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1 Vanessa Telles- Internato em Clínica Médica Doenças desmielinizantes Definição: As doenças desmielinizantes se relacionam com alterações patológicas da mielina do SNC. A bainha de mielina é uma membrana lipídica do SNC que envolve os axônios e ajuda a compor a unidade fundamental de propagação dos impulsos nervosos. As principais doenças desmielinizantes são Esclerose Múltipla (EM), Encefalomielite Disseminada Aguda (ADEM) e Neuromielite Óptica (NMO). As demais são mais raras, como Mielite Transversa, Neurite Óptica e Doença Desmielinizante anti-MOG. 1. Esclerose Múltipla: DEFINIÇÃO: A EM é uma doença inflamatória desmielinizante, crônica, autoimune, de caráter evolutivo e que afeta a substância branca do SNC. EPIDEMIOLOGIA: É a principal doença desmielinizante crônica e causa importante de incapacidade não traumática em jovens, gerando prejuízos sociais, emocionais e econômicos. É mais frequente no sexo feminino (2:1), na faixa etária de 20-40 anos e em caucasianos. Os casos iniciados na infância ou adolescência correspondem a 2-5%. Existem ainda os fatores de risco genéticos e ambientais: FISIOPATOLOGIA: Sabe-se que é uma doença de base imunológica gerada a partir de interações genéticas e ambientais. Ocorre interação imune e neurológica. Alguns mecanismos fisiopatológicos são propostos a partir dos padrões anatPerda domopatológicos dos pacientes. • Perda da tolerância imune central (do SNC) e periférica (fora do SNC): a parte central envolve órgãos linfoides primários como timo (linfócitosT) e medula óssea (linfócitos B) enquanto a parte periférica envolve eliminação/ inativação de células autorreativas fora desses órgãos. No timo e medula também há formação de células regulatórias, as células Tregs, que inativam células reativas a antígenos próprios na periferia. Na EM, acredita-se que haja redução da efetividade das células Tregs (mecanismo de tolerância periférico), bem como no número de células Treg (mecanismo de tolerância central). Na EM também ocorreria um predomínio da liberação de citocinas pró-inflamatórias em relação às anti-inflamatórias pelos linfócitos B. • Autoimunidade iniciada na periferia (fora do SNC): envolve fatores ambientais como infecções que atuam na periferia gerando resposta pró- inflamatória por mimetismo molecular a antígenos centrais ou a liberação sistêmica de substâncias capazes de cruzar a barreira hematoencefálica e causarem ativação dos macrófagos e da micróglia (células do SNC). Também pode haver: infecções iniciadas no SNC, gerando liberação de antígenos neuronais na periferia; migração de antígenos 2 Vanessa Telles- Internato em Clínica Médica neuronais para os sacos durais e destes para os linfonodos cervicais via vasos linfáticos mesmo em situações não patológicas, gerando gerar ativação periférica de linfócitos T e dos linfócitos B. • Autoimunidade iniciada no SNC: acredita-se que a micróglia e os astrócitos do SNC produzam citocinas, quimiocinas e espécies reativas de oxigênio, que são secretados cronicamente ao longo da doença e geram a neurodegeneração. • Envolvimento celular de Linfócitos TCD8+, B e formas progressivas: observa-se a formação de folículos linfoides secundários compostos de linfócitos T, B e células dendríticas foliculares nas formas secundariamente progressivas, enquanto nas formas primariamente progressivas foi descrito um infiltrado meníngeo difuso. A inflamação crônica leva à liberação de espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio que causam disfunção mitocondrial e falência energética, gerando evolução progressiva da doença. RESUMIDAMENTE: ativação de células T helper autorreativas desencadeia uma cascata imunológica que culmina com a ativação de linfócitos B, T CD8+ e macrófagos levando a invasão do SNC, ativação da micróglia e subsequente produção de anticorpos, citocinas e outros mediadores inflamatórios que provocam a destruição da mielina e a formação de placas, marca registrada da doença. As placas são heterogêneas e de em três tipos: agudas, crônicas ativas e crônicas silenciosas. MANIFESTAÇÕES: há grande variedade de sinais e sintomas, que são imprevisíveis. Os principais sintomas são: • Iniciais: fraqueza muscular em um ou mais membros; espasticidade e sinais de liberação piramidal (hiper-reflexia, sinal de Babinski e clônus); ataxia de marcha, disartria e comprometimento da coordenação motora (dismetria); parestesias ou hipoestesia, frequentemente com um nível medular claro; incontinência ou retenção urinária e fecal e disfunção sexual; fadiga; • Distúrbios visuais: diminuição aguda da acuidade visual, precedida ou não de dor, caracterizando-se neurite óptica. • Comprometimento do tronco cerebral: oftalmoparesia internuclear e neuralgia do trigêmeo; • Distúrbios psiquiátricos (menos ccomuns): surtos psicóticos, depressão e comprometimento cognitivo. A EM possui diferentes formas clínicas: • Síndrome Clínica Isolada (CIS): se refere ao primeiro episódio clínico sugestivo de um quadro inflamatório desmielinizante que pode ser a primeira manifestação clínica de EM mas ainda não preenchendo os critérios para disseminação no tempo. A sintomatologia inicial pode ser qualquer uma das observadas na EM, mas os pacientes apresentam neurite óptica, lesões do tronco cerebral ou na medula espinhal, devendo-se considerar outras doenças desmielinizantes. A CIS é classificada em CIS ativa (que passa a ser definida como EM-RR de acordo com atualização de 2013) e CIS não ativa. • Síndrome Radiológica Isolada (RIS): quando há lesões sugestivas de doença desmielinizante na RM encontradas ao realizar o exame por outro motivo, mas não apresenta sintoma ou sinal clínico sugestivo de doença desmielinizante. Pelos novos critérios propostos, a RIS não é considerada um subtipo EM per se, uma vez que o critério isolado de imagem é insuficiente para preencher critérios definidores de doença. Esses pacientes são acompanhados com RM seriadas e sem tratamento. 3 Vanessa Telles- Internato em Clínica Médica • EM recorrente-remitente (EM-RR): abrange 80% dos pacientes! Caracteriza-se por apresentar episódios agudos de comprometimento neurológico (chamados de surtos), com duração maior que 24 horas e intervalo de, no mínimo, 30 dias entre cada nova manifestação, com relativa estabilidade clínica. É dividida em: EM-RR ativa (quando preenche os critérios clínicos ou de imagem ativa - recidivas clínicas e/ou atividade na ressonância magnética (RM) com lesões com realce gadolíneo, lesões novas em T2 ou inequivocamente aumentadas avaliadas pelo menos anualmente) e EM-RR não ativa. • Formas progressivas: apresentam piora contínua, gradual e aditiva de sinais neurológicos. ▪ EM secundariamente progressiva (EM-SP): quando, após 10-15 anos de doença, pacientes com EM-RR evoluem para EM-SP caracterizada por piora lenta e progressiva da incapacidade neurológica sem a presença de um número grande de surtos. Há também atrofia cerebral vista na RM, sem necessariamente ter um aumento significativo de lesões desmielinizantes. ▪ EM primariamente progressiva (EM-PP): caracterizada por progressão da EM sem a presença evidente de surtos. A presença de bandas oligoclonais somente no LCR e no índice de IgG são importantes para dar suporte ao diagnóstico de EM-PP. As lesões da EM podem ainda ser classificadas em ativas ou não de acordo com a RM, onde as lesões ativas apresentarão realce ao contraste de gadolínio ou estarão alargadas em ponderação T2. DIAGNÓSTICO: • Critérios Diagnósticos de McDonald- 2017: 4 Vanessa Telles- Internato em Clínica Médica • Imagem: observar à RM achados como ▪ Disseminação espacial: presença de lesões ou placas sugestivas em regiões peri- ventriculares, justacorticais,medulares e infratentoriais; na medula espinhal, lesão de distribuição craniocaudal sem ultrapassar mais de dois corpos vertebrais, tendo forma ovoide e sinal hiperintenso nas sequências em T2 e FLAIR e hipointenso em T1. ▪ Disseminação temporal: presença de lesões com realce pelo gadolínio ou novas lesões em T2, em comparação com exames anteriores. • LCR: não é avaliado em todos os casos. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS: • Transtornos autoimunes: Neuromielite óptica, ADEM, Sd Sjogren, LES, Doença de Behcet, Neurossarcoidose. • Doenças infecciosas: HIV, mielopatia pelo HTLV, Neurossífilis, Doença de Whipple. • Transtornos vasculares: vasculite do SNC, hemangioma cavernoso, Fístula arteriovenosa da Dura-Máter espinhal. • Transtornos metabólicos: deficiência de B12, defeitos do metabolismo do cobre, mielinólise central pontinha ou extrapontina. TRATAMENTO: visa melhora sintomática e prevenção dos efeitos deletérios gerados pela inflamação crônica do SNC. • TTO dos surtos: ▪ Para surtos com repercussão funcional: pulsoterapia IV de Metilprednisolona 3-5g; ▪ Para surtos refratários: plasmaférese ou imunoglobulina IV. ATENÇÃO: Os surtos da EM devem ser distinguidos episódios transitórios de piora neurológica resultantes de infecção, fadiga, sensibilidade ao calor ou febre (pseudossurtos). • TTO preventivo: indicado para EM-RR e EM-PP; recomenda-se drogas modificadoras de doença (imunomoduladores) IV como betainterferonas e glatiramer OU medicamentos orais: ▪ Betainterferonas: efeitos adversos de febre, mialgia, mal estar, dor e eritema no local de aplicação. Acompanhamento periódico de HMG, função hepática e tireoidiana. ▪ Glatiramer: efeitos adversos de reação local, taquicardia e sensação de morte iminente rara. ▪ Medicamentos orais: indicados também como primeira linha ou se falha das DMDs. Podem ser usados Teriflunomida, Fumarato de Dimetila e Fingolimode. 5 Vanessa Telles- Internato em Clínica Médica PROGNÓSTICO: Pacientes com EM têm uma expectativa de vida, em média, de 7 a 14 anos menor e maior morbimortalidade que a população geral. Infecções, doença cardiovascular e suicídio são as causas mais comuns de morte. 2. Encefalomielite Disseminada Aguda: DEFINIÇÃO: A ADEM é doença inflamatória autoimune do SNC, caracterizada por lesões desmielinizantes multifocais que envolvem principalmente a substância branca do encéfalo e da medula espinal, com maior incidência na população pediátrica. EPIDEMIOLOGIA: pode ocorrer em qualquer idade, mas predomina na infância, com média de idade de início dos sintomas entre 3,6 e 7 anos e incidência anual estimada varia de 0,07 a 0,4 /100.000 crianças. Há uma controversa maior associação com sexo masculino. Também há associação com climas frios e vacinação (< 5% dos casos e restritas às vacinas contra influenza, sarampo, varicela e rubéola). De 55 a 86% dos casos pediátricos reportados foram precedidos de sintomas sistêmicos de infecção viral. FISIOPATOLOGIA: Sua imunopatologia não é completamente conhecida. Há envolvimento de fatores ambientais, genéticos e imunológicos, tendo participação de células T ativada, células B e citoquinas pró-inflamatórias. O mecanismo de mimetismo molecular é aceito como envolvido no desencadeamento da cascata inflamatória da doença, quando autoantígenos tornam- se alvos por causa de similaridades com sequências virais, incluindo a proteína básica de mielina, a proteína proteolipídica e a glicoproteína oligodendrocitária da mielina (MOG). Anticorpos anti-MOG foram identificados em 33 a 66% dos casos de ADEM pediátrico. Podem ser observados alguns mecanismos: • Luvas de desmielinização perivenular associadas a infiltrado inflamatório de macrófagos contendo mielina fagocitada, linfócitos T e B e células plasmáticas e granulócitos; • Grandes áreas de desmielinização por lesões perivenulares que coalescem; • Leucoencefalopatia hemorrágica aguda de Hurst (AHL) com hemorragias, necrose vascular fibrinoide, exsudação perivascular, edema, infiltração granulocítica e desmielinização perivascular com astrócitos reativos; • Fator ambiental, como infecção ou vacinação, desencadeando resposta inflamatória anormal em indivíduos geneticamente suscetíveis. MANIFESTAÇÕES: é uma doença monofásica, mas 1 em cada 3 pacientes pode apresentar curso recorrente. O espectro pode oscilar de casos pouco sintomáticos até aqueles com coma e sinais de descerebração. O curso clínico é rapidamente progressivo, sendo marcado por: • Período de latência entre a exposição antigênica viral ou vacinal entre 2 dias e 4 semanas. • Sintomas prodrômicos iniciais e inespecíficos por 3 a 4 dias antes da instalação dos sintomas neurológicos: febre, cefaleia, náuseas e vômitos. • Fase aguda: alteração da consciência (variando de letargia e sonolência até o coma) e/ou do conteúdo de consciência (irritabilidade, confusão mental e alterações comportamentais), desde que não explicada por febre, distúrbios sistêmicos ou pós crises epilépticas. Sintomas e sinais neurológicos mais frequentes incluem sinais piramidais uni ou bilaterais, ataxia, paralisia de nervos cranianos, neurite óptica, crises epilépticas, sinais de envolvimento medular, alterações da fala e linguagem (disartria/afasia), déficits sensitivos e meningismo. São considerado alguns subtipos de ADEM: 6 Vanessa Telles- Internato em Clínica Médica DIAGNÓSTICO: critérios diagnósticos pediátricos + RM de crânio e/ou medula TRATAMENTO: • Metilprednisolona IV 30 mg/kg/d por 3-5d em pulsoterapia, sendo máximo de 1000 mg/d + Prednisona IV 1 mg/kg/d por 1-2s com redução gradual em 4-6s, sendo máximo de 60 mg/d • Refratários: Imunoglobulina humana IV 400 mg/kg/d por 5d ou plasmaférese. 3. Neuromielite Óptica: DEFINIÇÃO: NMO também chamada de Doença de Devic, é É doença inflamatória, desmielinizante e autoimune do SNC associada à anticorpos contra o canal de aquaporina do tipo 4 (AQP4), localizado nos pés astrocitários da barreira hematoencefálica. Existe o chamado “espectro da NMO”: EPIDEMIOLOGIA: Mais prevalente em mulheres e entre 30- 40 anos! FISIOPATOLOGIA: O anticorpo contra o AQP4 é reconhecido como patogênico, ativando o sistema de complemento e destruição tecidual. As lesões em atividade apresentam-se com edema na medula espinal, no nervo óptico e em demais áreas quando realizadas biópsias. As lesões crônicas são caracterizadas por desmielinização em segmentos medulares e do nervo óptico associada à necrose com cavitação e perda axonal em substâncias branca e cinzenta, além de pouca evidência de remielinização, processo mais destrutivo quando comparado à EM. MANIFESTAÇÕES: O primeiro evento costuma ser precedido por manifestação viral. Os primeiros sintomas podem ser Neurite ópitica, mielite extensa longitudinalmente, síndromes inflamatórias cerebrais. Complicações são comprometimento visual ou medular, morte por falência respiratória. DIAGNÓSTICO: • Imagem: na RM de medula, há extensão de três ou mais níveis vertebrais, localização central na medula, edema importante com tumefação e realce pós-contraste, tendo diagnóstico diferencial com tumores medulares. Na RM de órbita, acometimento 7 Vanessa Telles- Internato em Clínica Médica do nervo óptico pode ser bilateral, de extensão maior que 50% do comprimento e mais posterior, frequentemente envolvendo quiasma óptico. Alterações preferencialmente em transição bulbomedular, pedúnculos cerebelares, região periaquedutal, quiasma óptico, diencéfalo (tálamo e hipotálamo mediais) e corpo caloso, locais de maior expressão do canal AQP4 no encéfalo. • Laboratório: sorologias de HIV, HEP B e C, Sífilis • LCR: inflamação em proporção maior que o de pacientes com EM, sendo comum a presença de mais de 50 cél/mm3 duranteos surtos, além da presença de linfócitos, eosinófilos e neutrófilos. • Critérios Diagnósticos: TRATAMENTO: • TTO de recaídas: Metilprednisolona IV. A plasmaférese e a imunoglobulina humana hiperimune intravenosa quando existe recuperação incompleta após corticosteroide. • Prevenção de recaídas: Terapia imunossupressora. Após o tratamento da fase aguda, iniciar prednisona 1 mg/kg + imunossupressor oral (azatioprina ou micofenolato), com redução lenta da dose de prednisona após 4 a 6 meses, prazo estimado para o imunossupressor alcançar efeito pleno. Rituximabe, um anticorpo monoclonal anti-CD20, pode ser tratamento de primeira linha, caso disponível • TTO de sintomas: tanto medicamentos quanto medidas de reabilitação com uma equipe multidisciplinar, quando indicadas, são importantes para um melhor resultado.
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