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Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Escola de Ciência da Informação – ECI Disciplina: Memória e patrimônio cultural Professor: Fabrício J. N. da Silveira Estudo dirigido Textos básicos: 1. LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e memória. 5 ed. Campinas: UNICAMP, 2003, p.419-476. 2. BURKE, Peter. História como memória social. In: Variedades de história cultural. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p.67-89. Aluno(a): Yago Henrique Andrade Almeida Valor: 20 pontos 1. Quem foi Jacques Le Goff? Como caracterizar o movimento historiográfico conhecido por “École des Annales”? De acordo com um artigo da Carta Capital (2014), Le Goff foi um importante historiador, especialista em história da cultura e do imaginário medievais. Faleceu em 31 de março de 2014, aos 90 anos. Esteve ligado à corrente historiográfica da Nova História. Sua obra: “adquiriu feições próprias e lançou elementos peculiares de renovação historiográfica muito além dos propósitos iniciais daquela difusa constelação de historiadores.” (LE GOFF, 2014). Le Goff escreveu sobre: (...) uma visão global da Idade Média, orientada para a densidade concreta, rotineira e lenta da vida cotidiana. O que ocorre aí é que a cultura medieval marcou toda essa grande aventura da história ocidental, deixando traços, os quais, de tão rotineiros, tornaram-se irreconhecíveis nos tempos atuais. O purgatório, por exemplo, foi uma criação da cultura medieval, por volta dos anos 1170, quando Le Goff percebeu a mudança no vocabulário do adjetivo purgadores para o substantivo purgatório.(LE GOFF, 2014) Algumas de suas obras publicadas são: ● "Mercadores e Banqueiros na Idade Média", 1956 ● "Os Intelectuais na Idade Média", 1957 ● "A Civilização do Ocidente Medieval", 1964 ● "Para um Novo Conceito da Idade Média", 1977 ● "O Nascimento do Purgatório", 1981 ● "O Imaginário Medieval", 1985 ● "História e Memória", 1988 ● "A Bolsa e a Vida", 1986 ● "História Religiosa da França", em colaboração de direcção com René Rémond (4 volumes), 1988-1992 ● "O Homem Medieval" (dir.), 1994 ● "A Europa Contada aos Jovens", 1996 ● "São Luís, Biografia", 1996 ● "Por Amor das Cidades", 1997 ● "Por Amor às Cidades", 1999 ● "Dicionário Temático do Ocidente Medieval", em colaboração de direcção com Jean-Claude Schmitt, 2001 ● "São Francisco de Assis",2001 ● "O Deus da Idade Média", 2003 ● "Em Busca da Idade Média", 2003 ● "O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval" ● "Heróis e Maravilhas da Idade Média, 2009 ● "A Idade Média e o Dinheiro", 2010 ● "Em Busca do Tempo Sagrado", 2011 ● "Homens e Mulheres da Idade Média", 2014 ● "A História deve ser dividida em pedaços?", 2015 (JACQUES LE GOFF, 2020) Buscando caracterizar o movimento historiográfico entendido como “École des Annales”, Rosevics (2013) no âmbito das discussões sobre Relações Internacionais abordou à “École des Annales” da seguinte maneira: A possibilidade de uma apropriação indevida da História pelas Relações Internacionais reaviva uma das primeiras discussões empreendida pelos teóricos da escola historiográfica denominada École des Annales, que questionavam os métodos utilizados pela historiografia tradicional, produzida pelos movimentos Positivista, Historicista e da Escola Metódica Francesa, do final do século XIX e início do século XX. (ROSEVICS, 2013:9) De acordo com a autora “os teóricos da École des Annales criticavam a maneira factual e historicista da escola tradicional, defensora dos grandes feitos e dos grandes homens.” (ROSEVICS, 2013:9). Eles propunham a utilização de novas fontes de pesquisa, antes ditas como inadequadas, tais como: relatos de populares, censos, relações comerciais, etc. https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_e_Mem%C3%B3ria https://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_R%C3%A9mond Os participantes da Escola de Annales estabeleceram uma nova forma de entender a história e o mundo. Fundada por Lucien Frebvre (1878-1956) e Marc Bloch (1886-1944), a École des Annales pode ser pensada de duas maneiras. Em primeiro lugar ela pode ser entendida como um movimento crítico aos métodos empreendidos pelos historiadores tradicionais franceses. Em segundo lugar, como defensora da necessidade de uma maior aproximação da História com as demais Ciências Sociais, tais como a Sociologia, a Economia, a Antropologia, a Política, e a Geografia. (ROSEVICS, 2013:9) Assim é possível caracterizar a Escola de Annales como um movimento historiográfico que buscou o rompimento com a história clássica, história essa que funcionava com bases rígidas e segregava diversas fontes de saberes, como outras Disciplinas e fontes de informação. Assim, a Escola de Annales, visualizando os fenômenos históricos de maneira mais abrangente, aceitando a interdisciplinaridade e buscando também fontes de informações não convencionais, acabou por criar outra forma de se encarar a história. Se torna importante ressaltar que de acordo com (LE GOFF, 2003) a escola contava com uma revista intitulada "Annales d'histoire économique et sociale”, que foi um importante veículo para o recebimento das ideias, textos e artigos escritos pelos membros da Escola. 2. Diferencie memória individual, memória histórica, memória étnica e memória coletiva. Devido a dificuldade em encontrar definições exatas nos textos básicos recomendados, realizei buscar em textos que retratam a discussão sobre memória. Sendo assim, esta é a diferenciação de acordo com os achados: Memória Individual: de acordo com Gondar, a discussão entre memória individual e coletiva anda em conjunto, pois uma está diretamente ligada a outra: Vejamos, inicialmente, como é construída a hipótese mais tradicional a esse respeito. Baseado em textos que gozam de bastante reconhecimento, Jacques Le Goff afirma que o conceito de memória nos remete, em primeiro lugar, a um fenômeno individual e psicológico, que possibilitaria ao homem a atualização de impressões ou informações passadas (cf. LE GOFF, 1990). Podemos levar mais longe a sua afirmação: teríamos aqui uma memória caracterizada como experiência interior e subjetiva, à qual faltaria a dimensão visível e tangível da memória social: o documento. Na inexistência deste, a memória individual dificilmente poderia ser compartilhada; mas enquanto fenômeno singular, ela seria passível de transmissão, através da palavra. Esta concepção de memória é tradicionalmente aceita pela psicologia, mesmo por aqueles que atribuem um caráter social à transmissão da memória individual. Pierre Janet, por exemplo, considera que o ato mnemônico essencial é o “comportamento narrativo”, comportamento este que teria uma função social, na medida em que comunica a um outro uma informação sobre um acontecimento ou objeto ausente (cf. idem) Todavia, afirmar que o ato mnemônico possui uma função social não significa dizer que ele foi socialmente constituído: a distinção entre memória individual e memória social persiste. (GONDAR, 2015:3) Tendo em vista essa afirmativa em conjunto com a leitura dos textos Burke (2011) e Le Goff (2003), entende-se como memória individual, aquela que tange o indivíduo, dentro dos seus aparatos biológicos e levando em conta tudoo que é possibilitado pela existência concreta do ser, já que a sua constituição não é construída separadamente a de outros indivíduos, ela se relaciona com a memória coletiva (descrita ao final dessa resposta). Memória histórica: de Sá (2015) pesquisa a memória histórica na perspectiva dentro da perspectiva psicossocial, sendo assim: Numa perspectiva psicossocial, o termo “memória histórica” é entendido como uma “memória da história”, englobando memórias orais e memórias documentais, para cuja construção contribuem: (1) tanto memórias coletivas quanto memória comuns e memórias pessoais; (2) tanto a história vivida quanto os testemunhos ouvidos; (3) tanto documentos históricos stricto sensu quanto produções didáticas, midiáticas e artísticas posteriores. (DE SÁ, 2015:97) O autor também aponta mais detalhadamente para a discussão sobre história documental: O argumento quanto à construção da memória histórica a partir de documentos históricos stricto sensu envolve, inicialmente, uma restrição de natureza psicossocial. É comum chamar de “memória” os registros e traços deixados pelo passado – ou seja, documentos, em sentido amplo – acessíveis aos membros de uma sociedade, em museus, bibliotecas, monumentos, prédios históricos, sítios arqueológicos, etc. Na perspectiva psicossocial, entretanto, somente quando tais documentos são de alguma forma “mobilizados” (lidos, visitados, apreciados ou apenas referidos) por pessoas e grupos sociais concretos é que surge um fenômeno de “memória histórica documental”. (DE SÁ, 2015:98) Com a sintetização do texto de Sá (2015) e da citação de Le Goff (2003): No estudo histórico da memória histórica é necessário dar uma importância especial às diferenças entre sociedades de memória essencialmente oral e sociedades de memória essencialmente escrita como também às fases de transição da oralidade à escrita (LE GOFF, 2003:427) Pode-se entender memória histórica como a memória que é constituída por documentos, mas também, que é constituída pelo discurso das pessoas no que tange a fatos históricos, sendo esta memória registrada formalmente e verificável, seja por meios formais ou por discursos informais, sendo formada por todo o espectro da linguagem que envolve a memória humana passível de ser registrada e verificada. Memória étnica: após a leitura do texto de Bonin (2009) é possível considerar que memória étnica seja a memória referente a sujeitos de determinado grupo étnico (no caso da pesquisa mencionada, os italianos), onde elementos culturais se fazem presentes no imaginário desses sujeitos, sendo esta memória constantemente influenciada por discursos (de pessoas da mesma etnia ou não) ou por representações midiáticas, muitas vezes estereotipadas, desse determinado povo. Memória coletiva: Burke (2011) e Le Goff (2003) abordam a questão da memória coletiva como um grande amalgamado de interações sociais, histórias, discursos, fatos, documentos, resumidamente aquilo que configura a memória de um coletivo em determinado tempo espaço. Nadel distingue, a propósito dos Nupe da Nigéria, dois tipos de história: por um lado, a história a que chama "objetiva" e que é "a série dos fatos que nós, investigadores, descrevemos e estabelecemos om base em certos critérios "objetivos" universais no que z respeito às suas relações e sucessão" [1942, ed. 1969, p. 721 e, por outro lado, a história a que chama "ideológica" e "que descreve e ordena esses fatos de acordo com certas tradições estabelecidas" [ibid.]. Esta segunda história é a memória coletiva, que tende a confundir a história e o mito. (LE GOFF, 2003:429, grifo nosso) Para Burke (2011) memória coletiva é uma construção social, de acordo com os escritos dos dois autores, pode-se definir memória coletiva como sendo uma construção social envolta por ideologias, advindas de tradições estabelecidas em determinado coletivo, que não tem em sua constituição uma exatidão, sendo passada e apreendida de diferentes formas por diferentes sujeitos. 3. Por que os estudos sobre memória se inscrevem em distintos campos do conhecimento? Exemplifique. Pode-se utilizar como exemplo os textos de Le Goff (2003) e Burke (2011) para pesquisas historiográficas, Bonin (2015) para pesquisas no campo da Comunicação e de Sá (2015) para estudos feitos na Psicologia Social. Esses diferentes estudos se dão porque a memória acaba por ser tornar um objetivo de estudo interdisciplinar, podendo-se apresentar de diferentes formas de acordo com os objetivos de cada pesquisa, como fazer o registro historiográfico de determinado local, entender o imaginário de determinada região ou analisar como é o impacto midiático na memória de um povo. 4. Por que o autor afirma que “tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas”? De acordo com Burke (2011), a amnésia social acaba por ser uma grande ferramenta para o domínio da história e da memória. O autor emprega o exemplo de nomes de ruas que foram alterados por diferentes autoridades na Bulgária, com o passar do tempo essas mudanças em alguma medida permanecem na memória coletiva e podem ser registradas na história, mas, também podem ser esquecidas, pode-se empregar a amnésia social para descaracterizar um evento, criar vantagens para os poderosos (aqueles que conquistaram o inimigo). O escritor faz esse apontamento porque, se caracteriza dessa forma o controle social e ideológico operante, o que inviabiliza por diversos meios, narrativas plurais de grupos diversos, como visto na citação a seguir “Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva.” (LE GOFF, 2003:427). Pode-se tornar como exemplo o Movimento Decolonial , que busca reconstruir as narrativas perdidas, alteradas e/ou 1 segregadas de grupos étnicos colonizados. De acordo com os ditos de Foucault , pode-se visualizar essa lógica como 2 uma forma de panoptismo, já que na capacidade da amnésia social circula um poder capaz de dominar e disciplinar grupos. 5. Sintetize as principais características referentes à memória e aos seus estudos em cada uma das cinco subdivisões adotadas por Jacques Le Goff na estruturação de seu texto. 1) a memória étnica nas sociedades sem escrita, ditas "selvagens" Neste tópico 1, a memória coletiva é entendida como a memória para os povos sem escrita. Se torna importante ressaltar de acordo co Le Goff (2003) que a atividade mnésica fora da escrita é uma atividade constante não só nas sociedades sem escrita, como nas que a possuem, sendo importante para ambas, de maneiras diferentes. A verdade é que a cultura dos homens sem escrita é diferente, mas não absolutamente diversa, pois a dinâmica de funcionamento da transmissão de conhecimento é diferente para cada povo. O primeiro domínio onde se cristaliza a memória coletiva dos povos sem escrita é aquele que dá um fundamento – aparentemente histórico – à existênciadas etnias ou das famílias, isto é, dos mitos de origem. Sendo esta uma parte importante da constituição das relações sociais, como podemos observar: Nadel distingue, a propósito dos Nupe da Nigéria, dois tipos de história: por um lado, a história a que chama "objetiva" e que é "a série dos fatos que nós, investigadores, descrevemos e estabelecemos om base em certos critérios "objetivos" universais no que z respeito às suas relações e sucessão" [1942, ed. 1969, p. 721 e, por outro lado, a história a que chama "ideológica" e "que descreve e ordena esses fatos de acordo com certas tradições estabelecidas" [ibid.]. Esta segunda história é a memória coletiva, que tende a confundir a história e o mito. (LE GOFF, 2003:429) 1 BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Rev. Bras. Ciênc. Polít., Brasília , n. 11, p. 89-117, Aug. 2013 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522013000200004&lng=en&nrm=iso>. access on 07 Aug. 2020. https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004. 2 FOUCAULT, M. . Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Editora Vozes, 1987. https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004 Esta memória coletiva das sociedades "selvagens" interessa-se mais particularmente pelos conhecimentos práticos, técnicos, de saber profissional, sendo esta característica um marcador da divisão dos ofícios.Nestas sociedades sem escrita há especialistas da memória, homens-memória: "genealogistas", guardiões dos códices reais, historiadores da corte, "tradicionalistas", tornando-se assim "a memória da sociedade" e que são simultaneamente os depositários da história "objetiva" e da história "ideológica", o que implica (como dito acima) no funcionamento da dinâmica social. De acordo com Le Goff (2003) a memória transmitida pela aprendizagem nas sociedades sem escrita não é uma memória "palavra por palavra", nas sociedades sem escrita não há unicamente dificuldades objetivas na memorização integral, palavra por palavra, mas também o fato de que "este gênero de atividade raramente é sentido como necessário". Assim esses povos valorizam a transmissão de informações de uma maneira criativa, valorizando e viabilizando diferentes formas de se enxergar o mesmo mito, história, fato, etc. 2) o desenvolvimento da memória, da oralidade à escrita, da Pré-história à Antiguidade Nas sociedades sem escrita a memória coletiva parece ordenar-se em torno de três grandes interesses, sendo eles: a idade coletiva do grupo que se funda em certos mitos, mais precisamente nos mitos de origem; o prestígio das famílias dominantes que se exprime pelas genealogias; e o saber técnico que se transmite por fórmulas práticas fortemente ligadas à magia religiosa. A escrita permite à memória coletiva um duplo progresso, o desenvolvimento de duas formas de memória. A primeira é a comemoração, a celebração através de um monumento comemorativo de um acontecimento memorável. Sendo responsável por diversas festividades, rituais e tradições, principalmente quando remetidas ao povo grego. A pedra e o mármore serviam na maioria das vezes de suporte a uma sobrecarga de memória, sendo retratados como itens de grande valia para o povo em questão. A segunda forma de memória ligada à escrita é o documento escrito num suporte especialmente destinado à escrita, todo documento tem em si um caráter de monumento e não existe memória coletiva bruta, por isso os documentos escritos tinham em si o valor de guardar a memória, mas, mudaram radicalmente a forma como o exercício da memória (tão discutido pelos gregos) funcionava . Neste tipo de documento a escrita tem duas funções principais: Uma é o armazenamento de informações, que permite comunicar através do tempo e do espaço, e fornece ao homem um processo de marcação, memorização e registro"; a outra, "ao assegurar a passagem da esfera auditiva à visual", permite "reexaminar, reordenar, retificar frases e até palavras isoladas (Goody, 1977b, p. 78) 3 A evolução da memória, está ligada ao aparecimento e à difusão da escrita, depende essencialmente da evolução social e especialmente do desenvolvimento urbano. As grandes civilizações, na Mesopotâmia, no Egito, na China e na América pré colombiana, civilizaram em primeiro lugar a memória escrita no calendário e nas distâncias. Com o desenvolvimento de grandes cidades é possível observar que os reis criaram instituições-memória: arquivos, bibliotecas, museus. Tendo diferentes enfoques, estruturando os arquivos de diferentes maneiras, de acordo com Le Goff (2003) pode-se tomar como exemplo, a guarda e valorização das listas lexicais, dos glossários e dos tratados de onomástica, assentando na ideia de que nomear é conhecer. Se torna importante ressaltar que os tratamentos dados a memória principalmente depois do fenômeno da escrita (no caso da memória histórica) foram estruturados por diferentes civilizações, de diferentes maneiras e com diferentes graus de importância, pode-se tomar como exemplo diversos textos escritos sobre o assunto, por autores como Aristóteles, Pitágoras, Cícero, Platão, etc. Todos atrelados a evolução histórica da discussão, tendo-se em vista o fenômeno dos mitos como presentes e estruturantes dessas concepções, a figura de Mnemosine, mãe das musas como o grande símbolo da memória e a valorização da memória por parte da Retórica, foram importantes alicerces para entender a memória na Pré-história e na Antiguidade. 3) a memória medieval, em equilíbrio entre o oral e o escrito Le Goff (2003) afirma que é na Idade Média que se faz o distanciamento entre memória social popular e a memória baseada no folclore, a qual era fundante para a sociedade da época. Após o surgimento do Judaísmo e do Cristianismo como religiões e depois como ideologia, é que a igreja se consolidou e conquistou o monopólio intelectual da época, já que práticas laicas eram de pouca penetração nesse período. A evolução da memória oral e escrita teve diferentes impactos nos diferentes estratos sociais, a forma como o clero tratava a memória era muito diferente do restante da população, por mais que as práticas mnemotécnicas se relacionavam 3 1977b The Domestication of the Savage Mind, Cambridge University Press, London. em grande medida com o cotidiano dos cidadãos, a influência do clero sobre a educação dos cidadãos era marcante, em especial no que tange a práticas relativas a escritura sagrada, rituais religiosos e comemorações, assim foi se formando o que foi chamado de mnemotecnia litúrgica, agindo como uma disciplina educativa que se baseava na ideia de dever e de cólera, já que em conjunto com o dever vinham todos os discursos raivosos presentes nos livros sagrados. A idade média também foi um período onde as memórias póstumas eram amplamente difundidas na sociedade, em especial a memória dos Santos da igreja, homens e mulheres de grandes feitos, que tiveram em suas histórias, momentos de martirização, sendo para sempre lembrados e aclamados nas histórias das religiões. Isso se manifestava como um fenômenocultural já que o Cristianismo e o Judaísmo são religiões baseadas na recordação, sendo crucial rememorar a todo tempo os discursos, estórias religiosas, os escritos dos livros sagrados, etc. Também observa-se que parte deste costume foi trazido e apreendido diretamente da cultura do povo pagão. Essa constante necessidade de rememoração fez a igreja criar os tratados de memória (libri memoriales), livros onde eram registrados os nomes dos fiéis, para que os mesmos pudessem ser lembrados e comemorados após a sua morte, com exceção dos casos de excomunhão, onde os excomungados deveriam ter sua memória apagada e por isso não deveria haver registro sobre eles. Além disso, eram criadas igrejas ao redor de túmulos, dava-se o nome de lugares a figuras há muito falecidas, que foram de suma importância dentro da história cristã, criavam-se necrólogos e obituários para se comemorar os mortos, para manter sua memória presente na sociedade. Surgiu a escatologia por parte de toda sociedade, negar as experiências históricas e temporais, se baseando em acontecimentos sagrados descritos nos livros sacros e se utilizando deles justificar atos sociais, mantendo assim presente, a imagem do sagrado, do correto, dos atos aprovados por Jesus e por seus apóstolos, criando-se novas imagens que circulavam por toda sociedade. Como no tópico 2 desta questão pode-se observar que na Idade Média, existiam os dois tipos de funções da memória, sendo a memória escrita dos livros, uma memória do ensinamento, ela era responsável por guardar e “reproduzir” os ditos antigos, enquanto que, em consonância às festividades de dias sacros tinha a função de alegrar o povo por acontecimentos passados, estruturados na memória, tinham a função de comemoração. Esta época tinha em sua constituição a valorização dos mais velhos, sendo assim, considerados homens memória. Servindo como importantes agentes em processos civis, por terem vivido muito tempo. A memória foi se desenvolvimento de maneira par no que tange a escrita e a oralidade. Os reis tinham seus arquivos, contudo, pelo constante cenário de guerras, muitos deles foram destruídos ou tomaram formas “ambulantes”. Os arquivos serviam para assuntos municipais, pessoais, clericais, reais, etc, com o tempo foram se estabelecendo em corpos municipais e ajudaram na constituição da memória urbana. Nas escolas básicas a memorização e a recordação eram importantes partes do ensino, já que o decoro dos versus memoriales era dado como tarefa central das instituições. Nas universidades a oralidade se desenvolveu no ensino da retórica e da teologia, textos como os escritos de Agostinho, Dante e Aristóteles foram importantes bases de pensamento para os estudiosos e que culminaram em diferentes formas de valorização da memória. 4) os progressos da memória escrita, do século XVI aos nossos dias Le Goff (2003) aborda a imprensa como grande radical das mudanças ocorridas no período da Renascença até os nossos dias. Enquanto a maior parte dos países do ocidente aceitou a imprensa e fez uso dela para disseminação da informação. A China se serviu da xilografia e de outros métodos mais rudimentares para veicular as informações no país. O século XIX introduziu os processos mecânicos mais sofisticados ao ocidente e esse fator também se deu na China, as classes mais abastadas fizeram um bom uso dos produtos das técnicas disseminadas, principalmente no que diz respeito às técnicas científicas. Sem sombra de dúvida, a imprensa acelerou e alargou a memorização do saber. O autor citando Leroi-Gourhan, retrata a imprensa como algo que teve certo impacto rival com o conhecimento escrito por outros meios e a oralidade. Ela possibilitou a exploração de novos textos e promoveu a exteriorização da memória individual. No século XVIII como aborda Yates, houve um período de agonia pelo estado da arte da memória, existiam centros nevrálgicos de disseminação e uso da informação, logo em seguida a cada vez mais a informação foi se tornando algo marginalizado, de fácil acesso e que não tinha mais o mesmo requinte na produção, uso e disseminação. Em meados do século XVII, enquanto a informação mudava de formato é que permaneceu pelo teatro a valorização da memória, com obras que remetiam a mitologia grega, como em Shakespeare. Teatros como o Globe Theater de Londres foram cruciais para a permanência desse tipo de memória. A literatura também começou a ser produzida com tal saudosismo, em especial a literatura romântica, onde a memória de tempos áureos era trazida a tona, para compor os enredos. Após a mudança advinda pela imprensa, foi possível observar que o método científico se desenvolveu em grande escala, além de que a memória começou a ter um cunho administrativo por essência, sendo utilizada para processos burocráticos, em especial naquilo que se refere ao centralismo monárquico. Foi no século XVI que se deu o nascimento da história, como disciplina e ciência que se ocupava dos registros e da construção de narrativas. Enquanto que, foi no século XVIII que se deu origem a memória jornalística e diplomática (como aborda Le Goff, 2003), com o surgimento dessa última memória surgiu também a opinião pública, nacional e internacional, os países começaram a se preocupar em formar a própria memória. Também foi possível observar uma ampliação no vocabulário sobre a memória (séc.XVIII-XIX), nas áreas médicas, nas áreas que se ocupam da educação e com todos esses fatores estando diretamente arraigados no cotidiano das pessoas, há cada vez mais, elas necessitavam de memória. Em decorrência do aparecimento e desenvolvimento do protestantismo, foi-se deixando afastada a ideia da memória dos mortos, isso se deu porque esse tipo de valor era principalmente proliferado pela igreja católica e com o avanço do protestantismo pela Europa, teve-se a concepção de afastamento dos costumes papais. Com o período de guerras e revoluções chegando, pode-se observar uma volta a determinados costumes, como o saudosismo aos mortos (negado pelo protestantismo), esse fenômeno em especial, se deu após a Revolução Francesa. Onde os cemitérios foram pontuados e valorizados como locais de memória. Devido a ascensão de regimes autoritários houve também a apreciação das comemorações envoltas em patriotismo exacerbado, então eram comemorados as honrarias oferecidas a soldados mortos, dias de vitória de conflitos e principalmente dias nacionais. A partir do século XVIII tem-se a consolidação dos arquivos, sendo que os mais velhos foram abertos para a população e foram criados outros em detrimento das necessidades de cada povo. As bibliotecas e museus também se desenvolveram em decorrência da criação de instituições que formavam profissionais para o tratamento adequados dessas Unidades de Informação. No século XX a memória toma uma nova forma com a criação de monumentos que fazem referência a atos históricos e pessoas importantes, a fotografia também desenvolve um novo papel, com o fomento da memória familiar e das nações, através de registrosconcretos (Bourdieu faz a construção dessa nova linha de pensamento a partir dos álbuns de família). 5) os desenvolvimentos atuais da memória. Marca-se o desenvolvimento da memória coletiva no séc.XIX em especial por parte do grande contingente de acontecimentos e também pela grande capacidade de tratamento das informações coletadas. Com o advento da memória eletrônica, foi-se criando diversas máquinas de calcular (computadores), principalmente após a Segunda Grande Guerra Mundial, o que alavancou a história técnica e científica. Assim adventos como o de Pascal (máquina aritmética) foram sendo ultrapassados por mais e melhores modelos que aprimoraram a faculdade de memória e a faculdade de cálculo, desenvolvendo os conceitos de memória a curto e longo prazo. Com esses adventos, o impacto dos cálculos nas ciências se deu em enorme medida, as Ciências Sociais conseguiram se desenvolver já que as suas técnicas de pesquisas puderam ser refinadas. A criação dos bancos de dados alterou a maneira como a Arquivologia e a História funcionavam, tendo assim, mais recursos para o aprimoramento do ofício. Estudiosos começaram a refletir sobre as antigas manifestações da memória, os contrastes entre memória biológica (genética) e a memória eletrônica, a forma com que os gregos enxergavam a memória, suas técnicas em paralelo com os dias atuais, etc. O Surrealismo emergiu dando luz às discussões entre imaginação, sonhos e memórias, em conjunto com as pesquisas de Freud. As ciências começaram a enxergar sob novas óticas o objetivo interdisciplinar que é a memória, Sociologia, Psicologia Social e Antropologia, começaram a se apreender delas. Houveram movimentos de compra na sociedade do consumo, fazendo da memória um instrumento para a venda, lançando modas, como o Retrô, realizando assim um certo saudosismo ao passado. Como descrito no primeiro parágrafo deste tópico, devido a grande evolução no tratamento da memória, nos tempos atuais é possível enxergar o valor plural que a memória tem para a história, em suas diversas manifestações, como a memória operária, a memória da guerra, a memória social dos costumes, etc. Fazendo com que assim, novos e constantes olhares fossem postos sobre este objeto. 6. Descreva como a escrita reconfigurou as estratégias de conservação da memória presentes nas sociedades orais e explique porque, para o autor, “a escrita permite à memória coletiva um duplo progresso”. A escrita permite à memória coletiva um duplo progresso, o desenvolvimento de duas formas de memória. A primeira é a comemoração, a celebração através de um monumento comemorativo de um acontecimento memorável. A memória assume então a forma de inscrição e suscitou na época moderna uma ciência auxiliar da história, a epigrafia. (LE GOFF, 2003:432, grifo nosso) A escrita reconfigurou as estratégias de conservação da memória porque possibilitou novas formas de visualizá-la, principalmente de maneira concreta, como na citação acima, onde monumentos eram utilizados para a comemoração de pessoas, atos, fatos históricos, datas, etc. Fazendo com que a memória dos acontecimentos ficasse marcada de forma cada vez mais complexa e enraizada nas sociedades. A outra forma de memória ligada à escrita é o documento escrito num suporte especialmente destinado à escrita (depois de tentativas sobre osso, estofo, pele, como na Rússia antiga; folhas de palmeira, como na índia; carapaça de tartaruga, como na China; e finalmente papiro, pergaminho e papel). Mas importa [Pg. 433] salientar que (cf. o artigo "Documento/monumento", neste volume da Enciclopédia) todo documento tem em si um caráter de monumento e não existe memória coletiva bruta. (LE GOFF, 2003:433, grifo nosso) Tendo como gancho os escritos acima, o autor se refere ao duplo progresso por essas duas funções dos objetos/documentos escritos, primeiro a comemoração e logo após a guarda e utilização. 7. O que significava, para os gregos, o mito de Mnemosine? Descreva, em linhas gerais, esse mito. Mnemosine é na mitologia grega a mãe das musas (as filhas da memória), sendo a representação da matrona da criação, já que as musas representavam os diversos tipos de criação, como a artística e a científica. Essas entidades eram em sua essência memória. Pode-se extrair do mito que os processos criativos imperantes na sociedade grega eram fundamentalmente baseados na memória como capacidade criadora, manifestação essa que é observada ainda nos dias de hoje. 8. Defina e caracterize o termo “mnemotécnica”. A mnemotécnica nos dias de hoje é considerada uma técnica de estimulação da memória. O nome é de origem grega e refere-se a memória (Mnemosine). O termo "ars memoriae", Arte da Memória, era usado na antiguidade clássica e fazia referência a toda conceituação das habilidade de memorização e rememorização, que estavam diretamente atreladas ao funcionamento da sociedade, logo também ao desenvolvimento da aprendizagem. Eram métodos e técnicas empregados aos estudiosos/alunos, cada pensador grego escreveu de formas diferentes sobre o que é a memória e como ela se configura. 9. Quais as principais transformações relativas à memória que podem ser observadas ao longo da transição da Antiguidade Clássica para a Idade Média? Se torna necessário pontuar que a forma que as duas épocas tratavam a memória se configurava de formas diferentes, mas, tinham em sua essência intercessões, as mudanças e transformações podem ser descritas da seguinte forma:. Para a Antiguidade havia um profundo exercício da memória por parte dos cidadãos e dos estudiosos, os mitos fundantes (como Mnemosine) operavam na sociedade, fazendo com que as concepções de memória discutidas pelos pensadores clássicos e por seus alunos tomassem formas operantes do convívio social, para alguns a memória era parte da alma, para outros era uma capacidade humana. Ao longo da Antiguidade disciplinas e grupos se ocupavam das discussões sobre memória, como por exemplo a Retórica. A manifestação da memória pelos documentos era manipulada por diferentes cidadãos em detrimento da gestão da polis, no que se referia a contas, posses, etc. Na Idade Média com a interferência da igreja, tendo seu monopólio sobre o capital intelectual, a memória tomou outros rumos, era arraigada a dogmas, como a memória pela cólera, a memória sobre a valorização dos mortos, a memória presente nos livros sagrados, etc. No que tange ao controle documental e a outras informações, a igreja tinha acesso exclusivo, inviabilizando a população de ter acesso a essas informações, o acesso máximo que a população podia ter sobre as memórias era referente a sua própria comunidade, com os livros de registro como no libri memoriales. 10. Em que medida o Cristianismo e o Judaísmo impõem um “dever de recordação” ao homem medieval? Na medida que as duas religiões se transformaram em ideologias operantes em toda sociedade. Ambas têm seus ensinamentos alicerçados na prática constante da rememoração pelos seus fiéis, criando assim um constantesenso de dever de rememorizar lições, lembrar e honrar os mortos, lembrar dos ensinamentos de Jesus, de Deus e de seus Apóstolos. O que acaba por se caracterizar como o modo que essas duas religiões atuam, mesmo nos dias de hoje, se configurando a partir de sermões, discursos, cultos, comemorações, etc. 11. Qual a importância das datas comemorativas, dos “livros dos mortos” e da edificação de “lugares sagrados” para a popularização dessa memória cristã? Exemplifique sua resposta. Como dito na resposta da pergunta dez, a dinâmica de funcionamento dessas religiões é através da rememoração, então as datas comemorativas referentes às pessoas mortas, a valorização e a preferência em edificar construções em cemitérios ou próximos a obituários, se dá de forma a valorizar e manter a memória coletiva daquele grupo. As pessoas que faleceram por vezes tiveram grande notoriedade em vida, como os Santos da Igreja Católica, homens e mulheres que foram martirizados, para a população cristã em geral, ainda nos dias de hoje, figuras como essas, personificam a fé, são bons exemplos e devem ser rememorados para a manutenção do funcionamento de suas religiões. Podemos citar dois exemplos que são a Igreja de São Francisco de Assis e a Igreja Nossa Senhora das Mercês, ambos lugares que estão em Ouro Preto, cidade marcada historicamente pela tradição católica e que foram construídos próximos a cemitérios. 12. Como a invenção da imprensa afeta as estratégias de preservação da memória vigentes até o final da Idade Média? Por que podemos afirmar que na transição da Idade Média para o Renascimento houve uma “exteriorização progressiva da memória individual”? Na Idade Média perseverava o paradigma custodial, onde os documentos tinham que ser preservados para uso exclusivo dos clérigos, estudiosos, pesquisadores, etc. Com o advento da imprensa, a necessidade de conservação dessa informação alterou a sua dinâmica de funcionamento já que se tinha a possibilidade de copiar as informações guardadas e replicá-las para outros lugares, o que acabou por desvalorizar tal tipo de guarda. Em relação a exteriorização progressiva da memória individual, a imprensa foi e ainda é um importante veículo de comunicação, mais pessoas puderam compartilhar seus achados e escritos com o mundo, desenvolvendo assim a memória individual, já que agora ela pode ser compartilhada. 13. Caracterize o “Teatro da Memória” construído por Giulio Camillo e explique porque ele pode ser considerado um exemplo bem sucedido da “mnemotécnica medieval”. O Teatro da Memória de Giulio foi: uma representação do universo que se desenvolve a partir das causas primeiras, passando pelas diversas fases da criação. As suas bases são os planetas, os signos do zodíaco e os supostos tratados de Hermes Trismegisto: o Asclepius na tradução latina conhecida na Idade Média e o Corpus Her”meticum na versão latina de Marsilio Ficino (LE GOFF, 2003:459) Ele foi um exemplo bem sucedido da mnemotécnica medieval proque fazia referência e utilizava em sua constituição elementos primeiros que eram cruciais para o entendimento no mundo na Idade Média, fazendo assim um uso pleno da memória e viabilizando a rememoração desses tempos. 14. Como caracterizar a expressão “era dos museus públicos e nacionais”? Em que contexto histórico a mesma se desenvolve e com que finalidades? A expressão “era dos museus públicos e nacionais” se caracteriza como o período histórico de abertura e valorização das Unidades de Informação (UI), são criados diversos museus, bibliotecas e arquivos, assim como aqueles que uma hora estiveram fechados para a população, começam a se abrir para o acesso a informação que há dentro dessas unidades. O contexto histórico que essas instituições se desenvolveram foi no período após a Renascença, em meados da Segunda Guerra em diante, devido a constante valorização da memória dos países, em conjunto com o avanço histórico da disseminação da informação com os monumentos e a fotografia, é possível observar diversas manifestações da memória coletiva, há a apreciação de datas comemorativas com festividades, a criação de UI, a constante formação de profissionais que cuidam dessas instituições, etc. 15. O que é um “lugar de memória”? Qual sua importância para a elaboração contemporânea da memória? De acordo com Soares e Quinalha: Lugares de Memória (ou Sítios de Consciência) é um termo utilizado no campo dos direitos humanos que se refere aos diferentes suportes de celebração e cultuação das memórias de vítimas submetidas a graves violências e/ou supressão de direitos. As causas da violação de garantias fundamentais podem ser conflitos armados ou guerras, regimes políticos autoritários ou mesmo atos de força (excepcionais e inaceitáveis) praticados mesmo durante um regime democrático. (SOARES; QUINALHA, 2012) O termo foi concebido originalmente pelo historiador francês Pierro Nora, para ele os Lugares de Memória “nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não naturais" . 4 Elucida ainda que “os lugares de memória “são lugares, efetivamente, nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional, mas simultaneamente em graus diversos. Inclusive um lugar de aparência puramente material, como um 4 (NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, dezembro de 1993, p. 13). depósito de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação lhe confere uma aura simbólica.”. (SOARES; QUINALHA, 2012) A sua importância para a elaboração contemporânea da memória é que com a preservação e valorização desses lugares, a possibilidade de haver esquecimento (amnésia social) por parte da população mundial diminui, pois retratam passagens históricas cruciais para a historicidade humana, estando assim preservados, apreciados e presentes na memória coletiva através da constante rememoração pelo ensino. 16. Como se dá, segundo Peter Burke, a relação entre história e memória? Por que o autor afirma que “a função do historiador é ser o guardião da memória”? O autor defende no início do seu texto que a memória é uma forma de reconstrução do passado, sendo que a memória reflete o que aconteceu na verdade e a história reflete a memória, sendo o processo de registro. Burke (2011) se refere ao historiador como o guardião da memória porque ele é responsável por registrar a memória de grupos sociais, assim, fazendo com que os fatos e acontecimentos não se percam com o longo curso da história. 17. Explique porque, para Peter Burke, contemporaneamente “lembrar o passado e escrever sobre ele não mais parecem as atividades inocentes que outrora se julgava que fossem”. De acordo com Burke (2011) o processo de escrita da história era feito de forma mais objetiva, tendo em vista que a memória era a principal fonte da escrita histórica,contudo, a evolução da discussão sobre história e memória trouxesse a tona o aspecto abstrato que a memória pode tomar, sendo modificada, alterando sua forma de acordo com os sujeitos que a possuem, com as mudanças ocorridas no colo da civilização, etc. Assim, perdeu-se o aspecto inocente que a história era a representação exata da verdade, pois a sua fonte principal se manifesta como volátil. 18. Por que o autor intitula seu texto de “História como memória social”? Que sentidos o mesmo atribui ao termo “memória social”? Que problemas o uso desse termo suscita? Burke (2011) intitula o capítulo de “História como memória social” por partilhar da concepção de Halbwachs, que descreve a memória como a construção social e a história escrita como um meio tradicional e objetivo, o autor não deixa de frisar que com o desenvolvimento do estado da arte, começou-se a encarar a história da mesma forma que Halbwachs encarava a memória. Para ele memória social é uma forma útil e simplificada para resumir o complexo processo de seleção e interpretação, enfatizando a homologia entre as maneiras de se recordar o passado. O escritor enfatiza alguns problemas principais, que são: a maneira como as analogias entre o pensamento individual e coletivo são feitas, pois se trata-se memória social como abstração, corre-se o risco de falar que ela se manifesta na realidade, que é material, como se existisse em in loco; ao mesmo tempo se não utiliza-se este conceito, corre-se o risco de inviabilizar a apreensão das diferentes maneiras de manifestação da memória, deixando de lado o fato que as ideias dos indivíduos são influenciadas pelo coletivo; o relativismo histórico também se faz presente, por vezes são preferidas e preteridas formas de se escrever a história, como se umas fossem melhores do que outras, o que não se dá na realidade; o último problema apontado é a criticidade na seleção de registros da memória, pois assim como a individual, a memória coletiva também se dá como volátil e seletiva, por esses aspectos se faz necessário métodos mais críticos de lidar com as memórias recolhidas nas pesquisas. 19. Que perguntas a “história social do lembrar” deve procurar responder? De que forma Peter Burke responde e operacionaliza metodologicamente cada uma dessas perguntas? São três perguntas principais: quais os modos de transmissão de memórias públicas?; como esse modos mudaram ao longo do tempo?; e quais são os usos do esquecimento? Transmissão de memórias A transmissão de memórias tem algumas variedades entre elas: 1) tradição oral: marcou o declínio do pensamento da história de trazer “fatos” objetivos, assimilando de maneira mais aberta os aspectos simbólicos da narrativa. 2) tradicional esfera da escrita histórica: se consiste nos escritos dos historiadores que tiveram por base a memória, assim sendo, quando se lê um relato de memória, não se lê a memória, mas sim, a sua transformação pela escrita. 3) imagens: se referem tanto a imagens materiais quanto imaginárias, no que tange a materialidade são: lápides, estátuas e medalhas. 4) memórias por ações: são as memórias constituídas por ações, como o ofício ensinado no mestre ao aprendiz, também podem se manifestar nos rituais e comemorações, integrando e criando a identidade social de um grupo. 5) espaço: se refere ao uso dos espaços pelos povos, como a disposição de itens em determinados lugares, como museus, até a forma de organização das casas de determinado grupo. De acordo com Burke se torna importante ressaltar que quando um povo sai de determinado espaço e vai para outro, ele leva sua cultura junto, suas memórias, toma-se como exemplo o caso dos povos escravizados, onde seus rituais se estabelecem em novo solo, fazendo com que sua identidade circule e se transforme de acordo com o espaço-tempo. O autor encerra esse tópico tratando dos esquemas, esquemas são as formas que os sujeitos articulavam suas vidas, a forma como visualizavam a sua existência. Cada grupo humano, se não cada indivíduo, funciona a base de esquemas, representações mais ou menos organizadas de tudo aquilo que constitui a identidade de um povo, o historiador chama atenção para os mitos, que por vezes se associam a culturas e as pessoas, em especial as pessoas de grande prestígio, fazendo assim com que essas pessoas se tornem ícones populares, se associando aos esquemas daquela cultura. Usos da memória social Burke (2011) afirma no começo deste tópico que a memória social é utilizada (como descrito acima) para formar a imagem de grandes heróis, homens e mulheres que tiveram papel crucial no espaço-tempo em que viveram, assim supervalorizando figuras, associando-as a mitos. Esse tipo de associação é constantemente utilizada para se fazer saudosismo ao passado, rebeldes utilizam da imagem, da memória social daquele grupo para remeter a quão bom foi o reinado de determinado sujeito, ou aos atos heróicos de outros, assim justificando em intensa medida a forma as pessoas aceitarão a rebelião. O escritor também aborda a memória curta e longa de algumas nações, povos têm diferentes graus e formas de rememorar os acontecimentos de seu passado. O que pode-se considerar sobre os ditos do autor é que países marcados por grandes acontecimentos como guerras e divisões extensas de território tendem a se lembrar dessas acontecimentos de maneira mais frequente, o patriotismo em conjunto com o saudosismo são marcas desses povos, enquanto que nações prósperas que tiveram em sua história poucos atos altamente marcantes, tendem a rememorá-los com pouca frequência e de forma mais eufemizada. Ressalta-se que ambos os tipos de povos têm raízes e se utilizam da memória social, mas, as relações de valorização dessa memória é que se diferenciam, atos como a reconstrução de estátuas ou instituições destruídos pela guerra por exemplo, servem para afirmar a identidade social daquele grupo. O autor faz o uso da expressão “amnésia social” para designar justamente o uso do apagamento da memória, seja por atos simbólicos ou pela biblioclastia de determinado povo. Cada governante tem e teve sua forma de lidar com a memória, utilizando do que lhe convinha para governar e montar sua trajetória. Os usos da amnésia social Como dito acima, os usos da amnésia social são voltados a ideologias dominantes, eles servem para fazer valer discursos e marcar a história de um povo. Burke (2011) cita o fato de frequentemente após conflitos históricos entre facções rivais, muda-se o nome das ruas, fazendo com que as decisões de determinado governante sejam revogadas, por vezes excluindo da memória material coletiva, representações de importantes figuras que marcaram ou apoiaram tal reinado. A censura também se torna prática comum, se organiza os registro de maneira a contar uma narrativa tendenciosa, valorizando certos aspectos da história e segregando outros. 20. Explique o sentido da metáfora utilizada por Peter Burke ao aproximar o historiador da figurado “funcionário lembrete”, aquele cuja “tarefa oficial era lembrar às pessoas o que elas gostariam de ter esquecido”. Burke se refere ao historiador como “lembrete” (sendo que logo após ele se refere a esse termo como “o cobrador de dívidas”) porque o historiador mais do que um guardião dos relatos, dos fatos, dos conflitos, mais do que um registrador, um escritor, um organizador, ele é um lembrete para a sociedade em que está inserida, sua função é rememorar e proferir o passado, metodologicamente organizado, para que nunca sejam esquecidas as histórias plurais dos povos, para que atrocidades como as grandes guerras sejam marcadores sociais, ressaltando-se a todo momento a necessidade de uma identidade social mundial que preze pelo bom uso e pela conservação da memória, seja ela por registros ou por vias simbólicas. Referências BONIN, Jiani Adriana. Mídia e memórias: explorações sobre a configuração dos palimpsetos midiatizados de memória étnica italiana. Comunicação Mídia e Consumo, v. 6, n. 15, p. 83-102, 2009. BURKE, Peter. História como memória social. In: Variedades de história cultural. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p.67-89. Obs: a versão utilizada da referência acima foi a referência abaixo, essa escolha foi devida a melhor qualidade de digitalização. BURKE, Peter. História como memória social. In: Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p.67-89. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1Atkv7y2jwqfykwmn4ZKYD9c5WYXV6gDd/view?usp= sharing. Acesso em: 09 ago. 2020. DE SÁ, Celso Pereira. A memória histórica numa perspectiva psicossocial. Revista Morpheus - Estudos Interdisciplinares em Memória Social, [S.l.], v. 8, n. 14, mar. 2015. ISSN 1676-2924. Disponível em: <http://www.seer.unirio.br/index.php/morpheus/article/view/4826/4316>. Acesso em: 06 aug. 2020. GONDAR, Jô. Memória individual, memória coletiva, memória social. Revista Morpheus - Estudos Interdisciplinares em Memória Social, [S.l.], v. 7, n. 13, mar. 2015. ISSN 1676-2924. Disponível em: <http://seer.unirio.br/index.php/morpheus/article/view/4815/4305>. Acesso em: 06 aug. 2020. LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e memória. 5 ed. Campinas: UNICAMP, 2003, p.419-476. Obs: a versão utilizada da referência acima foi a referência abaixo, essa escolha foi devida a melhor qualidade de digitalização. LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e memória. Campinas: UNICAMP, 1990, p.424-483. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1TzyeQJywLC4PFapldK-DBLSaY6zwcBM5/view?usp =sharing. Acesso em: 09 ago. 2020. JACQUES LE GOFF. Wikipédia. [S.l], 22 de jun. 2020. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jacques_Le_Goff. Acesso em: 06 ago. 2020. LE GOFF: o autor de uma outra Idade Média. Carta Capital, [S.l], 16, maio 2014. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/o-autor-de-uma-outra-idade-media/. Acesso em: 06 ago. 2020. ROSEVICS, Larissa. Contribuições da École Des Annales e de Fernand Braudel para as Relações Internacionais. Relações Internacionais no Mundo Atual, [S.l.], v. 1, n. 15, p. 6-16, set. 2013. ISSN 2316-2880. Disponível em: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RIMA/article/view/612. Acesso em: 06 ago. 2020. doi:http://dx.doi.org/10.21902/Revrima.v1i17.612. https://drive.google.com/file/d/1Atkv7y2jwqfykwmn4ZKYD9c5WYXV6gDd/view?usp=sharing https://drive.google.com/file/d/1Atkv7y2jwqfykwmn4ZKYD9c5WYXV6gDd/view?usp=sharing https://drive.google.com/file/d/1TzyeQJywLC4PFapldK-DBLSaY6zwcBM5/view?usp=sharing https://drive.google.com/file/d/1TzyeQJywLC4PFapldK-DBLSaY6zwcBM5/view?usp=sharing https://pt.wikipedia.org/wiki/Jacques_Le_Goff http://dx.doi.org/10.21902/Revrima.v1i17.612 SOARES, Inês Virgínia Prado; QUINALHA, Renan Honório. Lugares de memória. Dicionário de Direitos Humanos, 2012. Disponível em: https://escola.mpu.mp.br/dicionario/tiki-index.php?page=Lugares%20de%20mem%C 3%B3ria. Acesso em: 09 ago. 2020. Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Escola de Ciência da Informação – ECI Disciplina: Memória e patrimônio cultural Professor: Fabrício J. N. da Silveira Análise crítica Aluno(a): Yago Henrique Andrade Almeida Enunciado: fazer uma pequena análise crítica dos dois filmes atentando para os usos políticos da memória e do esquecimento em ambos. Análise crítica Introdução A análise tem por intuito apresentar as impressões advindas dos dois longas recomendados para a elaboração de uma crítica dos usos da memória, abordando assim parte do espectro em que está inserido, sem deixar de observar as aplicações práticas e históricas da memória, que compõem sua manifestação no mundo. Ao final serão discutidas as medidas em que estes dois filmes se relacionam com os usos políticos da memória e o esquecimento em ambos (amnésia social). Pode-se observar nos dois filmes a retratação de um tema comum, que é a Ditadura Militar Brasileira e seus desdobramentos ao longo da história. Serão descritos pontos chave observados nos dois filmes, o primeiro sendo 1964 (2019) e o segundo Retrato de Identificação (2014). 1964: O Brasil entre armas e livros 1964 (2019) é um filme que retrata o quadro político brasileiro, em especial naquilo que tange a influência comunista durante a Guerra Fria (1947–1991). Atenta-se neste primeiro momento ao levantamento dos atributos estéticos do filme, ele é marcado por uma identidade visual embasada por elementos que remetem a conflitos bélicos, como os tons avermelhados quando o mapa-mundi é apresentado, as cores frias do filme e a estética de jogos e filmes que retratam o mesmo tema, utilizando de uma estética robotizada, que remete ao uso exacerbado da tecnologia para a dominação. Compõem a identidade visual do longa a apresentação de https://escola.mpu.mp.br/dicionario/tiki-index.php?page=Lugares%20de%20mem%C3%B3ria https://escola.mpu.mp.br/dicionario/tiki-index.php?page=Lugares%20de%20mem%C3%B3ria documentos, de forma rápida (onde se torna necessário pausar o vídeo para ler), documentos desgastados, recortes marcados, muitas vezes em outras línguas que não sejam o português. Eles (Brasil Paralelo) se dão como um produto de streaming educacional, com grupos de formação e outras produções relativas a críticas políticas. A propaganda constante se manifesta como uma declaração intrínseca de que o filme é um produto, ao longo de todo o longa são apresentadas ofertas de grupos de formação, seriados, outros filmes, etc. A identidade sonora também é muito marcante desde o início do filme, ela se altera de acordo com a mensagem passada, por vezes dando um ar de seriedade (com músicas típicas de documentários e que são mais dramáticas), por outras passando a mensagem de ridicularização de um grupo ou acontecimento. Em segundo lugar pode-se analisar o corpo de pessoas que são apresentadas no filme, as quais em seus campos de atividades, falam sobre as perspectivas que constroem a narrativa do vídeo. Profissionais como: jornalistas, filósofos e historiadores, se ocupam das explicações sobre a Guerra Fria, sobre a suposta espionagem que era gerenciado pelas duas potências dominantes (União Soviética e EUA). Alguns desses profissionais (em especial no começo do longa), se ocuparam de explicar sobre uma pesquisa feita de maneira autônoma, sem o auxílio de entidades que realizam pesquisas institucionalmente. Por parte dessas pessoas há manifestações de impressões pessoais, constanteuso de linguagem informal (com diversas opiniões pessoais, sem referenciação adequada e constantes afirmativas imperativas sobre fatos históricos que estão mais próximas de impressões pessoais), além do uso de adjetivação constante nas interpretações dadas. A presença de figuras como Olavo de Carvalho, sujeito que se intitula professor (mesmo sem ocupar um cargo catedrático de professor e sem ter pós-graduação stricto sensu), que é escritor e atualmente é considerado um intelectual de direita por alguns movimentos do mesmo posicionamento político, evidencia a falta de critérios formais estabelecidos para se dar credibilidade às informações que são prestadas pelos oradores. Arquivos, em especial arquivos estrangeiros são citados para se dar veracidade aquilo que é proferido, contudo, ao final do filme, nas legendas, somente são apresentados os nomes dos responsáveis pelas informações, não há algum lugar, nem no filme e nem no site do projeto “Brasil Paralelo” onde esses documentos possam ser acessados. Em terceiro lugar pondera-se sobre a apresentação da narrativa, a história que é montada e contada para a população. A apresentação de um suposto plano de domínio comunista que retrata essa dominação em todos os lugares considerados como pilares da sociedade, como: política, educação (escolas e universidades) e na mídia, transmite a mensagem de uma dominação escondida, feita às margens da sociedade e que somente determinados grupos políticos, como os militares podiam se posicionar contra essa ameaça. A defesa da Ditadura Militar Brasileira é evidente, são explicados os atos institucionais, nega-se a tortura como prática de domínio militar, valorizasse como narrativa única o apoio popular por parte da população a ditadura, transfigura-se as atrocidades cometidas para atos advindos de pessoas em estados de doença mental, chamados de “psicopatas”. Banaliza-se as revoltas populares em conjunto com o papel das universidades, considera-se os estudantes como massas de manobra. Ao final é posta a rememoração de um passado recente, manifestando de maneira direta (e ideológica) o rumo “desastroso” que o Brasil tomou. Retrato de Identificação O longa “Retrato de Identificação” é um filme produzido em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sua identidade visual é simplificada, sendo constituída de relatos de pessoas torturadas pela Ditadura Militar Brasileira. Os documentos apresentados para retratar a narrativa são documentos cortados, grifados, referenciados e que são apresentados por um longo período de tempo, o que possibilita a leitura dos trechos. O filme passa por diversas manifestações da memória como: ○ ● A memória da vida cotidiana: retratando a formação das pessoas, os lugares onde moravam e quais eram suas conexões políticas, de quais partidos faziam parte e o que elas realizavam como ofício. ● A memória de conflitos: a apreensão desses sujeitos por parte dos oficiais e os conflitos armados que os mesmos travavam contra eles. ● Lembranças de aprisionamento: o confinamento em celas, as roupas usadas e desgastadas, o sangue presente em toda a vestimenta e no corpo, a tortura com água, choques elétricos, agressões físicas, tentativas de reproduções de atos sexuais, os hematomas, o abuso sexual presente nas agressões as partes genitais. ● A memória de deslocamento, onde as vítimas se lembravam de quais lugares elas estiveram, as sedes militares e as lembranças das fotografias tiradas para registros. ● A memória dos nomes, a lembrança dos nomes dos torturadores e dos agentes envolvidos nos processos de exílio, de agressão, etc. ● A memória do exílio, trocas de presos através de sequestros políticos. ● A memória internacional, a vivência em outros países, a situação de ilegalidade, a perseguição por parte do governo, o acolhimento por parte de outros países, a rotina construída em outros países. ● Memoração das sequelas deixadas pelo regime, os traumas psicológicos, o estresse, a situação de suicídio e a tristeza. O filme se encerra com a rememoração dos protagonistas, são mostradas as fotos, listados os nomes, de uma maneira lenta e contínua, evidenciando os crimes cometidos, os atores e as consequências. Considerações sobre o uso político da memória e o esquecimento envolvido Os dois longas tem em sua constituição, a construção de narrativas plurais que estão alinhadas com um objetivo comum, transmitir certas ideias para quem assiste o filme. É possível observar em toda parte e nos dois filmes, que os diversos tipos de manifestação da memória são utilizados nesta apresentação histórica e ideológica, desde a lembrança de leituras, até a memória registrada (história) em documentos, como atos, atas, fotografias, etc. A memória coletiva dos povos em determinadas épocas se faz presente, tanto para embasar os discursos que são proferidos, até para dar um sustentação comum aquilo que é discutido (uma espécie de criação de esquema), em entrevista (RFI BRASIL, 2016) Anita Leandro, diretora do filme “Retrato de Identificação”, assume que não há uma memória coletiva unificada sobre os acontecimentos do Regime Militar Brasileiro, o que se consegue fazer nos dias de hoje é rememorar, com todos os recursos que podem contar uma história, se utilizando assim da memória. Assim se constituem os usos políticos da memória, apoiando ideologias e narrativas, através de usos de mais ou menos veracidade, a memória se dá como material de dominação. No que tange ao esquecimento (amnésia social) a existência de uma narrativa una, também se torna prejudicial para a memória coletiva e para a identidade social de determinada civilização, pois exclui outros pontos de vista, outras histórias, fazendo imperar como memorável e verídico, somente o que é de interesse de determinado grupo (majoritariamente o grupo dominante). Assim, tanto os usos políticos da memória, quanto a amnésia social (que também é política) constituem métodos e técnicas para formar narrativas, mais ou menos verídicas, mais ou menos importantes de acordo com a concepção do grupo em que estão inseridas e que servem a determinados grupos com poder. Referências 1964: O Brasil entre armas e livros. Direção de Filipe Valerim e Lucas Ferrugem. [S.l]: Brasil Paralelo, 2019. 1 vídeo (128 min.). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yTenWQHRPIg. Acesso em: 10 ago. 2020. RETRATO de Identificação. Direção de Anita Leandro. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014. 1 video (72 min.). Disponível em: https://vimeo.com/110206302. Acesso em: 10 ago. 2020. https://www.youtube.com/watch?v=yTenWQHRPIg https://vimeo.com/110206302 RFI BRASIL. RFI Convida Anita Leandro. 2016. (8 min.). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Bn2qU0JOGXs&t=208s. Acesso em: 10 ago. 2020.. Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Escola de Ciência da Informação – ECI Disciplina: Memória e patrimônio cultural Professor: Fabrício J. N. da Silveira Fichamento Aluno(a): Yago Henrique Andrade Almeida Fichamento Referência GONDAR, Jô. Cinco proposições sobre memória social. Revista Morpheus: estudos interdisciplinares em Memória Social, v.9, n.15, p. 19-40. Resumo do conteúdo O artigo apresenta a discussão transdisciplinar sobre memória, abordando a memória enquanto objeto transdisciplinar, sinalizando a impossibilidade de uma conceituação una, esclarecendo os conceitos de multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. Objetivando propor cinco proposições nos estudos de memória social. Foi feita um revisão bibliográfica sobre as discussões do conceito de memória em diferentes áreas do conhecimento, colocando assim teorias e conceitos em discussão para elaborar um estado da arte. Os resultados sederam em cada proposição, os autores sistematizaram e abriram o leque para novas discussões dentro de cada proposição. Conclui-se que as discussões na literatura sobre memória serão constante e tendem a se reformular na medida que outras discussões sobre o tema surgem, alterando a forma como a memória é encarada nas sociedades e no meio acadêmico. Citações Página Parágrafo Transcrição https://www.youtube.com/watch?v=Bn2qU0JOGXs&t=208s 19 1 Apresentamos então duas razões que impossibilitaram a formulação de um conceito de memória em moldes clássicos, de maneira simples e unívoca. 19 1 A memória, contudo, nunca é: na variedade de seus processos de conservação e transformação, ela não se deixa aprisionar numa forma fixa ou estável. 19 1 A memória é, simultaneamente, acúmulo e perda, arquivo e restos, lembrança e esquecimento. Sua única fixidez é a reconstrução permanente, o que faz com que as noções capazes de fornecer inteligibilidade a esse campo devam ser plásticas e móveis. 19 2 a memória não pode ser definida de maneira unívoca por nenhuma área de conhecimento. Mesmo no interior de cada disciplina, ela é um tema controverso. Enquanto campo de estudos, a memória social aloja uma multiplicidade de defnições, provenientes de diferentes perspectivas e discursos, muitas vezes contraditórias. 20 3 A polissemia da memória é admitida sem dificuldades, e não se pretende aqui colocá-la em discussão [...] Ao buscar maior rigor conceitual, nós propomos o acréscimo de um complicador para essa ideia: diremos, então, que o conceito de memória social é, além de polissêmico, transversal ou transdisciplinar. 21 1 Um conceito é uma tentativa de responder a um feixe de problemas que se construiu, de maneira contingente, em um determinado momento. 21 3 Nos procedimentos multidisciplinares, um somatório de disciplinas é requerido para dar conta de um mesmo objeto teórico sem que haja necessidade de um entrecruzamento das diferentes abordagens, podendo cada disciplina manter-se em sua própria esfera. 21 3 Na interdisciplinaridade, tem-se igualmente um mesmo tema sendo trabalhado por disciplinas distintas, porém os discursos acerca desse tema são postos em diálogo. 22 2 A proposta transdisciplinar é outra. Ela pretende pôr em xeque a disjunção entre as disciplinas, valorizando pesquisas capazes de atravessar os domínios separados. A ideia não é reunir conteúdos, mas produzir efeitos de transversalidade entre os diversos saberes. 23 1 Como os problemas não param de surgir, no campo da memória social o conceito está sempre por ser criado: é um conceito em movimento. Por esse motivo, ele jamais poderá se configurar em uma definição estanque e unívoca, já que, em razão de sua própria condição transversal, sofre um permanente questionamento. 24 1 Qualquer perspectiva que tomemos será parcial e terá implicações éticas e políticas. Pensar a memória como uma reconstrução racional do passado, erigida com base em quadros sociais bem definidos e delimitados, como o fez Halbwachs (1992), leva-nos a um tipo de posicionamento político; afirmar, em contrapartida, que a memória é tecida por nossos afetos e por nossas expectativas diante do devir, concebendo-a como um foco de resistência no seio das relações de poder, como propôs Foucault (DELEUZE, 1987), implica outra ética e outra posição política. Seriam essas perspectivas equivalentes? 27 2 Enxergar no presente apenas as perdas significa lê-lo a partir de um modelo entrópico, no qual o tempo devora progressivamente tudo o que existe e caminha numa única direção, aquela da destruição e da morte. Nesse caso, as lembranças não passam de uma retenção provisória da entropia. Porém, se valorizamos também a dimensão criadora do tempo, podemos atribuir uma função positiva ao esquecimento, concebendo as perdas enquanto indispensáveis à transformação da memória. 29 1 Para que uma memória se configure e se delimite, coloca-se, antes de mais nada, o problema da seleção ou da escolha: a cada vez que escolhemos transformar determinadas ideias, percepções ou acontecimentos em lembranças, relegamos muitos outros ao esquecimento. Isso faz da memória o resultado de uma relação complexa e paradoxal entre processos de lembrar e de esquecer, que deixam de ser vistos como polaridades opostas e passam a integrar um vínculo de coexistência paradoxal. 29 2 Se há algo que a Era Digital nos fez ver muito claramente é que a construção da memória depende tanto de interesses sociais, políticos e culturais quanto é determinada pelos meios de comunicação e pelas técnicas de registro 30 1 Ao invés da inscrição que permanece, passa a valer o movimento fluido dos fluxos digitais, trazendo às teorias da memória o princípio de uma reescrita contínua, ou seja, de uma constante possibilidade de apagamento e reconstrução das lembranças. 30 2 só tememos o esquecimento quando o pensamos como um inimigo da lembrança, supondo a memória, necessariamente, como um lugar de permanência de inscrições. Mas é justamente essa concepção que se encontra hoje em xeque, exigindo a mudança de nossas teorias. 33 3 Reduzir a memória à identidade conduz um pesquisador a uma dificuldade: quando a identidade é algo a ser preservado, a memória se encontra a serviço da manutenção do mesmo. E, não raramente, por meio da violência. 34 2 e “o mundo se criouliza”, isto é, todas as culturas se colocam em contato, permutam-se e se transformam de maneira imprevisível, processo diferente de uma mestiçagem, pois nessa os resultados já se encontram previstos. Estaríamos na presença de relações erráticas que não visam mais a fundação de um território, e cujos efeitos não podem ser antecipados. 34 2 Para Glissant, teríamos que reaprender a pensar com os nômades, os migrantes e os exilados, capazes de reconstruir linguagens, costumes e formas de arte unicamente a partir da memória. Não mais uma memória fincada na conservação do passado, e sim uma memória de rastros e resíduos, porosa e aberta ao imprevisível. “O pensamento do rastro/resíduo é aquele que se aplica, em nossos dias, da forma mais válida, à falsa universalidade dos pensamentos de sistema” (GLISSANT, 2005, p. 20). Desse modo, mais do que garantir a preservação do que se passou, a memória pode ser uma aposta no porvir. 35 3 não se pode reduzir a passagem do tempo real, em suas ínfimas variações, à marcação dos ponteiros de um relógio, não se pode reduzir a permanente agitação das forças sociais ao contorno homogêneo de uma representação. As representações não surgem subitamente no campo social, mas resultam de jogos de força bastante complexos, envolvendo combinações e enfrentamentos que a todo tempo se alteram. 36 2 pensamos a memória social como um processo. É um processo do qual as representações são apenas uma parte: aquela que se cristalizou e se legitimou em uma coletividade. A memória, contudo, é bem mais que um conjunto de representações; ela se exerce também numa esfera irrepresentável: no corpo, nas sensações, nos afetos, nas invenções e nas práticas de si 40 2 todas as representações são inventadas e somos nós que as inventamos, valendo-nos de uma novidade que nos afeta e de nossa aposta em caminhos possíveis. Essa invenção se propaga, repete-se, transforma-se em hábito. Comentários O texto quebra alguns paradigmas do que foi posto até os dias de hoje na disciplina de Memória e Patrimônio Cultural, já que nas aulas e exercícios anteriores, os métodos estavam sendo introdutórios com a apresentação de conceitos. As cinco proposições abriram o leque de possibilidades de interpretação das discussões sobre memória, elucidando que a memória é altamente mutável, política, que tem implicações
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