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Confissões de um publiciotário
© Nenhum direito reservado
Você pode copiar e distribuir à vontade
(mas eu duvido que você queira)
“Com o suor do teu rosto comerás o teu pão.”
Gênesis 3:19
Apresentação
23. Eis a idade que eu tinha quando montei um currículo e finalmente comecei a procurar 
emprego. Vagabundo? Sim, eu confesso. Porém, apesar de concordar com o genro do Karl Marx e 
considerar a preguiça como um direito humano fundamental, a vagabundagem não foi o principal 
motivo da minha tardia entrada na turma dos proletários.
Durante os tempos de escola eu apenas sobrevivi. Não podia comemorar aniversários e 
feriados, participar de gincanas e passeios, votar nos líderes da turma, beijar as meninas… Deus 
proíbe!
À medida que se aproximava a época de começar a trabalhar como todo mundo eu ia ficando 
cada vez mais preocupado. Afinal, se crianças e adolescentes já me atormentavam na escola, o que 
adultos fariam numa empresa?
Eu só me sentia confortável com o pessoal da congregação em que fui criado. Trabalhei por um 
tempo como vendedor de publicidade junto com alguns deles até que a internet se popularizou e eu 
aproveitei para trabalhar em casa, escondido atrás de uma tela.
Me tornei um empreendedor digital, aquele tipo de gente que costuma ganhar dinheiro na 
internet ensinando a ganhar dinheiro na internet. Faturar cerca de dois ou três salários mínimos por 
mês – quando eu conseguia, é claro – era mais do que suficiente para mim, afinal Deus estava 
prestes a resetar o sistema e o que mais me importava era passar todo o tempo possível pregando 
para as pessoas a respeito disso em vez de tentar acumular moedas que logo perderiam o valor.
O que o calendário maia previa para o mundo após 21 de dezembro de 2012 eu não sei, só sei 
que este foi justamente o último dia do meu mundo familiar e ingênuo. Porque na manhã seguinte 
eu viajei de férias com a família de uma “descrente”, uma garota que estava frequentando minha 
congregação e ainda não era batizada. E me apaixonei por ela.
Para tentar pagar o preço da noiva proibida tive que correr atrás de um emprego fixo e assim 
acordar para o chamado mundo real. Por ter experiência com vendas e afinidade com textos, pensei 
em juntar as duas coisas e ser contratado como redator publicitário. Para mostrar minha 
competência (ou a falta dela), criei um blog e comecei a escrever sob a alcunha de publiciotário.
Idealizado para tratar apenas de marketing, o blog acabou indo muito além e registrando meus 
tragicômicos sentimentos sobre procura de emprego, contratação (como operador de telemarketing) 
e demissão, síndrome do pânico, o dia em que tentei sair de casa, fim do romance, a noite que 
passei no hospital, a tentativa de extração de siso que durou duas horas e meia, empreendimentos 
fracassados, bicos como servente de obras, os efeitos de smartphones e redes sociais, crises de fé, o 
propósito da vida, brigas de família, sistemas econômicos e o meu esforço para encontrar um novo 
lugar no mundo.
David Ogilvy, o aclamado pai da propaganda, publicou as “Confissões de um publicitário” com 
a finalidade de ensinar como atingir o topo. Eu, que sem querer atingi o fundo, reuni os posts do 
meu blog sob o irônico título de “Confissões de um publiciotário”. Se você quer aprender o que 
NÃO fazer para ter sucesso no chamado mundo real, venha comigo.
Quem dera ser um peixe
23 de maio de 2013
Eu quero casar. “E daí? Todo o mundo quer!” Ok, quase ninguém quer hoje em dia, mas isso 
não vem ao caso agora. “Quem casa quer casa”, então eu preciso de um salário fixo. Ok, ok, 
precisar de salário fixo eu não preciso, mas minha namorada prefere. Mulheres…
Apesar dos meus 23 anos de idade, eu ainda não tenho Carteira de Trabalho e Previdência 
Social. Antes de me chamar de vagabundo, deixe eu lhe contar minha história. Serei rápido, 
prometo. Depois você poderá me chamar de vagabundo com conhecimento de causa. Combinado?
Saí da escola em 2006. Não fui expulso, eu me formei mesmo. E num curso técnico além do 
ensino médio. Existiam algumas oportunidades de estágio longe da minha cidade, só que, como eu 
recém tinha completado 17 anos, não me interessei por nenhuma delas. Ok, eu era (sou) cheio de 
frescura, não queria ficar longe de papai e mamãe, admito. Mas eu também estava trabalhando 
como vendedor de impressos publicitários e levantando um dinheiro interessante. Torrei um bom 
pedaço e usei o resto para investir nos meus próprios negócios, baseados na internet. De lá para cá, 
não me restou um único negócio. Larguei todos porque acabavam me prendendo e eu não 
acreditava profundamente nas coisas que vendia.
Agora você sabe por que ainda não tenho CTPS. Mas ainda tenho três coisas:
1) Um cérebro cheio de ideias;
2) O gosto por escrever;
3) A obsessão por marketing;
4) Dinheiro.
Hoje, trabalho meio período como servente nas construções do meu pai. No popular, sou peão 
de obra. Na outra parte do dia sou um pregador voluntário. Aí me apareceu aquela coisinha linda 
que eu falei lá no início, com 1,65m e cinquenta e poucos quilos (não sei ao certo, porque ela não 
quer contar). Sou peão e ela parece não se importar com isso, mas se importa com salário fixo e me 
convenceu a providenciar um. Então comecei a fazer algo inédito: procurar emprego. Gosto de 
escrever e gosto de marketing, por isso comecei a buscar emprego como redator publicitário. Pai, 
me desculpe.
Encontrei duas vagas no Peixe Urbano, o famoso site de compras coletivas. As vagas são para 
quem mora no Rio de Janeiro e está na faculdade. Posso não ser carioca, mas tenho a lábia. Posso 
não estar na faculdade, mas me garanto na função de redator. Empolgado, logo comecei a fazer 
outra coisa inédita: inventar um currículo. Na hora de fazer o cadastro no site da empresa, descobri 
que meu currículo não seria aceito porque o sistema não reconhece minha lábia carioca e minhas 
ideias mirabolantes. Meu currículo só seria submetido se eu indicasse estar morando no Rio e 
fazendo algum curso superior. Apenas um ser humano poderá me reconhecer, por isso estou aqui.
Enquanto misturava areia e cimento, lembrei do Raimundo Fagner e suas Borbulhas de Amor: 
“Quem dera ser um peixe, para em teu límpido aquário mergulhar...” Então surgiu este texto, onde 
ofereço minha criatividade (e loucura) ao Peixe Urbano. Eu não sou o melhor redator do mundo e, 
mesmo que fosse, não moro no Rio. Assim, mesmo que minha iniciativa chame a atenção da 
empresa, como poderei me transformar em peixe? Tenho duas opções:
1) Nadar até o Rio;
2) Trabalhar remotamente.
Por um contrato de quarenta mil reais mensais eu nado agora do Rio Grande do Sul até o Rio de
Janeiro. Como esse contrato não passa de zoeira, trabalhar remotamente é o jeito. A criatividade não
marca hora nem lugar. E aposto que nenhum best-seller foi escrito dentro de uma prisão (a não ser 
exceções como “Mein Kampf”, claro). Eu me sinto extremamente à vontade para escrever com um 
caderno, uma caneta e um banco de praça. E a ideia para este texto surgiu em meio a areia e 
cimento. Além disso, eu faço muito trabalho voluntário na igreja e então não quero me prender em 
um escritório de segunda a sexta durante 8 horas por dia. Mesmo trabalhando a partir de qualquer 
lugar (ou justamente por causa disso), posso produzir melhor do que dentro de quatro paredes.
E então, será que um fã de mar aberto poderá ter chance em um aquário?
Estou mais perto de virar peixe
6 de junho de 2013
Descobri que sou quase um animal. Desde pequeno vivo sendo chamado de animal. Já fui
chamado de burro, boi, cavalo, gato (pela beleza, obviamente), cachorro (por ser amigão, claro). Na
escola, até de peixe já fui chamado. “Cara de peixe”, para ser mais específico. Só porque de perfil
eu provavelmente tenho a boca um pouco mais saliente do que as outras pessoas…
Neste momento escrevo deitado numa rede. “Bicho-preguiça” talvez seja outro animal parecido
comigo (não fisicamente, porque já disse que sou um gato). Nunca dei muita bola para tudo isso, até
ontem.Ontem percebi de uma vez por todas que muita coisa que faço em minha vida é guiada
basicamente por instintos, os mesmos que qualquer animal possui. Isso significa que sempre que
estou com sono, eu durmo. Sempre que estou com sede, eu bebo. Sempre que estou com fome, eu
como. Sempre que estou com tesão, eu como (comida, é claro, até o tesão passar).
Ontem eu cheguei em casa com frio. Fui para a cama e me embrulhei nos cobertores. Animal!
Então me deu sono. “São só sete horas da noite, faça o que você precisa fazer.” Não ouvi a voz
da razão. Dormi. Animal!
Acordei perto das 21h. Com fome. Comi. Animal!
Senti saudades da minha namorada. Liguei para ela. Animal! (Espero que ela nunca leia isso.)
Me deu sono outra vez. Dormi. Animal!
Já sou mesmo quase um animal. Só não quero ser um animal de cativeiro. Livre por aí, como
redator remoto, posso puxar melhor as carroças que me derem. Ops, puxar carroças é coisa para
animais de carga. Eu sou um boi, um burro e um cavalo, tudo ao mesmo tempo, mas tenho cara de
peixe. E agora quero mesmo virar peixe, a fim de prestar serviços para um aquário enquanto o
oceano fica à minha disposição.
Se já sou quase um animal e quero virar peixe, naturalmente estou mais perto de conseguir, não
estou?
Diga não, mas diga alguma coisa
13 de agosto de 2013
Tratemos do que pode ser um sentimento desesperado do seu cliente, assim como “falem mal,
mas falem de mim” é um sentimento desesperado de alguém que não está nos trending topics.
Dizem que o oposto do amor não é o ódio, e sim a indiferença (não, este não é um texto sobre
aconselhamento amoroso). Eu não concordo com quem acha que o cliente sempre tem razão e não
penso que o cliente seja um deus (exceto quando o cliente é um demônio, e o capeta é um deus
segundo a Bíblia). Mas eu acredito que um cliente merece tudo, menos a indiferença.
Refiro-me a deixar o cliente sem resposta. Isso se aplica principalmente à internet, porque é
quase impossível deixar de responder a um cliente que está na nossa cara fazendo perguntas (ou
enchendo o saco). Indo direto ao assunto, o conselho (ou a ordem) é: sempre responda as
mensagens que você receber. Se não quer responder, pague alguém para responder.
Talvez eu seja muito sensível (é, eu sou), mas ODEIO quando contato qualquer site/blog/loja
virtual e não recebo uma resposta. Seus clientes podem não ser tão sensíveis quanto eu, mas aposto
que eles preferem comprar de quem dá atenção ao que eles dizem. Se você não der atenção, o
Ricardão dará (sossegue os chifres, o Ricardão aqui simboliza apenas o concorrente do seu
negócio).
“E se quem me contatou não foi um comprador sério? E se foi só um curioso querendo
informações? E se foi só um chato enchendo meu saco com alguma proposta mirabolante? E se foi
só um palhaço querendo contar piada?” Dúvidas, dúvidas… Simplesmente responda! Assim você
manterá em paz o coraçãozinho de alguém e talvez futuramente consiga que esse
curioso/chato/palhaço se converta em cliente ou pelo menos indique seu negócio para outros
curiosos/chatos/palhaços.
Eu envio várias mensagens dando ideias e fazendo propostas para sites onde ainda não quero
comprar nada. Quando não recebo resposta, como quase sempre acontece, decido uma coisa:
“Nunca comprarei nada aqui mesmo!”
Eu já disse que talvez seja muito sensível, mas se você não quer arriscar deixar alguém
triste/furioso/quase matando e até prejudicar seu bolso, dê um jeito de responder TODAS as
mensagens que receber. Mesmo que seja apenas para dizer não.
Minha primeira entrevista de emprego
20 de agosto de 2013
É paradoxal o que senti ao fazer a primeira entrevista de emprego da minha vida. Mãos frias,
mas rosto quente e vermelho. Logo eu, um cara que até já vendeu treinamentos sobre linguagem
corporal e autoconfiança…
Dias atrás disponibilizei meu currículo pela primeira vez na vida. Foi para uma agência de
empregos, depois de descobrir que ela está intermediando uma oportunidade para vendedor em
concessionária de automóveis. Esperei por algum tempo e não recebi resposta. Então liguei para a
agência e arranjei uma entrevista para ontem.
Cheguei uns 15 minutos antes do horário marcado, sendo recebido em seguida. Esperava um
bombardeio de perguntas que não aconteceu. Basicamente apenas fui informado de que meu
currículo será encaminhado para a concessionária e terei de aguardar semanas pela resposta (isso SE
a resposta vier, é claro). Não sei qual é a concessionária. Agências de emprego gostam de se passar
por agências secretas como ou KGB.
Compareci à entrevista de terno e gravata, exatamente como terei de me vestir para vender
carros, mas as mãos geladas e uma piadinha podem ter me mandado para as cucuias. Listando os
benefícios que a concessionária oferece aos funcionários, a entrevistadora mencionou seguro de
vida. Eu soltei que ainda não estava pensando em morrer, ao que ela sorriu hepaticamente e
continuou.
Esse negócio de entrevista é desigual! Azar se o entrevistado não vai com a cara do
entrevistador, o entrevistador é quem precisa ir com a cara do entrevistado…
Decidi não ficar de braços cruzados. Ao chegar em casa descolei o telefone das maiores
concessionárias da minha cidade, com a intenção de ligar para cada uma, descobrir em qual a vaga
está disponível e marcar uma entrevista diretamente, sem precisar esperar pelas benditas semanas.
Fiz as ligações hoje, no início da tarde. Me sentindo como o Lóide (filme Débi & Lóide) ao
tentar localizar a garota da maleta através de um incerto sobrenome na lista telefônica, encontrei a
concessionária na sétima tentativa. Quem procura, acha, não é? A secretária alegou que o gerente
ainda estava almoçando, então pedi o email dele e enviei uma mensagem contando como descobri a
vaga e anexando meu novíssimo currículo.
Agora preciso suportar a impaciência e esperar. Tim Ferriss, autor do livro “Trabalhe 4 Horas
por Semana”, conta que arranjou determinado emprego após enviar mais de 30 emails consecutivos
para o responsável. Vou esperar mais alguns dias, apesar da vontade de apelar para a chatice. Se
funcionou com o Tim, por que não poderia funcionar comigo?
Síndrome do pânico
22 de agosto de 2013
Lembro de estar na escola, com 7 ou 8 anos de idade, e implorar para ir ao banheiro. Quando a
professora autorizou, saí correndo da sala de aula. Eu tinha uma falta de ar muito grande, me sentia
sufocado e estava com o coração acelerado. Pensei que fosse morrer. Em minutos tudo passou e
voltei para a sala. Esqueci essa crise, que até recentemente nunca havia contado para alguém. Ela
voltou em 2009.
Alimentei vários medos desde a infância. Medo de cachorro, medo de altura, medo de água,
medo de olhar para o sol de relance e ficar cego instantaneamente, etc. De certo modo, estes medos
continuam, mas já consigo ficar perto de um filhote de cachorro, tomar banho de chuveiro e até
pegar uns 15 minutos de sol. Brincadeirinha! Na verdade, ainda tenho medo de pit bulls (e quem
não tem?) e nunca aprendi a nadar, mas não fico apavorado ou fujo quando preciso enfrentar
cachorros (filhotes) ou entrar na água (até as canelas).
Por volta dos 10 anos, fiquei uma semana sem engolir nada (a não ser sapos). Fiz exames de
esôfago e nada. Culpa do medo e da ansiedade. Eu tive um ataque de raiva que hoje acredito ter
desencadeado o problema. O Grêmio perdeu um jogo e eu dei um tapa na parede. Cacilda, eu era
muito fanático por futebol! Comecei a ter medo de me engasgar ao engolir a comida, então passei
uma semana só na sopa.
No final de 2009, estive em uma distante cidadezinha com um punhado de conhecidos e uma
cambada de desconhecidos. Fui convidado insistentemente por uma guria que queria namorar
comigo, cedi e combinei de dormir na casa dela para que pudéssemos sair cedo no dia seguinte,
então empreendi a jornada me sentindo pressionado e morrendo de medo dos outros interpretarem
mal minhapresença. Não consegui dormir, amanheci sem fome e, antes de sair para o meio do mato
com a caravana, tomei xícaras de café com o estômago vazio. Chegando na cidadezinha comecei a
passar mal. O coração disparou, eu não conseguia respirar, as mãos e o rosto ficaram dormentes.
Novamente pensei que fosse morrer. Fiz o pai de um amigo dirigir por meia hora até o pronto-
socorro mais próximo. Surpreendentemente melhorei assim que desci do carro e pisei no pronto-
socorro.
Alguns dias depois, no centro da minha cidade, tive as mesmas sensações. Subi num ônibus
imediatamente e melhorei ao enfiar o pé em casa, como se nada tivesse acontecido.
Imagino que a solução esteja em olhar para nosso passado e resolver situações pendentes. Se
um cara está gordo e com as veias entupidas, podemos explorar e descobrir facilmente como ele
chegou ao estado atual. Anos de refrigerante, frituras e rotina sedentária, com certeza. Precisamos
olhar para dentro de nós mesmos e descobrir como alimentamos nossa mente e nosso coração
durante os últimos anos ou até durante a vida inteira. Se temos um problema ou comportamento
destrutivo e grave, provavelmente as batatas fritas emocionais contribuíram. Se não pararmos,
vamos continuar como um caminhão desgovernado, causando estragos a outros e principalmente a
nós.
Passar a refletir sobre minha vida me ajudou e me ajuda.
O autodiagnóstico
Janeiro de 2013. Estou no trem, percorrendo um trajeto que dura mais ou menos 15 minutos e
que faço há anos. Sinto dores de cabeça. Quando pareço me concentrar na dor, começo a ficar tonto,
com falta de ar e o coração disparado. Penso que vou desmaiar ou até morrer.
Assim que saio do trem, melhoro um pouco. Encontro com um amigo, devolvo os filmes que
ele me tinha me emprestado e volto para a estação, ficando a esperar o trem para casa. Quando o
trem chega, não consigo entrar nele. Começo a passar mal outra vez. Fico na plataforma de
embarque, ligo para minha mãe, que me chama de fresco e diz que está tudo bem. Mas continuo
mal.
Decido sair da estação e caminhar até a casa de um outro amigo, para pedir que ele me traga
para casa de carro. No meio do caminho encontro algumas amigas, entre elas uma ex-namorada.
Fico batendo papo para tentar distrair, a ex me compra água tônica e liga para minha mãe, que então
promete vir me ajudar a encarar o trem. Ao me acompanhar até a estação, a ex me previne, em tom
de ironia: “Vai ter que tomar remédio pra louquinho...”
Mamãe chega, voltamos para casa e eu me sinto tranquilo, mas muito cansado, com vontade de
dormir e esquecer do mundo. Dali em diante, começo a ter crises com mais frequência. Pesquiso na
internet e descubro que os sintomas se encaixam com uma crise de pânico, mas alguns sites dizem
que problemas de tireoide podem causar sintomas parecidos.
Pouco tempo antes eu tinha feito praticamente todos os exames cardíacos, então sabia que o
coração não era o problema (fisicamente, é claro). Lá vou eu tirar sangue para conferir a tireoide.
Tireoide normal. Tudo indicava pânico, mas eu não queria aceitar. Logo eu, um metidinho e “do
contra”? Sim, logo eu.
Não fui ao psiquiatra, por isso não recebi um diagnóstico oficial, mas com os exames físicos em
ordem e os sintomas indicando ansiedade, comecei a desconfiar que realmente estava sofrendo de
síndrome do pânico. A cada crise, ouvia de pessoas próximas: “Vai no médico, vai no médico, vai
no médico...” Mas eu não queria (e não quero) tomar remédios!
Pouquíssimas pessoas sabiam das minhas crises. Eu escondia, às vezes não contava sobre uma
crise recente nem para uma destas poucas pessoas. Elas não me entendiam. Ou diziam “vai no
médico” ou “isso é frescura” ou “tu tá ficando louco”. Então por que contar? Ora queriam me
entupir de remédios, ora me ironizavam. Terrível…
A minha esperança era parar de ter crises. Assim como começaram de uma hora para a outra,
imaginei que sumiriam de uma hora para a outra. Não foi o que aconteceu. Em algumas situações,
por pouco não fugia de ficar apenas 6 minutos dentro do trem! Assim que o trem chegava eu
precisava quase me jogar dentro dele, pois quando as portas se abriam eu começava a ter as
sensações de sempre e não queria entrar.
Neste inverno fiz mais uma longa leitura pública na igreja. Sempre fiquei nervoso ao ser o
centro das atenções, mas com aquele nervosismo natural, que logo diminui. Durante a leitura estava
me sentindo tranquilo, estranhamente natural, quando, lá pela metade, um pensamento atravessou
minha mente: “Nunca entrei em pânico durante uma apresentação”. Pronto! Bastou este pensamento
para eu começar a me concentrar na crise até ela se materializar Eu queria sair correndo, mas não
podia. O que os outros pensariam, não é? Na certa pensariam que eu enlouqueci, como eu mesmo já
pensava. Se eu já me condenava por isso, por que ser condenado por ainda mais gente? Não sei
como, mas consegui terminar a leitura passando no máximo a impressão de estar com frio.
De qualquer jeito, eu estava sendo dominado pelo medo. Quando qualquer coisa disparava o
gatilho, eu me transformava em um caminhão desgovernado, que não parava até destruir tudo pelo
caminho. Na verdade eu destruía principalmente a mim mesmo…
Fugindo de tudo
Passei a evitar situações onde crises de pânico poderiam acontecer. Praticamente não fazia mais
nada sozinho, por medo de passar mal e não ter ninguém para me salvar.
Ônibus? Trem? Nem pensar! Em qualquer lugar fechado a sensação era de que o ar estava
prestes a acabar. Cheiro de fumaça? Ar rarefeito. Muita gente? Ar rarefeito e eu começando a me
sentir tonto e confuso.
Deduzi: se o medo é de passar mal enquanto sozinho, precisarei sair sempre com alguém.
Resolvi testar acompanhando minha mãe até Porto Alegre. Comecei meio inseguro, mas pelo menos
comecei. Após alguns minutos não aguentei mais. Queria fugir do trem. E fugi. Fiz minha mãe
desistir comigo. Enquanto esperávamos o trem para voltar, melhorei. Quando o trem finalmente
chegou, quase não consegui entrar nele. Ali constatei que o problema não era necessariamente estar
sozinho. Eu poderia ter crises a qualquer hora, em qualquer lugar e acompanhado por qualquer
pessoa.
Eu pensei que as crises de pânico seguiam um padrão previsível, acontecendo sempre próximas
de um determinado horário, em consequência de determinado tipo de alimento ou após ter feito
determinada atividade. Comecei a recapitular minhas crises, procurando o tal padrão. Percebi que as
crises aconteciam em turnos diferentes, em lugares diferentes, sozinho ou acompanhado, após
atividade física ou uma boa noite de descanso.
De qualquer jeito, coloquei a culpa na comida. Por conta própria comecei a evitar cafeína e
substâncias estimulantes, passei até a pesar e registrar tudo o que eu comia, mas isso não resolveu.
Eu queria achar uma causa externa. Eu não queria aceitar que estava sendo dominado pelo medo.
Eu me achava fraco. Tinha feito tantos progressos para vencer meus medos, tinha até mesmo escrito
livros sobre o assunto e agora estava sendo dominado pela minha própria mente e ficando quase que
o tempo todo trancafiado em casa, evitando as crises e esperando que elas milagrosamente
desaparecessem.
A pior coisa foi pensar que estava enlouquecendo, que já não tinha mais juízo e autocontrole.
Por isso eu procurava uma causa externa, talvez uma desculpa que me convencesse de que não
estava ficando louco.
A semana decisiva
Segunda, 22 de julho. O modem de casa tinha queimado num temporal recente, então decidi ir
até uma loja de informática e comprar outro. Antes, revelaria e entregaria algumas fotos.
Saí de casa pela manhã, a pé. Sempre gostei de fazer as coisas ao ar livre e caminhar em vez de
usar transporte público (com as frequentes crises de pânico trens e ônibus me pareciam mais
assustadores do que o Afeganistão).
Comecei a caminhada sentindo alguma insegurança, um medo de sentir medo. Cheguei ao
shopping, revelei as fotos e, a passo rápido, me dirigi para o lugaronde elas deveriam ser entregues.
Recebi uma ligação no celular. Caminhando rápido e falando é óbvio que o coração acelera e o
ar falta. Eu já tinha passado por isso um milhão de vezes sem nunca me preocupar. Desta vez
desandei. Encerrei a ligação dando uma desculpa qualquer, quando na verdade estava preocupado
porque coração acelerado e falta de ar me lembravam a maldita crise de pânico.
Consegui entregar as fotos e, um pouco mais calmo, fui até a loja de informática. Quase
chegando lá, comecei a me sentir mal. Não tive coragem de colocar os pés lá dentro, então fingi que
estava atendendo uma ligação enquanto esperava me acalmar. Quando fiz uma nova tentativa de
entrar na loja, os sintomas de pânico voltaram com tudo. Virei as costas e comecei a caminhar, me
sentindo pior a cada passo. Cogitei subir num ônibus, mas a ideia de ficar engaiolado me fez
continuar caminhando.
Fui ficando tonto, o mundo escureceu, parecia que eu estava fora de mim. Liguei para minha
mãe e ela não atendeu. Liguei para casa, mas meu pai não estava. Me percebi sozinho. Pensei que
fosse desmaiar a qualquer momento. No fim das contas, de alguma maneira consegui sobreviver até
em casa, e mais uma vez melhorei ao atravessar a porta.
Quinta, 25 de julho. Fui para o centro da cidade com meu pai, de bicicleta. Me senti mal no
caminho, só por pensar em me afastar da segurança de casa. Comecei a pedalar de volta logo que
chegamos no centro, argumentando que não tinha nada de interessante para fazer ali. Por medo de
ser chamado de bicha pelo meu compreensivo papai, não contei que estava tendo outra crise.
Novamente fui me acalmando à medida que o doce lar ficava mais próximo.
Sexta, 26 de julho. Eu e mamãe viajaríamos para visitar parentes. Passei a manhã nervoso por
causa da viagem, pressentindo uma crise de pânico. Arrumei as malas mesmo assim e fomos esperar
o ônibus que nos levaria até a rodoviária, para de lá sermos engaiolados em outro ônibus por mais
algumas horas.
No ponto de ônibus, comecei a passar mal. Minha mãe avisou: “Vai pra casa agora, porque eu
não vou voltar contigo outra vez.” Eu não queria desistir da viagem. Casa e comida de graça para
ver neve, como perder isso? Mas eu não conseguia aturar a ideia de passar horas trancado em um
ônibus, pensando em morrer o tempo todo.
Desisti... Com o rabo entre as pernas, derrotado, voltei para casa. Foi a gota d'água. Três crises
em apenas cinco dias, eu de saco cheio por perder a “normalidade” e ainda com perspectivas
terríveis para o futuro.
Tentando me dar uma segunda chance, planejei viajar à noite, sozinho. Queria provar que eu
podia, que a recente desistência tinha sido só um atraso. E então? E então que não consegui nem
sair de casa…
No fundo do poço, muita coisa me passou pela cabeça. Chega de sofrimento, eu precisava de
algum tratamento urgente! Meu controle havia se evaporado e minha vida estava toda nas garras do
medo. Antes de tentar dormir, resolvi me render e pesquisar os tratamentos para síndrome do
pânico. Sem internet em casa (porque eu não tinha comprado o modem devido ao pânico de entrar
na loja), restava navegar pelo celular. Estava sem créditos, mas a crise foi tão definitiva que acabei
pedindo emprestado o celular do meu irmão. O celular dele, um pouco mais velho do que nossa
bisavó, estava desconfigurado para navegar, por isso ainda fiz a gambiarra de colocar o chip dele no
meu celular, um pouco mais velho do que nossa avó.
Dizem que a ignorância é uma benção. Para muitas coisas, concordo. Por exemplo, o
empresário roubado por um funcionário é mais feliz sem saber e o marido corno é mais feliz sem
saber. Brincadeiras à parte, somos muitas vezes felizes por não pensar em certas/erradas coisas.
Eu era mais feliz quando não ficava pensando que poderia ter uma crise de pânico. Em 2009
achei que estava com um problema físico (e talvez estava mesmo, considerando que primeiro não
queria ter viajado, então não dormi, depois tomei muito café de estômago vazio e fiquei cercado por
muitos estranhos e fofoqueiros). Foi difícil sobreviver o momento, mas passei anos sem ter medo de
enfrentar algo parecido.
Agora era diferente. Eu tinha medo a todo instante e qualquer fio de cabelo desequilibrava meu
comportamento. Como eu já estava nessa situação, a ignorância não era mais uma benção. Não era
fácil pensar em desmaiar ou morrer a cada segundo e não saber se isso tinha um fundo de verdade
ou não. Não era fácil fugir de situações e ficar torcendo para que as coisas melhorassem
milagrosamente.
Eu precisava saber de forma exata e profunda o que era a síndrome do pânico e como lidar com
ela, porque até o momento eu sabia sobre a síndrome exatamente o mesmo que sabia sobre a lei da
gravidade. Sabia que existia e quais eram as implicações, mas não sabia como e por quê.
Abri o Google e digitei “síndrome do pânico”. Pesquisei vários sites até que um me chamou a
atenção. Comecei prestando atenção nas pencas de comentários dos visitantes e imediatamente
percebi quanta gente sofre! Soube dos sintomas que as outras pessoas sentiam: falta de ar,
palpitação, tontura, sensação de desconexão, etc. Basicamente tudo o que eu sentia! Comecei a me
emocionar. Pessoas desesperadas, sendo consideradas frescas ou até loucas por parentes e amigos,
indo parar no pronto-socorro para receber doses de tranquilizantes, tomando remédios da pesada
sem obter grandes melhoras, tendo as vidas alteradas e prejudicadas. Estávamos todos no mesmo
barco.
O que aprendi sobre o pânico
Algumas coisas que aprendi por experiência própria e nas pesquisas que fiz:
1) É bom estar no mesmo barco com alguém
Eu sempre fui “do contra”. A multidão dobrava para a direita, eu dobrava para a esquerda.
Porém, quando se trata de problemas, é consolador saber que mais gente enfrenta as mesmas coisas,
é consolador saber que não estamos sozinhos. Na prática isso não resolve nosso problema, mas nos
faz parecer mais normais. É de certa forma algo tranquilizante.
2) Precisamos de compreensão
Esta compreensão vem principalmente de quem passa pelas mesmas coisas. Parentes e amigos,
mesmo que bem-intencionados, nos darão conselhos suficientes para criar uma série de
enciclopédias.
Às vezes dirão que nosso problema é frescura, que estamos ficando loucos ou que precisamos
nos entupir de remédios. Pessoas que nunca passaram por uma crise de pânico ou desenvolveram a
síndrome (caracterizada por crises recorrentes) provavelmente não poderão nos compreender, pelo
menos não tão facilmente. Precisamos conversar com pessoas com sentimentos iguais aos nossos,
com o objetivo de compartilhar sentimentos e sair do fundo do poço.
É mais ou menos por isso que existem os Alcoólicos Anônimos. É difícil aceitar que chegamos
em uma situação tão difícil, mas chegamos e precisamos de ajuda. Em vez de viciados em álcool,
nos tornamos viciados em medo (e o vício do medo pode levar ao vício do álcool).
3) Precisamos admitir o problema
Para buscar ajuda, precisamos primeiro admitir o problema. Mesmo que amigos e familiares
não nos entendam, é preciso contar para eles o que estamos enfrentando. Se evitamos alguma
situação por causa do medo e damos desculpas para as pessoas, é melhor contar a verdade: “Estou
tendo crises de pânico e não fiz X por causa disso, mas estou tentando superar.”
Eu já contei pessoalmente o que enfrento para muitas pessoas e aqui estou abrindo minha vida
para o mundo (apesar de ninguém ler o que escrevo). É emocionante como a confiança aumenta
quando somos transparentes. Pessoas que parecem nunca ter sofrido com a ansiedade se abrem e
admitem que já sentiram algo parecido. Pessoas que enfrentam crises como as nossas se confortam
ao saber que não estão sozinhas, enquanto também nos sentimos aliviados por encontrar alguém que
nos entende.
Mesmo que ninguém entenda, é muito positivo ser sincero e falar sobre nossos problemas. Isso
nos dá mais vontade de vencer, mas certamente encontraremospessoas que poderão nos encorajar.
4) Ninguém é louco (ou então todo mundo é)
Minha maior vergonha era ser considerado louco. Logo eu, que ensinei pessoas a diminuir o
medo do que os outros pensam... Durante uma crise de pânico parece que estamos ficando loucos,
mas não estamos. Além disso, geralmente ninguém nota que estamos tendo uma crise se não
contarmos. Se alguém notar, e daí? Não há nada de vergonhoso ou errado nisso. Lembre-se também
de que esconder não é a solução. Admitir e buscar ajuda é.
No fim das contas, “de médico, poeta e louco todo mundo tem um pouco”. Mesmo que outras
pessoas nunca tenham entrado em pânico e assim não nos entendam, elas têm outros problemas e
manias, que talvez guardem lá no fundo da alma, sem coragem para admitir. Somos todos humanos
e realmente ninguém é melhor do que ninguém. No passado eu me achava O Cara, mas a síndrome
do pânico me devolveu ao meu lugar e me sensibilizou novamente.
5) Crise de pânico nunca matou ninguém
A primeira coisa que pensamos é: “Vou morrer!” No mínimo, pensamos: “Vou desmaiar!”
Então dá medo de morrer inacabado ou de desmaiar em público, sem nenhum rosto amigo para nos
socorrer.
O fato é que não existem registros de morte por crises de pânico. Ao descobrir isso, me
conscientizei de que, por mais que eu seja “do contra”, não serei o primeiro a morrer.
E quanto a desmaiar? Pelas pesquisas que fiz, é mais fácil ou provável desmaiar enquanto se
está calmo do que durante uma crise. Desmaiamos quando falta oxigênio no cérebro, quando o
sangue chega com dificuldade até ele. Então o corpo nos apaga para cairmos e ficarmos na
horizontal. Não sei explicar a lei da gravidade, mas sei que é mais fácil o sangue fluir da esquerda
para a direita do que de baixo para cima.
Temos um corpo maravilhoso e naturalmente programado para reagir da maneira correta. É a
nossa mente desgovernada que cria uma campanha publicitária maléfica e nos engana. Nossa mente
vira um liquidificador. Juntamos os pitacos dos outros (“você é louco”, “você é medroso”, “você é
bicha”, etc) com nossas memórias negativas (“epa, já passei mal no trem”, “epa, já passei mal perto
daqui”, etc) e com nossos próprios pensamentos automáticos e pessimistas, batemos tudo e o
resultado é um cenário típico para filme de terror.
Quando estamos ansiosos ou passando por uma crise, nosso sistema simpático está funcionando
a todo vapor. Ele nos deixa antenados e alertas. Então é normal o coração acelerar e o ar parecer
faltar. Durante uma crise de ansiedade o sistema simpático deveria se chamar antipático. O ponto é
que após “entrar em campo” ele demora alguns minutos para sair. Não importa o que façamos
(podemos gritar, espernear ou repetir “eu estou calmo, estou calmo...” um milhão de vezes), o
sistema antipático continuará em campo por um tempo. Quando entendemos isso, passamos a ter
certeza de que qualquer crise tem prazo de validade. Não vamos morrer, não vamos desmaiar e os
sintomas devem desaparecer em minutos, mesmo que estes minutos pareçam horas (e realmente
parecem). Então, o sistema parassimpático entrará em campo e tomará o lugar do sistema
antipático, nos deixando relaxados.
6) É necessário olhar o passado
O que somos hoje tem forte relação com o que fomos no passado. Por isso eu comecei este
texto falando sobre o meu passado, especialmente a infância. E o que eu e você somos hoje
provavelmente determinará nosso futuro. Se um time de futebol está em último lugar no
campeonato por um bom tempo, a tendência é que ele continue em último. Claro, este time poderá
até vencer um ou outro jogo, mas perderá a maioria. Se estamos viciados em medo agora, é porque
algo nos trouxe até aqui. Se não fizermos nada, continuaremos tendo medo no futuro.
Eu perdi um bom tempo procurando causas externas e desculpas, sem avaliar minha própria
vida, meu histórico, meu padrão. Quando olhei para trás, descobri que sempre tive medo. Ter medo
é natural, o problema é ser dominado e escravizado por ele. Medo e ansiedade dominaram boa parte
da minha vida. Embora eu ainda seja jovem, por ter convivido desde sempre com uma ansiedade
patológica é possível afirmar que a síndrome do pânico começou tarde.
Por isso é útil ter um diário. Nele é possível anotar situações marcantes e desabafar. Isso serve
para o descobrimento próprio e o consequente progresso. No meu diário, comecei a relembrar meus
medos e a listar situações críticas que enfrentei, para então perceber que cheguei até aqui por um
motivo.
Escrever é um processo contínuo. É impossível lembrar de tudo no mesmo instante, então
escrevo sobre o que lembro e volto e escrever mais tarde, quando mais lembranças vêm à tona.
Além disso, registro situações que ocorrem no presente, bem como meus sentimentos e ações
quanto a elas. Assim tenho mais consciência do meu estado e do que preciso fazer para afetar
positivamente o meu futuro.
Encarando as situações
Com conhecimento de causa, ou seja, sabendo que não morreria, não desmaiaria e que qualquer
crise obrigatoriamente passaria, decidi agir, começando por fazer a viagem solitária já no dia
seguinte, sábado, 27 de julho.
Acordei cedo, arrumei a mala e entrei no ônibus até a rodoviária. Eu mentiria se dissesse que
fiquei 100% calmo o tempo todo. Ao entrar no ônibus, pensei: “Daqui não volto. Agora é aguentar
até a rodoviária.” Chegando lá, comprei a passagem e fiquei esperando, curioso, o início da
verdadeira viagem. Enquanto isso liguei para mamãe, para despistá-la. Ela nem fazia ideia de que
em breve me encontraria (se eu sobrevivesse, é claro).
A viagem começou e a ansiedade continuou. Eu preferia não lembrar da síndrome do pânico,
mas as lembranças vieram o tempo todo. Porém, consegui me manter no controle. Nada de perder o
fôlego, ficar tonto ou deixar o coração sair pela boca. O que me ajudou muito foi passar a viagem
toda escrevendo. Escrever é uma terapia. Falei sobre o que estava pensando e sentindo, desabafei,
contei para o papel as descobertas que havia feito. Várias vezes me distraí tanto que nem lembrei do
medo e da ansiedade. A viagem incrivelmente pareceu ter durado menos do que deveria.
Minutos antes de chegar, meu pai ligou e perguntou como eu estava. Quando eu respondi que
estava bem, ele debochou: “Parabéns! Já consegue viajar de ônibus sozinho!” Ótimo, eu parecia
uma criança, mas tive de admitir que a situação era realmente engraçada. Eu estava começando a
recuperar a capacidade de fazer as coisas mais simples.
No fim das contas, percebi que crises de pânico até podem ser úteis. No dia anterior eu tinha
esquecido de colocar camisetas na mala, então se tivesse conseguido viajar precisaria encarar o
inverno usando casacos diretamente sobre a pele. Obrigado, síndrome do pânico!
Se eu não tivesse a coragem de pesquisar e aprender, certamente continuaria no fundo do poço,
cavando cada vez mais. Me obriguei a encarar o problema e lutar cada batalha até vencer a guerra.
Em vez de dar desculpas e fugir, comecei a reeditar minhas memórias enfrentando situações que
poderiam me testar.
Ainda na companhia dos parentes, acabei passando umas 12 horas zanzando por outras
estradas. Fiquei ansioso, mas me forcei a mudar o foco e sobrevivi. Ontem mesmo, ao fazer uma
caminhada bem cedo, me reconheci tendo as mesmas sensações que em outras ocasiões me
conduziram até uma crise de pânico. A cada passo eu ficava mais longe da minha casa e, portanto,
mais longe da minha zona de conforto.
É irônico, porque já cruzei o Brasil sozinho. Fiquei ansioso, é óbvio, mas assim que os aviões
decolavam o nervosismo diminuía. Eu pensava: “Agora não tem volta, tudo o que eu posso fazer é
aproveitar a viagem.” Agora, com síndrome do pânico, o que acontece é o contrário. Em vez de
pensar “agora não tem volta, já que não estou mais em casa tenho que me virar”, é comum me
perguntar “como vou me virar se não estou em casa?” (O lar gera apenasuma falsa sensação de
segurança, porque já tive muitas crises de pânico em minha cama.)
Durante minha caminhada de ontem, como nas outras vezes em que a ansiedade apareceu,
lembrei do sistema simpático (antipático!) e do prazo de validade das sensações desconfortáveis,
então me forcei a seguir em frente.
O que eu quero dizer com tudo isso é que a receita que vem funcionando, pelo menos para mim,
é obter conhecimentos fundamentais sobre a síndrome do pânico (não há morte ou desmaio e a crise
obrigatoriamente passa depois de alguns minutos, mesmo que pareçam horas ou dias) e então agir,
encarando quaisquer situações, especialmente as mais assustadoras.
Eu não estou curado, ainda preciso me cuidar. Mas voltei a agir, com progressos evidentes, e
quero continuar progredindo. A vitória não é um acontecimento isolado, e sim um processo.
Como lidar com reclamações de clientes online
23 de agosto de 2013
É impossível ter um negócio sem enfrentar reclamações de clientes. Muitas pessoas até
preferem passar a vida em um emprego monótono, como funcionárias, simplesmente para fugir da
tarefa de descascar tantos abacaxis que um negócio próprio traz, o que inclui as reclamações. Já que
reclamações são inevitáveis e facilitadas pela internet, eu recomendo que você as encare como um
abacaxi.
Se estivesse morrendo de fome e alguém lhe desse um abacaxi, você recusaria? É claro que
não! E você nem se importaria com os espinhos! Receber reclamações é sinal de que você tem
pessoas interessadas nos seus produtos ou serviços. Você prefere morrer de fome ou descascar um
abacaxi? E então, você prefere ter clientes reclamões ou não ter cliente algum?
Desde a infância somos ensinados a agradecer o que recebemos. Se ganhar um abacaxi, então
provavelmente você dirá “obrigado” a quem lhe deu. Se reclamações são como abacaxis, você deve
igualmente agradecer por recebê-las. Segurar um abacaxi é desconfortável, você se espeta. Um
abacaxi às vezes é feio por fora, estranho. Mas ao descascá-lo você pode ver e provar coisas que
não poderia olhando apenas de fora. Um abacaxi ainda pode matar sua fome e lhe dar energia.
À primeira vista, reclamações são desagradáveis e talvez inúteis. Porém, se consideradas com
cuidado, elas podem ser verdadeiras e chamar sua atenção para o que precisa ser melhorado. Bill
Gates disse que “o sucesso é um professor perverso, ele seduz as pessoas inteligentes e as faz pensar
que jamais vão cair”. Algumas pessoas começam bem e depois se acomodam. Outras são rejeitadas
e criticadas, mas tiram lições disso e crescem continuamente, às vezes até mesmo contrariando as
expectativas sobre elas. Por isso, agradeça sempre que receber reclamações, pois elas podem
construir a estrada do seu progresso!
Agradecer uma reclamação envolve mais do que ver uma oportunidade para melhorar. Envolve
realmente responder ao cliente, com gentileza, informando que a sugestão dele foi recebida e está
sendo analisada. O cliente precisa se sentir importante, afinal ele é importante, está nervoso e ainda
por cima gastou tempo entrando em contato com você. Por isso, responda sempre!
E se alguém jogar um abacaxi na sua cabeça? Vamos imaginar que você está morrendo de fome
outra vez. Se alguém jogasse um abacaxi na sua cabeça, você, esfomeado, colocaria o abacaxi no
lixo? Não! Talvez você ficasse um pouco (ou muito) irritado, mas não desperdiçaria o abacaxi.
Alguns clientes são mal-educados de verdade. Em vez de apenas apontar um defeito, passando
o abacaxi para suas mãos, eles fazem escândalo e até ofendem você, como que jogando um abacaxi
na sua cabeça. É normal ficar irritado nestes casos, mas você pode se esforçar para:
1) Não levar para o lado pessoal;
2) Descascar o abacaxi e descobrir o que realmente pode ser aproveitado dele;
3) Agradecer com sinceridade, fazendo com que o cliente se acalme.
Reclamações fazem parte do jogo. Agradeça por recebê-las e concentre-se no que pode ser
melhorado. No final, sempre colhemos aquilo que plantamos. Se apesar de tudo você não gostar de
abacaxis, plante um excelente produto ou serviço aliado com gentileza e desejo sincero de ajudar
pessoas. Assim talvez você receberá menos abacaxis e mais das frutas de que gosta.
Lições de um 31 de agosto
31 de agosto de 2013
01:30h – Após virar a noite assistindo filmes e comer pizza até não aguentar mais, resolvi
dormir.
07:12h – Como quase sempre acontece, acordei sem precisar de despertador. Me arrumei
rapidamente para ir até o aeroporto, de surpresa, a fim de recepcionar um amigo que vem de São
Paulo.
07:32h – Comecei a pedalar minha bicicleta até a estação de trem, para de lá começar o trajeto
de meia hora até o aeroporto.
07:51h – Após amarrar a bicicleta com duas correntes (quando usei apenas uma corrente,
roubaram a bicicleta), comprei os bilhetes para ida e volta e entrei no trem.
Imediatamente ao pisar na estação comecei a ficar um pouco nervoso, lembrando das coisas
ruins que passei dentro de um trem. Pensamentos automáticos, que não devem ser alimentados. O
ponto é que tenho resquícios. Desde quando escrevi sobre o assunto vou vivendo relativamente
bem. Não tive nenhuma crise de pânico propriamente dita, apenas resquícios, uns mais fortes,
outros menos. É chato ter resquícios, mas é melhor do que ter crises.
Na terça, 27 de agosto, eu e meu irmão utilizamos o trem por pouco mais de dez minutos, para
ajudar famílias de nossa igreja em uma cidade vizinha que foi alagada por um dilúvio moderno.
Suportei o trajeto com ansiedade, à beira de entrar em pânico, mas logo saímos do trem e me senti
melhor.
Ser ou não ser fóbico? Eis a questão. Poderia me sentir derrotado, afinal sei que crises de
pânico não matam ou desmaiam e mesmo assim venho mantendo resquícios de medo, mas não me
sinto derrotado. Embora minha vida ainda não esteja normal como antes (isso se antes pudesse ser
considerada normal), estou melhor do que estava há pouco tempo e continuo melhorando. Não fujo
de nenhuma situação.
Confesso que deixei meus próprios sentimentos e pensamentos ansiosos me dominarem por
dias. Sim, antes da curta viagem de trem da última terça passei dias imaginando como seria estar no
trem tendo uma crise novamente. Por isso entrei no trem prevendo o que aconteceria. E quase
aconteceu mesmo.
O ponto positivo é que encarei, assim como estou fazendo agora. Esta é a minha primeira
viagem solitária de trem desde há muito tempo. Comecei a ficar ansioso simplesmente por pisar na
estação e é por isso que escrevo neste momento. Escrever é uma terapia. Distrai. Carrego meu
caderno para todo lugar. Permito que ele seja considerado como muleta, porque quando estou com
meu caderno sei que conseguirei me distrair e passar o tempo. Na verdade o caderno pode ser
considerado uma legítima perna, pelo menos no momento. No passado eu entraria no trem e
esqueceria da vida, pensaria em outras coisas ou em nada. Hoje, com as recentes e relativamente
frequentes crises de pânico, preciso me ocupar com algo externo, desviar a atenção.
Exatamente agora preciso parar de escrever, ufa! São 08:23h e estou chegando no aeroporto,
sem crise. Palmas para mim! Eu até me presentearia com um doce, mas como estou economizando
dinheiro vou esperar chegar em casa para comer mais da pizza que sobrou.
Agências de emprego sediadas em pirâmides
4 de setembro de 2013
Meu desgosto com o sistema começou quando compareci a uma agência pela primeira vez, para
monologar a respeito de uma oportunidade para vendedor de automóveis. Inocente do jeito que sou,
imaginei que faria uma entrevista específica para a vaga. Que nada! Ao chegar na agência percebi
que tinha ido até a Grécia sem conhecer a cultura local, com um milhão de chances em uma de me
sentir um estrangeiro indesejado. Em grego, uma responsável pela agência fez perguntas que nada
tinham a ver com carros e vendas. Finalizando a conversa, ela afirmou conseguir uma resposta
positiva ou negativa em duas semanas, provavelmente o tempo necessáriopara eu viajar até a
Grécia e me tornar fluente no idioma.
Decidi descobrir o local de trabalho por conta própria. Após alguns telefonemas, descobri.
Enviei meu currículo para o email do (ir)responsável e resolvi esperar uns dias. Sem receber
resposta, fiz outro telefonema. A secretária mentiu que o (ir)responsável não estava, mas descobri
que a vaga já tinha sido preenchida. Exatamente no mesmo dia em que enviei o currículo houve
uma entrevista coletiva. E sem minha presença…
Pela perspectiva das duas semanas, cheguei muito cedo. Pela perspectiva da realidade, cheguei
muito tarde. O processo seletivo duraria duas semanas, hein sua grega da agência de empregos? Só
se na Grécia o tempo passa diferente… Que raiva! Afinal a grega poderia ter dito a verdade (“você
não serve, seu arigó!”) em vez de me enrolar. Coloquei os gregos na minha lista de personas non
gratas.
Enfim, o ponto é que hoje me senti no Egito. No caminho para providenciar minha lindíssima
Carteira de Trabalho, resolvi entrar em uma outra pirâmide – perdão, agência de emprego – e
perguntar informalmente sobre determinada vaga. Fui atendido por uma múmia! Abri a porta e
tentei descontrair o ambiente com minhas velhas piadinhas, mas a múmia nem piscou. Puxei
conversa sobre a vaga e fui tratado como um chuchu.
Curiosamente, a vaga tinha a ver com atendimento ao público. Exigiam um profissional
sociável, experiente e bonito (por isso me candidatei, evidentemente). Como alguém que deve
selecionar pessoas vivas pode agir como uma múmia? Naquele momento, ao constatar que em casa
de ferreiro o espeto muitas vezes é de pau, o pouco respeito que eu possuía por agências de
emprego transformou-se em água no deserto do Saara.
Tudo isso me ensinou uma lição social: em vez de manter a cobrança em mim, o que me faz
sentir um estrangeiro mais confuso do que cebola em salada de frutas, passarei a me concentrar nos
meus interlocutores. Assim a pressão muda de lado ou pelo menos deixa de me esmagar.
Falando nisso, amanhã serei entrevistado por uma empresa da cidade vizinha. Espero que não
vá novamente acabar em um país distante, estranho e hostil. Mas, se acabar, o problema não mais
será meu.
P.S. Não tenho nada contra gregos e egípcios (a não ser que trabalhem em agências de emprego,
é claro).
Assando no forno do trem
11 de setembro de 2013
15:08h. Estação do trem. Calor. Trem se aproximando. Vou entrar nele, junto com mais um
bilhão de pessoas. Os batimentos cardíacos aumentam. A respiração também. Entro no vagão, que
mais parece uma gaiola quente a dar com pau.
Justamente o que eu temia. Venho tomando choques térmicos na última hora. Até pouquíssimo
tempo estava em casa, só de bermuda e bebendo água gelada. Então coloco uma calça jeans útil
para aquecer as pernas de algum esquimó, uma camisa social sufocante e um sapato social que
esquenta o mínimo possível. Mesmo assim, a cada passo pareço andar sobre brasas, bem devagar.
Pego a bicicleta e saio pedalando apressadamente, debaixo do sol de 36 graus. Falando nisso, o
sol está com milhares de graus, mas aceita ser rebaixado por um animal limitadíssimo como eu sem
se ofender e brigar pela vindicação de sua soberania.
Durante as pedaladas, o vento abranda levemente a sensação de calor. Chego na estação e
acorrento minha bicicleta a um inseguro pedaço de ferro, que já entregou muitas bicicletas para os
ladrões. Ao entrar no saguão, tomo outro choque, porque o ar está muito mais fresco.
Me dirijo para a bilheteria, cato as moedinhas e compro dois bilhetes, para garantir também a
volta, caso um legítimo pobre coitado me assalte e leve minhas moedinhas. Legítimo porque para
me assaltar o cara deve estar na pior mesmo.
Passo pela catraca gulosa, que engole meu bilhete e o de outros tantos sem nunca engordar,
pego a escada rolante que só para variar não funciona e chego na plataforma de embarque.
O calor, minhas roupas de inverno, os choques térmicos e resquícios da síndrome do pânico me
incomodam, então puxo o caderno e começo a escrever estas baboseiras, a fim de me distrair.
Antes de entrar no trem sinto um leve incômodo, quase um aviso: “Este lugar é um forno pior
do que o inferno, saia daqui enquanto há tempo.” Teimoso, ignoro o aviso e ponho meus pés dentro
do vagão.
Avisto um banco com alguns espaços e vou até ele. Afinal não quero pessoas grudadas em mim.
Além de aumentar a sensação de calor, elas podem roubar meu ar. Quase chegando no banco, outra
pessoa, que provavelmente compartilha dos meus pensamentos, toma um bom espaço.
Me viro e começo a procurar outro banco mais folgado. Acho um e ninguém me atravessa desta
vez. O problema agora é que o território da minha nação faz fronteira a leste e oeste. Não gosto de
me sentir espremido feito uma mortadela. Na primeira parada, a nação na minha fronteira leste entra
em colapso e, de repente, minhas fronteiras se expandem. Chega de linguajar geográfico. O que eu
quero dizer é que a pessoa à minha direita desceu do trem.
Imediatamente, deslizo para o lugar dela e ocupo a ponta do banco. Não devia ter feito isso! A
ponta do banco está uns 864 graus mais quente do que o centro do banco, talvez porque o fabricante
de trens instale as bocas do forno nas pontas. Agora, além de estar assando minhas costas, meus pés
queimam. Se antes eu estava apenas caminhando sobre as brasas, agora sou obrigado a ficar parado
sobre elas.
Finalmente compreendo o que um pedaço de chocolate passa nas mãos de uma confeiteira e
decido nunca mais derreter nada em banho-maria. Detesto morte lenta. Talvez ainda resolva
processar confeitarias e donas de casa pelo uso deste método de tortura digno da Inquisição.
A viagem segue e o trem para em algumas estações bem movimentadas, onde muita gente entra
e parece que pouca gente sai. A propósito, muitas vezes parece que o transporte público só possui
porta de entrada. A cada parada as pessoas vão ficando um pouco mais espremidas. Começo a
pensar que todos os contorcionistas do mundo desenvolveram suas habilidades dentro de um ônibus
ou trem. Talvez nem todos os contorcionistas do mundo, mas os do Brasil sim. E o povo reclama do
governo mesmo podendo fazer cursos livres até dentro do transporte público…
Principalmente por estar batalhando contra a ansiedade há um bom tempo, cada pessoa a mais
no trem parece significar um pouco de ar a menos. Porém, escrever distrai e agora eu estou perto do
fim da linha. Ainda vivo.
Após retomar as rédeas, esta é a mais longa viagem de trem que faço sozinho. Se meu pai me
ligasse agora, ele diria: “Parabéns, já consegue andar de trem sozinho, hein?”
Enrolei, enrolei e enrolei e ainda não revelei o motivo desta jornada. Aqui vai: entrevista de
emprego. Pois é. Se contratado, trabalharei das 06:30h às 12:50h, seis dias por semana. O salário
não é bom, mas também não é inaceitável, principalmente se tratando do primeiro emprego formal.
O horário de trabalho é alternativo e consideravelmente menor do que o convencional, o que me
dará condições de continuar investindo em atividades paralelas, como trabalho voluntário na igreja
e projetos profissionais. Além disso, terei pelo menos uma hora por dia para ler e escrever, dentro
de ônibus e trem.
Sim, ler e escrever não distrai apenas da síndrome do pânico, mas também de todo o calor que
se aproxima.
15:51h. “Wilma, cheguei!”
Onde um cochicho soa como um grito
19 de setembro de 2013
13:31h. Estou engaiolado dentro da empresa para a qual fiz uma entrevista de emprego e mais
perdido do que cebola em salada de frutas. Eles chamam nada menos do que um bairro inteiro para
fazer o processo de admissão ao mesmo tempo, então engaiolam as pessoas em cubículos e as
fazem preencher tantos formulários que, se fossem compilados, encheriam uma biblioteca
municipal.
Todo mundo em silêncio. É tanto silêncio que um cochicho pode se transformar em grito
ensurdecedor. Com medo de chamar a atenção, naturalmente as pessoas ficam emsilêncio,
controlando até a velocidade da respiração e o piscar de olhos. Sim, o silêncio é tão grande por aqui
que piscar os olhos pode soar como uma martelada.
Existem vários livros sobre o poder do silêncio, afirmando que driblar o barulho faz bem,
relaxa. Concordo, e acho até que para praticar estas técnicas de relaxamento através do silêncio as
pessoas precisam vir para o RH aqui da empresa. Além de poder relaxar, todas sairiam escrevendo
bem melhor (ou com os braços engessados, por escreverem tanto de uma só vez).
O lado ruim é que este silêncio é único, ou seja, só pode ser aproveitado durante a burocracia do
processo de admissão. Porque quando se veste a camisa da empresa o silêncio termina e é
substituído por berros ininterruptos dos clientes e supervisores, já que o trabalho envolve
telemarketing receptivo.
Eu fui admitido e em breve ganharei uma linda camisa, mas não sei se vale a pena. Aceitar ou
não aceitar o trabalho, eis a questão...
Microempresários quase sempre têm micromentalidade
1 de outubro de 2013
Eu nunca tive uma microempresa tradicional, mas venho trabalhando há anos com
microempresas e acredito ter entendido por que elas são justamente microempresas. A resposta está
na micromentalidade. Sim, microempresários pensam pequeno.
Você sabe por que quando um microempresário morre o cérebro dele fica do tamanho de uma
ervilha? 10 segundos para pensar. 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, 0. Outra vez: 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1,
0. (Aposto que você não contou, apenas leu. Lendo, você usou no máximo 5 segundos, por isso
repeti a contagem. 5x2 = 10. Aula de matemática!)
A resposta é que o cérebro do microempresário incha! E incha bastante, pois enquanto em vida
o cérebro dele deve ser do tamanho da semente de determinado tipo de orquídea, a menor semente
do mundo (aula de botânica!).
Com sua micromentalidade, microempresários geralmente abrem uma empresa sem planejar.
Não conhecem o mercado, não conhecem o cliente, não conhecem patavinas (expressão surgida
após os portugueses não entenderem os italianos de Padova, conhecidos como patavinos. Aula de
história!). Dão um tiro no escuro, que às vezes acerta o próprio pé deles e, em casos mais graves,
acerta a cabeça.
Com a micromentalidade, microempresários geralmente prestam um mau atendimento aos
clientes, parceiros e fornecedores. Bom atendimento também faz parte do marketing, mas
microempresários geralmente pensam que marketing é só uma palavra estrangeira. Por exemplo,
qualquer microempresário pode criar um site elegante por conta própria, investindo pouquíssimo.
Qualquer microempresário pode ler bons livros, planejar, testar ideias e soluções diferentes. “Somos
pequenos, essas coisas são para peixes grandes...” Eles não percebem que os peixes grandes são
grandes justamente porque fazem essas coisas! Grandes empresários geralmente possuem
macromentalidade, enquanto pequenas empresas são administradas por um Paedocypris
progenetica da vida, o menor peixe do mundo (aula de ictiologia!).
Recentemente, peguei o telefone e contatei vários microempresários locais. Eu queria agendar
um horário para conhecer estes microempresários e propor soluções adequadas. Bem, talvez eu seja
péssimo em telemarketing, mas nenhum microempresário se dispôs a conversar. Recebi desculpas
secas e esfarrapadas como “não, agora não preciso” e “já temos anúncios”.
Foi a gota d'água. Eu tinha parado de trabalhar com microempresas há muito tempo, mas
resolvi tentar outra vez. Desisti. Além de talvez ser péssimo em telemarketing, talvez eu também
seja muito sensível. De qualquer jeito, as estatísticas não me deixam mentir. Quase metade das
empresas fecha em até três anos. Isso pode ser explicado pela micromentalidade.
Eu não tenho nada contra microempresas. Reconheço que muitas grandes empresas começaram
por baixo. Eu detesto é a micromentalidade. Se você não é microempresário, este texto pelo menos
lhe deu aulas de matemática, botânica, história e ictiologia. Se você é microempresário, trate de
plantar essa sua semente de orquídea e então crescer, pois é possível. Aprenda, radicalize,
mantenha-se aberto a novas ideias, teste coisas diferentes e, por favor, não se ofenda comigo.
Vivendo outro momento AMD
2 de outubro de 2013
11:47h. Mais uma vez na estação de trem. Eu gosto de escrever daqui, hein? Mentira, me
obrigo. Assim o tempo passa mais rápido. Ou menos devagar, como agora.
Trem em direção a Porto Alegre, me levando até o treinamento para meu primeiro emprego
formal. Vivo um momento AMD intenso. Segundo o livro “Liderança Radical”, de Steve Farber,
momento AMD significa momento “Ai meu Deus!”. É um daqueles momentos onde a gente acha
que vai morrer de medo ou de vergonha, antes ou durante o enfrentamento de uma situação nova ou
desafiadora.
Como já escrevi, desde o início do ano venho enfrentando crises de pânico. As crises assinaram
um cessar-fogo comigo no fim de julho, devido, em grande parte, às minhas iniciativas de pesquisar
o problema e então lutar.
Sempre fui solto, nunca trabalhei com um monte de gente ao redor ou em equipe. Eu andava
procurando emprego há quase dois meses, mais como franco-atirador, na curiosidade, sobrevoando
a região e jogando currículos. Então a coisa ficou séria. Fiz uma entrevista e fui admitido. O início
seria hoje, 02 de outubro. Não gostei da empresa, por isso continuei prospectando oportunidades e
usando aviões para espalhar currículos.
Na quinta, 26 de setembro, fiz outra entrevista, em uma empresa que me pareceu melhor (ou
menos pior). Marcaram o início do treinamento para hoje, às 13h. Ainda preciso ser aprovado para
entrar no grau mais baixo e miserável dessa sociedade secreta dos que ganham dinheiro vendendo
dinheiro (banqueiros), mas aqui estou, a caminho.
Fiquei surpreso ao dormir bem esta noite. Situações novas quase sempre atrapalhavam meu
sono nas vésperas. Agora foi diferente. Progresso! Senti a barriga esfriar apenas hoje de manhã.
Quando saí de casa, já estava congelado. Parecia um cubo de gelo, duro e frio. Comecei a sentir
alguns resquícios do pânico dentro do ônibus, mas até agora está tudo sob controle (dentro do
possível para este momento AMD, é claro).
Esses dias li um artigo do Barry McDonagh, um cara que sofreu com a síndrome do pânico e
encontrou uma técnica para superar as crises. O artigo falava sobre ter com o que se distrair.
Quando nos concentramos em algo, qualquer coisa, esquecemos do medo e então o tempo voa.
Geralmente eu me distraio lendo e escrevendo. Ler e escrever são coisas que podem ser feitas em
quase qualquer lugar. Mas existem outras formas de se distrair, e cada pessoa pode pensar em uma
forma interessante para si.
Ainda é relativamente cedo para mim. Se não me distraio em um ambiente
diferente/fechado/tumultuado, são grandes as chances da minha mente se concentrar no medo e
produzir os velhos e artificiais, mas desagradáveis, sintomas.
Ainda não consegui descobrir se vou ficar mais nervoso por ter de fazer uma viagem de trem
diária daqui para a frente ou então por aprender a atuar na sociedade secreta, com rituais e
companheiros novos. Mas acho que o nervosismo se deve a uma combinação dos dois fatores. O
lado bom é que este é só mais um momento AMD, e momentos AMD são simplesmente momentos,
passam. Um novo emprego é como andar de bicicleta. Tarefa impossível quando crianças, mas
automática com o hábito. E as duas horas diárias no trem e no ônibus podem ser dribladas com uma
boa distração, como ler e escrever.
Se eu pensei em fugir? Pensei, de verdade. Seria mais fácil pular e voltar para a zona de
conforto. Mas não se deve fugir de momentos AMD, porque eles nos forçam a crescer. Eu pensei
em pular da bicicleta, mas meu pai me empurrou e soltou a bicicleta sem eu perceber. Quando
percebi, estava pedalando sozinho. Eu pensei em sair correndo antes de fazer apresentações em
público, mas não podia,eu tinha o compromisso de me apresentar. Eu pensei em fugir de muitas
coisas. Infelizmente fugi de algumas, mas felizmente fui obrigado a passar por outras. Eu estaria
pior se tivesse fugido de tudo, estaria trancado em casa como o Jimmy do hilário filme “Bubble
Boy”.
Estou chegando. Já que não fugi do trem, não é agora que vou fugir da empresa. Let’s go!
Produto novo, emprego novo. Agora vai!
11 de outubro de 2013
Trem. Mais uma vez. Faz algum tempo que não escrevo nada. Começo a acreditar que só tenho
inspiração dentro de um trem (se já sou ruim inspirado, imagine não inspirado). Já sei! Posso
montar meu escritório dentro de um trem! Ou, quando arranjar um freela, posso cobrar a taxa
normal acrescida do bilhete de embarque, que me permite fazer uma viagem de duração suficiente
para escrever algo.
O que farei em Porto Alegre? É, estou indo novamente para Porto Alegre. Bem, como canta
aquela musiquinha chata, “Porto Alegre é que tem um jeito legal, é lá que as gurias etc e tal...” Mas
não vou para lá por causa das gurias (não agora). Quem respondeu que tem algo a ver com emprego
acertou e merece um café (entre em contato para retirar o prêmio, ou melhor, não entre, pois ainda
estou sem grana para pagar).
Eu comecei um treinamento na quarta, 2 de outubro, a fim de ser iniciado na sociedade secreta
que enforca pessoas. Até gostei do ambiente, das pessoas e da possibilidade de lucros, mas não
gostei do trabalho. Vender empréstimos não é pra mim. O banco sempre sai ganhando, às custas dos
pescoços do clientes.
Fui treinado a me apresentar como consultor financeiro. O que um consultor faz? O mesmo que
um bom médico deve fazer: consultar. Consultar envolve ouvir as pessoas e dar dicas e orientações
nos melhores interesses delas. É claro que o banco precisa ter algum lucro, mas eu esperava que os
clientes pudessem sair ganhando também. Algumas vezes saem (ocasiões tão raras quanto uma
aparição do cometa Halley), mas muitas outras vezes não. Os clientes só podem sair sem pescoço…
Eu esperava ter autonomia, como consultor, para não avalizar certos empréstimos. Mas o banco
não deixa. Se eu desobedecesse, receberia puxões de orelha que, acumulados, me levariam a ser
demitido por justa causa. Justa mesmo?
Percebi então que não seria consultor e sim vendedor, um vendedor parasita. Nada contra ser
vendedor, porque eu já fui, ainda sou e gosto de algumas funções da área. O problema é precisar
sempre convencer o cliente a comprar um produto que muitas vezes ele não precisa e que ainda
pode acabar com o pescoço dele. Eu não consigo trabalhar assim. Além disso, relembrando um
princípio esmiuçado no épico livro “Marketing Radical”, é muito difícil vender um produto no qual
não se acredita totalmente.
Passei três dias na sociedade secreta e então me desliguei. Espero que não me matem por
revelar seus segredinhos. Valeu a experiência. Pelo menos descobri mais uma religião que não me
serve (ou para a qual eu não sirvo).
Mas continuei procurando oportunidades e logo encontrei uma. Na quarta, 9 de outubro, fiz
outra entrevista. Ontem fui aprovado, hoje estou indo para Porto Alegre encaminhar a parte
burocrática na sede da empresa. Trabalharei relativamente perto de casa, de segunda a sexta, das
12h às 18h, em uma startup (chique!) localizada no parque tecnológico de uma universidade local.
O melhor é que eu continuarei tendo tempo para me dedicar aos eternos projetos paralelos.
A maior desvantagem será não ter de fazer longas viagens diárias de trem, que com certeza
seriam aproveitadas para escrever bobagens como estas. E agora? Será que precisarei encontrar
outro escritório?
Ataque de pânico ao vivo e a cores
6 de novembro de 2013
11:22h. Estação de trem. Ouço a versão acústica de “Aquela História”, da banda Strike, para
lembrar de minha ex/atual/futura namorada. Estou sentado em uma ponta do banco, esperando o
trem. E na outra ponta está uma loira com o perfume da minha ex/atual/futura namorada...
Meu coração acelera e eu pulo do banco. Começo a descer as escadas, me dirigindo para fora da
estação. Coração a 350km/h. Paro no meio do caminho e, se a Rita Lee estivesse comigo, ela
poderia cantar de novo aquela música onde “a gente se olha e não sabe se vai ou se fica...”
Me sinto como o Saci Pererê. Não, na verdade o Saci tem uma perna, enquanto eu sinto não ter
perna alguma. Minha boca começa a adormecer, como se eu tivesse beijado gelo por meia hora.
Mas não beijo nada há algum tempo, nem mesmo gelo...
Ouço o trem chegando. Ainda não sei se vou ou se fico. Tropeçando, subo as escadas e quase
me jogo dentro do trem. As portas se fecham. Agora não tem volta. O trajeto deve durar apenas
alguns minutos, que do ponto de vista atual parecem eternos.
Sim, senhoras e senhores, agora mesmo estou entrando em mais uma crise de pânico. Rezo para
que seja pânico, porque desta vez senti sintomas um pouco diferentes, inclusive minhas pernas
adormeceram, fato que eu acho ser inédito. Inédito também é descrever um ataque de pânico em
tempo real. Eu sempre falei deles no passado ou no futuro. Agora é presente, presente de grego.
Desço do trem. Ligo para minha mãe. Ela diz que é frescura, como sempre. Ok, eu já esperava.
Começo a me sentir um pouco melhor. O problema não deve ser 100% relacionado com a
ansiedade. Há vários dias me sinto mal. Sou obrigado a almoçar todos os dias às 10h, um horário
totalmente incompatível comigo, para estar com a barriga um pouco mais vazia às 11h, quando saio
pedalando para o trabalho, a fim de economizar o VT (Vale-Transporte) e acrescentar um extra ao
meu salário menor que mínimo. Deixo a bicicleta na estação e vou a pé em vez de entrar no trem,
para continuar economizando o VT.
Hoje me obriguei a entrar no trem. Estava sem pernas para caminhar. Além de comer fora do
horário, ultimamente venho tomando café demais, até mesmo gelado. A cafeína aumenta minha
voltagem. Parodiando o falecido Sabotage, ‘parar, com a cafeína vou parar...’ Mas também vou
negociar meu horário hoje mesmo e propor novamente ao chefinho que me deixe começar a
trabalhar às 13h em vez de às 12h. Assim poderei almoçar às 11h, um horário mais conveniente.
Afinal, o trabalho diário que faço das 12h às 13h envolve prospectar clientes pela internet e
armazenar seus dados em uma planilha, para ligar a partir das 13h em busca de dinheiro. Esta
prospecção eu posso fazer em casa e até com mais produtividade.
11:57h. Estou chegando. Capengando, mas estou chegando. Não voltei, não desisti. Venci essa
batalha.
Um texto para ler e escrever em dias de chuva
11 de novembro de 2013
11:34h. Chove torrencialmente por aqui. A cidade até parece fantasma. Não, parece uma cidade
do futuro. Apenas máquinas nas ruas e três ou quatro sobreviventes humanos zanzando. E por acaso
esta não seria uma cidade-fantasma?
Parece que as pessoas têm medo de chuva. Eu não. Fiz o mesmo trajeto de sempre. Ou quase.
Usei ônibus para a primeira metade do caminho, não bicicleta. Não podia chegar todo molhado no
trabalho. Embora quisesse. Sendo ainda mais sincero, não queria vir trabalhar hoje. Dessa vez
queria ficar imitando a ficção, sair por aí fazendo “loucuras”. Por exemplo, chamar a namorada (que
eu nem sei se é ex/atual/futura) para passear e então terminar em algum lugarzinho escondido. Nem
direi o que faríamos lá. Ok, direi. Ficaríamos apenas observando as maravilhas criadas pelo Senhor,
é óbvio. O que mais um casalzinho inocente poderia aprontar?
Fiz a segunda metade do trajeto a pé. Foi meio estranho, afinal eu era um dos poucos humanos
sobreviventes, por isso estava praticamente sozinho. Além disso, vários pontos da rua foram
alagados, então precisei mudar um tanto o meu caminho e quase dançar entre as poças.
Chegando na etapa final do trajeto, peguei o ônibus que leva até o campus da universidade.
Desci há pouco e resolvi ficar escrevendo na parada/ponto de ônibus. Ainda tenho uns quinze
minutos até começar a trabalhar.Queria ter quinze séculos. Mas tudo bem, já me molhei o
suficiente por hoje.
Let the rain fall down
And wake my dreams
Let it wash away
My sanity
'Cause I wanna feel the thunder
I wanna scream
Let the rain fall down
I'm coming clean
– Hilary Duff
O colchão é o mesmo, mas a cama é diferente
19 de novembro de 2013
Segunda, 18 de novembro de 2013. 08:12h. Muita coisa saiu diferente do imaginado. Eu
pretendia escrever isso ontem à noite, deitado no meu velho colchão, por exemplo, mas escrevo
hoje pela manhã sentado num banco de praça. Não, não tomei um porre e acordei aqui.
Simplesmente mudei de casa, ou melhor, de quarto.
Foi simples. Não fácil. Isso também saiu diferente do imaginado. Passei esses últimos dias
tranquilamente, achando que não sentiria nenhuma pontinha da faca do medo, mas senti a faca toda.
De ontem para cá estou vivendo um momento AMD atrás do outro. Primeiro ao organizar minhas
coisas para a mudança (descobri que tenho meias e cuecas demais). Depois ao colocar as malas e o
colchão no carro do amigo que me levou até o novo quarto. Então ao tomar o primeiro banho em
um banheiro que é usado por todos os inquilinos. Depois ao começar a arrumar minhas coisas no
novo quarto. Então ao esquentar minha marmita no micro-ondas coletivo e jantar sozinho.
Meu pai me ligou. Minha mãe me ligou. Meu irmão me ligou. Recebi algumas mensagens no
celular (não tenho mais conta no Facebook e, mesmo que tivesse, não há internet aqui). Os
mochileiros solitários dessa galáxia precisam ser muito corajosos, caramba! Se estou a poucos
quilômetros de casa e a azia já dissolve meu estômago, como os nômades conseguem sobreviver?
O início da noite foi terrível. Parecia que minha cabeça estava dentro de uma prensa. Depois de
me debater igual a um peixe fora d'água, consegui pegar no sono. Acordei pela 01:15h, com vontade
de ir ao banheiro. Para isso, teria que sair do quarto e trancá-lo. Nunca se sabe. Em casa era mais
confortável... Fui. Voltei a dormir. Acordei. Fui ao banheiro. Voltei a dormir. Acordei. Fui ao
banheiro. Então acordei, definitivamente.
Para quem ainda precisa manter a síndrome do pânico sob controle, até que não me saí
tãaaaaaaaaaao mal. De manhã comi um dos dois pedaços de pizza que trouxe de casa. E bebi água.
Então vim para uma praça, porque não quis ficar sozinho no quarto. Agora estou voltando para lá.
Pretendo me aprontar para ir trabalhar, cozinhar um delicioso e saudável macarrão instantâneo e, no
caminho para o trabalho, passar em algum restaurante e propor a troca de refeições por serviços de
marketing digital. Enquanto não fechar negócio, terei que comer macarrão instantâneo.
PUM!
Calma! Eu falo de pum no sentido de interromper bruscamente o texto acima, e não no sentido
gasoso. Agora são 22:11h de terça, 19 de novembro. Você já deve ter reparado que eu tenho a mania
de anotar data e hora dos meus textos. “É que eu gosto das coisas muito bem explicadinhas, nos
seus míííííííííínimos detalhes!”
Prossigo. O velho colchão voltou para a velha cama, o que significa que voltei para casa. Senti
a água bater nas nádegas. Ok, na bunda. Minha mãe diz que quando a água bate na bunda a gente
aprende a nadar. Eu acho que a gente aprende a nadar, morre afogado ou sai da água. Depende. Não
gostei de aprender a nadar, muito menos gostei da possibilidade de morrer afogado. Então saí da
água.
Essas pessoas que vivem em albergues ou hostels precisam mesmo ser corajosas (ou loucas).
Não é fácil compartilhar cozinha e banheiro com estranhos. Além de banheiro e cozinha,
aventureiros normalmente compartilham também o próprio quarto. Terrível! Como arranjam
coragem para roncar, arrotar e peidar?
Tô fora! Embora eu pelo menos tivesse meu próprio quarto, não gostei. E a saudade de casa
bateu. Voltei correndo. Não aguentei morar nas já mencionadas condições sem ser realmente
obrigado a isso. Daqui para a frente, ou continuo morando com minha família Buscapé, ou moro
totalmente sozinho em um lugar meu, ou moro com pessoas que conheço bem (casando, por
exemplo, embora ache que não exista no mundo uma mulher tão maluca a ponto de querer casar
comigo).
Quando terminei de escrever a parte inicial deste texto, antes do pum, voltei para o quarto
alugado e pensei na vida. Liguei para minha mãe, que estava viajando, e falei da minha volta. Ela
pareceu ter ficado feliz. Peguei a bicicleta e fui para casa avisar meu pai e meu irmão. Debocharam,
dizendo que não aguentei nem vinte e quatro horas, mas pareceram gostar. À noite, fui com outro
amigo buscar minhas coisas.
Velha casa nova, velha vida nova. Agora eu não preciso mais comer macarrão instantâneo. E
para todos os amigos ainda posso me gabar que já morei fora de casa.
O coração é o melhor compositor
19 de novembro de 2013
22:37h. No momento em que decidi voltar para casa, passei a encarar tudo com mais ânimo.
Fiquei feliz da vida por voltar e perceber que dificilmente existe um lugar tão bom quanto “a
mesma e única casa, a casa onde eu sempre morei”.
Depois de meses, coloquei créditos no celular e enviei mensagem para muita gente, inclusive
minha ex/atual/futura namorada (deixar de vê-la foi uma forte razão para mudar, já que morando em
outro bairro eu frequentaria uma igreja diferente). Ela não respondeu. Também pudera. Passei quase
um mês sem responder as ocasionais manifestações dela. Agora é hora de receber o troco. Preferi
receber em dinheiro…
Mas não me arrependi ou senti vergonha, seja por contar para os “abigos” sobre minha
mudança de um dia, seja por correr atrás da ex/atual/futura namorada. Minha aventura foi um
sucesso! Aprendi lições valiosas. E correr atrás do que se gosta nunca é problema. Mesmo que
tivesse feito tudo errado, não teria vergonha de admitir. No passado eu tinha. Mas ainda escreverei
sobre esta mudança de ponto de vista.
O que importa agora é que hoje o dia também nasceu feliz. Me deu vontade de reconquistar
minha ex/atual/futura namorada compondo uma música. E compus. Há anos quero compor, mas
nunca conseguia terminar (nem começar) alguma, então acabava desistindo. Hoje não. Peguei uma
carta que o broto me escreveu, selecionei palavras marcantes e resolvi incluí-las na letra. Em menos
de uma hora a música ficou pronta, com letra e melodia. Claro, não ficou algo que se diga “nossa,
que música boa”, mas eu fiz, eu consegui. “É o amor, que mexe com minha cabeça e me deixa
assim...”
Então tive outra ideia estranha: tocar para ela (violão, neste caso), hoje mesmo, de surpresa.
Levei o violão para o trabalho. O tempo voou. Saí de lá e fui até a entrada da universidade. Os
quarenta minutos em que fiquei esperando pareceram mais longos do que a jornada de trabalho.
Mas o tempo enfim se gastou para nunca mais e o ônibus dela chegou. Sem ela…
“Toda la producción para absolutamente nada!”
Fiquei extremamente desapontado... Mas consegui compor, meu coração conseguiu, e é o que
conta, embora o broto anda não saiba disso. Por isso eu gosto das músicas da Taylor Swift. Além de
loira, ela canta com o coração. E o coração sempre é o melhor compositor.
Haven't Met You Yet
21 de novembro de 2013
Certa vez li um texto sobre como encarar o final de um relacionamento. Lembro que falava
sobre nenhum relacionamento dar errado, mas sim dar certo por um determinado período. Por
exemplo, em vez de pensar “deu errado, acabou depois de um ano”, é melhor pensar “deu certo por
um ano”. Acho que é um bom jeito de encarar. Assim, meu último relacionamento deu certo por
quase 11 meses. Acabou oficialmente ontem, às 23:59h. Não é papo de renovação, querer começar
solteiro desde o primeiro minuto de hoje. Realmente conversamos (brigamos) até 23:59h de ontem.
Na verdade, conversamos até 23:56h, hora em que ela desligou o celular (ou me bloqueou). Enviei a
última mensagem exatamente às 23:59h, desejando felicidades e agradecendo pelas verdades que
ela me falou.
É, chegamos

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