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Doença Inflamatória pélvica Ginecologia Definição O limite anatômico do trato genital feminino superior é o orifício interno (OI) do colo uterino. Em outras palavras, este orifício separa o trato genital feminino superior do inferior. Então, para configurar um quadro de doença inflamatória pélvica (DIP), as bactérias têm que ascender pelo OI. A DIP é um conjunto de sinais e sintomas secundário à ascensão e à disseminação, no trato genital feminino superior, de micro-organismos provenientes da vagina e/ou da endocérvice. Estes micro-organismos podem acometer o útero, as tubas uterinas, os ovários, a superfície peritoneal e/ou estruturas contíguas (fígado). Os principais agentes envolvidos são a Chlamydia trachomatis e a Neisseria gonorrhoeae. A DIP é, portanto, uma das mais importantes complicações das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), sendo na grande maioria das vezes uma das principais consequencias das cervicites (via canicular). Cabe ressaltar que algumas literaturas consideram que mediante manipulação do trato genital inferior, como por exemplo, durante a inserção do dispositivo intrauterino, biópsias de endométrio, curetagens uterinas e histerossalpingografia, possa ocorrer a ascensão dos microorganismos ocasionando a DIP, de forma não diretamente relacionada as IST. Esse evento, no entanto, é mais raro, mas deve-se atentar que nem sempre a DIP será uma complicação da IST. A DIP compreende diversos distúrbios inflamatórios e infecciosos do sistema genital superior feminino, incluindo qualquer combinação de endometrite, salpingite, abscesso tubo-ovariano (ATO) e peritonite pélvica. A infecção da cérvice (cervicite) causa secreção mucopurulenta. As infecções das tubas uterinas (salpingite), do útero (endometrite) e dos ovários (ooforite) tendem a ocorrer ao mesmo tempo. Se for grave, a infecção pode se espalhar para os ovários (ooforite) e, em seguida, o peritônio (peritonite). Salpingite com endometrite e ooforite, com ou sem peritonite, é muitas vezes chamada de salpingite embora outras estruturas estejam envolvidas. Pus pode se acumular nas tubas (piossalpinge) e um abcesso pode se formar (abcesso tuba-ovariano). Dessa forma, a DIP é uma infecção nos órgãos do trato reprodutivo superior feminino e outra denominação atribuída a essa doença é salpingite aguda. Embora todos os órgãos estejam envolvidos, os de maior importância, com ou sem formação de abscesso, são as tubas uterinas. Apresenta relevância devido às suas complicações, tanto do ponto de vista de emergência, no caso da pelveperitonite ou ruptura de abscesso tubo-ovariano, como em longo prazo, podendo provocar infertilidade, gravidez ectópica e dor pélvica crônica. Epidemiologia A DIP reveste-se de grande importância na área de saúde pública devido as suas múltiplas localizações; a diversidade de agentes etiológicos; as várias formas evolutivas; ao polimorfismo do quadro clínicos e as graves sequelas que pode deixar como: esterilidade, algia pélvica crônica e gestações ectópicas. Da mesma maneira, sua investigação epidemiológica é prejudicada por alguns fatores, a saber: • Depende da realização de testes laboratoriais e de imagem que sejam simples, baratos e eficazes para um diagnóstico de certeza; • Os critérios clínicos dificultam a definição dos casos de DIP, pois não existem sinais e sintomas patognomônicos da doença • Os sistemas de notificação e de informação são precários em nosso país • A prevalência é subestimada, pois a maioria dos casos é subclínica (> 60%). Entretanto, sabe-se que é uma doença muito frequente e que a infecção pela Chlamydia trachomatis, é a mais comum no desenvolvimento da DIP (85% dos casos tratados). Sua incidência é crescente, provavelmente pela maior exposição aos agentes desencadeantes, que estão diretamente relacionados com as mudanças no comportamento sexual, principalmente entre os mais jovens. É também maior em mulheres sexualmente ativas entre 15-24 anos de idade. Aproximadamente 12% das adolescentes sexualmente ativas têm no mínimo um episódio antes dos 20 anos de idade. Calcula-se que nos países desenvolvidos de 18 a 20 em cada mil mulheres entre as idades de 15 e 24 anos adquiram a moléstia a cada ano. A mortalidade, após o uso adequado dos antibióticos, reduziu-se praticamente a zero nos países desenvolvidos. No entanto, sua morbidade é alta pois está associada a sequelas importantes em longo prazo: • Infertilidade por fator tubário em 12,5 a 50% das pacientes, aumentando com o número de episódios; • Aumento da incidência de gravidez ectópica: mulheres que já tiveram um episódio de DIP tem chance de 12 a 15% de ter gravidez ectópica no futuro. • Dispareunia e dor pélvica crônica em 18% das pacientes acometidas Fatores de Risco A identificação dos fatores de risco para DIP pode ajudar na prevenção e no manejo terapêutico das pacientes. No entanto, é importante salientar que o seu diagnóstico não pode jamais se fundamentar no conhecimento dos fatores de risco, pois frequentemente esta associação não é fidedigna. Em outras palavras: as mulheres sem fatores de risco poderão apresentar a DIP com todas as suas complicações • Idade < 25 anos: se justifica pela baixa prevalência de anticorpos contra a clamídia e devido a presença de algumas alterações anatômicas e fisiológicas que facilitam a ascensão dos agentes etiológicos, como por exemplo a presença de um muco cervical mais permeável e ectopia da junção escamocolunar. A DIP é rara antes da menarca, após a menopausa e durante a gestação. Além disso, as adolescentes protelam a procura por assistência médica, o que retarda o diagnóstico • Estado civil: Mais comum em mulheres solteiras, pois geralmente apresentam mais de um parceiro sexual • Início precoce de atividade sexual: associado a maior tempo de exposição e, portanto, maior risco de IST • Múltiplos parceiros sexuais ou parceiro recente com uretrite: Em mulheres com mais de um parceiro ou cujo parceiro possua mais de uma parceira, a probabilidade de ocorrência de salpingite aumenta de quatro a seis vezes. • Estado socioeconômico: observa-se maior incidência de DIP em classes sociais mais desfavorecidas, mas atualmente há um aumento da incidência dessa condição nas demais classes • Tabagismo, alcoolismo, uso de drogas ilícitas: são práticas que levam a imunossupressão, favorecendo ao desenvolvimento da DIP • História de IST ou DIP prévias: Aumenta o risco de um novo episódio para duas a três vezes. Contribuem para a reinfecção as alterações anatômicas consequentes a infecções anteriores, como modificações circulatórias, fibrose e perda da motilidade tubária. • Coito no período menstrual: Pela ausência de proteção do muco cervical, pelo excelente meio de cultura que é o sangue e pela possibilidade de os espermatozóides veicularem agentes patogênicos, tanto aqueles provenientes do homem quanto do interior da vagina. • Vaginose Bacteriana: ocorrem alterações na flora vaginal que determinam menor concentração de microorganismos produtores de peróxidos e maior concentração de agentes como Gardnerella vaginalis, Mobiluncus sp. micoplasmas etc., que produzem substâncias capazes de comprometer o sistema de vigilância do hospedeiro, permitindo a ascensão de agentes para o trato genital superior. Também o Trichomonas vaginalis tem sido implicado como carreador dos agentes etiológicos da DIP • Uso de Anticoncepcional Oral (ACO): Paradoxalmente ocorrem dois fenômenos entre os ACOs e a DIP. Tem função protetora na medida em que ocorre alterações do muco cervical dificultando a ascensão dos microorganismos, no entanto mediante o uso de ACO é frequente o menor uso de preservativos em relações sexuais, o que aumenta a chance de exposição à ISTs, assim havendo maior chance de ocorrer a DIP • Uso de Dispositivos Intrauterinos (DIU): Teoricamente, o DIU provoca interferências nos mecanismos de defesa do endométrio. Alguns estudos recentes, no entanto, não demonstraram evidências consistentes da associação entre DIU e DIP. O posicionamento com relação ao risco associado ao uso de DIU é variávelconforme a literatura. • Duchas e Tampões Vaginais: O uso de duchas vaginais e de tampões vaginais deve ser desencorajado, pois pode aumentar o risco de desenvolver DIP aguda Agentes Etiológicos Existe uma etiologia polimicrobiana, onde vários agentes bacterianos, de modo geral, podem participar da gênese da enfermidade. Existem os patógenos primários, que são aqueles capazes de desencadear o processo infeccioso e inflamatório dos órgãos genitais superiores, por exemplo, as bactérias sexualmente transmissíveis; e ainda existem os germes oportunistas ou agentes secundários que, em condições normais, não são patogênicos, por exemplo, as bactérias aeróbicas e anaeróbicas da vagina e endocérvice. Quando acontece a lesão tecidual por uma bactéria sexualmente transmissível, ocorre uma diminuição do potencial de oxirredução, favorecendo a proliferação e ascensão de germes anaeróbios. Os agentes sexualmente transmissíveis mais comuns da DIP são a Neisseria gonorrhoeae e a Chlamydia trachomatis. Os principais agentes etiológicos de maneira geral são: Neisseria gonorrheae: · Bactéria gram-negativo · Predileção pelo epitélio colunar pseudo-estratificado · Diagnóstico: meio de cultura Thayer Martin; bacterioscopia Chlamydia trachomatis: · Parasitismo intracelular · Pode apresentar um grande período de latência · Diagnóstico · Cultura em linhagens especiais de células Mc Coy e Hela 229 · Detecção do DNA — PCR/LCR · Imunofluorescência direta · Sorologia por microimunofluorescência Micoplasmas · Mycoplasma hominis e Ureoplasma urealyticum · Diagnóstico: meios de cultura U-9 e A-7 Aeróbios · Cocos gram-positivos: estreptococos, estafilococos, pneumococos · Bacilos gram-positivos: difteróides. · Gram-negativos com fermentação láctea: E. coli, Klebsiela sp., E. aerogenes. · Gram-negativos sem fermentação láctea: Proteus sp., Pseudomonas sp. · Outros: G. vaginalis Anaeróbios Estes estão presentes nas fases mais avançadas da doença · Cocos gram-positivos: Peptococos sp, Peptoestreptococos sp. · Bacilos gram-positivos: Clostridium sp · Cocos gram-negativos: Veillonella sp. · Bacilos gram-negativos: Bacterioides sp., Fusobacterium sp. A DIP é um processo agudo, à exceção dos casos provocados por micro-organismos causadores da tuberculose e actinomicose. A DIP tuberculosa é uma infecção de caráter insidioso que ocorre como consequência da disseminação hematogênica do bacilo de Koch. Portanto, a DIP causada por esse agente etiológico não é sexualmente transmissível. Ela deve ser suspeitada naquelas pacientes que não apresentam melhora clínica após a terapêutica convencional para a DIP. Existem diferenças etiológicas entre os processos infecciosos da DIP clássica e da DIP tuberculosa: • A salpingite tuberculosa, afecção rara, não é uma doença sexualmente transmissível e ocorre como consequência da disseminação hematogênica do bacilo de Koch; • Em 80% dos casos, a bactéria provém de focos pulmonares; • A DIP tuberculosa é uma infecção de caráter insidioso e não deve ser esquecida, principalmente naquelas pacientes que não apresentam melhora clínica após a terapêutica convencional para a DIP. A DIP por Actinomyces incide em usuárias de Dispositivo Intrauterino (DIU). Mas, em cerca de 90% dos casos, a DIP é originária de agentes sexualmente transmissíveis. Assim, todas as mulheres que tem DIP aguda devem ser rastreadas para N. gonorrhoeae e C. trachomatis e testadas para HIV, sífilis e hepatites virais. Ainda, é valido citar que os agentes etiológicos DIP em mulheres HIV positivas são similares aos das soronegativas. No entanto, as pacientes soropositivas possuem mais infecções concomitantes por M. hominis, Candida, estreptococos, HPV e anormalidades citológicas relacionadas ao HPV. Microbiologia e Patogênese Os patógenos exatos nas tubas uterinas não podem ser identificados em nenhuma paciente. Estudos demonstraram que a cultura dos conteúdos transvaginais da ectocérvice, do endométrio e do fundo de saco revela organismos diferentes para cada sítio na mesma paciente. Em estudos laparoscópicos, os patógenos cervicais e aqueles recolhidos das tubas uterinas ou do fundo de saco não são idênticos. Por essa razão, os protocolos de tratamento são criados de forma a que o esquema de antibiótico cubra os patógenos mais prováveis. A salpingite clássica está associada e é secundária à infecção por N. gonorrhoeae, mas a C. Trachomatis também é comumente isolada. Outra espécie frequentemente isolada é a T. vaginalis. Os gonococos podem causar uma resposta inflamatória direta na ectocérvice, no endométrio e nas tubas uterinas, sendo um dos patógenos verdadeiros das células epiteliais das tubas uterinas. Se células normais cultivadas de tuba uterina forem expostas a patógenos potenciais, como E. coli, B. fragilis ou Enterococcus faecalis, não haverá qualquer resposta inflamatória. Porém, se essas bactérias forem introduzidas em uma cultura de células tubárias onde haja gonococos presentes e tenham causado danos inflamatórios, o resultado será uma resposta inflamatória exagerada. Por outro lado, a C. trachomatis intracelular não causa resposta inflamatória aguda, e a infecção tubária por clamídia produz pouca ou nenhuma lesão direta permanente às tubas. Entretanto, os mecanismos imunes mediados por células podem ser responsáveis por lesão tecidual. Especificamente, a persistência de antígenos de clamídias pode desencadear uma reação de hipersensibilidade retardada com fibrose e destruição tubárias contínuas. Finalmente, as pacientes com tuberculose pulmonar podem evoluir com salpingite e endometrite. Considera-se que esse patógeno utilize a via hematogênica, mas a via ascendente também é possível. As tubas uterinas também podem ser infectadas por extensão direta de doença inflamatória gastrintestinal, em especial perfuração de abscesso de apêndice ou de divertículo. Fisiopatologia das manifestações clinicas No início do processo, temos os agentes implicados nas cervicites (principalmente a clamídia) instalados no colo uterino, caracterizando o estádio 0 (zero), que denominamos de pré-DIP. A infecção superior ainda não foi instalada, mas há chance em torno de 20% a 30% de que ocorra, sendo essa chance maior quanto menor a idade da mulher. A DIP começa com a ascensão de micro-organismos pelo trato genital, mais precisamente pela passagem destes pelo OI do colo uterino. Este processo é facilitado em dois períodos: período perimenstrual e pós- -menstrual imediato. Ela ocorre mais frequentemente nestes dois períodos pela abertura do colo, pela fluidez do muco cervical imposta pela ação estrogênica, e pela sucção do conteúdo vaginal promovida pela contratilidade uterina. Alguns justificam essa situação pelo fato de o sangue menstrual ser alcalino e também propiciar um meio de cultura O principal sintoma da DIP é a presença de descarga vaginal purulenta, quase sempre acompanhada de dor abdominal infraumbilical, dor em topografia anexial, dor à mobilização do colo uterino e febre. Podem ocorrer também os chamados sintomas atípicos, como sangramento uterino anormal (hipermenorreia ou metrorragia), dispareunia e sintomas urinários. Vale aqui lembrar que algumas mulheres desenvolvem DIP de forma totalmente assintomática. Todo processo começa com uma endometrite, que se caracteriza pela presença de plasmócitos no estroma endometrial. Esta é a manifestação inicial da DIP. É devido à endometrite que a paciente se queixa comumente de dor à mobilização do colo uterino e de dor abdominal infraumbilical. A seguir, o processo infeccioso pode se dirigir às trompas. Nesta, o gonococo e a clamídia causam lesão direta e indireta do epitélio ciliar, que induz à intensa reação inflamatória, caracterizada por edema e infiltrado leucocitário. Isso explica a dor à palpação do(s) anexo(s). Nesse local, com reação tecidual, se inicia a formação de conteúdo purulento, que pode se desprender, passar através das fímbrias e derramar no peritônio pélvico, ocasionando pelviperitonite. Pelo fato de o acúmulo ser maior no fundo de saco de Douglas,esse local se apresenta com maior sensibilidade, desencadeando dispareunia e dor ao toque vaginal e, sobretudo, no fundo de saco de Douglas. Nesse tempo, alças intestinais e epíplon tendem a bloquear o processo purulento, formando o denominado “complexo tubo-ovariano”. A inflamação da superfície tubária pode acarretar a formação de aderências. Estas justificam a queixa de dor pélvica crônica que algumas pacientes apresentam. As aderências podem levar à oclusão do lúmen tubário ou à formação de traves. A oclusão da trompa justifica a sequela de infertilidade por fator tubário que algumas pacientes desenvolvem. Provavelmente, as traves são as responsáveis pelo aumento da incidência de gestações ectópicas. A aglutinação das fímbrias pode produzir oclusão tubária total e a formação de piossalpinge (coleção de pus nas trompas). Com esse conteúdo aprisionado, ocorrem diminuição dos níveis de oxigênio e aumento gradativo na proliferação dos anaeróbios em detrimento dos aeróbios. Esse conteúdo purulento pode se propagar para os ovários, constituindo, então, o abcesso tubo ovariano. Do ponto de vista ultrassonográfico, se tuba e ovário forem identificados e distinguidos, utiliza-se a denominação complexo tubo-ovariano. Se houver inflamação, perdem-se os planos teciduais e não há distinção entre os dois órgãos e passa-se a utilizar a denominação abscesso tubo-ovariano. Os abscessos tubo-ovarianos são caracteristicamente unilaterais e podem envolver estruturas adjacentes incluindo intestino, bexiga e anexos contralaterais. Embora a DIP seja uma causa importante de ATO, esses quadros podem se seguir à apendicite, diverticulite, doença inflamatória intestinal ou cirurgia. Esse pode posteriormente ser esterilizado e formar uma massa multicística com conteúdo citrino estéril, denominado de hidrossalpinge, como forma de sequela do processo infeccioso e inflamatório. Embora menos frequente, o conteúdo do ATO pode aumentar a tensão intra-abscesso e se romper, podendo ocasionar um quadro grave com grande derramamento de pus no peritônio, choque séptico e até levar a óbito. Felizmente, casos letais associados diretamente com a DIP são infrequentes. Em relação à dor, ela é desencadeada a partir da entrada dos agentes na cavidade uterina, tornando-se maior quando o conteúdo purulento contamina a cavidade pélvica. Quando há fusão das fímbrias, poderá ocorrer relativa diminuição da sensação dolorosa e se tornar máxima quando há ruptura do ATO Cabe aqui a lembrança de que, nas infecções por gonococo e clamídia, podem incidir pequenos abscessos na superfície hepática, conhecidos como Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis (SFHC). A também conhecida como peri-hepatite é a afecção caracterizada por processo inflamatório intra-abdominal adjacente ao fígado, secundário à ascensão pela cavidade abdominal, através do trato genital (vagina, útero e trompas). A fase aguda da SFHC caracteriza-se pela presença de exsudato purulento visível na cápsula de Glisson, na ausência de aderências ou acometimento do parênquima hepático. Na fase crônica há as aderências do tipo “corda de violino” entre a parede abdominal anterior e a superfície hepática. As manifestações clínicas incluem dor pleurítica à direita e dor em hipocôndrio direito. Tendo em mente essa fisiopatologia é possível classifica-la em estádios. (Quadro ao lado) Outros estadiamentos: • Estágio 1: endometrite e salpingite aguda sem peritonite. • Estágio 2: salpingite com peritonite. • Estágio 3: salpingite aguda com oclusão tubária ou comprometimento tubo ovariano. Abscesso íntegro. • Estágio 4: abscesso tubo ovariano roto com secreção purulenta na cavidade Quadro Clínico O quadro clínico da paciente com DIP é muito variável de acordo com a gravidade. Inicialmente a paciente se apresenta sem alteração do estado clínico e conforme há progressão da doença é observado piora do estado geral. Existem, no entanto, alguns sinais e sintomas que podem indicar a presença de DIP. A disúria pode ocorrer em 20% dos casos, principalmente se há uretrite. O corrimento genital purulento é referido por 50% das pacientes. Isso ocorre pois, nas mulheres com DIP, a ocorrência de leucorreia ou ectocérvice mucopurulenta é comum, podendo ser diagnosticada visual e microscopicamente. Além disso, a febre pode se manifestar em aproximadamente 30 a 40% dos casos. A dor pélvica aguda é o sintoma principal e se exacerba quando são realizadas manobras de palpação do hipogástrio e/ou das fossas ilíacas. Em geral, durante o exame pélvico bimanual, as mulheres com DIP aguda apresentam sensibilidade à palpação dos órgãos pélvicos. Ao toque vaginal, a mobilização do colo uterino é altamente dolorosa (dor à mobilização cervical – DMC). Este sinal indica pelviperitonite e pode ser considerado como a “descompressão brusca” vaginal. Com a progressão da doença, podem surgir sinais de irritação peritoneal, com exacerbação da dor e ocorrência de náuseas e vômitos. Nesta fase, a peritonite abdominal pode ser identificada pela palpação abdominal, que evidenciará sinais de defesa em 90% dos casos e dor à descompressão em aproximadamente 70% dos casos (sinal de Blumberg positivo). Massa palpável nas fossas ilíacas poderá ser encontrada em aproximadamente 50% dos casos durante o toque vaginal. Os ruídos hidroaéreos quase sempre estão presentes Nas mulheres com DIP e peritonite, apenas o abdome inferior costuma estar envolvido. Contudo, a inflamação da cápsula hepática, que pode ocorrer na DIP, pode levar a dor no quadrante superior direito, no que se convencionou chamar Síndrome de Fitz-Hugh-Curti. Classicamente, o sintoma da peritonite é dor aguda, tipo pleurítica, no quadrante superior direito acompanhando a dor pélvica. A dor no quadrante superior direito pode ser referida ao ombro ou ao segmento proximal do braço. À ausculta, talvez seja possível identificar um ruído de atrito ao longo da borda costal anterior direita. É importante ressaltar que, se durante o exame, todos os quadrantes se mostrarem envolvidos, o médico deverá suspeitar de ruptura de abscesso tubo-ovariano. Dessa forma, entre os sintomas de apresentação estão: dor abdominal baixa e/ou pélvica, secreção vaginal amarela, menorragia, febre, calafrios, anorexia, náuseas, vômitos, diarreia, dismenorreia e dispareunia. As pacientes também podem apresentar sintomas de infecção urinária. No entanto, nenhum sintoma isolado está associado a um achado físico que seja específico para esse diagnóstico. Portanto, outras fontes possíveis de dor pélvica aguda devem ser consideradas Resumo • Pacientes de Risco – mulheres sexualmente ativas, sem atraso menstrual, próximas ao final do período menstrual, múltiplos parceiros que não usam contraceptivos de barreira, DIP prévia. • Dor à mobilização do colo uterino. •Dor Abdominal • Dor Anexial • Dor Lombar • Dispareunia: devida à inflamação dos ligamentos pélvicos ou até mesmo ocasionada por algum grau de peritonite que possa existir na dependência do tempo de evolução; • Corrimento vaginal mucopurulento. • Queixas urinárias: associada à dor, sobretudo na presença de uretrite; • Sangramento intermenstrual: Se dá devido à endometrite fugaz e embora seja comum em usuárias de anticoncepcional de baixa dosagem, deve ser investigado, na suspeita de DIP; • Anorexia, náuseas e vômitos. • Febre (30 a 40% dos casos). Diagnóstico O diagnóstico da DIP pode ser difícil devido à ampla variação de sinais e sintomas, que podem incluir desde sinais leves até dor abdominal intensa. Segundo dados do CDC, 60% dos casos se apresentam na forma silenciosa e subclínica. Dos casos sintomáticos, 36% são leves a moderados, enquanto 4% são mais graves. O diagnóstico é baseado primeiramente na evolução clínica, devendo-se iniciar o tratamento antes da confirmação laboratorial ou de imagem. Vale ressaltar que o diagnóstico é essencialmente clínico, mediante a história e exame físico, os exames laboratoriais podem ser normais em pacientes com DIP, e para o diagnóstico definitivo em alguns casos, pode ser necessário exame laparoscópico.a) Critérios Diagnósticos: Tradicionalmente, o diagnóstico baseia-se na presença de três critérios maiores mais um critério menor, ou na presença de apenas um critério elaborado. De maneira geral, os critérios maiores ou mínimos estão relacionados à presença de dor. Os critérios menores ou adicionais estão relacionados às alterações encontradas no exame físico (com exceção de dor) e nos exames laboratoriais. Os critérios elaborados ou definitivos, por sua vez, estão relacionados às alterações encontradas em procedimentos elaborados (biópsia de endométrio, exames de imagem, videolaparoscopia). Portanto o ginecologista deve estar atento ao elevado nível de suspeição na presença de um ou mais dos critérios mínimos diagnósticos, dessa forma, implantando terapêutica antibiótica precoce e diminuindo a chance de sequelas. Essa forma de diagnóstico não é um consenso na literatura. O critério diagnóstico de DIP mais recentemente recomendado pelo CDC (2015) inclui mulheres sexualmente ativas ou aquelas em risco de desenvolver IST que tenham dor pélvica ou dor abdominal baixa, em que outras causas não possam ser identificadas e apresentem um ou mais critérios mínimos no exame pélvico, a saber: dor à mobilização do colo, dor à palpação do útero, dor à mobilização dos anexos b) Anamnese: Alguns pontos são importantes para se questionar na anamnese: • Duração, curso e localização da dor • Febre • Disfunção miccional, defecação (alterada) • Relação da dor com o ciclo menstrual com tendência de iniciar durante ou logo após a menstruação ou mesmo cursando com perda de sangue intermenstrual • Possibilidade de gravidez • Recente (< 1 mês) inserção de DIU, curetagem ou o parto, lembrando que infecção após parto, cesariana ou pós-abortamento, devido à diferente fisiopatologia e morbimortalidade, não é inclusa como sendo DIP • Apendicectomia, DIP anterior, cálculo urinário ou endometriose na história. • Risco de doença sexualmente transmissível (DST): contato sexual desprotegido com múltiplos parceiros (ou parceiro com contatos múltiplos), novo parceiro, parceiro com sintomas de uretrite ou uma DST comprovada c) Exame Físico: Em todas as mulheres sexualmente ativas, principalmente jovens ou adolescentes, que se apresentem com dores ou desconforto no baixo ventre, ainda que de intensidade discreta, deve ser afastado o diagnóstico de DIP. No exame físico, o ginecologista deve atentar-se, principalmente, para os seguintes tópicos: • Queda do estado geral • Verificação da temperatura corporal em várias aferições • Palpação do abdome tentando evidenciar dor à pressão na região pélvica, se é uni ou bilateral, bem como dor na descompressão súbita ou defesa muscular • Dor em hipocôndrio direito e epigástrio — síndrome de Fitz-Hugh-Curtis — traves fibrosas entre a cápsula de Glisson e o peritônio parietal devido ao processo inflamatório, sem repercussões no parênquima hepático. Ocorrem em 1% a 10% das pacientes com DIP • Exame Especular: observação de presença de secreção purulenta proveniente do colo do útero ou mesmo presença de turvação do muco. Sangramento originado da friabilidade do colo in amado ou do endométrio • Toque vaginal doloroso: dor à mobilização do colo uterino, dor à palpação dos fórnices vaginais, que podem estar abaulados. Pode também ser verificado “preenchimento” ou algum tipo de endurecimento de uma ou ambas as tubas, massa pélvica sensível ou sensibilidade pélvica direta ou reflexa. d) Exames Complementares: Como já foi dito, na maioria dos casos de DIP, o diagnóstico é realizado pela história clínica e por achados ao exame físico. Porém, como muitos casos são subagudos ou silentes, em determinadas situações está justificado o emprego de métodos auxiliares para o diagnóstico. Nas pacientes com dor abdominal baixa, devem ser solicitados exames direcionados ao diagnóstico de infecção pélvica ou à exclusão de outra causa para a dor. Dessa forma, os principais exames complementares e seus achados são: • Hemograma Completo: O hemograma completo é solicitado como exame base para excluir hemoperitônio como causa dos sintomas e identificar eventuais elevações na contagem de leucócitos. Na DIP, evidenciará a presença de leucocitose superior a 10.000-12.000/mm3, com aumento da contagem de bastões. Nas pacientes com náuseas e vômitos significativos ou com síndrome de Fitz-Hugh-Curtis, as enzimas hepáticas podem estar normais ou ligeiramente aumentadas. • Velocidade de hemossedimentação e proteína C-reativa: Embora inespecíficas, auxiliam no raciocínio diagnóstico, somadas às outras alterações; Na quase totalidade dos casos, ambos os exames estarão elevados • Teste de Gravidez: Para exclusão da suspeita de gravidez ectópica ou abortamento séptico. • EAS e/ou Urinocultura: Se corretamente coletado, o exame da urina afastará a possibilidade de infecção urinária. • Sorologia para Sífilis (VDRL), Hepatites B e C, HIV e Imunofluorescência Indireta para Clamídia • Cultura de materiais da cérvice uterina com antibiograma ou NAAT para N. gonorrhoeae: A cultura só tem valor se for realizada em meio específico: para gonococo (Thayer-Martin), clamídia (McCoy), micoplasma e ureaplasma (meio A3 Shepard). Além disso, recomenda-se realização da pesquisa de Gram da secreção cervical, exame a fresco da secreção cervical e pesquisa de imunofluorescência direta para clamídia. • Exame bacterioscópico de outros sítios: Com cultura e antibiograma de material obtido da uretra, por videolaparoscopia ou por punção do fundo de saco posterior (culdocentese, que é usada excepcionalmente). • Ultrassonografia: Nas mulheres com dor e sensibilidade abdominal acentuadas, a avaliação dos órgãos genitais, durante o exame bimanual, pode ser limitada e, nesses casos, a USG é a principal ferramenta para obtenção de imagens. Estes exames poderão revelar a presença de líquido livre na pelve, abscessos tubo-ovarianos e pélvicos. O principal achado ultrassonográfico na DIP é a presença de uma fina camada líquida preenchendo a tuba, com ou sem a presença de líquido livre na pelve. Nos casos com inflamação aguda, as tubas incham, seu lúmen é obstruído distalmente, ocorre distensão e suas paredes e dobras internas ficam espessadas. A USG transvaginal é o método de escolha para a avaliação inicial de dor pélvica, podendo mostrar: · Espessamento da parede tubária > 5 mm (100% sensibilidade); · Septos incompletos intratubários · Sinal da roda dentada (corte transversal). O aspecto em roda dentada ocorre quando são obtidas imagens em corte transversal de tubas inflamadas (95-99% especificidade); · Espessamento e líquido tubário; · Tuba distendida de formato ovoide repleta de líquido anecoico ou ecogênico · Abscesso tubo-ovariano (ATO). A ultrassonografia também pode ser usada para identificar abscesso tubo-ovariano (ATO) ou para excluir outra patologia como fonte da dor. Nos casos com piossalpinge ou com ATO, o power Doppler e o Doppler colorido demonstrarão aumento do fluxo nas paredes e septos. Se a ultrassonografia não levar a um diagnóstico preciso, a tomografia computadorizada (TC) pode ser indicada. Nas pacientes com dor no quadrante superior direito sugestiva de inflamação peri-hepática, talvez haja necessidade de radiografia do tórax ou ultrassonografia do abdome superior para excluir outras patologias. • Tomografia Computadorizada: TC da pelve pode evidenciar alterações nos planos fásciais do assoalho pélvico, espessamento dos ligamentos uterossacros, in amação tubária ou ovariana, coleção líquida anormal. • Ressonância Magnética: A RM pode mostrar: ATO, piossalpinge, líquido intratubário, aparência de policistose ovariana com líquido livre na pelve. A RM tem maior acurácia quando comprada com a USTV para o diagnóstico de DIP (nível 1 de evidência) e pode, portanto, substituir a laparoscopia. • Videolaparoscopia: É o padrão ouro para o diagnóstico de DIP. Realiza a confirmação diagnóstica, procedendo-se, nesta oportunidade, à colheita de material para exame de cultura. Permite a obtenção de um diagnóstico acurado nos casos de salpingitee de um diagnóstico bacteriológico mais completo. O grande problema da videolaparoscopia é que nem todos têm acesso a ela e o seu custo é alto. Os critérios mínimos à videolaparoscopia para o diagnóstico da DIP aguda são: Forma catarral: o útero e as tubas uterinas apresentam-se com aspecto entumescido e edemaciado, e a dilatação dos vasos sanguíneos superficiais lhes confere aspecto de teleangectasias. As tubas uterinas perdem mobilidade, principalmente na porção ístmica, e podem apresentar exsudato de seu interior com manobras de expressão; o peritônio adquire aspecto eritematoso irregular pela congestão vascular e edema; a quantidade de líquido livre é pouca e o aspecto não costuma ser purulento, mas a sua presença em grande quantidade sugere infecção por Neisseria sp. Estado de aderências: as tubas estão espessas, rígidas e encurtadas em toda a sua extensão, e as fímbrias edemaciadas começam a se aglutinar. Pode-se observar saída de pus pelos óstios tubários. O processo inflamatório origina aderências frouxas entre os órgãos pélvicos, que costumam ser facilmente desfeitas através de manobras de dissecção romba. Abscessos pélvicos: a evolução do estado aderencial leva à organização e à proliferação do tecido conjuntivo, com maior vascularização. A formação de abscessos visa a bloquear o processo infeccioso com o envolvimento progressivo da cavidade pélvica a partir da tuba uterina para o ovário, parede lateral da pelve e fundo de saco de Douglas • Biópsia de Endométrio: Nas mulheres sob suspeita de DIP aguda, alguns autores recomendam biópsia endometrial para o diagnóstico de endometrite. A presença de leucócitos polimorfonucleares na superfície endometrial correlaciona-se com endometrite aguda e de plasmócitos, com endometrite crônica. No entanto, as pacientes com leiomiomas uterinos ou pólipos endometriais e sem DIP, em geral, também apresentam plasmócitos no endométrio à biópsia endometrial, assim como praticamente todas as mulheres no quando se examina o segmento inferior do útero. Na opinião de muitos autores a biópsia de endométrio em pacientes com secreções mucopurulentas não acrescenta informações úteis capazes de alterar o diagnóstico ou o tratamento. • Outros Exames Bioquímicos: Depende de cada caso e de sua gravidade: provas de função hepática e renal, avaliação hidroeletrolítica etc. e) Diagnóstico Diferencial: O diagnóstico diferencial deve considerar causas ginecológicas e não ginecológicas antes da instituição da terapêutica. Classificação A DIP pode ser dividida em DIP “silenciosa” e DIP, sendo que a DIP pode ser subdividida em aguda e crônica. a) Doença inflamatória pélvica silenciosa: Acredita-se que essa condição resulte de múltiplas ou contínuas infecções de baixo grau em mulheres assintomáticas. A DIP silenciosa não é um diagnóstico clínico, mas sim o diagnóstico final para mulheres com infertilidade por fator tubário e que apresentem histórico compatível com infecção do trato superior. Muitas dessas pacientes apresentam anticorpos para C. trachomatis e/ou N. gonorrhoeae. Na laparoscopia ou laparotomia, essas pacientes podem apresentar evidência de infecção tubária anterior, como aderências, mas, na maioria delas, as tubas uterinas estão totalmente normais. Internamente, entretanto, existem pregas mucosas planas, deciliações extensas do epitélio e degeneração das células epiteliais secretoras. Alternativamente, é possível encontrar hidrossalpinge. Grosso modo, essas tubas uterinas encontram-se distendidas em toda a sua extensão. Suas extremidades distais estão dilatadas e aderidas e as fímbrias foram substituídas ou estão enclausuradas por aderências. Finalmente a presença de aderências finas entre a cápsula hepática e a parede anterior do abdome pode indicar doença silenciosa prévia. b) Doença inflamatória pélvica aguda: Os sintomas surgem caracteristicamente durante ou logo após a menstruação. Os critérios diagnósticos mais recentes, publicados pelo CDC (2010b) são mulheres sexualmente ativas com risco para DSTs, que se apresentem com dor pélvica ou no abdome inferior e para as quais outras etiologias tenham sido excluídas ou sejam improváveis. O diagnóstico deve ser DIP se estiverem presentes dor uterina, dor em topografia de anexos ou dor à mobilização do colo uterino. A presença de um ou mais dos critérios a seguir aumenta a especificidade diagnóstica: (1) temperatura oral. 38,3°C, (2) secreção mucopurulenta no colo uterino ou na vagina, (3) leucócitos em abundância na microscopia direta com solução salina das secreções cervicais, (4) velocidade de hemossedimentação (VHS) elevada ou proteína C-reativa, aumentada e (5) isolamento de N. gonorrhoeae ou C. trachomatis cervical. Assim, o diagnóstico de DIP é baseado em achados clínicos. c) Doença inflamatória pélvica crônica: Esse diagnóstico é dado para mulheres com histórico de DIP aguda e que subsequentemente apresentam dor pélvica. A precisão desse diagnóstico, em termos clínicos, é muito menor do que para a DIP aguda. A hidrossalpinge poderia ser qualificada como um critério para esse diagnóstico. Entretanto, trata-se de diagnóstico histológico (inflamação crônica) feito por patologista. Por isso, sua utilidade clínica é restrita Estadiamento para conduta Conduta O tratamento da DIP tem a finalidade de resolver o quadro infeccioso atual e prevenir as possíveis complicações futuras. Nesse sentido, deve ser iniciado o mais precoce possível, ainda que o diagnóstico seja apenas presumível. a) Orientações: • Individualizar tratamento conforme disponibilidade, custo e aceitação do paciente; • Atentar para a presença de outras ITS associadas e rastrear outras infecções. Testes sorológicos para HIV, sífilis e hepatites sempre devem ser solicitados, bem como rastreamento de neoplasias associadas como a infecção pelo HPV (rastreamento do câncer do colo uterino e seus estados precursores); • Compreender que a contaminação nem sempre ocorreu recentemente, mas que o parceiro atual é aconselhado a ser examinado, mesmo que ele não tenha queixas. Independente de se conseguir este objetivo, o parceiro deverá ser orientado para o tratamento de agentes das cervicites (clamídia e gonococo); • Orientar medidas gerais como repouso e hidratação, e que nos casos de condução ambulatorial a temperatura seja aferida e a curva térmica seja anotada para análise ao retorno. • Nos casos de associação com DIU, a remoção ou permanência do dispositivo deverá ser individualizada. Não há evidência de benefícios com retirada, mas nesse caso a paciente deverá ser internada e o dispositivo, removido após mínimo de 6 horas do início da antibioticoterapia endovenosa. Torna-se necessário também aconselhamento na área de contracepção. • Nos casos de DIP leve ou moderada, o tratamento oral ou parenteral parece apresentar eficácia semelhante. A decisão de tratamento em âmbito ambulatorial ou hospitalar depende do julgamento médico, sendo que a presença das seguintes situações sugere o tratamento com a paciente internada. • Indicações de internamento: · Emergências cirúrgicas (por exemplo, apendicite) não podem ser excluídas; · Presença de ATO ou peritonite; · HIV+ ou imunossuprimidas; · Uso de DIU; · Antibioticoterapia oral não tolerada ou não efetiva; · Estado tóxico e grave de início; · Gravidez b) Tratamento: Segundo o CDC (2015), em virtude da dificuldade de diagnóstico e do potencial dano à saúde reprodutiva da mulher, mesmo nas DIP leves ou subclínicas, o tratamento empírico deve ser iniciado em mulheres jovens sexualmente ativas e naquelas com risco de IST, que apresentem dor pélvica sem que nenhuma outra causa possa ser identificada além da DIP e que possuam pelo menos um critério mínimo no exame pélvico. Neste contexto, a indicação de um determinado tipo de tratamento deve considerar disponibilidade, custo, aceitação da paciente e susceptibilidade antimicrobiana. Na prática, frente a uma paciente com DIP, a principal dúvida que se impõe é se o tratamento é ambulatorial, hospitalar ou cirúrgico. Em geral, é o estado clínico da paciente querege a indicação do tratamento. Além disso, os esquemas de antibioticoterapia são considerados de forma empírica, devem ser de amplo espectro e instituídos precocemente. Devem focalizar em cobrir aeróbios e anaeróbios participantes da flora vaginal que se encontrem envolvidos no processo infeccioso, e, na mesma ocasião, ou posteriormente, atingir clamídia, gonococo e micoplasmas. B2) Ambulatorial: Aplica-se a mulheres que apresentam quadro clínico leve, exame abdominal e ginecológico sem sinais de pelviperitonite, que possam ingerir medicação por via oral e que não estejam incluídas nos critérios para tratamento hospitalar. -Nos casos de tratamento ambulatorial, acompanhar a paciente a cada 2 dias e instruí-la a retornar ao serviço caso haja piora dos sintomas. Nos casos de internamento, avaliar clinicamente, duas vezes ao dia. - Avaliar a resposta depois de instituída a antibioticoterapia após 48 a 72 horas, sobretudo, quanto às queixas de dor e temperatura. Lembrar que, eventualmente, para se obter resposta, pode-se estender a terapia mais um ou dois dias, devendo-se avaliar cada caso em particular. B2) Hospitalar: Geralmente, é indicado nas seguintes situações: · Emergências cirúrgicas não podem ser excluídas (ex.: apendicite, abscesso tubo-ovariano roto); · O diagnóstico é incerto · Presença de abscesso tubo-ovariano; · Quadro grave com sinais de peritonite, náuseas, vômitos ou febre alta (maior que 39ºC); · Gestantes; · Pacientes imunocomprometidas (HIV positivas com níveis baixos de CD4, ou em uso de terapia imunossupressora, ou outros quadros debilitantes); · Ausência de resposta adequada ao tratamento ambulatorial nas primeiras 72 horas; · Intolerância ou baixa adesão ao tratamento ambulatorial Nos casos de ATO íntegro, idealmente, deve-se selecionar antibioticoterapia de amplo espectro. A maioria das pacientes com ATO responde apenas à antibioticoterapia sem necessidade de drenagem. Os esquemas combinando antibióticos são mais bem-sucedidos. Os mais empregados são clindamicina/gentamicina, com ou sem ampicilina, e ampicilina/gentamicina/metronidazol. Devem fazer parte do esquema de antibióticos o metronidazol ou a clindamicina, sempre, iniciados em âmbito hospitalar endovenoso, com tempo mínimo de internamento de 24 horas. À medida que a paciente melhora e não apresenta quadro de temperatura elevada, o esquema pode ser trocado para VO, a clindamicina (450 mg VO 6/6h) ou o metronidazol (500 mg VO 12/12h) para completar pelo menos 14 dias de tratamento juntamente com doxiciclina ou azitromicina. Na presença de ATO, sugere-se a continuação do tratamento após a alta, com azitromicina 500 mg/dia (ou doxiciclinia 100 mg cada 12/12h), associados ao metronidazol 500 mg cada 12/12 horas prologado por mais 3 semanas. Em todos os casos, em associação, o parceiro deverá receber 1 g de azitromicina em dose única. Para aquelas que não apresentarem melhora com 2 a 3 dias de tratamento, há indicação de alterar o esquema de antibióticos antes da tentativa de drenar o abscesso. Para os abscessos mais volumosos ( 8 cm) pode-se considerar drenagem associada à antibioticoterapia como abordagem inicial. A drenagem com assistência radiológica é um procedimento minimamente invasivo e evita os riscos elevados associados à anestesia geral e à cirurgia. Em geral, as coleções pélvicas podem ser drenadas pelas vias transabdominal, transvaginal, transglútea ou transretal sob direcionamento por TC ou por ultrassonografia além de analgesia adequada. Dependendo de tamanho e características do abscesso, seu conteúdo poderá ser retirado com aspiração por agulha ou com instalação de cateter e drenagem em curto prazo. Nos casos de abscesso que se estenda até o fundo de saco vaginal ou mesmo abscesso em fundo de saco de Douglas que se encontre acoplado à cúpula vaginal, em algumas situações opta-se por sua drenagem pela via vaginal, com coleta de material para pesquisa de agentes. O procedimento de culdocentese (punção do fundo de saco de Douglas), também, pode ser realizado em determinadas ocasiões como auxiliar no diagnóstico. Nos casos refratários ou não acessíveis a essas medidas mais conservadoras, há indicação de laparoscopia ou laparotomia exploratórias. Naquelas com ruptura de ATO, há necessidade de cirurgia de emergência. Os objetivos da cirurgia são drenagem do abscesso, excisão de tecidos necróticos e irrigação da cavidade peritoneal. Como ocorre com todos os abscessos, a drenagem é chave para a melhora clínica. A infecção restrita a um órgão, como na piossalpinge, responde mais favoravelmente à antibioticoterapia em razão de suprimento sanguíneo e drenagem linfática adequados. Isto é verdade mesmo quando a tuba está aderida ao ovário adjacente. Entretanto, o abscesso em fundo de saco ou entre alças provavelmente necessitará de drenagem em razão de suprimento sanguíneo e drenagem linfática deficientes e de resposta mais lenta à antibioticoterapia. Após tratamento conservador bem-sucedido, abscessos anexiais bilaterais não equivalem a garantia de infertilidade. Em um ensaio clínico que avaliou essas pacientes, 25% delas engravidaram subsequentemente. B3) Cirúrgico: Suas principais indicações incluem: · Falha do tratamento clínico; · Presença de massa pélvica que persiste ou aumenta, apesar do tratamento clínico; · Suspeita de rotura de abscesso tubo-ovariano; · Hemoperitônio; · Abscesso de fundo de saco de Douglas. As opções de tratamento cirúrgico incluem a videolaparoscopia e a laparotomia. * Obs.: A cirurgia (videolaparoscópica ou laparotômica) deve ser a mais conservadora possível. É recomendável drenar abscessos, lavar exaustivamente a cavidade e coletar material para cultura. Videolaparoscopia: É recomendada nos casos de dúvida diagnóstica (DIP, apendicite e prenhez ectópica) e na ausência de resposta à terapia parenteral após 72 horas. Além disso, caso as condições clínicas da paciente permitam, a abordagem primária por videolaparoscopia favorecerá resultados imediatos. As vantagens são: · Permite o diagnóstico e estadiamento da infecção, bem como a avaliação inicial do prognóstico reprodutivo com maior visualização da cavidade peritoneal e coleta direcionada de material para análise microbiológica · Possibilita a lavagem exaustiva da cavidade na vigência de processos inflamatórios, com a finalidade de diluir e retirar possíveis agentes contaminantes, debris teciduais e tecidos necróticos. Esta medida reduz o impacto na determinação de aderências e, possivelmente, determina menor comprometimento do futuro reprodutivo dessas pacientes. Logo, promove menor agressão tecidual na manipulação das estruturas envolvidas. · Admite a aspiração de secreções purulentas peritoneais, liberação de aderências e o tratamento de coleções purulentas associadas Laparotomia: Reservada para casos de emergência que cursam com instabilidade hemodinâmica, como rotura de abscesso tubo-ovariano. Seguimento As pacientes com DIP devem ser reavaliadas em até 72 horas e hospitalizadas se o seu estado não melhorar. 1. Nos casos de tratamento ambulatorial, acompanhar a paciente a cada 2 dias e instruí-la a retornar ao serviço caso haja piora dos sintomas. Nos casos de internamento, avaliar clinicamente, duas vezes ao dia. 2. Avaliar a resposta depois de instituída a antibioticoterapia após 48 a 72 horas, sobretudo, quanto às queixas de dor e temperatura. Lembrar que, eventualmente, para se obter resposta, pode-se estender a terapia mais um ou dois dias, devendo-se avaliar cada caso em particular. 3. A resposta ao tratamento deverá ser avaliada através de: · Melhora do estado geral · Melhora do quadro térmico (requisitar aferição da temperatura ao mínimo a cada 6 horas) · Melhora da dor evidenciada através da palpação e toque vaginal · Melhora das provas inflamatórias (leucocitose, bastonetose, VHS e proteína C reativa), que devem ser realizadas a cada 2 dias · Ecografia demonstrando manutenção ou ausência de aumento das dimensões nos casos de ATO. Deverá ser realizada, no mínimo, a cada 2 dias · Em casos de não evidênciade melhora, avaliar a necessidade de intervenção cirúrgica, sobretudo, na possibilidade de existência de foco de abscessos em outros locais abdominais (goteiras parietocólicas, subfrênico, peri-hepático na Síndrome de Fritz Hugh Curtis, etc.), ou resistência ao esquema ou dose dos antibióticos inicialmente utilizados. · Alta após a melhora clínico-laboratorial, que ocorre habitualmente após 5 a 7 dias, com esquema de antibiótico para uso via oral em domicílio. · Para alta sempre deve ser considerada a ausência de temperatura elevada, quando existente, por, no mínimo, 2 dias. · Na alta, marcar seguimento no ambulatório de Infecções em Ginecologia e Obstetrícia, em que deverá ser discutido eventuais consequências à fertilidade e possíveis risco de gravidez ectópica, bem como aconselhamento sobre prevenção de ITS e acompanhamento ambulatorial · Nos casos de ATO, a indicação cirúrgica para drenagem e remoção de áreas desvitalizadas ocorre em cerca de 20% do total de casos. O maior diâmetro da imagem do abscesso avaliado através da USG inicial demonstrou poder ser considerado como fator prognóstico da indicação cirúrgica. Observou-se entre 80 casos de ATO que, quando esse diâmetro é maior que 10 cm, a chance da necessidade de drenagem cirúrgica é de 80%, enquanto que, quando menor que 5 cm, foi próximo a zero. Nos casos de rotura do ATO, a indicação cirúrgica é obrigatória · No seguimento, pôde-se observar complicações tardias, sendo mais frequentes a gravidez ectópica e infertilidade, assim como DIP crônica com dor pélvica e maior chance de recorrência. Tais complicações são mais frequentes quando o processo inicial ocorreu em idade precoce (adolescentes), naqueles que existia a clamídia causando cervicite, quando o diagnóstico e o tratamento foram retardados e quando houve formação precoce de ATO Prevenção Rastreio e tratamento dos agentes das cervicites de mulheres sexualmente ativas reduzem risco para DIP