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1 FRATURAS EXPOSTAS Gizelle Felinto INTRODUÇÃO ➢ Os traumas de alta energia estão cada vez mais frequentes e são responsáveis por boa parte das fraturas expostas ➢ O tratamento das fraturas expostas é um pouco mais difícil do que o tratamento das fechadas, principalmente porque uma fratura exposta comunica o foco de fratura com o meio externo, fazendo com que essa região seja uma área contaminada. Além disso, isso também se deve ao fato de os traumas que causam esse tipo de fratura são de alta energia ➢ É muito comum se ter fraturas expostas ocasionadas por acidentes de trânsito ➢ Tem alta incidência de: • Complicações • Sequelas → Ex: amputações, osteomielites, rigidez articular, pseudoartrose... • As fraturas expostas apresentam bem mais complicações e sequelas do que as fechadas ➢ DEFINIÇÃO DE FRATURAS → trata-se de uma lesão de partes moles com um osso fraturado abaixo • Lesão de partes moles → pode ocorrer tanto em fraturas fechadas como em fraturas expostas ▪ Flictenas → a presença de flictenas indica uma lesão mais extensa de partes moles, independentemente de a fraturas ser exposta ou fechada • Em fraturas expostas → tem-se a comunicação do meio externo com o foco de fratura ▪ Nem sempre se visualiza o osso nas fraturas expostas ▪ Não é raro um paciente com fratura exposta ter perda óssea associada FATORES ENVOLVIDOS ➢ Nas fraturas expostas tem-se uma lesão com maior absorção de energia, fazendo com que ocorra uma maior desvascularização tecidual, tanto óssea quanto do invólucro de partes moles ao redor do osso. Associado a isso, devido a comunicação do meio externo com o meio interno, tem-se uma contaminação bacteriana do meio externo. Isso tudo faz com que se tenha um menor potencial de consolidação óssea da fratura, devido ao dano vascular, e um maior potencial de infecção, devido à contaminação bacteriana ➢ Ou seja: • Desvascularização tecidual = menor potencial de consolidação óssea • Contaminação bacteriana do meio externo = maior potencial de infecção COMPLICAÇÕES DAS FRATURAS EXPOSTAS ➢ Essas complicações decorrem dos fatores envolvidos com as fraturas expostas (desvascularização e contaminação bacteriana) ➢ Principais complicações que podem ser observadas: • Infecção • Pseudoartrose → devido ao dano vascular e à infecção bacteriana associada • Perda de Função → em grande parte dos casos, essas fraturas expostas são oriundas de traumas de alta energia, o que faz com que as lesões sejam mais graves, podendo levar a uma perda de função • Perda do Membro: ▪ Amputação Traumática → alguns pacientes com fraturas expostas já chegam no hospital com o membro praticamente amputado em decorrência do trauma, sendo caracterizado como uma amputação traumática ▪ Amputação Cirúrgica → em alguns casos, a fratura e a lesão de partes moles são tão complexas que o paciente pode evoluir, nos dias seguintes, com uma infecção grave, ao ponto de ter que se indicar uma amputação cirúrgica, na tentativa de preservar a vida do paciente CLASSIFICAÇÃO DE GUSTILO E ANDERSON ➢ Parâmetros utilizados para classificação de uma fratura exposta: • Tamanho do ferimento • Grau de contaminação do ferimento • Tipo de traço de fratura ➢ GUSTILO TIPO I → deve preencher todos os seguintes 3 critérios: • Ferimento cutâneo < 1cm • Ferida limpa → não se vê nenhuma contaminação grosseira no ferimento • Traço de fratura simples → tipo A da classificação AO (espiral, oblíquo ou transverso) ➢ GUSTILO TIPO II: • Ferimento cutâneo > 1cm (porém, deve ser < 10cm) • Lesão de partes moles moderada (principalmente relacionado à contaminação) • Traços de fratura mais ou menos simples → semelhante ao tipo B da classificação AO ➢ GUSTILO TIPO III: • Critérios: ▪ Ferimento cutâneo > 10cm ▪ Lesão extensa de partes moles ▪ Traço de fratura complexo → fraturas tipo C da classificação AO (cominutivas, segmentares...) ✓ Fratura multifragmentar (perda óssea) • Subtipos → após a cirurgia primária ▪ GUSTILO TIPO IIIA: ✓ Cobertura óssea adequada Fraturas Expostas 2 FRATURAS EXPOSTAS Gizelle Felinto ✓ Quando após o procedimento cirúrgico, mesmo o ferimento sendo > 10cm, consegue-se fazer uma boa cobertura óssea → ou seja, após a cirurgia não ficou tecido ósseo exposto ▪ GUSTILO TIPO IIIB: ✓ Sem cobertura óssea adequada ✓ Paciente teve uma perda de partes moles que, após o procedimento cirúrgico, impossibilitou a cobertura óssea adequada ▪ GUSTILO TIPO IIIC: ✓ Fratura exposta com lesão vascular que necessita de reparo o A maioria das fraturas expostas cursam com lesão vascular associada, mas nem todas necessitam de reparo como na classificação de Gustilo tipo IIIC ➢ Atenção → deve-se classificar de acordo com o parâmetro mais grave! • Exemplo → paciente com ferida limpa e com traço de fratura simples, porém com ferimento cutâneo > 10cm, já é considerado Gustilo tipo III, pois o tipo I deve preencher todos os 3 parâmetros estabelecidos • Exemplo → paciente com todas as características de um Gustilo tipo I, mas apresenta lesão vascular que necessita de reparo. Assim, esse paciente é classificado como um Gustilo tipo IIIC TRATAMENTO DAS FRATURAS EXPOSTAS OBJETIVOS DO TRATAMENTO ORTOPÉDICO ➢ Objetiva-se os seguintes: • Consolidação óssea • Restaurar a função • Prevenir infecções • Cicatrização de partes moles TRATAMENTO PRIMÁRIO – EMERGÊNCIA ➢ É dividido em 3 pontos principais: 1. Ressuscitação e Estabilização → Protocolo do ATLS (ABCDE) 2. Antibioticoprofilaxia e Profilaxia para o Tétano: ▪ Pois fraturas expostas tem alto risco de contaminação 3. Tratamento Cirúrgico Primário: ▪ Pacientes com fratura exposta têm indicação de serem submetidos à cirurgia ainda na emergência (ou seja, não se interna o paciente para só depois realizar a cirurgia, pois ele deve ser abordado cirurgicamente de forma primária) ➢ RESSUSCITAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO: Paciente vítima de trauma chega ao hospital • Protocolo do ATLS → deve-se avaliar o paciente como um todo assim que ele chega ao hospital A. Avaliar via aérea (pérvia ou não) B. Ventilação C. Circulação → avaliar pulsos (avaliar o estado circulatório do membro fraturado) D. Déficit Neurológico → avaliar o déficit neurológico do paciente (Glasgow, reflexo pupilar...) E. Exposição → para avaliar a presença de mais alguma outra lesão • Ressuscitação → reposição volêmica (caso necessário) ▪ Às vezes, os pacientes vítimas de trauma chegam ao hospital com choque hipovolêmico, por exemplo ▪ Relembrando → choque hipovolêmico: ✓ Classe I e II → Cristaloide ✓ Classe III e IV → Cristaloide + Sangue ✓ É preferível o uso de Ringer Lactato • Estabilização Clínica → é o que se deseja com esse tratamento inicial ➢ ANTIBIOTICOPROFILAXIA E TÉTANO PROFILAXIA: Após a Estabilização Clínica do Paciente • Avaliação detalhada do membro lesado: ▪ Perfusão → se o membro lesado se encontra bem perfundido ou não ▪ Pele → avaliar o grau de contaminação e o tamanho do ferimento Gustilo tipo I Gustilo tipo II Gustilo tipo III Gustilo tipo IIIA Gustilo tipo IIIB Gustilo tipo IIIC → Paciente com fratura do 1/3 distal do fêmur e lesão da artéria femoral profunda. Assim, esse caso necessita de reparo vascular 3 FRATURAS EXPOSTAS Gizelle Felinto ▪ Músculo → avaliar se há exposição de tecido muscular e se ele é viável ou inviável ▪ Nervo → avaliar o status neurológico ✓ Não é raro de ocorrer uma lesão neurológica periférica associada à lesão exposta do paciente ✓ Ex → na lesão do nervo fibular na fratura dos ossos da perna o paciente chega com o pé caído (não consegue fazer a dorsiflexão do tornozelo) ▪ Osso → analisar o estado ósseo • Antibioticoprofilaxia e Profilaxia para o Tétano (Tétano profilaxia)→ sempre devem ser feitas! ▪ Deve-se avaliar: ✓ Tipo de lesão e o ambiente em que ocorreu o trauma ✓ Tempo de evolução da lesão ▪ Antibioticoprofilaxia ou Antibioticoterapia → inicialmente é feita de forma empírica ✓ Deve ser iniciada precocemente! ✓ Pode-se encontrar esses dois termos, pois alguns autores consideram as fraturas expostas como infectadas, necessitando de antibioticoterapia, e outros consideram como um meio contaminado com um alto potencial de infecção, necessitando de antibioticoprofilaxia ✓ Para decidir qual Antibioticoprofilaxia Empírica instituir: o Gustilo I e II → Cefalosporina de 1ª Geração durante 24h CEFALOTINA CEFALEXINA CEFAZOLINA CEFADROXILA o Gustilo III → uma das seguintes (por 72h): ❖ Cefalosporina de 1ª Geração + Aminoglicosídeo ESTREPTOMICINA GENTAMICINA TOBRAMICINA AMICACINA ❖ Cefalosporina de 3ª Geração CEFTRIAXONA CEFOTAXIMA CEFTAZIDIMA o Fratura exposta em área rural, campo, fazenda ou esgoto → uma das seguintes opções: ❖ Cefalosporina de 1ª Geração + Aminoglicosídeo + Penicilina ❖ Cefalosporina de 3ª Geração ✓ Deve-se manter o antibiótico por, no mínimo, 24h a cada novo desbridamento cirúrgico: o Inicia-se a antibioticoprofilaxia e deve-se observar esse paciente pelas próximas 24 a 48h → assim, após 48h observa-se que: ❖ A ferida está sem sinais de infecção → pode-se suspender o antibiótico ❖ Ferida com sinais flogísticos e drenando secreção de aspecto purulento → deve-se submeter o paciente a outro desbridamento, colher material para cultura e mudar o ciclo de antibióticos ▪ Tétano Profilaxia: ✓ Indicações: o Na maioria dos casos o paciente não leva o cartão vacinal e/ou não se lembrar se tomou ou há quanto tempo tomou a vacina antitetânica → nesses casos, deve-se fazer a tétano profilaxia o Só não é feita quando o paciente chega com o cartão vacinal em dias (isso configura a minoria dos casos) ✓ Conduta → Soro Antitetânico o Faz-se o soro em dose única e orienta-se o paciente a, após o tratamento da fratura exposta, fazer o reforço da vacina antitetânica ✓ Vacina em dias → quando a última dose de reforço da antitetânica foi feita em um período menor que 10 anos ▪ Atenção → todo médico generalista deve saber estabelecer essas medidas já no primeiro atendimento, antes de encaminhar o paciente para o centro de referência, pois essas medidas podem influenciar bastante no prognóstico do paciente (quanto mais rápidas instituídas, menores as chances de o paciente apresentar tétano posteriormente e de evoluir para infecção) NO PRONTO-SOCORRO Exemplo de caso → Em uma cidade do interior, o paciente chega no hospital com uma fratura exposta dos ossos da perna, relatando que sofreu um trauma com motocicleta Medidas que devem ser feitas inicialmente • Realizar todo o protocolo do ATLS (ABCDE) → para avaliar, por exemplo: ▪ Se o paciente está Estável ou Instável ▪ Queixas neurológicas → trauma de crânio, trauma raquimedular... ▪ Padrão respiratório ▪ Presença de trauma torácico ou abdominal... ▪ Ou seja, primeiramente deve-se descartar lesões que podem ser potencialmente fatais para o paciente nessa fase inicial • Deve-se estabilizar o paciente, caso ele se encontre instável! Medidas em relação à lesão ortopédica O que NÃO se deve fazer ❖ Explorar e Lavar a ferida → Ex: lavar a ferida com soro fisiológico (não deve ser feito, mesmo que o ferimento esteja visivelmente sujo) ❖ Pinçar Vasos Conduta Inicial – O que fazer ❖ Curativo Compressivo Estéril → pode-se fazer uso de gaze ❖ Imobilização Provisória do Membro (da forma mais anatômica possível) ❖ Antibioticoprofilaxia → para não se confundir, pode-se realizar: Cefalosporina de 1ª Geração → Gustilo I e II Cefalosporina de 3ª Geração → Gustilo III e lesões sofridas em esgotos, áreas rurais, campo, fazenda... ❖ Tétano Profilaxia ❖ Soro Fisiológico endovenoso + Encaminhamento para hospital de referência 4 FRATURAS EXPOSTAS Gizelle Felinto ➢ TRATAMENTO CIRÚRGICO PRIMÁRIO: • Deve ser feito o mais precocemente possível, pois quanto mais rápido ele for realizado, menores serão as chances de infecção. Quanto maior o tempo de evolução, maiores as taxas de infecção: ▪ Nas primeiras 6h → tem-se uma taxa de infecção de 0 a 2% ▪ > 12h → 6 a 10% • Deve-se seguir a seguinte sequência: ▪ Irrigação e desbridamento ▪ Estabilização da fratura ▪ Fechamento da ferida • Fraturas de Gustilo tipo I, se tratadas precocemente, apresentarão uma taxa de infecção muito baixa • Toda fratura exposta é uma fratura que tem indicação cirúrgica na emergência • Não é feito em hospital de interior! • Quando é feito: ▪ Na emergência do hospital de referência que dispõe de serviço ortopédico com equipe cirúrgica treinada ▪ E após o paciente ter passado por todo o processo de estabilização, ressuscitação, antibioticoprofilaxia e tétano profilaxia • No centro cirúrgico → paciente é submetido à anestesia para que se realize: 1. Limpeza Mecânica Cirúrgica (LMC) ✓ Lavagem exaustiva com Soro Fisiológico 2. Desbridamento: ✓ Tanto o desbridamento da pele quanto dos tecidos mais profundos que se encontram inviáveis ✓ Tecido muscular inviável → tecido que não está sangrando, com coloração diferente e sem realizar contração alguma ✓ Deve-se retirar todos os tecidos inviáveis, pois eles podem ser meios de contaminação e de proliferação bacteriana 3. Estabilização Óssea → pode ser (a depender da avaliação que o ortopedista faz do membro do paciente): ✓ Com fixadores externos (provisória): o Geralmente, em pacientes que tem uma fratura muito contaminada (Ex: Gustilo tipo III) opta-se por fazer uma cirurgia de controle de danos, estabilizando-se o osso do paciente com fixadores externos ✓ Fixação definitiva → com placa e parafuso, com haste intramedular... o Geralmente, quando as fraturas expostas não são muito contaminadas (Ex: Gustilo I e II) já se pode fazer a estabilização óssea definitiva 4. Estabilização das partes moles • ESTABILIZAÇÃO DA FRATURA: ▪ É feita após a LMC e o Desbridamento ▪ Importância de se estabilizar a fratura: ✓ Diminui infecções: o Pois, estabilizando-se a fratura impede-se a agressão contínua que o osso provoca nos tecidos moles ao seu redor. Assim, quanto mais instável o osso, maior será a agressão às partes moles, desvitalizando-as e permitindo que a proliferação bacteriana perpetue ✓ Permite a revascularização dos tecidos ao redor da fratura ✓ Diminui o sangramento do paciente, facilitando sua estabilização ✓ Favorece a consolidação ✓ Favorece o retorno da função do membro fraturado ▪ Melhor método de fixação da fratura → é o método que o cirurgião estiver mais habituado, que foi indicado para o caso do paciente e que possa ser realizado o mais rápido possível ✓ Fraturas muito contaminadas → o ideal é fazer uso do Fixador Externo o Pois a maior parte do implante não fica dentro do membro do paciente, mas sim externamente. Assim, tem-se menos material de síntese, que poderia ser um outro local para que as bactérias proliferassem ✓ Fraturas com menor grau de contaminação → pode-se fazer a Síntese definitiva com: o Haste intramedular o Placas e parafusos ▪ Não há um método universal/pré-definido para estabilização da fratura e o que se deve fazer é avaliar individualmente cada caso: ✓ Deve-se realizar uma avaliação individual- padronizada → observando-se os seguintes: o Padrão de fratura o Tipo de lesão de partes moles o Tempo de evolução o Lesões associadas o Estado geral do paciente ▪ Atenção → em paciente com outras lesões mais graves associadas à fratura exposta, o ideal é, independente do tipo de Gustilo da fratura, realizar uma estabilização temporária com o fixadorexterno ✓ Exemplo: Paciente com fratura exposta Gustilo tipo I que não apresenta outros traumas associados → é um forte candidato para, já na primeira cirurgia, se realizar a estabilização definitiva (com haste intramedular ou placa e parafusos, por exemplo) ✓ Exemplo: Paciente com fratura exposta Gustilo tipo I apresentando traumatismo craniano e 5 FRATURAS EXPOSTAS Gizelle Felinto trauma abdominal, necessitando de neurocirurgia e de cirurgia abdominal → deve-se fazer uma estabilização temporária (estabilizador externo), pois é uma cirurgia que agride menos, diminuindo a resposta inflamatória do paciente e fazendo com que ele tenha uma maior chance de sobrevivência. Assim, posteriormente é que se maneja as cirurgias secundárias (definitivas) ▪ Fixador Externo: ✓ Promove estabilidade relativa → não impede que o foco de fratura tenha mobilidade, mas permite uma estabilidade segura ✓ Protege partes moles → pois ele evita que a fratura danifique progressivamente os tecidos ao redor do osso ✓ Melhora a vascularização local ✓ Facilita o acesso à ferida → facilita os cuidados com a ferida, como a colocação dos curativos, por exemplo ✓ Atenção → sempre que se tiver duvidas em relação ao paciente ter ou não indicação de realizar uma síntese definitiva, deve-se utilizar um fixador externo TRATAMENTO SECUNDÁRIO – CIRURGIA ➢ Consiste nos seguintes: 1. Tratamento Cirúrgico Subsequente 2. Reabilitação (Ex: Fisioterapia)
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