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Dimensões preliminares do pensamento skinneriano 4 O cen tenário de nasc im ento de Skinner foi íe leb rad o com vários eventos científicos, inclusive um enco n tro da ABA In te r nacional no Brasil. E m bora a d istância, seu cenário fam iliar e seu percurso acadêm ico podem dar p istas de suas escolhas p ro fissionais; não fora por isso, restam in teressantes alguns dados idiossincráticos: Burrhus Frederic Skinner nasceu em 20.03.1904, filho de um advogado (W illiam ) cuja esposa (Grace) era m ili tan te de organizações cívicas em S usquehannna, Pennsylvania. Teve um irm ão, Edw ard, que faleceu aos dezesseis anos de ida de. Em sua autobiografia, diz nunca te r recebido punição física de seu pai. D e su a m ãe, ap en as um a vez: ela lavou su a boca com água e sabão porque ele disse um palavrão... Seu pai, en tre tanto, não p e rd ia a o p o rtu n id a d e de a le rtá -lo de q u e qu em tivesse um a mente criminosa seria pun ido . Levou-o, até, a conhe cer a lgum as p risões; Skinner, p o r isso, " tin h a m edo da polícia e com prava ing ressos para todos os seus bailes de fim de a n o ” . Sua avó lhe passava conceitos m orais e religiosos. Ele conta, em sua au tob iografia , q u e ela teve certeza de que ele havia en ten - 97 Kester C arra ra d ido o conceito de Inferno "quando lhe m o stro u um a cam ada de carvão incandescen te no fogão de len h a”. Q uando adolescente tin h a fascinação po r invenções m ecânicas. Sem pre gostou de es tu d a r e fazia experim en tos de física e qu ím ica em casa. Nas invenções juvenis, é clássico o exem plo que ele con ta sobre o fato de que esquecia sem pre de guardar os pijam as e que sua m ãe lhe cham ava a atenção. Ele resolveu o p rob lem a insta lando um a ro ldana p resa a um cabide em seu guarda-roupa. Se o pija m a não estivesse guardado, um aviso aparecia pendurado logo q u e ele abria a p o rta do quarto : "G uarde seu p ijam a!”. Skinner tin h a em casa um a grande b iblio teca e leu m uitos clássicos du ran te a adolescência e a juventude. Leu m uito de Sha- kespeare e G oethe, poesia rom ântica e lite ra tu ra anglo-saxônica quan d o fazia o cu rso de Letras. Q uando cursou Psicologia, leu tam bém m u ita Filosofia, o que pode ser no tado na le itu ra de seus tex tos. Seu in te resse inicial pela Psicologia não era m eto dológico, m as filosófico. Q uando estava no colegial, escreveu um trabalho (que ele m esm o criticou com o p re tensioso) in t i tu lado Nova principia orbis terrarum. C om eçava m ais ou m enos assim : “N ossa alm a consiste de nossa m ente, nosso poder racio nal, pensam en to , im aginação, avaliação, nosso poder em rece ber im pressões e a ação e stim u lan te de nosso corpo; e nossa consciência, n ossa capacidade ina ta de escrever”. O que, conve nham os, é um an titex to , se pensado sob os princíp ios do beha- v iorism o radical que ele próprio viria a criar. S k inner reconheceu a influência recebida dos tex tos de Jac- ques Loeb (F isiologia do C érebro e Psicologia C om parada), de B ertrand Russell, Jo h n B roadus W atson , Ivan Petrovich Pavlov, Edw ard L eeT hornd ike , Percy Bridgm an e E rnst M ach, en tre ou tro s . Em 1922, concluiu o curso m édio em sua cidade natal. C ursou o H am ilton College, de N ova York, onde se graduou em L iteratu ra Inglesa. Em 1927, publicou alguns artigos literários - foi o que cham ou de darkyear na sua carreira profissional; Skin n e r d izia que escrevia m al e que "não tin h a nada im portan te a 98 Behaviorismo radical dizer” em seus tex to s literários. A inda em 1927, trabalhou com o balconista em um a livraria de Nova York, onde com eçou a ler Pavlov e W atson e passou a in teressar-se pela Psicologia. Em 1928, voltou à un iversidade, agora em H arvard, onde fez o cu r so de graduação em Psicologia. Em 1931, defendeu seu d o u to rado em H arvard, sob o rien tação de E. G. Boring. De 1931 a 1936, a tuou com o pesqu isado r em H arvard, es tu d an d o p roces sos básicos (e b astan te fisiologia) na Faculdade de M edicina. Em 1937, foi convidado e ingressou com o pro fessor na U niver sidade de M ineso tta , M inneapolis. Em 1936, havia casado com Ivonne Blue, com qu em viria a te r duas filhas, Ju lie e D eborah. Julie S. V argas é a tu a lm e n te psicó loga e es tev e no Brasil no encon tro da ABPMC (A ssociação B rasileira de P sico terap ia e M edicina C om portam en ta l) de 2004. D eborah reside hoje em Londres e a tua com o a rtis ta p lástica (ela foi m otivo .de in ú m e ros co m en tário s e especu lações na im p ren sa sob re se te ria fica do traum atizada na infância por Skinner te r criado para ela um air crib - um a espécie de baby box - , berço con tendo diversos re cursos tecnológicos para cuidado infantil). O s desafios teóricos e práticos para Skinner na Psicologia foram co nstan tes e o levaram a p roduz ir um a obra am pla e abrangente, que com eçou com publicações essencialm en te técnicas, no Journal o f General Psychology (1930, 1931). Seguiu vá rias direções: cobriu o conceito de reflexo (1930); procedim entos para sua extinção (1933); a discrim inação (1934); a natu reza ge nérica dos conceitos de estím u lo e resposta (1935); d iferenças no padrão de respostas, cond icionam ento e extinção (1937, com H eron); a idéia de com portam en to operan te , em co n tra partida ao responden te , que com eçou a aparecer num artigo que e um a réplica a do is fisiólogos po loneses, K onorski e M iller (1937), em bora o conceito de operan te viesse a se consolidar apenas no fam oso Terms, de 1945; questões gerais sobre o com portam en to dos o rganism os (no seu prim eiro livro, em 1938); o desenvolvim ento de aparatos, com o um a câm ara experim ental 99 Kester C arra ra especial para o e s tu d o do co m portam en to anim al sob condições con tro ladas (1939, com H eron); a questão da aliteração em so netos de Shakespeare (1939); estim ações de certos tipos de pa drões sonoros em poesia (1941); sua fam osa análise (o Terms), q u e m arcou época, sobre a visão operan te dos term os psicológi cos (1945); reforçam ento diferencial baseado no tem po (1946); inúm eros estu d o s sobre com portam en to superstic io so (por exem plo, 1948a); sua controvertida novela Walden Two (1948b); a d iscussão sobre a necessidade de teo rias de aprendizagem (1950); seu segundo e preferido livro Ciência e comportamento hu mano (1953); d iscussões sobre a q u estão do contro le (1955); su a con trovertida e m ais densa obra, Comportamento verbal (1957b); o ex tenso trabalho laboratoria l com F erste r sobre Es quemas de reforçamento (1957); as idéias sobre as m áquinas dè en sin ar (1958); e s tu d o s sobre em oções (1959); a in strução p ro gram ada (1960a); seu p ro je to de tre in am en to de pom bos para dirigir m ísseis (1960b); o d e lineam en to de cu ltu ras (1961); sua análise das relações behav io rism o/fenom enolog ia (1964); a qu estão da filogênese e da on togênese (1966a); seu in teresse pelas contingências de reforçam ento com o possib ilidade para o d e lineam en to cu ltu ral (1966b); suas projeções sobre a questão da u top ia (1967); a d iscussão, com Blanshard, sobre o conceito de consciência (1967); su a análise sobre a criativ idade (1970); a q u estão do h u m an ism o no behaviorism o (1971a); seu discuti- d íssim o O mito da liberdade (1971b); suas respostas form ais às v in te principais críticas em Sobre o behaviorismo (1974); sua ex ten sa e curiosa au tobiografia (1976); seu decisivo artigo m o s tran d o po r que não se considerava um psicólogo cognitivista (1977a); seu livro-program a para idosos (1983, com V aughan); a d istinção/com plem entação de regras de contingências (1984);seu ú ltim o livro Questões recentes na Análise do Comportamento (1989a) e seu ú ltim o artigo, "C an Psychology be a Science of m ind?", escrito aos 86 anos de idade e conclu ído na véspera de su a m orte (18 .9 .1990), com ajuda da filha Ju lie e am igos. 100 Behaviorismo radical Sua atenção, po r essa am ostra que in teg ra as aprox im ada m ente 257 publicações (en tre as quais v in te livros) já listadas de S kinner (C arrara, 1992), foi a m ais diversificada possível, quan to aos tem as e a ssu n to s pelos quais se in te ressou e e s tu dou. Todavia, sua análise das d iferen tes qu estõ es sem pre se via bilizou p o r u m a concepção psicológica, q u e se to rn o u carac te rística e encam pou a filosofia de ciência q u e d en o m in o u b e h a viorism o radical. Foi p rinc ipalm ente depois de 1945 que a influência de Skin ner no cenário da Psicologia se intensificou. Passaram a ficar m ais evidentes as suas proposições concernen tes à m etodologia de análise dos fenôm enos com portam enta is, ou seja, sua A náli se Experim ental do C om portam ento . Seus princíp ios básicos foram en tão largam ente divulgados e aplicados em d iferen tes circunstâncias e áreas de in te resse da Psicologia. E sses p rin c í pios, derivados in icialm ente da ex tensa pesq iysa de Skinner e colaboradores em situações típicas de laboratório , foram te s ta dos em d iferen tes cam pos e abrangem os principais conceitos expostos no d eco rrer deste capítulo. Recensões breves sobre Skinner, hom em e obra, podem ser encontradas em W eber (1992) e Hall (1967). Para este ú ltim o, na form a de en trev ista , Skinner declarou que, a p a rtir de suas pesquisas sobre o processo de aprendizagem com anim ais, co n venceu-se de que o estu d o do co m portam en to h u m an o é parte de um a ciência na tu ra l e que alguns dos im p o rtan tes processos do com portam en to ap resen tam generalidades filogenéticas e, portan to , podem ser estudados sim ilarm en te no hom em , o que, apenas a títu lo de exem plo, p roduziu lendárias d iscussões e controvérsias. A A nálise do C om portam en to constitu i-se de um corpo de conhecim entos e um a m etodologia, apoiados em um a filosofia de ciência específica, o behaviorism o radical. C o nstitu i-se em m aneira sistem ática de ver o m undo psicológico, u tiliza-se da observação e da análise de contingências que con tex tualizam o 101 Kester C arra ra c o m p o rta m e n to , m a n te n d o u m a te n d ê n c ia a fo ca lizar o am b ie n te físico, quím ico, orgânico e social, não descartando a h is tó ria genética do organism o. A análise se su s te n ta no conceito de tríp lice relação de contingências, em que o com portam en to e suas cond ições an teced en te s e suas conseqüências são co n sti tu in te s im prescindíveis (em bora esse parad igm a de tríplices in stâncias te n h a so frid o ad ições em re lação a m a io r n ú m ero d e te rm o s , parece sem p re possível u m a red u ção ao conceito sk in n e ria n o original). Via de regra, te s te s psicológicos não são usuais no d iagnós tico de repertó rio s com portam en ta is , bem com o não se faz uso de esta tís tica inferencial para in terp re tação dos dados de pes quisas. E m prega-se um d e lineam en to de pesqu isas típico, que é o d e lineam en to de su je ito único, descartando , p o rtan to , os m o delos que se baseiam na com paração de grupos de sujeitos am ostrados esta tis ticam en te . O su je ito funciona com o seu p ró p rio con tro le e as com parações en tre dados são feitas usando-se variações de m edidas an te rio res e poste rio res ao em prego de um d e te rm in ad o proced im ento . São sem pre fundam en ta is para essa concepção psicológica conceitos com o os de com p o rta m en to , e s tím u los reforçadores (positivo, negativo, prim ário, secundário , d iscrim inativo), reforçam ento , punição, extinção, m odelagem , aproxim ações sucessivas e esquem as de reforça m en to , en tre ou tro s. O behaviorism o radical ado ta um a concepção m on ista de ciência, em con trapartida a um a concepção dualista . A dota o de te rm in ism o probabilístico . A dota o p ressu p o sto de um a n a tu re za in tera tiva nas relações o rganism o-am biente: para exem plo, S kinner com eça seu Verbal Behavior d izendo que "os hom ens agem sobre o m undo , m odificam -no e, por sua vez, são m odifi cados pelas conseqüências de sua ação”. S ubstitu i o m odelo de causalidade tradicional pelo m odelo de relações funcionais, à la M ach. P ressupõe um m odelo científico de seleção pelas conse qüências. P ressupõe a influência de variáveis de d im ensões filo- 102 Behaviorismo radical genéticas, on togenéticas e cu ltu rais para a de term inação do com portam ento . N ega status de causalidade aos cham ados eventos m enta is (ver C arrara, 2004b, p .43) e p ressupõe o com portam ento com o verdadeira raiz para se en ten d e r as atividades hum anas, daí a expressão radical, freq ü en tem en te (m al) e n te n dida com o sinôn im o de in transigen te . P ressupõe con tinu idade en tre as espécies. R ejeita a verdade por consenso , ado tando um pragm atism o m o d erad o (talvez re su lta n te das le itu ras sk inne- rianas de C harles Peirce, W illiam jam es e John D ew ey). A dota a prevalência de dados sobre argum entos (daí a confusão da crítica em torno da idéia de que Skinner, por isso, seria um an titeó rico ). Rejeita as explicações teleológicas. A dota um a visão m olar das ciências do com portam ento , em contrapartida a um a visão m ole cular. Esse o quadro sinóp tico do behaviorism o radical. ,Como conseqüência prática, a A nálise do C om portam en to caracteri- za-se: por um a concepção n om otética de explicação do com por tam ento; pe la gen era lização de re su lta d o s p o r m eio da rep li- cação s is tem ática ; pelo u so do d e lin e a m e n to de su je ito ún ico e n q u an to design p rio ritá rio de pesquisa; pelo uso do m étodo teórico inform al em pesquisa; pela secundarização dos m odelos de com paração in te rg rupos m ed ian te uso de m édias e s ta tís ti cas; pela priorização estra tég ica de descrição dos eventos a n te cedentes, do co m portam en to e dos eventos conseqüen tes na busca de relações funcionais. Em bora sem pre a ltam en te polêm ico e criticado, a seu m odo Skinner, em diversas ocasiões, m anifestou sua expectativa so bre o avanço científico behaviorista e suas even tuais con tribu i- çoes para um a sociedade progressista . C om o em Reflections on behaviorism and society (1978, p .126), tam bém m encionado por Los H orcones (2001, p .l 17): “C reio que um a form ulação cien tífica do com portam en to hum an o pode a judar-nos a m axim izar ° s sen tim en tos de liberdade e d ign idade”. Não cabe no p resen te trabalho, n a tu ra lm en te , en tra r em descrições porm enorizadas a respeito de princípios básicos da 103 Kester C arra ra AEC, m as arro lar as críticas que se faz à concepção behaviorista geral e, em particu lar, ao behaviorism o radical de Skinner, para cujo conhecim en to d e ta lhado ex iste farto m ateria l na literatura Todavia, alguns aspectos essenciais dos conceitos utilizados p or S kinner serão destacados, em v irtude do eventual corpo crí tico ex is ten te a respeito desses conceitos. U m a característica fundam enta l na abordagem sk inneriana é a sua ênfase descriti va dos fenôm enos. A ntes de incu rsionar pelo cam po da in te r pretação, S kinner en ten d e ser necessária am pla coleta de dados, ob tidos segundo um a m etodologia e técnicas de observação tan to q u an to possível isen tas de vieses de p rocedim ento . Em virtude dessa característica é que a ciência do com portam en to viu desenvolverem -se refinam entos m etodológicos de to d a so rte , publicados nos periódicos especializados e hoje co nhecidos nos bons m anuais de m étodos e técnicas de pesquisa, com os quais se pode ev itar a m aioria das encruzilhadas e engo dos que a observação do co m portam en to e as qu estõ es m eto d o lógicas reservam aos pesqu isado res neófitos. Bons exem plos são dados p o rS id m an (1976), C am pbell & Stanley (1979), Ker- linger (1980) e Cozby (2001), que elucidam cu idados m etodo lógicos com os necessários de ta lhes, não apenas q u an to à ob servação, m as com inúm eras qu estõ es práticas; po r exem plo, encon tra-se bom m ateria l q u an to aos vários de lineam en tos do tip o básico A-B-A e u m a análise de tida da aplicabilidade do deli n eam en to de su jeito ún ico em H ersen & Barlow (1982). Se é certo q u e a A nálise do C o m p o rtam en to é co n stitu íd a po r u m corpo de co n h ec im en to s e um a m etodo log ia su p o rta das pe la filosofia b eh av io ris ta radical, é ig u a lm en te certo que cada u m desses aspectos gerou um grande n ú m ero de artigos em periód icos, livros, rev istas, que p ro d u z iram inum eráveis d iscussões. Q uan to à particu lar m aneira de ver a Psicologia, o que é ro tin e iram en te cham ado de abordagem, corrente ou enfoque psicolo- gico, s in te tizam Ferster, C u lbertson & Boren (1977, p. 17-8): 104 Behaviorismo radical constitui uma maneira sistemática de ver o mundo psicológico e conta com um conjunto de princípios úteis para análise e compreen são do com portam ento observável. Embora os aspectos m eto dológicos e filosóficos possam surgir na leitura do texto, nossa preocupação é que o leitor possa compreender de que modo os princípios podem ser aplicados ao estudo das complexas intera ções humanas. Portanto, a Psicologia do comportamento, como um corpo de conhecimentos, constitui, de fato, uma parte inte grante do conhecimento geral derivado da investigação de fenô menos psicológicos. O estudante de Psicologia pode esperar, com razão, que o estudo da Análise Experimental do Comportamento o ajude a compreender os problemas da conduta humana que o interessam e que são importantes para sua vida. A Psicologia do comportamento tem como objetivo principal a observação e a análise do comportamento individual e nãô os tes tes ou as estatísticas. Embora o psicólogo do comportamento te nha a tendência a focalizar prioritariamente o ambiente, ele não descarta a história genética do organismo, como muitos acredi tam. Esta última constitui, de fato, um outro campo da Psicologia e é reconhecida como tal. Em geral, o psicólogo comportamentalista tem como enfoque principal o que se denomina a análise funcional do comportamento [grifo nosso]. E o que constitui a relação entre estímulos, compor tamento e as conseqüências do comportamento no ambiente. Há uma falsa concepção, comum entre estudantes, de que a Psicologia do comportamento não se preocupa com o sentido que atribuímos a nossa vida mental - isto é, àquela parte de nossa atividade que ocorre no interior de nós mesmos e que não é diretamente obser vável por outra pessoa. Obviamente nossa vida mental é constituí da por reações pessoais particulares e privadas que se referem a nossa própria existência. Mas quando alguém diz: "sinto-me deprimido, zangado, só, abandonado, amedrontado, etc.", tais afirmações constituem ocor rências reais, com as quais a Psicologia do comportamento deve se 105 Kester C arra ra ocupar. Como veremos mais adiante... a compreensão daquelas afir mações está particularmente ligada ao comportamento verbal, área extensamente analisada na Psicologia do comportamento. O problema da Psicologia do comportamento é compreender o que está ocorrendo quando as pessoas têm sentimentos, impulsos, ímpetos, compulsões, idéias, pensamentos, fantasias, medo, dese jos. Descobriremos que, embora a análise seja extremamente com plexa, a observação dos processos comportamentais e dos eventos objetivos disponíveis nos ajudará a compreender a complexidade, a sutileza e a delicadeza desses aspectos básicos e fundamentais do comportamento humano. Embora na Análise do Comportamento não se considere produtivo e eficiente referir-se ao comportamento humano empregando termos como sensação, idéias, desejos, esta mos preparados para usá-los como ponto de partida, a fim de com preender os problemas cuja análise é importante... São co n ce ito s fu n d a m e n ta is na co m p reen são da A nálise do C o m p o rta m e n to os q u e re ssa ltam a d ife ren ça e n tre com p o r ta m e n to o p e ra n te e re sp o n d e n te . D iscu te -se o conceito de eliciação de re sp o sta , em c o n tra p a r tid a à emissão p ró p ria do o p e ra n te . M o stra -se a s itu ação ex p e rim en ta l típ ica pavlovia- n a do c o n d ic io n a m e n to reflexo (elic iação de re sp o s ta s ) e a s i tu ação e x p e rim e n ta l típ ica do c o n d ic io n a m e n to o p e ran te (em issão de respostas, m ed ian te re fo rçam en to ). Faz-se d is tin ção en tre reforço positivo e negativo (este ú ltim o freqüen te m en te confund ido com o p roced im ento de punição). D iscu tem -se os fa tores que afetam a velocidade e efetividade do con d icionam ento . R essalta-se o caso especial das contingências acidentais e do co m p o rtam en to superstic ioso . Em prega-se o princíp io da m odelagem com o p roced im en to básico de instala ção de com p o rtam en to s e am plia-se a d iscussão para incluir os p roced im entos de manutenção e alteração de repertó rio s c o m p o r tam en ta is ex isten tes. E n tram aí os conceitos de reforço con tí n u o e in te rm iten te , es te ú ltim o com inúm eras possíveis c o m b i 106 Behaviorismo radical nações en tre os q u a tro tipos básicos: razão fixa, razão variável, intervalo fixo, in tervalo variável. C onceitos m ais polêm icos, evidentem ente, o rig inam -se da área de co m portam en to verbal e sobretudo, resu ltam das análises de eventos privados. T oda via há trabalhos, m esm o em português, que abordam d e ta lh a dam ente cada qual dos conceitos: é o caso de N ico (2001), que explora exaustivam ente a noção de au toconceito , especialm en te tendo em v ista a possib ilidade de suas aplicações e im plica ções na área educacional. O utros conceitos fundam enta is são os de generalização e discrim inação de estím u los e o conceito de encadeam ento de respostas, considerados ind ispensáveis para a com preensão do que os skinnerianos cham am de controle de estímulos, questão cen tral da A nálise do C om portam ento . T rata-se com os conceitos de privação e saciação e são analisadas as diferençaè e im plicações dos conceitos de fuga e esquiva. N ada m enos do que cen tenas de m anuais já foram publicados expondo»os princípios bási cos da A nálise do C om portam en to . E ntre os traduzidos para o português, encon tram -se clássicos com o Keller & Schoenfeld (1968), H olland & Skinner (1974), Ferster, C u lbertson & Bo- ren (1977) e C atan ia (1999), po r exem plo. Q uan to à ênfase m etodológica de Skinner, um a das q u es tões que en tram em jogo é a sua posição q u an to à necessidade e conveniência da teorização em Psicologia (C arrara, 1994). B. F. Skinner não é defin itivam ente con tra a teorização, m as faz espe cificas restrições a certos tipos de teo ria que su s ten tam seus conceitos em base de estofo d iferen te daquele do objeto de e s tudo a que se referem . C onform e M arx & H illix (1976), há um a ou tra questão , de o rdem m etodológica, que se refere ao uso de grandes grupos e es ta tís tica inferencial versus uso de su jeito ú n i co e esta tís tica descritiva, quando for o caso: Um segundo ponto metodológico importante de Skinner foisua insistência numa completa Análise do Comportamento de um 107 Kesler Carrara único organismo e sua relutância em usar grupos numerosos de sujeitos. Com excessiva freqüência, afirmou ele, são usadas gran des quantidades de sujeitos para encobrir a falta de controles expe rimentais; com adequados controles, deve ser suficiente um único sujeito ou um número muito reduzido de sujeitos. O emprego de numerosos sujeitos, diz Skinner, também conduz, indiretamente, a outras dificuldades. Quando é usado um grande grupo, o experi mentador fica atento, primordial e exclusivamente, a certas pro priedades estatísticas do grupo, em vez de atentar para os com portamentos dos indivíduos que o compõem. Assim, as variações individuais podem se perder e as medidas estatísticas talvez não revelem as características de nenhum indivíduo em particular den tro do grupo. (p.398-9) U m a terceira q uestão m etodológica im p o rtan te é o descarte q u e S kinner faz da Fisiologia. Em toda a sua obra, ele procura, ao con trá rio do que m u ito s o u tro s behavioristas às vezes fize ram , co n stru ir sua abordagem , tan to q u an to possível, sem te n ta r explicações para a ocorrência de com portam en tos com base em m ecanism os neurofisio lógicos. Essa posição, na verdade, foi freq ü en tem en te confundida pela crítica com o um a recusa de S k inner em ad m itir não apenas a influência, m as a p rópria exis tência da Fisiologia, o que resu lta em análise com pletam ente equivocada. Segundo o p róp rio Skinner (1968), em declaração para Evans: Jamais falei contra o estudo da Fisiologia e creio que fiz tudo o que estava a meu alcance para facilitá-lo, esclarecendo os proble mas com que a Fisiologia deve lidar. Ao mesmo tempo, não pre tendo pedir o apoio da Fisiologia quando a minha formulação des morona... (p.22) O que S kinner p re tende inform ar é que a F isiologia é ex tre m am en te im portan te , m o stra com o funcionam certas e s tru tu ras e sistem as de su sten tação necessários à p rópria exis tênc ia do organism o e suas ações, m as a referência a ela com o c o n d i 108 Behaviorismo radical ção para explicação do com portam en to pode ser d ispensável na m aioria das ocasiões em que se es tá es tu d an d o as relações en tre com portam ento e am bien te , em função do seu paradigm a, e sp e cialm ente en q u an to não se dá um avanço tecnológico suficiente na área. A ssim , o que ele descarta é a sua influência na q uestão m etodológica e não a ex istência substan tiva dos m ecanism os fi siológicos em geral. C orrobora o pon to de v ista sk inneriano de evidente reconhecim ento à im portância da Biologia, o d esen volvim ento recente da abordagem b iocom portam enta l, que tem avançado em descobertas auspiciosas para a explicação dos m e canism os biológicos do reforçam ento , encam inhando para um reconhecim ento deste com o princíp io universal indiscutível (Galvão, 1999). Todavia, essa posição de Skinner lhe valeu a pecha de e s tu dar um organism o vazio, o que seria um con tra-senso , pois o próprio conceito de organ ism o não lhe perm ite q y a lq u er vácuo interno. Skinner, acusado de valorizar um a caixa preta sem meca nismos in ternos, rebateu inúm eras vezes essa crítica re iterando que o organism o perm anece com plexo, com posto po r inúm eras estru tu ras in terligadas que su sten tam sua possib ilidade de existência; todavia, po r localizar no co m portam en to seu in te resse, é possível d escartar não a existência dos mecanismos fisio lógicos, obviam ente, m as um a explicação fisiológica in te rn a de causalidade do com portam en to , em troca de um a explicação das relações funcionais o rganism o-am biente . O u tra q u estão canden te na abordagem behaviorista de Skinner é sua d istinção o p eran te -responden te , já referida, e a que ele dedica p arte significativa de sua obra. D esde seus p re li m inares estudos com o operan te livre na “caixa de S k inner” (que ele prefere designar com o câm ara experim en ta l), a té suas diversas análises em obras posterio res, que ficam m ais no âm b i to conjectural (Skinner, 1971, 1974, 1989), esse au to r lida com ° que in titu lou de co m portam en to o p eran te (que para o leigo traduz a idéia - im precisa - de ação voluntária), ce rtam en te co n s 109 Kester C arra ra t itu in te de grande p arte das atividades hum anas. N atu ra lm en te, em alguns casos (especialm ente naqueles de com portam en tos designados emocionais), a in tegração que o organ ism o faz de operan tes e re sp o n d en tes é am plam ente identificável. N a ver dade, a divisão se dá a p a rtir da form a de con tro le e conseqüen te in teração com o am bien te . C on tudo , não há que se pensar no organ ism o com o algo em si subdividido nessas duas facetas, m as com o um ser que está , a um só tem po, expressando-se por d iferen tes vias. O p ro b lem a da d ico to m ia o p e ran te -resp o n d en te e, m ais especificam ente , um bem cuidado estu d o dos tex to s (período 1930-1938) que m o stram a transição de Skinner do conceito de reflexo ao conceito de operante (Sério, 1990) revelam in teressan tes facetas e problem as com o uso até certo pon to indiscrim inado de conceitos para designação do com portam en to , com que S kinner conviveu n essa fase de su a obra. C om relação à u tiliza ção, no período, dos term os reflexo e resposta , diz a autora: A freqüência com a qual o termo reflexo é utilizado nos textos publicados de Skinner pode ilustrar as mudanças que o papel des te conceito foi sofrendo no decorrer do processo de elaboração de seu sistema explicativo. A partir da leitura dos textos publicados, no período entre 1930e 1938, parece haver uma inversão na utili zação dos termos reflexo e resposta - parece que à medida que di minui a freqüência de utilização do primeiro, aumenta a do segun do. (p.387) Skinner, a té pela ex tensão de sua obra publicada (1930 a 1990), n a tu ra lm en te ap resen ta alterações term inológicas em algum as de suas concepções ao longo do tem po, a m aior parte delas de cu n h o m eram en te sem ântico , m as algum as de real im plicação q u an to à valoração teórica de alguns conceitos. T oda via, o refinam ento técnico e m etodológico o faz, ao longo das publicações, ir ap rim orando a term inologia e pode ap a ren ta r , ao neófito , a idéia de que se tem um a confusão conceituai. 110 Behaviorismo radical Os passos iniciais de Skinner, en q u an to pessoa que se desli ga do cam po da lite ra tu ra e que envereda pela Psicologia no co meço da década de 1930, constitu em recolocação im p o rtan te para com preender o su rg im en to de sua form a de pensar e o co n texto de suas proposições iniciais. C olem an (1985) revela a de cisão de Skinner de fazer Psicologia com o de te rm in ad a po r um a vocação de refo rm ador social, que encon tra ria respaldo na Psi cologia. N o com peten te trabalho de A ndery (1990): A decisão de se tornar um behaviorista pode também indicar uma preocupação nesta direção, obviamente que somada a outras extremamente importantes. A proposta watsoniana de ciência, que era tudo que Skinner conhecia em termos de t^haviorismo, caracteriza-se também pela confiança de Watson, e mesmo por sua insistência, de que a Psicologia, ou melhor, o behaviorismo, deveria ser ciência que permitisse o controle cfo comportamento humano com vistas à melhoria da vida humana... Mesmo as condições que levaram Skinner a percorrer um ca minho que aparentemente se enquadra no que Bakan (1980) cha ma de "uma perspectiva científica de dois passos" (desenvolvi mento de uma ciência básica, seguido, como subproduto, de uma ciência aplicada) apontam, ainda que não exclusivamente, para condições externas comoum dos fatores que teria levado a esta aparente ênfase. Assim, a escolha - ao acaso - de Harvard como universidade onde fazer o doutorado inadvertidamente coloca Skinner na cena de um departamento de Psicologia comandado por Boring, que se ria um ferrenho adepto da Psicologia como ciência experimental, que nada deveria ter a ver com aplicação tecnológica. As próprias influências mais propriamente filosóficas de Skin ner, entretanto, também apontam para a interpretação, de um lado, de que não se trataria de uma típica posição de “ciência de dois passos” e, de outro, do importante papel que deveria desem penhar em sua formulação de ciência, não apenas a preocupação com o homem, mas também com a sociedade, e mais, com a ciên cia aplicada como parte integrante da ciência básica. ... De qual 111 Kesler Carra ra quer modo, esta concepção de ciência não excluiria, mas, pelo con trário, enfatizaria, as possibilidades de intervenção no mundo a partir do conhecimento científico, (p.23-4) A constatação acim a se confirm a na análise da obra integral de Skinner, m esm o que po r vezes dividida em fases. A ssim , a in da com A ndery (1990), no período de 1930 a 1953, S kinner te ria p roduzido dois m om en tos decisivos e d istin to s: um primeiro, que se poderia den o m in ar de constitu ição do sistem a, en tre 1930 e 1938, e outro, que se poderia caracterizar com o proposta s is tem ática para o hom em , que abrangeria os anos de 1947 a 1953. E n tre 1938 e 1947, reg istra-se um m o m en to de transição. V ista a obra com pleta de S kinner a té 1990, destacam -se ainda períodos de veem ente preocupação com as aplicações práticas dos resu ltados da A nálise do C om portam en to , bem com o com o ensino program ado, um período em que o a u to r envereda pelas proposições de um a reform a social (com o em Beyond freedom and dignity, 1971) e finalm ente um a fase em que Skinner passa a q u estõ es ep istem ológicas que considera fundam enta is, cu lm i nando com seu "C an Psychology be a Science o fm in d ? " (1990), em que nega d errad e iram en te a possib ilidade de um a aproxi m ação ao cognitivism o, ao m enos nos term os em que se veicu lara na ocasião, especialm ente através do behaviorismo cognitivo. D em onstração da preocupação de Skinner com o caráter de reform a social que poderia ser, even tualm ente , decorren te da utilização dos p roced im entos que desenvolveu ju n tam en te com seus co laboradores e adeptos, já era m otivo de particu lar alerta, con tido no seu livro m ais conhecido, Science and human behavior (1953). N o capítu lo XXIX, Skinner t r a t a do prob lem a do co n tro le de m odo b astan te ético: q u estio n a quem u tilizará e com o u ti lizará as form as de con tro le p roduzidas pela ciência do com por tam en to e an tecipa alguns m ecanism os do que se poderia cha m ar de con tracon tro le, an tevendo o uso despó tico de um a nova tecnologia com portam enta l. 112 Behaviorismo rad ical Com relação ao aspecto ep istem ológico do traba lho de Skinner, em bora freq ü en tem en te a crítica discorde, os behavio- ristas ju lgam necessário d istin g u ir en tre o S kinner behaviorista radical e o Skinner analista do com portam en to . U m ap resen ta sua postu ra filosófica p eran te o m undo, com patível com o últi mo W ittgenste in e com M ach, en q u an to o o u tro propõe um p ro gram a de pesqu isa com o qual a Psicologia possa desvendar seu objeto de estudo . Q u an to a esse ob jeto de estudo , para M atos (1990, p.F-7): Skinner vê a Psicologia como uma ciência biológica (embora seja avesso ao reducionismo fisiológico) que estuda o comporta mento dos organismos dentro de coordenadas espaço-temporais, e na sua interação com o ambiente. Na verdade, propõe o estudo da interação comportamento-ambiente, posto que sua unidade de análise é a relação resposta-conseqüência (e não a resposta isolada), cujos termos são classes funcionais e não entidades estruturais. Ao contrário do que muitos julgam, não é uma Psicologia voltada nem para o ambiente nem para o organismo, e sim para o estudo das contingências que contatam os dois, e, para os efeitos desse conta to, sobre o modo de agir e proceder dos organismos. Para Skinner, o comportamento tem lugar no mundo físico e social fora do organismo (ou melhor, somente aquelas interações que por aí têm lugar se constituem em eventos observáveis e são legitimamente objetos de estudo). Quando uma pessoa descreve seus pensamentos, sentimentos ou suposições, tudo isso é com portamento. Entender os pensamentos e sentimentos de uma pes soa é conhecer as condições em que ela expressa esses sentimen tos e pensamentos bem como as relações funcionais entre essas condições e aquelas expressões. Por ou tro lado, apesar das características sk innerianas m ar cantes, algum as d iferenças de difícil d iscern im en to acabaram sendo detectadas e n tre a p ro p o sta de Skinner e as de T olm an e Hull, por exem plo. Mas algum as discrepâncias, de certo m odo consolidadas, podem ser v istas acom panhando um a adaptação 113 Kester C a rra ra do resum o de Sm ith (1986), apresen tado no quadro 2, que mos tra características p resen tes ou ausen tes em cada abordagem : Q uadro 2 - D iferenças m arcan tes en tre abordagens Q uestão Tolm an H ull Skinner Construtos inferidos + + - Conceitos cognitivos + - - Métodos dedutivos - + - Os sinais + e - no quadro acima indicam, respectivam ente, características pre sentes e características ausen tes em cada abordagem. As diferenças, aí abreviadas, ce rtam en te têm desdobram en tos inúm eros, o que não cabe analisar aqui. Todavia, nota-se, desde já, a convicção de S kinner em reje itar generalizadam ente inferência, conceitos cognitivos com o o da in tencionalidade e o u so da dedução en q u an to lógica para ex tra ir corolários de qual q u e r teoria. As diferenças do behaviorism o de S kinner para com as de m ais corren tes behavioristas, inclu indo W atson , T olm an e Hull p rincipalm ente , têm sido, grosso modo, incluídas no padrão bidi m ensional, ou seja, reconhece-se S kinner com o behaviorista ra dical (tal com o ele p róp rio se intitu lava) e reúnem -se ind iscri m in ad am en te os dem ais sob o ró tu lo de behavioristas m eto d o lógicos (em bora, conform e a característica sob análise, se fale ocasional e m ais p rec isam ente em behaviorism o clássico, o rto doxo, m etafísico, operacional, cognitivo, filosófico e social, en tre o u tras varian tes já citadas na lite ra tu ra ). E n tre as características do behaviorism o radical, está um a clara rejeição ao positiv ism o lógico. N esse sen tido , o behavio rism o radical, en q u an to filosofia da ciência do com portam ento , represen taria , segundo O liveira (1982, p .15), um elo de ligação ou ... um elemento restaurador do e q u i l íb r io entre as posições filosóficas extremas defendidas pelos mentalis- tas, como W undt e Titchener, e as posições acatadas pelos beha- 114 Behaviorismo rad ical vioristas metodológicos, os quais defendem o que Skinner carac terizou como uma versão psicológica do positivismo lógico e do operacionismo. Para O liveira (1982), Skinner designa m en ta lis ta a perspec tiva segundo a qual todas as abordagens não-behavioristas, va riando de e s tru tu ra lis ta s a cognitiv istas, analisam o com p o rta m ento com o conseqüência de atividade m ental. O behavioris mo radical privilegia a linguagem (no sen tido m ais corriqueiro que essa expressão possa ter) com o característica n a tu ra l e p ró pria do ser hum an o e, nesse sen tido , parcela significativa dos eventos privados são algum a form a de co m portam en to verbal, cujo estudo é considerado necessário e im prescindível, sendo suas causas do m esm o estofo m aterialque com põe os d e te rm i nantes do co m portam en to verbal aberto . U m terceiro aspecto do behaviorism o radical de S kinner é a concepção de hom em quan to às razões d e te rm in an tes do seu C om portam ento. O m esm o au to r re itera (p .25): o mais original aspecto do Behaviorismo Radical em relação a to das as psicologias é a inversão da interpretação sobre a causalidade do comportamento humano. Em todas as análises precedentes ao Behaviorismo Radical o ambiente externo era dado como controla do ou até mesmo, nas concepções idealistas mais extremadas, cria dos pelo homem. No Behaviorismo Radical o homem é o resultado da evolução do mundo e é uma parte dele. Ou seja, o homem é o resultado da evolução e não é algo separado do mundo: é parte dele e como tal seu comportamento é produto das contingências am bientais e de sobrevivência da espécie durante o processo evolutivo onto e filogenético. N esse sen tido , con testa-se a concepção de au to n o m ia do hom em na direção de que seu com portam en to não é livre, m as determ inado p o r um a série de fatores, m o rm en te por in flu ên cias do am bien te ex terno , m as não exclusivam ente por estas. E 115 Kester Carrara essa é um a das p o stu ras de Skinner que têm produzido um con tin g en te crítico im ensurável. C om O liveira (1982, p. 17): A vontade deixa de ser um ato totalmente livre. A própria von tade humana é produto conseqüente da interação entre as necessi dades fixadas filogeneticamente, sejam comportamentais ou fisio lógicas, e as influências ambientais. O querer, nesse sen tido , não é um ato de von tade ineren te à espécie, m as explicável m ed ian te a com preensão de que é um fenôm eno que possu i causa real, detectável por um a análise fun cional do com portam en to . N esse sen tido , configura-se um a das d iferenças fundam enta is en tre o behaviorism o radical e as ver sões cognitivistas: a von tade deixa de causar o com portam ento , ou seja, este perde a configuração de fato produzido teleologica- m ente . Essa é um a das principais concepções a separar, hoje, o m u n d o behav io rista do cognitivista, com o se verá adiante. U m q u arto po n to no p en sam en to sk inneriano que gera con trovérsias é o que diz respeito à concepção de um a sociedade passível de ser p lanejada levando em con ta a con tribu ição p rá ti ca de um a engenharia com portam enta l, já que a sociedade é um a realidade natu ra l e suscetível, p o rtan to , à organização de contingências com preensível a p a rtir dos conhecim entos deri vados da A nálise do C om portam en to . N ão é preciso d izer que essa idéia, que em te rm os ficcionais foi ap resen tad a in icia lm en te em Walden Two (1948b), gerou sem -núm ero de contestações. Porm enores das características do behaviorism o radical não serão tocados n este m o m en to do estudo , u m a vez que serão re cuperados em m ais de três ocasiões oportunas: no próxim o ca p ítu lo , quando será ap resen tad a um a visão geral de Skinner e de su a oposição, no cap ítu lo 6, no qual serão rastreadas as princ i pais críticas às concepções sk innerianas, m ed ian te um a catego- rização p o r áreas e assun tos; e m ais ad ian te , q u ando se fará re ferência a essas críticas quan d o da discussão de even tuais reali- n h am en to s da abordagem . 116 Behaviorismo radical A lém disso, recolocar um a palavra de cau tela se faz necessá rio: o ag rupam en to das críticas segundo critérios perfe itam ente definidos seria p re tensio so , tendo em vista que as publicações raram ente objetivaram , ao longo da h is tó ria (e a té não há razão para que o fizessem ), circunscrever-se a aspectos específicos de qualquer questão . E m bora tem as gerais este jam sendo selecio nados para análise e discussão, é fundam ental considerar que todos eles, in d is tin tam en te , estão ligados ao corpo teórico do behaviorism o e, com o tal, perderiam m uito do seu sen tido se analisados sem im plicações m ú tuas. A ssim , na descrição e an á lise do con tingen te crítico que se ap resen ta no cap ítu lo su b seqüen te , serão u tilizad o s a lguns títu lo s que p re ten d em , em vez de separar d id a ticam en te , apenas destacar a lguns p o n to s que têm im plicações reconhecidas pela co m un idade cien tífica com o fu n d am en ta is n u m a apreciação do em p reen d im en to be- haviorista . Ao final de cada su b títu lo serão ap resen tad o s, à m aneira de resum o , as idéias fu n d am en ta is q i e rep re sen tam a crítica em questão . Dimensões preliminares do pensamento skinneriano
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