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SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO AULA 1 Prof. Elói Corrêa 2 CONVERSA INICIAL A religião é um fenômeno social e cultural, contudo, sua forma e suas características são diferentes dependendo do contexto em que surgem e que se desenvolvem. A sociologia é uma ciência aplicada que procura entender os fenômenos sociais e, com isso, tem na religião e na religiosidade um objeto de estudo valioso para analisar e compreender as relações entre os indivíduos e as instituições sociais. Compreendendo a pluralidade em que o fenômeno religioso se manifesta nas diferentes culturas, é necessário, a princípio, definir e conceituar o que se entende por religião e como isso se desdobra nas diferentes religiosidades, para posteriormente poder tratar o fenômeno religioso em sua materialidade empírica, o que torna possível um estudo sistemático das religiões de forma objetiva sem adentrar nos meandros subjetivos da fé e da crença religiosa. A sociologia da religião é uma área da sociologia que se ocupa do fenômeno religioso como um objeto de estudo, ou seja, como um fato social. Desde a sua origem, a Sociologia demonstrava sua tendência e seus interesses na religião, visto que é impossível separar a religião da cultura e da vida em sociedade. A sociologia se interessa pelas diferentes formas de religiosidade nos indivíduos e nos grupos sociais, assim como pelo estudo das estruturas hierárquicas das culturas religiosas, do papel de homens e mulheres nas instituições e do modo como os indivíduos se relacionam como essa instância de poder chamada religião. Portanto, nesta aula, vamos abordar o conceito de religião a partir de sua etimologia e de religiosidade como produto das diferentes culturas. Também procuraremos entender como a sociologia aborda a religião enquanto um fenômeno social. Além disso, trataremos da obra de Émile Durkheim, que é um clássico da área, que desenvolve teorias sobre o conceito de totemismo, fetichismo e maná para explicar a religiosidade de povos nativos e originários. TEMA 1 – RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE O conceito de religião provém de religio, vocábulo relacionado com religatio, que é a substantivação de religare (religar, vincular, atar). A condição de ser religioso é estar religado a Deus e, portanto, subordinar-se à divindade. 3 O conceito de religião se diferencia da ideia de religião como religare. Já para o pensador alemão Ernest Cassirer, a religião é entendida como forma simbólica, pois, para ele a religião engloba seu universo simbólico por meio das funções de expressividade e representação. Sua origem está, junto do mito, ligada à consciência da finitude humana. Para Cassirer “desde o início, o mito é religião em potencial” (Cassirer, 2005b, p. 146). Dessa forma, a base da qual se constitui a religião é o mito. Ou como queria Geertz: a religião é um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas. (Geertz, 1989, p. 104-105) Religião possui fronteiras ligadas ao dogma, à doutrina, aos rituais e aos preceitos em geral, mas a religiosidade supera essas condicionantes. Os sujeitos podem ter uma religiosidade formada com elementos de diferentes religiões e ainda possuir uma religiosidade, sem se filiar a uma determinada religião. Além disso, da mesma forma que elementos de diferentes religiões podem formar a religiosidade de um sujeito, as religiosidades de um povo ou um país podem formar uma nova religião, como é o caso da Umbanda no Brasil, que possui origens indígenas, cristãs e afro-brasileiras. TEMA 2 – FENÔMENO RELIGIOSO I A palavra fenômeno, do termo grego Phaenomenon, significa aquilo que é visto, que surge aos olhos, ou ainda a coisa tal como ela se apresenta ao sujeito. Na filosofia de Immanuel Kant, fenômeno é aquilo que é objeto da experiência sensível. O não fenomênico ou não perceptível é o que Kant chamou númenon. Ou seja, sendo o conhecimento a relação que se estabelece entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido, o fenômeno é a forma como o objeto se apresenta para o sujeito, a coisa em si. Considerando a religião como uma característica inerente ao ser humano, os aspectos metafísicos relacionados com a fé podem ser chamados de númenon, porque não são mensuráveis ou passíveis de uma investigação 4 científica mais profunda. Em outras palavras, a fé não se explica, apenas se vive, porque é subjetiva. Já toda parte material, aquilo que aparece enquanto substância física da religião como templos, rituais, festas, livros sagrados, organizações religiosas, símbolos e manifestações culturais, caracterizamos como “Fenômeno Religioso”. A fenomenologia das religiões evidenciou a relação intrínseca entre cultura e religião, a ponto da ignorância sobre tal relação poder tornar o pesquisador inapto para compreender o fenômeno religioso. “[...] Atualmente, considera-se fundamental a concepção de que o fenômeno religioso se manifesta em uma cultura. É a cultura que marca profundamente a maneira de ser e viver do ser humano” (Oliveira, 2007, p. 66-67). O fenômeno religioso possui íntima relação como o mito. Para Eliade (1992), o mito narra como, graças às façanhas dos entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir: o Cosmo ou apenas um fragmento dele, uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma criação, ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito tenta explicar o mundo, tenta explicar os fenômenos, a origem de todas as coisas, os mistérios e a manifestação do sobrenatural na vida humana. O mito possui uma relação com o rito. O rito é uma maneira de colocar em ação o mito na vida do homem por meio de cerimônias, casamentos, batizados, danças, orações, sacrifícios e outros. São atividades organizadas e se repetem através de palavras, gestos e comportamentos que permitem um significado ao ritual. TEMA 3 – FENÔMENO RELIGIOSO II A fenomenologia das religiões evidencia a relação intrínseca entre cultura e religião, a ponto de a ignorância sobre tal relação poder tornar o pesquisador inapto para compreender o fenômeno religioso. Atualmente, considera-se fundamental a concepção de que o fenômeno religioso se manifesta em uma cultura. É a cultura que marca profundamente a maneira de ser e viver do ser humano. Segundo Cassirer, o homem é um animal simbólico e, por isso, atribui valor aos objetos e às coisas, de forma que o mundo está cheio de sentido. Na mesma vertente, Mircea Eliade afirma que para o homem religioso, a Natureza 5 nunca é exclusivamente natural está sempre carregada de um valor religioso. Isto é facilmente compreensível, pois o Cosmos é uma criação divina: saindo das mãos dos deuses, o mundo fica impregnado de sacralidade (Eliade, 1992, p. 59). “[...] para o homem religioso, o mundo apresenta sempre uma valência supranatural, quer dizer, revela uma modalidade do sagrado. Os fragmentos cósmicos são parte do todo e mostra uma estrutura particular do Ser e, por consequência, do sagrado” (Eliade, 1992, p. 69). Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sobre naturalidade de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado no Mundo (Eliade, 1992, p. 11). O ritual é um comportamento simbólico repetitivo, padronizado e redundante que canaliza emoções e organizam grupos sociais. É uma performance com sequências de atos formais personificada pelos diversos atores. E todo esse universo religioso é uma manifestação cultural a que chamamos de fenômeno religioso,o qual a Sociologia da Religião se dispõe a estudar. TEMA 4 – A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO Para a Sociologia da Religião, o fenômeno religioso se expressa por meio do fato social. Fato social é toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior ou, ainda, que é geral em uma determinada sociedade, apresentando uma existência própria, independentemente das manifestações individuais. São fatos sociais: o direito, os dogmas religiosos, os sistemas financeiros, a educação, entre outros. Assim, o fenômeno religioso é passível de estudo por se materializar concretamente independentemente das subjetividades particulares que estão ligadas à religião. Os principais pesquisadores da Sociologia da Religião são as obras clássicas de autores como Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Mas, entre esses clássicos, destaca-se o sociólogo Durkheim e seu livro As formas elementares da vida religiosa, no qual ele considera o fenômeno religioso como algo essencial da vida em sociedade. Em seu livro, ele buscou estudar a religião mais primitiva e simples atualmente conhecida, fazer a análise dela. E com isso Durkheim chega à pesquisa sobre o Totemismo de povos primitivos na Austrália e conclui a religião é algo essencialmente social, e que as manifestações religiosas são 6 representações coletivas, em seus ritos, símbolos e códigos éticos, sendo assim um produto do meio social. TEMA 5 – SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO II Em qualquer sociedade, a religião define um modo de ser no mundo em que transparece a busca de um sentido para a existência. Nos momentos em que a vida mais parece ameaçada, o apelo religioso torna-se mais forte. O simbólico manifesta-se no fenômeno religioso em toda sua materialidade, dando sentido à experiência humana. O ser humano é um ser fundamentalmente simbólico – construímos símbolos o tempo todo. A linguagem é, por excelência, a forma dessa dimensão simbolizadora dos humanos. No símbolo, sempre existem duas coisas separadas, mas que se complementam. Uma é o signo, e a outra é o significado. Há, assim, sempre uma duplicidade de sentido, ou melhor, uma multiplicidade de sentidos. As coisas concretas de nosso mundo fenomênico são transformadas ou constituídas em símbolos, mas o segundo sentido sempre é uma ressignificação em relação ao objeto natural. NA PRÁTICA Sugerimos a leitura do artigo: Durkheim e as formas elementares da vida religiosa, de Raquel Weiss, que problematizam a obra clássica da Sociologia da Religião e dá nome ao artigo, procurando identificar as características do fenômeno religioso no âmbito da Sociologia de Durkheim. (<https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/103432/000873819.pdf?se quence=1>, acesso em: 2 out. 2019.) FINALIZANDO A Sociologia da Religião é uma corrente sociológica que se ocupa da religião enquanto um objeto de estudo, ou seja, como um fato social que está presente em todas as sociedades. Esse fato social se manifesta materialmente como um fenômeno religioso. Existe uma materialidade simbólica das religiões que é passível de estudo e de análise científica do ponto de vista antropológico e sociológico. A Sociologia 7 da Religião investiga as relações entre o indivíduo e as instituições religiosas e a influência dessa relação na cultura de cada povo. 8 REFERÊNCIAS BERGER, P. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. Tradução de José Carlos Barcelos. São Paulo: Paulinas, 1985. CASSIRER, E. Filosofia das formas simbólicas I: a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. _____. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 2005b. CAZANEUVE, J. Sociologia do rito. São Paulo: Rés, 1985. CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à fenomenologia da religião. São Paulo: Paulinas, 2001. ELIADE, M. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992. GEERTZ, C. Ethos, visão de mundo, e a análise de símbolos sagrados. In: GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. LEMOS, C. T. Religião e sociedade: a eterna busca de sentido: o sagrado e as construções de mundo. Goiânia: PUC Goiás; Brasília: Universa, 2004. OLIVEIRA, L. B. de et al. Ensino religioso no ensino fundamental. São Paulo: Cortez, 2007.