Prévia do material em texto
Antes do último baile verde. Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles, é uma reunião de narrativas escritas entre 1949 e 1969. Com uma abordagem crítica, fazendo denúncias veladas, o livro foi considerado o mais bem-sucedido da autora. Nele a escritora examina, com olhar solitário e crítico, os mais variados destinos. Dividido em 18 contos, uma prosa fluente e sedutora, o livro facilmente desperta interesse no leitor, tornando Lygia uma das autoras mais admiradas de sua geração. A escrita da autora atrai ao abordar conflitos amorosos, fazer descobertas surpreendentes e criar tensões entre o desejo e a consciência moral da sociedade que apresenta. é o primeiro conto e narra o diálogo entre o marido e sua mulher sobre os objetos comprados, os seus valores e suas representações. Como o peso de papel que só tem função se está sobre papéis e um anjinho que só tem valor quando tocado, pois, ganha vida. fala sobre dois irmãos, o mais velho, Rodolfo, e o caçula, Eduardo. O mais novo sempre foi o preferido da mãe, e o mais velho vivia a serviço do querer dele por intervenção da mãe. O mais velho sempre mais calado e quieto cresceu e vivia sozinho; a única coisa que sentia ter como sua era a escrita, ele era escritor. Já o mais novo era casado, animado. Foi numa visita que fez ao irmão que lhe declarou também ter escrito um romance, roubando assim a única coisa pertencente ao irmão mais velho. é a história de uma mulher velha e rica. Tinha um homem rico que a sustentava, um jovem que lhe satisfazia e um professor espiritual com quem dormia. Possuía jóias, tapetes e uma mansão, no entanto vivia infeliz. Vivia na saudade do seu grande amor, um saxofonista que se dedicara a ela completamente, ela era a música dele. Ele tocava com paixão o saxofone e assim mantinha a mulher. Mas a relação se desgastou a ponto dele ir embora enojado. E assim ela vivia só com a lembrança. fala de um jovem do sul do Brasil que vivia em férias na Alemanha, logo assumindo uma vida alemã. Em uma das férias passou pela guerra, não seria mais aceito no Brasil. Vivia ali de uma espécie de tráfico de alimentos. Foi lá que conheceu Helga, uma alemã por quem se apaixonou, ela tinha uma cara perna ortopédica. Chegou a noivar, o pai dela propôs que iniciassem o tráfico de penicilina, mas faltava o investimento inicial. Foi assim que ele casado com Helga roubou-lhe a perna ortopédica e desapareceu voltando, tempos depois, rico para o Brasil. narra a história de um chofer de caminhão que se instalou em uma pensão. Nela viviam inúmeros anões e uma mulher com seu marido que era saxofonista, um homem traído e conformado. Na pensão havia quartos separados, quando a esposa estava com outro homem o marido tocava o saxofone de uma forma deprimente, isso incomodava de mais o chofer. Quando ele se encontrou com a mulher do saxofonista marcaram um encontro. Ela explicou qual era a porta, no entanto quando ele chegou teve com o saxofonista, conformado como era indicou a direção e ao ser questionado do por que não fazia nada afirmou que tocava o saxofone. Com isso o chofer partiu da pensão. narra a preparação da jovem Tatisa para o carnaval. Com ajuda da sua empregada pregavam, nos últimos minutos, as lantejoulas na saia da moça, nesse momento a empregada se inquietava, pois iria se atrasar para o encontro com seu homem e também discutiam o fato de que o pai de Tatisa vivia seus últimos minutos. Ainda antes de sair, a menina duvidosa da proximidade da morte do pai, desejava ir ao baile. Assim, as duas saíram à porta deixando o pai de Tatisa desfalecendo. fala de um homem que visitando uma loja de antigüidades encontra uma tapeçaria velha onde encontra alguma lembrança que não reconhece. Torna-se preso à imagem e se sente como personagem da caçada que ela ilustrava. Passou a ir à loja com freqüência para observar a peça e foi na frente dela que teve um ataque cardíaco. fala de um casamento saturado, onde Tom e sua mulher se arrumam para um jantar, enquanto ele insatisfeito reclama e pensa na inutilidade desses jantares e no quanto gostaria de ficar ali dormindo. narra a noite de uma cantora que alcança o momento de brilho de sua carreira em um concerto na China. Recebe em casa, depois do show, seu empresário e conversam sobre a carreira dela e sobre a desumanidade dos empregados dali. Porém, depois que o empresário se vai a cantora junta a seu cachorrinho e se aterrorizam com a escuridão e com a suposta presença do empregado no aposento. narra a conversa entre um homem e uma mulher. O homem chega ao quarto da mulher, se aproxima da janela dizendo que seu filho morrera ali e que na janela havia uma roseira que seu filho amava. A mulher o questiona, mas ele pouco responde, preso à lembrança do filho. A mulher então lhe oferece um refresco ao que ele aceita, mas quando ela retorna ao quarto vem acompanhada de médicos, ele lhe pergunta o motivo e sem necessidade da camisa de força os médicos o levam embora. fala da espera de uma mulher, enquanto observa uma nova borboleta em uma rosa, por sua convidada ao chá, uma jovem de 18 anos que trabalha com seu marido. A empregada que está com ela pergunta se tal moça é a que liga atrás do patrão e ela afirma que sim. Depois, limpando as lágrimas, a mulher caminha até o portão para receber a jovem que vem chegando, enquanto a empregada vai buscar o chá e três xícaras, caso o patrão venha também. fala sobre o chamado Tio Ed casado com Daniela, um jardim selvagem. A princípio, em confidência com a sobrinha, a Tia Pombinha, irmã de Ed, desaprova o casamento, dizendo que Daniela vive constantemente com uma luva em uma das mãos a qual ninguém vê. No entanto, depois de conhecê-la a acha um amor. Depois de um tempo a empregada da casa conta à sobrinha de Ed que viu Daniela matar o cachorro da casa com um tiro na cabeça, essa afirmava que só lhe poupou da dor que a doença lhe causava. Por isso, a empregada havia pedido até demissão. Dias depois chegou a notícia que Ed estava doente e, mais tarde, que ele se matara com um tiro na cabeça. narra o diálogo de uma senhora com uma mulher em uma barca que cruza o rio no dia de natal. A mulher trás no colo o filho doente a quem está levando ao médico, durante a viagem ela conta a senhora de como perdeu o filho mais novo quando ele pulou do muro intencionando voar e como o marido a abandonou mandando uma carta depois. A senhora, sem saber o que dizer, arruma a manta do bebê e percebe que ele estava morto, nesse ponto a embarcação chega e ela se precipita pra descer não querendo ver a dor da mulher. Porém, assim que descem o bebê acorda e a senhora vê a mãe e a criança partirem. trata da despedida de dois amantes em um restaurante. A mulher desesperada e apaixonada tristemente suplica para que o homem a visite, mas ele afirma que acabou. No entanto, diz que foi bom durante todo o tempo e não quer romper como inimigos. Ela assume um ar sarcástico e o questiona sobre a noiva, depois lhe pede que vá embora, partindo sozinha. fala da história de um casal que depois de um tempo que já haviam rompido o relacionamento, devido às súplicas do homem se reencontram. Ricardo marca um encontro no cemitério, Raquel vai relutante e assim conversando ele a conduz até o jazigo que dizia ser de sua família. Ele a leva até lá a fim de mostrar, no túmulo, a fotografia da sua prima que tinha olhos parecidíssimos com os de Raquel. Quando entra no jazigo Raquel vê que a data da morte da moça era muito antiga para ter sido prima de Ricardo, mas a esse ponto ele já havia fechado o jazigo, trancou até a fechadura e depois foi embora, enquanto crianças brincavam na rua. fala sobre um homem oprimido pelo casamento que o afastou dos amigos. A mulher, criadana perfeita educação das aparências, também passa isso para a filha Gisela. Ele abandonara o jornalismo e se tornara sócio do sogro no ramo de máquinas agrícolas apenas para manter o padrão que Fernanda exigia. fala sobre Tomás e Lavínia, que são casados. Ela se prepara para uma reunião e ele sentado observando-a se arrumar já imagina o que acontecerá na reunião, vê a mulher com Roberto na sacada, próximos, sem palavras, mas sabendo que se amam. Ele fica incentivando-a a ir. Quando ela procura o colar de pérolas, para finalmente ir para a reunião, não o encontra. Ele o escondera para diminuir a realidade do que aconteceria na sacada, mas quando ela estava na calçada ele diz achar o colar e o entrega a Lavínia. narra a ida do menino e sua mãe ao cinema. Enquanto caminham ele vai orgulhoso por causa beleza da mãe. Quando chegam ao cinema, ela, que caminhara apressada na rua, se demora na porta do cinema e manda o menino comprar doces. Finalmente entram na sala e passam por muitos acentos com vaga para duas pessoas até que chegam a um com lugar para três. O filme começa e o menino reclama da enorme cabeça na sua frente, ele tenta mudar de lugar, mas a mãe não deixa, até que se senta na cadeira vaga um homem. Depois de alguns momentos a cabeça que o atrapalhava sai do acento e nessa hora ele vê a mãe de mãos dadas ao estranho do lado. Daí para frente a imagem da mão branca da mãe e da mão morena do homem o perturba. Pouco antes do fim do filme o homem parte. Ele e a mãe vão embora, ela alegremente. Chegando à casa encontram o pai e o menino então chora. Enredo – O Conto “Antes do baile verde “, trata de uma preparação para um imperdível baile. Tatisa, a dona da casa, e sua empregada Lu conversam e se preparam para brincar o carnaval. Porém, no quarto ao lado, o pai de Tatisa sofre isolado a ânsia da morte. Estes dois fatos, a expectativa da festa e a expectativa da morte, produzem grande tensão. À medida em que a tensão aumenta, revela o drama em que o cômico se mistura com trágico percebidos nos índices metafóricos na fala de Tatisa “(...) meu sangue está fervendo!” (p.76). Percebe-se uma plurissignificação pois, sede e calor aqui estão fortemente relacionados com a opressão gerada pelos dois fatos: a festa e a morte. Lu sem entender completamente a situação da colega questiona-a “(...) mas você está quase nua!” (p.75). Sem saber que o problema da amiga era mais psicológico do que físico. A concentração se passa principalmente no quarto, local onde praticamente toda trama é desenvolvida. PERSONAGENS Personagens principais – Tatisa, a dona da casa, personagem de característica plana que luta com um dos maiores gigantes, que é consigo mesma procurando fugir da realidade. Em torno dela, o narrador focaliza toda trama, ela é a personagem protagonista. Sabe-se também que era fumante por uma destas afirmações da personagem” Você pegou meu cigarro?” (p.78). Lu, personagem plana, é quem presencia todo o drama vivido por sua patroa. Procura adiantar o máximo que pode na confecção da fantasia de Tatisa com quem dialoga. Socialmente pode-se dizer que Lu possuía poucas posses em relação à Tatisa pois, sua função de empregada a classifica com menos poder aquisitivo. O vício de fumar era comum a ambas, percebe-se no diálogo entre elas” você pegou meu cigarro? Tenho minha marca, não preciso dos seus (p.78). E também deficiente visual “Estou sem óculos, não enxergo direito sem os óculos” (p.74). O pai de Tatisa, que estava enfermo, seu nome não é mencionado no conto e é o responsável (indiretamente) por grande parte da tensão de sua filha. Pela descrição que pelo narrador fornece é que sua tensão não deveria ser inferior à da filha, porém, antagonicamente. O texto diz que ele estava no quarto ao lado e ao ouvir toda a murmuração da filha dizendo que ele poderia morrer outro dia, mas não no dia do baile! Acrescido a isso, a tentativa de conseguir outra pessoa para ficar com ele, é bem agonizante presenciar isto de um filho. Outras Personagens – aparecem no texto, mas, não possuem nenhuma relevância. Raimundo, o namorado de Lu - os meninos que cantavam e gritavam - o médico - um bando de meninos que brincavam na calçada e um homem - que passou vestido de mulher. O TEMPO Embora não esteja marcado diretamente por horas e outros subsídios dessa natureza é possível afirmar que o conto “Antes do baile verde “, apresenta uma ordem cronológica pelos acontecimentos sucessivos e o desfeche da história. A duração está subentendida que foram algumas horas de um mesmo dia. Alguns índices são percebidos na fala de Lu “(...) não posso perder o desfile Tatisa! (...) às dez em ponto ele vem buscar!” (p.71-72), entre essas e outras expressões como: (fica hoje!), (esta noite), (se atrasar, ainda hoje apanho!) (p. 78-80), mostra-nos que a diegese se compreende em um mesmo dia. Temos neste conto “Antes do baile verde” uma Isocronia, pois a fábula acompanha o mesmo tempo da narração. ORDEM “(...) você já se enganou uma vez, lembra?” (p. 75). Nessa fala de Tatisa temos uma acronia. “(...) No outro carnaval entrei num bloco sujo e me divertia grande” (p. 76). Sabe-se que foi em um carnaval, porém não é possível delimitar quando portanto, podemos afirmar que houve uma analepse externa acrônica. “(...) No ano passado ele ficou de porre os três dias, fui sozinha ao desfile” (p. 77). Analepse externa encontramos nessa citação na fala de Lu pois, ela retoma um acontecimento do ano passado que está registrado antes do início do conto (diegese). Características também do tempo psicológico. E, Tatisa interrompe metaforicamente “(...) e eu na cama podre de gripe!” (p. 76). Está presente no conto “Antes do baile verde” num tempo histórico social, o carnaval. Conhecida como uma das maiores festas comemorada pela sociedade. As características carnavalescas juntamente com os preparativos para um baile em que as fantasias deveriam ser verdes e Tatisa estava tão caracterizada que até seu biquini era verde. AMBIENTE - a preocupação com a festa deixou o ambiente descuidado pois, o quarto estava como que um ladrão tivesse o saqueado e, em nenhum momento é mencionado à preocupação em arrumá-lo “O quarto estava revolvido como se um ladrão tivesse passado por ali e despejado caixas e gavetas” (p. 72). RELIGIÃO – diretamente, o conto não menciona, mas, em uma das falas de Lu (a empregada) percebe-se o emprego do espaço utópico. A crença em um ser Divino capaz de fazer milagre, “(...) - Que é que posso fazer? Não sou Deus, sou?” (p. 76). Em contrapartida, Tatisa vive o drama do espaço atópico, o contraste entre a ansiedade e a realidade lhe proporciona situações maléficas.” O que está me endoidando é este calor, não agüento mais, tenho a imprensão de que estou derretendo, você não sente?” (p. 74). Na fala de Tatisa, “(...) Vamos rápido, não pare, dessa forma irei me atrasar” (p. 74). Constata-se a tensão e o desejo que a ornamentação estivesse pronta para o baile. Expressões iguais e semelhantes a esta estão constantemente presente no conto dando-lhe essa característica. NARRADOR - O conto é narrado em terceira pessoa e o narrador é ausente absoluto dos fatos, não possui nenhum envolvimento na condição de personagem, apenas narra suas percepções e são características do narrador heterodiegético. OPINIÃO CRÍTICA O carnaval é uma festa dos sentidos. Pessoas dedicam o ano inteiro para se desbaldarem em apenas alguns dias. Essa comemoração é tão importante para Tatisa a ponto de a emoção tomar conta da razão. Nem mesmo a grande possibilidade de seu pai vir a óbito a sensibiliza para mudar de idéia. Ao contrário disto, procura a todo instante achar em si mesma, respostas que a exima da culpa em deixar seu pai só. Sendo assim, distribui culpas a diversas personagens. Aquelemédico miserável. Tudo culpa daquela bicha. Eu bem disse que não podia ficar com ele aqui em casa, eu disse que não sei tratar de doente, não tenho jeito, não posso! Se você fosse boazinha, você me ajudava, mas você não passa de uma egoísta, uma chata que não quer saber de nada. Sua egoísta! (...) ele viveu sessenta e seis anos. Não podia viver mais um dia? (p.78-79). E por fim decide ir ao baile independente de conseqüências que poderia sofrer, em seguida, age friamente abandonando o pai solitário! “(...) Rolaram pela escada algumas lantejoulas verdes na mesma direção, como se quisessem alcançá-las” (p. 82). As lantejoulas se assemelham com a personagem Tatisa que busca razões para se autojustificar, porém em vão. Edgar Allan Poe na sua obra Poemas e Ensaios, expõe sua arquitetura e forma, que o levou a selecionar cada partícula que haveria culminar em um dos mais belos poemas já apresentados, “O corvo “. Um de seus elementos selecionados foi a morte e explica o porquê desta escolha Então, jamais perdendo de vista o objetivo – o superlativo ou a perfeição em todos os pontos -, perguntei-me: “De todos os temas melancólicos, qual, segundo a compreensão universal da humanidade, é o mais melancólico?” A Morte – foi a resposta evidente. “E quando”, insisti, “esse mais melancólico dos temas se torna o mais poético?” (POE, Edgar Allan. Poemas e Ensaios.Trad. Oscar Mendes e Milton Amado. São Paulo: Globo, 1993. 3. ed. Revista p.16). A autora do conto “Antes do Baile Verde” Lygia Fagundes Telles, expressa essa marca encontrada em POE, usando também este tema melancólico, a morte. Em vários contos de sua autoria o assunto morte possui grande significação com expressão textual exemplo: em “A caçada“ o homem passa de caçador a caçado e morre com a seta disparada pelo caçador; em “As cerejas” a notícia da morte do menino Marcelo é recebido pela madrinha que friamente não se importa; em “Venha ver o pôr-do-sol” o clima funesto (o cemitério) seguido da prevista morte de Raquel presa na catatumba; e em “Antes do baile verde” a agonizante tensão e expectativa da morte do pai de Tatisa. Esse tema lutuoso dá uma concatenação importantíssima encaminhando o leitor na ficção que, em muitas vezes, ocorre a verossimilhança.