemente, dos vários interesses em jogo, que surgiram as correntes ideológicas que marcaram e marcam até hoje o contexto social da humanidade. De um lado as doutrinas liberais, que enfatizam as benesses do capitalismo e, de outro, as doutrinas socialistas, focadas em seus aspectos mais obscuros. Alguns estudiosos acreditam que a era industrial tenha se esvaído no final do século XX, quando, impulsionada por tecnologias revolucionárias, inicia-se a “Era Digital”. Outros, porém, acreditam que ainda não é totalmente possível caracterizar um novo período produtivo. Por isso, definem o momento que estamos vivendo como um período de transição. De qualquer modo, o importante para nossos estudos é entender que cada período da história tem aspectos socioeconômicos, culturais e tecnológicos próprios que afetam o ambiente de forma diferenciada. Este primeiro capítulo tem como objetivo ajudá-lo a entender as características de cada era e como elas afetaram e continuam afetando a sociedade. Tais fatos são fundamentais para que possamos compreender a influência que o ambiente possui sobre a vida das pessoas e, principalmente sobre as empresas pós modernas. Por fim, há um ponto que precisa ser salientado. O surgimento de uma nova era não decreta, necessariamente, o desaparecimento da era anterior. De modo geral, quando uma nova era surge e se expande de modo acelerado, ela apenas se torna dominante, ou seja, seus princípios tornam-se preponderantes no pensamento humano. A agricultura não desapareceu com a industrialização, assim como está última continua viva, apesar dos avanços inquebrantáveis das tecnologias digitais. Em poucas palavras, podemos afirmar que os três conceitos – agricultura, industrialização e digitalização – continuam, cada um a seu modo, atuantes na sociedade moderna. O que precisamos entender, portanto, é como a mescla desses conceitos direciona o homem para mares nunca dantes navegados. 1.2. A ERA AGRÍCOLA A era agrícola começa muito antes do calendário cristão e se estende até meados do século XVIII. Apesar de sua longa duração, deve ficar claro que o foco deste estudo é o período que vai do início da idade média (século V) até o surgimento da revolução industrial, época do seu declínio. Além disso, não temos a pretensão de realizar uma análise completa da história desse período, mas sim, focar em apenas alguns aspectos sociais, econômicos, culturais e tecnológicos, que estão relacionados com o tema da nossa disciplina. 9 Durante praticamente todo o nosso espectro de estudo da era agrícola a terra foi considerada o grande alicerce econômico da sociedade, fato perfeitamente compreensível, pois foi sobre ela que o homem edificou seu primeiro sistema produtivo. Assim, a riqueza nessa época, era caracterizada pela posse de grandes glebas de terra, sobre as quais se encontravam plantações e animais. O pensamento filosófico desse período foi moldado pelo modelo mental cristão, o que significa dizer que a igreja exerceu uma influência marcante sobre a população medieval. Fato concreto é que a igreja ultrapassou sua função religiosa e espiritual. Sua ação estendeu-se pelos setores assistencial, pedagógico, econômico, político e, principalmente, mental,tornando-se o principal centro irradiador da cultura da Idade Média. A igreja pregava uma visão de mundo fundamentalmente sedimentada na fé, esta considerada a grande guardiã dos valores espirituais e morais de toda a humanidade. Vale lembrar que os estudiosos desse período eram quase sempre clérigos, para quem o estudo dos conhecimentos naturais representava apenas uma pequena parcela das pesquisas e investigações, ou seja, embora alguns religiosos tenham se aprofundado nos estudos científicos, a maioria vivia um contexto cuja prioridade era a fé. Notadamente, tinham a mente mais voltada para a salvação das almas do que para o questionamento científico a respeito do universo físico. Assim, a discussão central que permeia todo o período medieval é a harmonização de duas vertentes: a fé e a razão. Os dominantes da época, em especial os pertencentes à classe eclesiástica, reconheciam a importância do conhecimento, mas defendiam uma subordinação maior da razão em relação à fé. Acreditavam que apenas por meio da fé era possível restaurar a decadente condição humana. Infelizmente, apesar de algumas descobertas importantes que ocorreram durante a idade média, essa forma de enxergar o mundo representou uma enorme barreira para a criação de novos conhecimentos. Nesse período o mundo entrou em grande estagnação, principalmente no que diz respeito à dimensão científico- tecnológica. É, por esse motivo, denominado por alguns autores como o “período das trevas”. Na esfera social, a igreja tinha uma função de extrema importância. Para as pessoas menos favorecidas, aquelas a quem hoje denominamos excluídos sociais, a igreja representava um ponto de apoio e sustentação. De modo geral, o estado tinha um papel secundário no contexto social, sendo a igreja a maior responsável pela ajuda à população carente, ao que pese este apoio estar muito mais centrado no acalento do espírito do que propriamente no alimento do corpo. O homem medieval tinha uma situação economicamente precária, sem nenhuma garantia de como seria o seu dia seguinte. Mas isso não significa uma vida em desespero, pois havia nele a certeza da existência de Deus. Assim, fomentado pela igreja, ele vivia na fé. 10 O sistema produtivo desse período era artesanal, ou seja, essencialmente dependente do trabalho manual. O artesão detinha todos meios de produção sendo proprietário da oficina e das ferramentas. Trabalhava com a família em sua própria casa, realizando todas as etapas do processo produtivo, desde o preparo da matéria- prima até o produto acabado, incluindo a comercialização dos produtos. O processo de divisão do trabalho, através do qual cada operário executa apenas uma parte do processo produtivo, ainda não estava presente no sistema artesanal. Normalmente o artesão trabalhava sozinho. Apenas em algumas situações específicas ele tinha um auxiliar, não assalariado, que o ajudava com o intuito de aprender o ofício. Contrariamente ao que muitos possam pensar, os produtos desse período não eram necessariamente de baixa qualidade. Haviam muitos artesãos altamente qualificados que desempenhavam seu trabalho de forma artística (note que a palavra artesão é derivada da palavra arte), produzindo bens com qualidade excepcional. Podemos citar, como exemplo, os famosos violinos fabricados no final do século XVII por Antonio Giacomo Stradivari6 que até hoje surpreendem pela qualidade inigualável. O ponto fraco desse sistema estava em sua baixa produtividade e, como consequência, em seu elevado custo de manufatura, um grande problema para um período em que a população mundial estava em franco crescimento, necessitando, portanto, de meios produtivos mais eficientes e baratos para supri-la. O declínio da era agrícola começa em meados do século XVIII quando, por meio da mecanização dos sistemas produtivos, a economia mundial recebe uma nova força propulsora. Gradativamente o modelo feudal entrou em decadência, cedendo lugar ao comércio internacional em larga escala. Os grandes latifundiários, bem como a estrutura agrária feudal, entraram em declínio, abrindo espaço para o capitalismo que se fortalecia com o afloramento da indústria. 1.3. A ERA INDUSTRIAL A revolução industrial que se inicia no setor têxtil inglês em meados do século XVIII e que posteriormente foi impulsionada pela invenção da máquina a vapor de James Watt, provoca profundas transformações no ambiente, fomentando o surgimento de um novo período socioeconômico, cultural e tecnológico, denominado “Era Industrial”. Enquanto a agricultura declinava, a indústria florescia em várias partes do DESTAQUE Na Era Agrícola, o estado tinha um papel secundário no contexto social, sendo a igreja a maior responsável pela ajuda à população carente, ao que pese este apoio estar muito mais centrado no acalento do espírito do que propriamente no alimento do corpo. 11 mundo, principalmente no continente Europeu. A economia, antes apoiada na agricultura, tem agora a indústria como seu novo alicerce. Após a hegemonia de tantos anos a riqueza migrava da terra para o capital, este representado por bens físicos, como: prédios, máquinas, ferramentas e equipamentos. Apesar da relativa simplicidade com que as máquinas da época eram construídas, elas conseguiram revolucionar os processos de fabricação, na medida em que realizavam inúmeras tarefas muito mais rapidamente do que o homem. Tinham inúmeras utilidades: movimentavam os teares mecânicos que produziam os tecidos, agilizavam o corte da madeira nas serralherias, retiravam a água que inundava as minas subterrâneas de ferro e carvão, tornavam as viagens marítimas mais rápidas e eficientes e revolucionavam o transporte por terra através das estradas de ferro. Literalmente o mundo caminhava a todo vapor. Ainda no que diz respeito aos aspectos econômicos, uma das principais consequências da revolução industrial foi a transformação nas condições de vida nos países industriais em relação aos outros países da época. Houve, por assim dizer, uma mudança progressiva das necessidades de consumo da população, na medida em que novos produtos eram lançados no mercado. Além disso, o movimento alterou profundamente as condições de vida do trabalhador, provocando enorme êxodo das áreas rurais, que estavam em decadência, para os grandes centros urbanos, que cresciam em ritmo acelerado. A título de exemplo, a cidade de Londres que tinha uma população de cerca de 800 mil habitantes em 1780 passou a ter mais de cinco milhões em 1880. É importante salientar, que a indústria nascente abriu espaço para a imensa massa de trabalhadores rurais que na época deixavam o campo em busca de condições que lhes permitissem viver com mais dignidade. Apesar dos aparentes benefícios propiciados pela revolução industrial, há que se destacar que o movimento foi perverso para o trabalhador menos qualificado. Aproveitando-se da abundância de mão-de-obra existente, os empresários da época exploraram em demasia a já sofrida classe trabalhadora. Nas fábricas, as condições a que os trabalhadores eram submetidos eram péssimas. Com frequência o ambiente de trabalho era mal iluminado e extremamente úmido. As máquinas a vapor tornavam o calor ambiental quase insuportável ao ser humano. As jornadas de trabalho eram extensas, em alguns casos atingiam 80 horas semanais. Os períodos de descanso eram mínimos e o trabalhador era mal alimentado. Para completar, o salário era miserável, insuficiente para garantir as condições mínimas de sobrevivência. O sistema produtivo desse período foi caracterizado por dois aspectos fundamentais. Por um lado, a utilização da máquina e, por outro, pela implantação do processo de divisão do trabalho. Este último propunha que o trabalho de cada pessoa deveria, tanto quanto possível, se limitar à execuçãode uma única e simples tarefa. Desta forma, o operário passava a ser especializado na execução de uma única etapa 12 do sistema produtivo. Essa técnica foi amplamente utilizada em todas as empresas da época, especialmente nas linhas de produção ou linhas de montagem. São indiscutíveis os resultados que a divisão do trabalho obteve em relação à produtividade das empresas daquela época. A maior parte dos trabalhadores da indústria era oriunda da terra. De modo geral, eram pessoas com baixíssimo nível intelectual e, portanto, totalmente despreparadas para a execução de tarefas complexas ou que exigissem um mínimo de criatividade. Por esse motivo, o processo de divisão do trabalho foi redentor. Por meio dele, um trabalho antes complexo, se resumia a operações extremamente simples, possíveis de serem realizadas praticamente por qualquer pessoa. Era a forma de se obter bons ganhos com uma mão- de-obra de baixa qualificação. No entanto, vale frisar que esse método distanciou cada vez mais o trabalhador do produto final, uma vez que, agora, cada grupo de trabalhadores dominava apenas uma etapa do ciclo produtivo. Assim, a visão holística do processo, ou seja, a visão de todo o sistema de produção, que era uma característica inerente do antigo artesão da era agrícola, foi extraída do trabalhador da era industrial. Do ponto de vista social, a antiga crença de que a igreja deveria ser a grande responsável pela massa menos favorecida da população, sofre alterações significativas. A reformulação do conceito de responsabilidade social ocorre gradativa e paralelamente ao fortalecimento das indústrias. Dia após dia o estado assume um novo posicionamento que se consolida no decorrer do século XX. É dele, agora, a responsabilidade de criar condições socioeconômicas mínimas que possam garantir às pessoas sobreviver com dignidade. De fato, ao longo do tempo, principalmente com a união da classe trabalhadora, os operários fabris vão conseguir melhorias expressivas em suas condições de trabalho, em especial em termos de aumentos salariais e redução das jornadas de trabalho. 1.4. A VISÃO MECANICISTA DA ERA INDUSTRIAL Sob o aspecto científico-tecnológico, a substituição da antiga visão de um universo místico, regido por fenômenos espirituais, pela visão de um universo racional, DESTAQUE O processo de divisão ou fragmentação do trabalho, distanciou cada vez mais o trabalhador do produto final, uma vez que a partir dele cada grupo de trabalhadores dominava apenas uma etapa do ciclo produtivo. A visão holística do processo, ou seja, a visão de todo o sistema produtivo, que era uma característica inerente do antigo artesão da era agrícola, foi extraída do trabalhador da era industrial. . 13 onde os fenômenos naturais podiam ser equacionados logicamente, fomentou inúmeros avanços em praticamente todas as áreas do conhecimento humano. Livres da opressão da idade média, os físicos e matemáticos avançaram a passos largos em seus estudos e pesquisas colocando o homem em um novo patamar de desenvolvimento. Entretanto, não obstante os ganhos que o modo mecanicista de encarar o universo trouxe para a humanidade, a exemplo do que normalmente ocorre sempre que o homem rompe com valores consolidados, o novo modelo lançou o pensamento humano a um extremo oposto e, consequentemente, perigoso. A forma de enxergar e pensar o mundo havia mudado radicalmente. A nova visão preconizava que se a natureza funcionava mecanicamente, tudo o que nela ocorria podia ser explicado de maneira racional e organizada. Em outras palavras, agora o homem podia dominar a natureza. A imagem de que os fenômenos naturais eram meramente mecânicos e, portanto, perfeitamente previsíveis, alastrou-se como febre por todos os cantos. A ideia estabelecida era de que se a máquina representava a grande riqueza da humanidade, um produto de sua criação mais impressionante, sem dúvida ela deveria ser o padrão de referência para tudo, ou seja, tudo o que era mecânico era bom e belo. Até mesmo as escolas de relações humanas passaram a procurar, nos modelos matemáticos, maneiras de explicar o comportamento do homem. Obviamente, nas organizações empresariais, nascidas no seio da industrialização, a história não foi diferente. Ao longo de todo período que sucede a revolução industrial, acreditou-se que as empresas deveriam operar como máquinas. Começando pela mecanização das linhas de produção, passando pelos modelos de gestão e terminando no relacionamento humano, a forma mecanicista de encarar a realidade era a tônica de tudo, a chave das organizações bem-sucedidas. Apenas como um exemplo da abrangência do pensamento mecanicista, vamos analisar o desenho que se encontra na figura 1.0. Ele é a representação típica de um organograma empresarial7. Trata-se de um instrumento de gerência criado no bojo da era industrial, que tem como finalidade refletir a cadeia hierárquica de uma organização. Esse instrumento, até hoje amplamente utilizado na maioria das empresas, nos permite compreender quais são as responsabilidades de cada pessoa, como flui o processo de comunicação entre elas e, principalmente, os diferentes níveis de poder de cada uma DESTAQUE O modelo mecanicista mudou a forma de enxergar e pensar o mundo. A nova visão preconizava que se a natureza funcionava mecanicamente, tudo o que nela ocorria podia ser explicado de maneira racional e organizada. Agora o homem podia dominar a natureza. 14 dentro da empresa. Apesar de sua utilidade indiscutível, note como ele é o exemplo típico de um esquema mecânico. O que estamos realmente querendo dizer é que o modelo mecanicista moldou completamente a forma de enxergar o contexto empresarial. Nas empresas da era industrial tudo era estruturado mecanicamente. Até mesmos as intervenções no sentido de mudar padrões tradicionais sempre ocorreram de forma mecânica, ou seja, ditadas de cima para baixo. A premissa básica era a de que a inteligência da organização estava em suas lideranças. Nesse contexto, o conjunto de trabalhadores representava apenas o corpo, aquele que deve executar as tarefas físicas, sem questionar. Observe novamente o organograma da figura 1. Note como ele se parece com um robô, onde caixinha superior, aquela que representa o comando maior da empresa, assemelha-se à sua cabeça, ou seja, ao cérebro que comanda tudo, enquanto as outras partes denotam seu corpo, composto pelas pessoas que apenas executam os comandos. Em síntese, a constatação é de que nesse período o trabalhador teve pouca possibilidade de participar do processo criativo, bem como das decisões estratégicas da empresa. Figura 1.1 – Modelo de organograma utilizado na maioria das empresas. A própria linguagem administrativa sempre foi a expressão da força do pensamento mecanicista ao utilizar em seu jargão palavras como: rearranjar, reorganizar ou mudar as peças de lugar. Era comum, quando alguém queria enaltecer o desempenho de alguma coisa, utilizar a expressão “funciona como um relógio” ou, em outras palavras, como uma máquina. É claro que esse modelo lógico-racional de entender o mundo e, consequentemente, as próprias empresas, fez muito sentido durante a maior parte da 15 era industrial. No entanto, na medida em que as mudanças, em especial as tecnológicas, se acentuaram, o modelo se esgotou. O jogo havia mudado e não era mais possível jogá-lo com as antigas regras. 1.5. O AMBIENTE EMPRESARIAL DO SÉCULO XX A era industrial atingiu seu apogeu na primeira metade do século XX e com ele o fortalecimento das organizações empresariais modernas. Como não poderia deixar de ser, é exatamente nesse momento que surgem as primeiras teorias administrativas que vão moldar os sistemas de gestão das empresas.As teorias administrativas sempre foram elaboradas com base nas características do ambiente de cada época. Por esse motivo, sempre espelharam a maneira pela qual as organizações foram geridas. Desse modo, sempre que o ambiente evoluiu, novas teorias apareceram em resposta aos novos desafios. Portanto, para uma boa compreensão das empresas e, principalmente, para entender os critérios que foram a base de seu sucesso, torna-se extremamente importante entender o ambiente do início do século XX e sua evolução até os dias atuais. Nosso objetivo neste item é estudar os vários períodos ambientais que se iniciam ainda dentro da era industrial e que vão desembocar na era digital. Certamente não era fácil gerir uma empresa no início do século XX. No entanto, havia um ponto favorável para os administradores da época: a estabilidade do ambiente. Vale ressaltar que, as mudanças que ocorriam há cerca de 120 anos atrás eram bem diferentes das que estamos enfrentando hoje em dia. Podemos denominar o ambiente daquela época de “estável”. Obviamente isso não quer dizer que as mudanças não aconteciam, mas sim que ocorriam tão lentamente que era possível esperar pelos acontecimentos antes que as decisões mais fundamentais fossem tomadas. A fim de exemplificar o que estamos dizendo, vale lembrar o carro criado por Henry Ford8 no início do século XX. Estamos nos referindo ao famoso modelo T, que a Ford Motor Company9 produziu durante 30 anos praticamente sem realizar nenhuma modificação em relação ao seu protótipo original. Quando paramos para pensar que hoje a maioria dos novos modelos de veículos lançados no mercado não se sustentam por mais do que quatro ou cinco anos, ficamos perplexos, imaginando como Ford DESTAQUE As teorias administrativas sempre foram elaboradas com base nas características do ambiente de cada época. Por esse motivo, sempre espelharam a maneira pela qual as organizações foram geridas. Desse modo, sempre que o ambiente evoluiu, novas teorias apareceram em resposta aos novos desafios. . 16 conseguiu tal façanha. A resposta para essa equação é relativamente simples e encontra-se exatamente no ambiente da época. Em um ambiente estável, métodos e processos de trabalho são mantidos inalterados ao longo de vários anos uma vez que a difusão do conhecimento ocorre muito lentamente. Os clientes são pouco exigentes em relação às inovações, uma vez que as forças competitivas são relativamente tênues. Em um ambiente estável a melhor estratégia está em concentrar energias na produção em larga escala ao invés de tentar surpreender os clientes com inovações ou melhorias continuas. Essa situação de estabilidade começa a se modificar por volta de 1930, quando mudanças significativas vão exigir um novo posicionamento das empresas. Denominamos o ambiente dessa época de “reativo”. Pressionadas pelas novas técnicas e métodos de trabalhos desenvolvidos pelos pioneiros no estudo da administração – a exemplo de Frederick Winslow Taylor10, Henry Fayol11, George Elton Mayo12, entre outros – agora as empresas eram obrigadas a reagir. A estagnação não era mais uma estratégia possível. No entanto, ainda não estamos falando das mudanças alucinantes dos nossos dias. Apesar de estarem sendo compelidas a reagir às mudanças do ambiente, as organizações ainda podiam se dar ao luxo de esperar pela sua concretização, para posteriormente se adaptarem a elas. Vale destacar que, o período compreendido entre 1850 até 1945 é denominado por vários autores como a 2ª Revolução Industrial13. O período seguinte, que se inicia por volta de 1945 e vai até o começo da década de 1990, é caracterizado por mudanças muito acentuadas no cenário mundial. Estimulada principalmente pelos investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento), realizados durante a 2ª grande guerra, a partir de 1950 a tecnologia sofre avanços espantosos. O mundo é constantemente surpreendido por mudanças em todas as áreas do conhecimento. As novas tecnologias estimulam a economia, provocam profundas mudanças nos conceitos sócio culturais e abrem novas perspectivas para a classe trabalhadora. Para as empresas, esperar pela concretização das mudanças, transformou-se num grande risco. Agora, era necessário caminhar pari passu com a evolução do ambiente para não ficar para trás. Denominamos o ambiente neste período de “proativo”. Com a chegada do novo milênio e com os avanços da tecnologia, as mudanças tornam-se explosivas e ganham contornos e relevos diferenciados. Muito mais do que planejar ou formular ações estratégicas para acompanhar as mudanças, agora as empresas necessitam exercer influências sobre elas. O novo ambiente exige criatividade. As organizações precisam encontrar caminhos que lhes permitam, antes de se adaptar às novas situações do ambiente, criar novas regras e novos padrões para ele. Denominamos esse ambiente de “criativo”, um dos pilares de sustentação da Era Digital. Assim, por sua relevância e contemporaneidade, ele será alvo de uma discussão mais profunda em nossos próximos itens. 17 Vale ressaltar finalmente, que o ano de 1945 é também o marco inicial da 3ª Revolução Industrial14, um movimento que para alguns estudiosos se estende até os dias atuais. Aqui em nossa abordagem, no entanto, vamos considerar que a terceira revolução industrial termina no final do século XX, quando a Era Digital assume a dominância da ordem mundial. Para nós, é nesse mesmo período que entra em cena a 4ª Revolução Industrial15. 1.6. A ERA DIGITAL O século XX acabou e a era industrial entrou em declínio. É bem possível, como defendem vários estudiosos, que a “Era Digital” ainda não tenha se consolidado plenamente, o que em outras palavras significa dizer que ainda estamos vivendo um período de transição. No entanto, não há como discutir o fato de que esse período de transição reúne características muito diferenciadas em relação a tudo o que vimos até aqui. Portanto, sem mais delongas, daqui por diante vamos nos referir a esse novo período da história como “Era Digital”. Fica notório, por exemplo, o fato de que agora o ambiente migrou de um mundo dominado pelos bens materiais e pelo capital, para um mundo dominado pelo conhecimento. Essa migração explica porque hoje, no contexto pedagógico, falamos tanto em educação continuada, assim como no mundo empresarial em aprendizado organizacional. As pessoas e principalmente as organizações, reconhecem que, caso não consigam acelerar o ritmo em que aprendem, ficaram estagnadas em relação ao seu principal ativo: o conhecimento. E onde se encontra o conhecimento senão na mente das pessoas? Vivemos um momento em que a tecnologia domina os processos produtivos e a máquina se encarrega de fazer as tarefas rotineiras e repetitivas. Portanto, as organizações não necessitam mais do trabalho baseado na força física, que foi a grande tônica da era industrial. No lugar do trabalho fragmentado e padronizado torna- se necessário contar com pessoas criativas e de visão estratégica, pessoas que contribuam para o crescimento do conhecimento organizacional. Este é, sem sombra de dúvidas, o grande diferencial competitivo com que as organizações podem e devem contar neste novo período. DESTAQUE As organizações não necessitam mais do trabalho baseado na força física, que foi a grande tônica da era industrial. No lugar do trabalho fragmentado e padronizado torna-se necessário contar com pessoas criativas e de visão estratégica, pessoas que contribuam para o crescimento do conhecimento organizacional. 18 É por isso que nas modernas práticas administrativas não há mais espaço para a aplicação de conceitos meramente racionais que subtraem do trabalhador suas melhores qualidades individuais e que procuram padronizar seu comportamento refreandoseu melhor potencial criativo. Hoje as empresas precisam ser vistas como organismos vivos, onde todos os seus componentes são seres dotados de conhecimentos e energias próprias. Seres autônomos e, acima de tudo, diferentes uns dos outros. Mais do que nunca, hoje as organizações são as pessoas. As tecnologias podem facilitar, mas apenas as pessoas conseguem inovar. São elas que, através do acesso a informações consistentes, podem gerar respostas inéditas. Somente elas entendem os problemas do ambiente e criam novas soluções. E pessoas são seres vivos. A ideia de que hoje as organizações são sistemas vivos não é uma metáfora do modo como as instituições humanas devem funcionar. É antes de tudo um retrato fiel do que elas são efetivamente. Ver uma empresa como uma máquina implica que seu funcionamento é, na verdade, reação ao comando da alta gerência. Por sua vez, ver a uma empresa como um sistema vivo é compreender que ela tem sua própria capacidade de ação, está alavancada pela força de todas as suas mentes, ou mais especificamente, pela força do conjunto humano que a compõe. Certamente ainda estaríamos vivendo a Era Industrial se o conceito mecanicista continuasse a ocupar um lugar privilegiado na mente dos principais homens de negócio, assim como dos principais estudiosos de gestão. 1.7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através de uma análise apurada dos itens discutidos até aqui, podemos tirar algumas conclusões importantes. Entre elas, destaca-se a evolução do pensamento humano. O conhecimento da humanidade, que durante centenas de anos teve seu crescimento ceifado por fundamentar-se apenas em bases místicas, passa a crescer em proporções geométricas na medida em que o pensamento evoluiu para uma perspectiva de base lógico-racional. Além disso, destaque deve ser dado à forma como as organizações passam a ser caracterizadas. Da visão máquina, ou seja, um conjunto de engrenagens com o único propósito de exercer movimentos programados e repetitivos, onde os trabalhadores são meros coadjuvantes de uma representação que se repete a cada dia, as organizações passam a ser consideradas sistemas vivos. Essa nova conotação, oriunda de uma era que tem no conhecimento sua mola propulsora, abre enormes perspectivas para aqueles trabalhadores que conseguem utilizar sua inteligência para criar e inovar. Vale salientar, por outro lado, que esse novo período fecha as portas 19 para os trabalhadores tradicionais, ou seja, aqueles que só conseguem contribuir através do esforço físico. No próximo capítulo, vamos identificar as tecnologias criadas nas últimas décadas e como elas estão provocando mudanças profundas na nossa vida, assim como na vida das empresas. 1.8. PONTOS RELEVANTES E INFORMAÇÕES ADICIONAIS AO CAPÍTULO A seguir são apresentados alguns pontos de destaque do capítulo, assim como algumas informações complementares. Se você ficou com alguma dúvida, ou tem questões não respondidas, faça uma nova leitura do texto e busque reforço nas indicações de leituras complementares. O entendimento do ambiente de hoje passa por uma retrospectiva histórica que permite a análise das três eras produtivas (agrícola, industrial e digital) sob as perspectivas social, econômica e tecnológica. Características da Era Agrícola Alicerce econômico baseado na terra. Sociedade tutelada pelas leis da igreja. Visão de mundo fundamentada na fé. Sistema produtivo artesanal, com baixa produtividade e custos elevados. Os estudiosos afirmam que a primeira revolução da agricultura ocorreu em 10.000 a.C., quando o homem evoluiu de uma sociedade de caça e coleta para uma sociedade baseada na agricultura estacionária. Durante o século XVIII, houve outra revolução, a parti do momento em que o homem começou a utilizar novos padrões de rotação de culturas, utilizando o gado como força motriz. Isso permitiu a obtenção de safras mais produtivas, maior diversidade de trigo e vegetais e a capacidade de sustentar mais gado. Essas mudanças impactaram a sociedade à medida que a população se tornou mais bem nutrida e mais saudável. As Leis de Cercamento (Enclosure Acts), aprovadas na Grã-Bretanha principalmente em meados do século XVIII, permitiram que senhores ricos comprassem campos públicos e expulsassem pequenos agricultores, causando uma migração de homens em busca de trabalho assalariado nas cidades. Foram esses trabalhadores que compuseram a mão-de-obra que alimentou as indústrias nascentes durante a Revolução Industrial. Características da Era Industrial 20 Alicerce econômico da sociedade baseado no capital. Sociedade tutelada pelas leis do Estado. Visão de mundo fundamentada na lógica e na razão. Sistema produtivo mecanizado. caracterizado pela divisão do trabalho. O historiador econômico Joel Mokyr16 afirmou que a Revolução Industrial trouxe ganhos expressivos para a humanidade. Em suas palavras: “Até cerca de 1800”, a grande maioria das pessoas neste planeta eram pobres. E quando digo pobres, quero dizer que eles estiveram à beira da fome física durante a maior parte de suas vidas. A expectativa de vida em 1750 era de cerca de 38 anos, no máximo, e muito menor em alguns lugares. A noção de que hoje viveríamos 80 anos, e passaríamos boa parte deles no lazer, é totalmente inesperada. A classe média baixa nas sociedades industrializadas ocidentais e asiáticas hoje tem um padrão de vida mais alto do que o papa e os imperadores de alguns séculos atrás, em todas as dimensões”. Na Era Industrial o ambiente empresarial passou transformação consideráveis. Até meados da década de 1950 o ambiente era caracterizado por poucas mudanças, sendo considerado praticamente estável. Mudanças acentuadas entre 1950 e 1990 transformaram o ambiente, exigindo proatividade das empresas. A partir da década de 1990 as mudanças tornam- se explosivas e a criatividade passou a ser a melhor maneira de uma organização sobreviver e prosperar. Características da Era Digital Alicerce econômico da sociedade baseado no conhecimento. Sociedade tutela pelo Estado e pelas organizações empresariais. Visão de mundo fundamentada na criatividade. Sistema produtivo caracterizado pela inovação. Alguns estudiosos preferem dizer que ainda estamos vivendo a Era Industrial, só que agora diante de uma nova perspectiva, que eles denominam de 4ª revolução industrial. Para caracterizar as empresas desse novo período, em geral utilizam o termo Indústria 4.0. O termo foi introduzido pela primeira vez pelo governo alemão para promover a informatização da manufatura. Depois da energia a vapor, responsável pela 1ª revolução, da energia elétrica, responsável pela 2ª revolução, da computação, responsável pela 3ª revolução, temos agora a digitalização como a promotora da quarta 4ª revolução industrial. Note, porém, que isso só muda a embalagem, mas não muda o artigo que está dentro. 21 1.9. QUESTÕES PARA REFLEXÃO Sabemos que até o final da era agrícola o sistema produtivo era dominado pelo artesanato. Será, então, que os artesãos foram os precursores da indústria que emergiu a partir de meados do século XVIII? Foram eles os principais criadores e gestores das empresas modernas? Faça uma pesquisa para responder essas questões. Procure saber com alguém que tenha trabalhado nas indústrias da década de 1940 ou 1950 como era a vida profissional naquela época. Faça um paralelo com o trabalho de hoje. Descubra o que melhorou e o que piorou? Procure conhecer um pouco dos trabalhos desenvolvidos pelo cientista inglês Isaac Newton. Faça uma análise de como a teoria Newtoniana influenciou o pensamento empresarial dos séculos XIX e XX. Na sua opinião, as mudanças ambientais dos últimos 10 anos influenciaram significativamente no seu estilo de comportamento?Pense nas coisas que fazia e compare com as coisas que você faz hoje. O que mudou? Por que mudou? Pense nas diferenças que existem entre liderar uma empresa da era industrial e liderar uma empresa nos dias de hoje? Faça uma lista daquilo que você acha que mudou. Compare essa lista com os temas que serão discutidos em nossos capítulos posteriores. 22 2.0. A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DAS ÚLTIMAS DÉCADAS “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia” Arthur C. Clarke17 2.1 INTRODUÇÃO O período pós segunda guerra mundial, sobretudo a partir do início da década de 1950, foi marcado por grandes transformações no cenário internacional, não apenas nos contextos político, econômico, social e cultural, mas principalmente no contexto tecnológico. Foi a década em que as transmissões de televisão tiveram início, provocando grandes mudanças nos meios de comunicação. Em nosso país, o período ficou conhecido como “Os Anos Dourados”18. No campo da música surgiu nos Estados Unidos o Rock and Roll19. O crescimento global desse estilo musical impetuoso ocorreu nas vozes e nos acordes de artistas como Elvis Presley20, Chuck Berry21, Bill Haley22, entre vários outros. No Brasil, além da explosão do rock, um jeito inusitado de interpretar o já consagrado samba de raiz, emergiu na zona sul do Rio de Janeiro – a Bossa Nova23 – estilo musical difundido por artistas como Tom Jobim24, Vinícius de Morais25 e João Gilberto26. No campo da política, os anos de 1950 foram marcados por conflitos entre os blocos capitalista e comunista: do lado liberal os Estados Unidos e do lado socialista a União Soviética. Esses conflitos ficaram mundialmente conhecidos como a Guerra Fria27, felizmente para a população mundial um embate marcado muito mais por ameaças e demonstrações de poder do que por ações bélicas diretas entre as duas grandes super potencias da época. Os avanços tecnológicos do período também surpreenderam. Uma comunicação mais farta e democrática, permitiu a disseminação mais rápida dos conhecimentos e o OBJETIVO É objetivo deste capítulo: apresentar e discutir a principais evoluções tecnológicas das últimas décadas, mostrar como elas impulsionaram o surgimento e fortalecimento da Era Digital e avaliar os impactos que essas tecnologias estão causando nas empresas e nas pessoas. 23 mundo entrou na fase das grandes expansões tecnológicas. Um marco histórico do período é a chegada do homem à lua em 20 de julho de 1969. Essa etapa da história foi notadamente marcada por uma enorme euforia em relação ao contexto espacial. Dominar o espaço cósmico tornou-se uma obsessão para as grandes nações. Por isso, as inovações tecnológicas eram invariavelmente associadas ao domínio de novas fronteiras além do nosso pequeno planeta azul. Nos Estados Unidos, o país com o maior índice de evolução tecnológica, a ficção científica espacial era algo tão presente no cotidiano das pessoas que quase tudo relacionava- se com as viagens e as conquistas do espaço. Até mesmo os bens de consumo, como carros e eletrodomésticos, tinham seus designs inspirados na tecnologia espacial. Um fato marcante ocorreu no dia 8 de setembro de 1966, quando foi ao ar o primeiro episódio de uma série de televisão lançada pela NBC que se tornaria um marco mundial do gênero ficção científica voltada à conquista do universo. Estamos, é claro, nos referindo à série Star Trek, criada por Gene Roddenberry28, que no Brasil ficou conhecida como “Jornada nas Estrelas”. A série retrata as aventuras da tripulação da nave estelar USS Enterprise, comandada pelo Capitão James Tiberius Kirk (interpretado por William Shatner), pelo Primeiro Oficial Comandante Spock (interpretado por Leonard Simon Nimoy) e pelo Oficial Médico Chefe Leonard McCoy (interpretado por Jackson DeForest Kelley). O propósito da missão da Enterprise era sempre narrado pelo capitão Kirk no início de cada episódio e se resumia por uma declaração, que certamente estava presente no imaginário de muitas pessoas: “Estas são as viagens da nave estelar Enterprise, em sua missão para explorar novos mundos, pesquisar novas vidas e novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve”. Embora inicialmente a série não tenha feito tanto sucesso, com o tempo ela se consolidou como um dos maiores fenômenos das histórias focadas na tecnologia aplicada à conquista espacial. No cinema, a narrativa de Star Trek29 não teve o mesmo desempenho que obteve na televisão, mas é inegável que serviu de inspiração para outros clássicos da space opera30, a exemplo da lendária saga de Guerra nas Estrelas31, cujo primeiro filme foi lançado em maio de 1977. Por muitos anos, as tecnologias utilizadas pelos tripulantes da Enterprise pareciam somente fazer sentido em um filme de ficção. Mas, nas últimas décadas DESTAQUE Os avanços tecnológicos que ocorreram a partir de 1950 foram surpreendentes. Uma comunicação mais farta e democrática, permitiu a disseminação mais rápida dos conhecimentos e o mundo entrou na fase das grandes expansões tecnológicas. 24 começamos a nos dar conta de que todas aquelas ideias, aparentemente improváveis, estão rapidamente se tornando realidade. Até mesmo o teletransporte de pessoas, um dos ícones do filme, já está em vias de acontecer. É claro que ainda não se trata de um teletransporte digno de Star Trek, mas cientistas da Universidade de Ciências e Tecnologia da China, conseguiram realizar o teletransporte de partículas quânticas32 a uma distância de mais de 1.200 quilômetros. Ao que parece, ainda estamos um pouco distantes da possibilidade de tele transportar pessoas, mas o processo já começou. E com sucesso. As mudanças tecnológicas que se iniciaram lá nos idos anos dourados e que hoje alcançam velocidade e intensidade exponencial, faz com que tudo o que vimos em Star Trek, pareça normal. Uma pergunta recorrente é: onde Roddenberry conseguiu tamanha inspiração para criar conceitos que apenas hoje, mais de cinquenta anos após o lançamento da série, estão deixando de ser mera ficção para se tornar pura realidade? Tentativas de explicar tanta criatividade não faltam. Entre as várias explicações, há até os que afirmam categoricamente que o reverenciado escritor recebeu informações privilegiadas a partir de contatos com civilizações extraterrestres. Polêmicas à parte, a grande verdade é que esse filme serviu para preparar a humanidade para tudo o que iria acontecer a partir do final do século XX, com a chegada da Era Digital. A Era Digital, também chamada por alguns de Era da Informação ou ainda de Era do Conhecimento, representa um período que, apesar de ter suas primeiras raízes fincadas lá no início dos anos de 1950, começou a florescer intensamente no final do século XX. E, ao que parece, trata-se de uma era que não vai se esvair tão cedo, muito pelo contrário. Atrevo-me a dizer que estamos atravessando apenas a primeira etapa de muitas outras que ainda virão ao longo das próximas décadas. A Era Digital é sem dúvida, muito diferente do que a humanidade viu e experimentou até hoje, pois parece ter o condão de transformar o impossível em provável. Na matemática, mais precisamente no estudo do cálculo diferencial, há um termo que pode ser exportado e dignamente utilizado para representar mudanças drásticas que ocorrem nas nossas vidas. Trata-se do “ponto de inflexão”33, o ponto sobre uma curva a partir do qual sua curvatura muda de sinal. Simplificadamente, a inflexão acontece na posição onde uma função muda sua curvatura de positiva – quando a concavidade está para cima – para negativa – quando a concavidade está para baixo. De outro modo, a inflexão ocorre no preciso local onde o gráfico,que representa a função, muda de sentido. Trata-se, portanto, de uma transição radical que ocorre com a respectiva função. Na nossa vida, assim como na vida das organizações, de tempos em tempos ocorrem pontos de inflexão. Na matemática esses pontos podem ser determinados com absoluta precisão a partir da aplicação da derivada segunda, para obter a função da 25 reta tangente. Sabendo que o declive da reta tangente nesse ponto é nulo, é possível determinar com exatidão a existência e o local do ponto de inflexão. Na vida real, no entanto, não há como aplicar uma deriva de segunda ordem, ou seja, não temos como saber exatamente o momento em que um ponto de inflexão irá ocorrer. Mas, o que podemos afirmar, com certeza, é que eles sempre acontecem. Mais ainda, que a Era Digital representa um dos pontos de inflexão mais radicais pelo qual o a humanidade já passou. Com a digitalização estamos vivendo um período de grandes mudanças em todo o contexto humano. As tecnologias digitais não apenas mudam a nossa forma de trabalhar, nossos relacionamentos, nossa comunicação, como também nossa forma de pensar e de ser. Tudo está se transformando com velocidade espantosa. O próprio conceito do que é ser humano está em discussão. Por isso tudo, o momento é de muita reflexão e cautela. Há única certeza que temos é que os ventos da mudança continuaram soprando forte, o que em outros termos significa dizer que não há como ficar estagnado diante de tantas transformações. Neste capítulo, vamos abordar as tecnologias que serviram e que ainda servem de impulsionadores para o surgimento e expansão da Era Digital. 2.2. TRANSISTOR – A REVOLUÇÃO SILENCIOSA DO SÉCULO XX No finalzinho dos anos 1960, ainda na adolescência, resolvi fazer um curso de eletrônica à distância, mais precisamente sobre rádio e televisão. Sempre fui um curioso aficionado pela eletricidade e pela eletrônica. A ideia de fazer o curso surgiu com o objetivo de complementar os parcos conhecimentos que eu tinha sobre o assunto. Apesar de ser um curso à distância, é claro tudo era bem diferente de hoje. A interação com os professores era literalmente à distância, feita via correio. Quinzenalmente eu recebia uma apostila para ser lida e estudada. Ao final, havia sempre uma lista de exercícios que, depois de resolvidos eram enviados de volta para a validação dos professores. Eles corrigiam e devolviam novamente, sempre via correio. O processo todo leva mais de 1 mês. Quando as dúvidas surgiam, a forma de solucioná-las era simples: escrevia uma carta e postava. Demorava pelo menos uns 20 dias para obter a resposta. Mas, naquela época tudo isso parecia absolutamente normal, afinal essa era a tecnologia vigente. DESTAQUE As tecnologias digitais não apenas mudam a nossa forma de trabalhar, nossos relacionamentos, nossa comunicação, como também nossa forma de pensar e de ser. Tudo está se transformando com velocidade espantosa. O próprio conceito do que é ser humano está em discussão. Por isso tudo, o momento é de muita reflexão e cautela. 26 O que eu aprendi naquele curso, certamente é algo inusitado para a maioria dos jovens. Os equipamentos eletrônicos, de modo geral, eram construídos com válvulas termiônicas34, um dispositivo eletrônico formado por um invólucro de vidro, dentro do qual existiam vários elementos metálicos. De modo simplificado, as válvulas eram utilizadas para controlar uma tensão através de um eletrodo, com ganho de amplificação, ou seja, um dispositivo a partir do qual com uma pequena tensão de entrada era possível controlar uma grande tensão de saída. As válvulas eram precisas e ofereciam bons resultados, mas também apresentavam muitos problemas: eram grandes e frágeis, exigiam muito energia para funcionar, geravam calor intenso e executavam funções muito simples, o que em outros termos significa dizer que era necessário uma enorme quantidade delas para se executar tarefas com maior nível de complexidade. A título de exemplo – o Eniac35 – o primeiro computador construído pelo homem na década de 1940, tinha cerca de 18 mil válvulas, pesava quase 30 toneladas, ocupava uma área de aproximadamente 63 metros quadrados e necessitava de 200 mil watts de energia para funcionar. Tudo isso para processar menos do que uma milionésima parte das informações armazenadas em qualquer smartphone nos dias de hoje. Mas essa realidade começou a mudar quando em 1950 Wiliam Bradford Shockley36, junto com sua equipe de cientistas, inventou o “transistor”37 nos lendários laboratórios da Bell Telephone38, naquela época pertencentes a AT&T39, a gigante de telecomunicações nos EUA. A invenção do transistor foi, provavelmente, a maior revolução silenciosa do século XX. O desenvolvimento da maior parte dos equipamentos e dispositivos eletrônicos, utilizados hoje em dia – incluindo computadores, lasers, smartphones, aparelhos de ressonância magnética, drones – só foi possível graças ao transistor. Há um dito nos meios acadêmico que diz que o transistor representou para o século XX o que a máquina a vapor representou para o século XIX. Em meados da década de 1940, a AT&T estava muito interessada em fazer um amplificador com matérias semicondutores, pois haviam sérios problemas com as comunicações de longa distância. Em uma conversa telefônica, a voz se torna um sinal elétrico que viaja através de fios condutores de cobre. Se o sinal estiver viajando a curtas distâncias, ele alcançará o dispositivo receptor de maneira clara, mas nas comunicações costa a costa dos EUA, a conversa deve percorrer entre 6.000 e 8.000 km. Dessa forma, o sinal elétrico perdia a intensidade e precisava ser amplificado para chegar ao destino com razoável qualidade. Naquela época, a amplificação era feita com válvulas de vácuo, que como dissemos anteriormente eram dispositivos frágeis e que consumiam muita energia, além de gerar muito calor. Por isso, a AT&T estava em busca de um dispositivo amplificador mais confiável, resistente, que ocupasse menos espaço e que não necessitasse de muita energia. E foi assim que surgiu o transistor. 27 Em 1974 quando entrei para o curso de Engenharia Elétrica, praticamente não se falava mais em válvulas. Embora sejam fabricadas e utilizadas até hoje em algumas aplicações específicas, a partir da invenção do transistor o mundo da eletrônica passou a ser movido por ele e pelos circuitos integrados (circuito eletrônico que incorpora miniaturas de diversos componentes, principalmente transistores, gravados em um pequeno chip de silício) que estavam surgindo e evoluindo em velocidade estrondosa. 2.3. O NASCIMENTO DA INTERNET Em 1985, a NSF – National Science Foundation40, uma agencia federal independente criada pelo congresso americano em 1950 com o objetivo de promover o progresso da ciência e da saúde, bem como a prosperidade e o bem-estar nacional, lançou uma iniciativa para construir uma rede baseada no TCP – protocolo de controle de transmissão e no IP – protocolo de Internet, com a finalidade de vincular centros de supercomputadores e redes acadêmicas regionais. TCP / IP é a estrutura do protocolo de telecomunicações desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos EUA na década de 1970, que se tornou a espinha dorsal da Internet. Reconhecendo que grande parte dessa nova rede teria que ser inventada, a NSF solicitou propostas e acabou escolhendo o projeto apresentando pela IBM41. No começo, haviam muitas dúvidas em relação à viabilidade do empreendimento, motivo pelo qual a ideia foi recebida com ceticismo pela comunidade científica. O pensamento convencional afirmava que a ideia de uma rede mundial de comunicação era tecnicamente impossível de ser executada. Mas, as discussões entre acadêmicos, governo e indústria floresceram e os cientistas da IBM trabalharam arduamente paraapresentar um plano consistente. Após várias análises e discussões a NSF reconheceu os benefícios do projeto. Se tudo ocorresse conforme o planejado, tecnologias inovadoras seriam criadas e inúmeras novas oportunidades de negócios surgiriam naturalmente. Assim, a NSF finalmente autorizou o financiamento do empreendimento. Segundo profissionais envolvidos nos trabalhos, tudo caminhou bem porque haviam muitos recursos financeiros, muito tempo e, principalmente, o desejo de ver o sonho transformado em realidade. Além de atitudes criativas, formação de equipes capacitadas, a IBM em conjunto com outras empresas associadas, trabalhou dia e noite para alcançar os resultados desejados. O resto é história. Sem dúvida, uma história de grande sucesso. Como não poderia deixar de ser, a Internet só foi possível por causa do transistor. Mas, concretamente falando, foi ela que remodelou por completo o mundo das comunicações e, consequentemente, a disseminação das informações. As invenções do telégrafo, do telefone, do rádio, da televisão e, posteriormente, dos computadores, 28 serviu como um arado para preparar a terra. Mas foi a Internet que lançou as sementes de um novo conceito tecnológico, a partir de uma integração de recursos jamais vista. Ela é, ao mesmo tempo, uma poderosa ferramenta de difusão de informações e um meio de comunicação capaz de integrar e promover a cooperação entre as pessoas, sem se importar com distâncias geográficas. Em poucas palavras, a Internet popularizou a informação, colocando em xeque conceitos tradicionais que estavam arraigados no pensamento clássico. Em que pese os perigos que essa popularização possa trazer para a sociedade, como apregoam alguns debatedores da questão, não há como desconsiderar o fato de que a Internet revolucionou o mundo, em todas as suas dimensões. A Internet transformou a maneira como as empresas se relacionam com os mercados. Mais do que isso, provocou mudanças nos negócios e principalmente obrigou-os a evoluir. Ela propiciou a aquisição de novos conhecimentos a partir dos quais podemos fazer mais e mais rápido e gerar outros conhecimentos. Veja: com mais conhecimentos, fazemos ainda mais e ainda mais rápido e, assim, geramos ainda mais conhecimentos. No final, temos uma espiral positiva que cresce indefinidamente. A Internet parece ter o dom de se auto realimentar e, portanto, de evoluir constantemente. À medida em que usamos a Internet para alavancar novas ideias e novos negócios, podemos observar que novos desenvolvimentos são implementados para garantir maiores facilidades, bem como maior segurança e confiabilidade para os usuários. Ela provocou mudanças profundas em praticamente todos os segmentos empresariais, a exemplo dos que veremos a seguir. A Internet reformulou completamente a maneira como as empresas realizam suas atividades de marketing. Embora o marketing tradicional ainda exista, é cada vez mais hegemônico o uso do espaço digital para se comunicar com todos os stakeholders42, em especial para oferecer conteúdo de relevância para os clientes. As mídias sociais, por exemplo, representam apenas uma amostra das plataformas que são essências para qualquer empresa, independentemente do setor de atuação. Um bom exemplo é o Google43, uma empresa que nasceu em uma garagem, desenvolvendo um sistema de pesquisa e que em pouco mais de 20 anos, graças a Internet, se tornou uma das cinco maiores empresas do mundo. Hoje, uma de suas grandes fontes de recursos vem de seu sistema de divulgação publicitária. O Google DESTAQUE A Internet transformou a maneira como as empresas se relacionam com os mercados. Mais do que isso, provocou mudanças nos negócios e principalmente obrigou-os a evoluir. Ela propiciou a aquisição de novos conhecimentos a partir dos quais podemos fazer mais e mais rápido e gerar outros conhecimentos. 29 tornou-se um grande outdoor, com milhares de empresas pagando por cliques nos anúncios exibidos em suas telas. O sistema de comércio eletrônico é um exemplo de negócio nativo da Internet. O mercado de varejo vem sendo substancialmente modificado pela Internet. Muitas pessoas, principalmente as das gerações mais recentes, deixaram de lado o antigo costume de comprar na rua principal da cidade ou nas grandes lojas de departamentos, para adquirirem o que necessitam por meio do seu computador ou do seu smartphone. Também abriu novas oportunidades para pequenos negócios e empreendedores. Hoje qualquer pequeno comerciante pode transacionar seus produtos em qualquer parte do mundo sem ter que sair de casa ou mesmo gastar muitos recursos com instalações físicas, aluguel, mão-de-obra especializada etc. Um bom exemplo é a Amazon44, a gigante do varejo online, fundada em 1994 por Jeff Bezos e que hoje está na lista das maiores e melhores empresas do mundo. Embora muitas organizações tenham optado em existir exclusivamente pelas vias online, como é o caso da Amazon, outras tantas, nascidas no bojo do tradicional modelo de comércio físico, perceberam que sem o braço do comércio eletrônico seria praticamente impossível sobreviver em longo prazo. São empresas que ainda continuam operando fisicamente, mas que paulatinamente estão se deslocando para a Internet, a exemplo da empresa francesa Carrefour45 e da brasileira Magazine Luiza46. Outro aspecto de destaque da Internet está relacionado com a maneira como ela revolucionou os Sistemas de Informação de Mercado47 (SIM) das empresas. O surgimento e a expansão das mídias sociais, a evolução da comunicação com o mercado via e-mail e, principalmente, o uso de cookies como forma de capturar dados, permitiram às empresas conhecer seus clientes em profundidade. O armazenamento de dados em grande volume, que hoje são realizados pelos sistemas de gerenciamento das informações, comumente chamados de BIG Data48, permitem que as empresas conheçam a personalidade dos seus compradores e, consequentemente, antecipem seu comportamento em cada etapa do processo de compras. Dessa maneira a empresa pode promover contatos customizados com seus clientes, além de oferecer itens que vão ao encontro de suas necessidades em cada momento específico. Big Data é um termo utilizado para descrever um grande banco de dados que cresce exponencialmente com o tempo. De modo geral, os sistemas big data reúnem enormes quantidade de dados, colhidos pelas organizações junto ao mercado, para serem armazenados em grandes centros computacionais. O objetivo desses sistemas é estruturar, avaliar e gerar informações relevantes sobre o mercado e, principalmente sobre as pessoas. As empresas que operam com sistemas desse porte possuem grandes vantagens competitivas, uma vez que são detentoras de informações privilegiadas sobre o mercado e seus consumidores. 30 Um exemplo impressionante das possibilidades que o sistema Big Data oferece vem de uma experiencia ocorrida com a Target49, a segunda maior rede de lojas de departamento dos EUA, atrás apenas do Walmart. Há algum tempo, a empresa criou um programa de relacionamento a partir do qual suas clientes grávidas ou com filhos recém nascidos, podiam se inscrever para receber descontos especiais na compra de itens para gestantes ou mães no início da maternidade. Em seguida, analisando o perfil dessas mulheres, por meio do seu sistema big data, a empresa identificou uma série de padrões. Notou, por exemplo, que as mulheres grávidas compravam quantidades maiores de loção e sabão sem perfume. Observou que elas com frequência adquiriam muitos suplementos como cálcio, magnésio e zinco, além de grandes sacos de bolas de algodão e desinfetantes para as mãos, entre outros itens. Uma análise computacional dos dados identificou cerca de 25 produtos que, quando considerados em conjunto, permitiam atribuir a cada cliente umapontuação de “previsão de gravidez”. Com isso, a empresa não precisava mais que suas clientes divulgassem antecipadamente a gravides, algo que muitas pessoas preferem não fazer. Agora, por meio do comportamento de compra, a Target podia, além de identificar as clientes grávidas, estimar a data de chegada dos bebês. Passo seguinte, ela começou a enviar cupons de descontos para as compras de produtos específicos, de acordo com os estágios da gravidez e da maternidade. Tudo parecia bem, até que um homem enfurecido entrou em uma das lojas da rede exigindo conversar com o gerente. Minha filha recebeu estes cupons pelo correio, ele disse. Ela ainda está no ensino médio e você está enviando cupons de descontos para gestantes? Você está querendo encorajá-la a engravidar? O gerente não sabia exatamente o que estava acontecendo, porque os cupons haviam sido emitidos pela matriz. Diante da situação embaraçosa ele pediu desculpas ao pai inconformado e prometeu descobrir o que de fato tinha ocorrido. O homem saiu da loja com cara de poucos amigos e o gerente tratou de reportar a situação para sua matriz. No dia seguinte, ainda sem ter uma resposta do setor responsável, o gerente ligou para o pai da adolescente. Esperava encontra-lo um pouco mais calmo e dessa forma se desculpar novamente. Sua surpresa foi quando ao atender o telefone o homem, um tanto quanto constrangido, lhe disse: Eu preciso pedir desculpas a você. Despois do nosso encontro de ontem, resolvi conversar francamente com a minha filha. Bem, descobri que algumas coisas estavam acontecendo na minha casa que eu não sabia. O fato é que a minha filha está grávida. Surpreendente, não é mesmo? O sistema big data da Target descobriu que a menina estava grávida antes mesmo da sua família. É isso que esses sistemas fazem: utilizam informações das mais variadas fontes para conectá-las, correlaciona-las e gerar informações consistentes para serem utilizadas nas tomadas de decisão. De 31 modo geral, esses sistemas são muito confiáveis, por isso representam, como dissemos anteriormente, um grande diferencial competitivo para as empresas que os detém. E tudo isso, só é possível graças a Internet. A Internet foi também responsável por alterar a velocidade e a abrangência das mudanças. No primeiro capítulo desta disciplina discorremos sobre como o ambiente geral mudou ao logo do século XX. Começamos nos primórdios com um ambiente estável, onde as mudanças ocorriam de forma lenta e localizada, até chegarmos ao final do século com um ambiente criativo, caracterizado por mudanças extremamente rápidas e abrangentes. É claro que vários fatores contribuíram para essas mudanças, mas um dos maiores impulsionadores foi definitivamente a tecnologia e dentro dela, a Internet. À medida em que a Internet se desenvolveu, os negócios também evoluíram. Com a tecnologia de processamento e armazenamento de informações nas nuvens, nos tornamos mais flexíveis e móveis. Agora podemos fazer praticamente tudo à distância e, o mais importante, em movimento. Você pode trabalhar dentro do seu carro ou mesmo em um coletivo e, ainda assim, ter acesso a todos os documentos e informações necessárias para realizar suas atividades. Além disso, outros sistemas e aplicativos de software, a exemplo do CRM50, fornecem conhecimentos e possibilidades que jamais tivemos. CRM é um acrônimo do termo Customer Relationship Management ou em português, Gerenciamento do Relacionamento com o Cliente. Como o próprio nome diz é um sistema utilizado para criar e gerenciar relacionamentos com clientes. Um sistema CRM ajuda a empresa a administrar todas as interações que possui com clientes atuais e potenciais. Empresas que utilizam plataformas de CRM, possuem registro de todas as preferências dos seus clientes e, consequentemente suas necessidades podem ser rastreadas e atendidas de modo proativo. O objetivo do CRM é fornecer experiências mais atraentes aos clientes e, dessa maneira, aumentar a fidelidade e a retenção, além de impulsionar o crescimento e a lucratividade dos negócios. A Internet está também relacionada com a criação de novos produtos e serviços. A conectividade dos últimos 20 anos permitiu o desenvolvimento e a criação de novas formas de atender as necessidades das pessoas. Veja, por exemplo, a aplicação do Crowdsourcing51. Trata-se de uma prática que aproveita a sabedoria da coletividade DESTAQUE À medida em que a Internet se desenvolveu, os negócios também evoluíram. Com a tecnologia de processamento e armazenamento de informações nas nuvens, nos tornamos mais flexíveis e móveis. Agora podemos fazer praticamente tudo à distância e, o mais importante, em movimento. 32 para alcançar um determinado resultado. Em geral é utilizada por empresas que querem resolver problemas intrincados ou que desejam otimizar seus processos mais complexos. O termo crowdsourcing, uma expressão em inglês, é formado pela junção de duas palavras: multidão (crowd) e terceirização (sourcing). Trata-se, portanto, da prática de terceirizar um projeto de trabalho para um grande grupo de pessoas ou uma multidão, dentro ou fora da empresa. Tome como exemplo o caso de uma empresa que se vê frente a frente com um problema complicado para o qual não consegue obter uma resposta adequada. Diante dessa situação, ela pode expor o problema para a comunidade, na tentativa de que uma pessoa de fora da empresa, com uma mentalidade diferente, possa apresentar uma solução plausível. Caso isso ocorra, essa pessoa será recompensada de alguma maneira. Um dos exemplos mais conhecidos de uma empresa que utiliza um tipo específico de crowdsourcing é o Waze52. Existem muitos aplicados de GPS disponíveis no mercado, mas o Waze se diferencia de seus concorrentes porque se aproveita dos conhecimentos gerados pelos seus próprios usuários. São eles que inserem informações sobre engarrafamentos, acidentes, pontos de radar, pistas defeituosas, batidas policiais etc. Essa enxurrada de informações, gerada pela coletividade, torna o aplicativo mais completo e gera maior valor para seus usuários. Outro segmento da economia que está sendo rapidamente transformado pelas facilidades da Internet é o segmento educacional. Baseado principalmente no conceito de EAD – Ensina à Distância, os modelos tradicionais de educação e formação do conhecimento estão sendo colocados em xeque. Embora o EAD não seja uma prática recente (cabe lembrar a minha experiência com EAD no final dos anos de 1960), com o surgimento da Internet e de outras tecnologias associadas, a prática se disseminou de modo surpreendente. No Brasil, dados de 2019 mostram que existem mais de 2 milhões de estudantes matriculados nos cursos de EAD. Trata-se, portanto, de um modelo de ensino que está rapidamente se tornando uma alternativa às salas de aula convencionais. O EAD oferece grande flexibilidade às pessoas que estão distantes dos grandes centros educacionais ou que não podem se dar ao luxo de viajar diariamente para assistir aulas presenciais. É, também, uma redenção para os alunos que não têm tempo ou dinheiro para frequentar escolas tradicionais. Para estes, o ensino a distância pode ser o único caminho possível para se obter uma formação superior. O ensino à distância é particularmente vantajoso para os países pobres, que não conseguem disponibilizar uma infraestrutura adequada para atender grandes massas populacionais. Para os estudantes com poucos recursos, que não podem pagar por uma educação universitária tradicional ou que lutam para arcar com os custos de 33 transporte, a educação a distância pode ser um poderoso fator de mudança. É importante destacar que os alunos do ensino à distância dispendem – em média – menos da metade dos recursos desembolsados pelos alunos dos cursos presenciais.
Compartilhar