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Autores: Profa. Priscila Beralda Moreira de Oliveira Prof. Vanderlei da Silva Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudela Nanias Profa. Angélica Carlini Prof. Jefferson Leal Projetos Sociais no Terceiro Setor Professores conteudistas: Priscila Beralda Moreira de Oliveira / Vanderlei da Silva Priscila Beralda Moreira de Oliveira Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2011), cursou um semestre de seu mestrado na Université Pierre Mendès France, em Grenoble – França (2010-2011). Possui graduação em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2007). Atuou como assistente social em consultoria na área de habitação e foi funcionária pública da Prefeitura do Município de São Paulo (2009-2012), onde foi membro do Comitê de Ética em Pesquisa. Atualmente, é docente no curso de Serviço Social presencial na Universidade Paulista (UNIP) e no Instituto de Ensino Superior de São Paulo (IESP). Vanderlei da Silva É especialista em EaD (UNIP, 2017), doutor em educação (Uniso, 2013), mestre em educação (Uniso, 2009), especialista em direito do Terceiro Setor (FGV-SP, 2005) e advogado (Uniso/2004). Atua como professor do curso de graduação em Serviço Social, nas modalidades presencial e EaD, e na pós-graduação em Gestão de Políticas Públicas EaD na UNIP, também leciona no curso de especialização MBA em Gestão Ambiental e Sustentabilidade na UFSCar de Sorocaba. É gerente administrativo e financeiro do Serviço de Obras Sociais – SOS Sorocaba, é diretor de projetos do Lar Escola Monteiro Lobato, Conselheiro Fiscal da Fundação Ubaldino do Amaral (FUA), da Vila dos Velhinhos de Sorocaba e da Associação Protetora dos Insanos. É sócio do escritório de advogados Ranuzzi & Silva, Vieira. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) O48p Oliveira, Priscila Beralda Moreira de. Projetos sociais no Terceiro Setor. / Priscila Beralda Moreira de Oliveira, Vanderlei da Silva. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 136 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Terceiro setor. 2. Responsabilidade social. 3. Ética empresarial. I. Silva, Vanderlei da II. Título. CDU 658.5 U505.73 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Cristina Z. Fraracio Marcilia Brito Sumário Projetos Sociais no Terceiro Setor APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA: TERCEIRO SETOR E RESPONSABILIDADE SOCIAL..............................................................................................................................9 1.1 Capitalismo e sociedade capitalista .................................................................................................9 1.1.1 Especificidades do modo de produção capitalista .......................................................................9 2 TERCEIRO SETOR E O CAPITALISMO: CONTRADIÇÕES E DESAFIOS ............................................. 18 2.1 A história do Terceiro Setor e o papel fundamental que desenvolve no Brasil .......... 20 3 OS SETORES DA SOCIEDADE: UM DEBATE POLÊMICO ..................................................................... 22 3.1 Terceiro Setor: refletindo sobre esse conceito .......................................................................... 25 3.2 As pessoas jurídicas no Código Civil Brasileiro......................................................................... 30 3.3 Títulos de OS, Oscip, utilidade pública e entidade beneficente de assistência social .................................................................................................................................... 37 3.4 Aspectos tributários relativos ao Terceiro Setor ...................................................................... 43 3.5 Incentivos fiscais em nível federal ................................................................................................ 43 4 MARCO REGULATÓRIO DO TERCEIRO SETOR – LEI N. 13.019/2014 ........................................... 52 4.1 Agenda do marco regulatório ......................................................................................................... 53 4.2 Lei 13.204/2015 – altera o texto da Lei n. 13.019/2014 ....................................................... 55 4.3 Conceito de Organização da Sociedade Civil (OSC) ............................................................... 56 4.4 Termo de colaboração ........................................................................................................................ 57 4.5 Termo de fomento ............................................................................................................................... 58 4.6 Acordo de cooperação ........................................................................................................................ 58 4.7 Artigo 33, inciso V – escalonamento no tempo de existência da OSC .......................... 59 4.8 Processo de seleção da OSC ............................................................................................................. 59 4.9 Dispensa e inexigibilidade do procedimento de seleção ...................................................... 60 4.10 Planos de trabalho – elementos obrigatórios previstos no artigo 22 .......................... 61 4.11 Despesas com a remuneração da equipe executora do projeto ..................................... 61 4.12 Fase de planejamento ...................................................................................................................... 62 4.13 Procedimento de manifestação de interesse social............................................................. 63 Unidade II 5 ELABORAÇÃO DE PROJETO SOCIAL: ALGUNS APONTAMENTOS .................................................. 69 5.1 Ciclo de vida de um projeto ............................................................................................................. 70 5.2 Características de um projeto ......................................................................................................... 71 5.3 Construindo um projeto .................................................................................................................... 72 5.4 Objetivo geral: missão do projeto .................................................................................................. 73 5.5 Objetivos específicos: estratégias que serão utilizadas pelo projeto .............................. 74 5.6 Metas ......................................................................................................................................................... 74 5.7 Resultadose impacto ......................................................................................................................... 75 5.8 Por que avaliar e monitorar? ........................................................................................................... 75 5.9 Passos da avaliação ............................................................................................................................. 76 5.10 A importância da gestão no desenvolvimento do projeto social no Terceiro Setor .......................................................................................................................................... 78 6 ELABORAÇÃO DE PROJETO A PARTIR DE EDITAIS DE PATROCÍNIOS .......................................... 85 6.1 O edital ..................................................................................................................................................... 85 6.2 Instruções que constam na maioria do editais ........................................................................ 85 6.3 Definição de projetos sociais ........................................................................................................... 86 6.4 Dicas importante para a elaboração de um projeto social para participar de editais .................................................................................................................................... 86 6.5 Sugestões para a apresentação do projeto................................................................................ 87 Unidade III 7 RESPONSABILIDADE SOCIAL: CONCEITOS, VISÕES E DIMENSÕES .............................................. 97 7.1 Responsabilidade social empresarial ............................................................................................ 97 7.2 Responsabilidade social na atualidade ........................................................................................ 99 7.3 Fases (eras) de gestão de responsabilidade social .................................................................100 7.4 As motivações que levam à responsabilidade social ...........................................................100 7.5 Normas, certificações e compromissos relacionados com a responsabilidade social ............................................................................................................................100 7.6 Sistemas de avaliação da responsabilidade social ................................................................102 7.7 Responsabilidade social: refletindo sobre possibilidades e limites ................................102 7.7.1 Responsabilidade social corporativa: algumas contribuições ............................................103 8 RESPONSABILIDADE SOCIAL NAS EMPRESAS ...................................................................................107 8.1 A implantação de um processo de responsabilidade social nas empresas .................107 8.1.1 Processos fundamentais para que a responsabilidade social passe a fazer parte do planejamento estratégico de uma organização ................................................108 8.1.2 Exemplos de projetos de responsabilidade social .................................................................... 110 8.1.3 Cheklist e autoavaliação e aprendizagem .................................................................................. 115 8.2 Ética empresarial: apontamentos para o debate ..................................................................115 8.2.1 Ética e moral: existe diferença? ...................................................................................................... 116 8.3 Responsabilidade social de empresas: um desafio para o serviço social ....................120 8.3.1 A interface entre a responsabilidade social e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) .................................................................... 123 7 APRESENTAÇÃO O presente livro-texto tem como objetivo oferecer elementos teóricos que contribuam para uma atuação crítica frente à gestão social das Organizações da Sociedade Civil - OSCs a partir da cultura das organizações, na implementação de modelos sustentáveis com qualidade. Não se trata de um manual de “como fazer”, mas de um espaço em que se pretende introduzir o leitor às determinações presentes neste campo de atuação profissional contraditório, estimulando reflexões que levem o profissional a se preparar para enfrentar os desafios cotidianos e a pensar e agir a partir de um amadurecimento teórico que permita, no lugar de reproduzir respostas prontas, elaborar soluções que de fato atendam às demandas que lhe serão apresentadas. Dessa forma serão discutidas ferramentas de diagnósticos da cultura das organizações, visando instigar uma posição capaz de identificar problemas organizacionais que possam prejudicar na qualidade de atendimento, assim como um posicionamento propositivo que contribua com as condições de autossustentabilidade das instituições. Nessa perspectiva, no decorrer dos capítulos, refletiremos sobre o Terceiro Setor na sociedade brasileira, pautando os principais desafios que este tem enfrentado na atualidade. Também abordaremos alguns conceitos pertinentes a essa reflexão, buscando compreender sua ampliação em nossa realidade. Do mesmo modo, discorreremos sobre sua evolução histórica e a inserção do assistente social nesse contexto. Para esse fim, refletiremos sobre a sociedade capitalista e suas implicações para o Terceiro Setor, buscando compreender o crescimento e fortalecimento desse seguimento no enfrentamento da questão social, o que pressupõe uma análise da relação Estado x Sociedade. Ademais, analisaremos o conceito de responsabilidade social, buscando destacar a ampliação do Terceiro Setor a partir da atuação de empresas socialmente responsáveis. Abordaremos o novo modelo de atuação na área social por meio da chamada parceria, que envolve empresa, governo, OSCs, e, para finalizar, refletiremos sobre os desafios impostos ao profissional do Serviço Social nessas instituições. INTRODUÇÃO O Terceiro Setor é o conjunto de pessoas jurídicas privadas de fins públicos, porém sem finalidade lucrativa, constituído voluntariamente, e que auxilia o Estado na realização de atividades de conteúdo relevante para sociedade. O Terceiro Setor implica em iniciativas privadas que não visam lucros ou iniciativas na esfera pública que não são feitas pelo Estado. São cidadãos participando de modo espontâneo e voluntário, em ações de interesse comum. A emergência do Terceiro Setor na realidade brasileira, principalmente a partir da década de 1990, resulta, entre outros fatores, do fortalecimento da ideologia neoliberal que visa ao enxugamento do Estado frente à questão social. 8 Nessa lógica, o Estado convoca a sociedade e o setor privado para efetivar ações de enfrentamento das expressões da questão social que deveriam ser de sua responsabilidade, isentando-se do papel de Estado provedor de direitos sociais; pelo contrário, suas práticas têm se tornado cada vez mais distantes da concretização dos direitos sociais historicamente conquistados. Sendo assim, o Terceiro Setor tem encontrado condições para crescer e se fortalecer, constituindo-se cada vez mais complexo, contemplando diferentes atores e revelando a emergência de um modelo de atuação na área social pautado na parceira entre empresa, governo, OSCs. As empresas passam então a atuar no enfrentamento dos chamados “problemas sociais”, de forma mais organizada, intensificando doações de recursos e firmando parcerias com as OSCs, além de criar suas próprias fundações e institutos empresarias, que passaram a implementar diretamente os programas e projetos. Nessa realidade, cresce o campo de trabalho para o assistente social, que até este momento tinha uma atuação no ambiente empresarial pautada no âmbito interno: atendimento aos funcionários e suas famílias.Com a responsabilidade social das empresas, tais demandas tomam outras dimensões: o profissional do Serviço Social tem sido chamado, principalmente pelo setor privado, a contribuir com a elaboração, monitoramento e avaliação de programas e projetos sociais, entre outras atividades. 9 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOR Unidade I 1 CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO‑HISTÓRICA: TERCEIRO SETOR E RESPONSABILIDADE SOCIAL 1.1 Capitalismo e sociedade capitalista 1.1.1 Especificidades do modo de produção capitalista O capitalismo teve início no século XVI, momento histórico em que o sistema feudal estava em crise e as relações capitalistas puderam se multiplicar, como nos apresenta Faleiros (2009): [...] no modo de produção feudal, o servo era vinculado ao senhor por relações de submissão e proteção (sobretudo militar), encontrando satisfação de certas necessidades dentro das associações comunais e principalmente religiosas. [...]. Nesse modo de produção o servo era proprietário dos meios de produção. No modo de produção capitalista produz-se uma ruptura entre a posse dos meios de produção e o trabalhador. Os meios de produção passam a ser de propriedade do capitalista, pela expropriação, pela reprodução simples e ampliada, pela acumulação. O homem, como disse Marx, se vê livre, sem estar ligado ao senhor, pronto a oferecer sua força de trabalho como indivíduo, em troca de salário. A ordem medieval se desmoronou em sua estrutura social e política, em consequência das modificações nas relações de produção, diante de novas exigências de produção dos valores e de intercâmbio de mercadorias. O salário é o meio de prover a sua subsistência. Mas esse salário é obtido na produção da mais-valia e sob uma submissão total às novas relações sociais que as fábricas suscitam. Disto resulta a disciplina coletiva, o despotismo da fábrica, como dizia Marx. Encurralados no campo, foram os camponeses obrigados a vender sua força de trabalho para subsistir em penosas condições de trabalho (longas jornadas, baixos salários, trabalho de mulheres e menores) (FALEIROS, 2009, p. 12). Diferentes autores afirmam que o capitalismo passou por algumas fases, sendo que estas não são estáticas e cada uma nasce da precedente. São elas: capitalismo comercial (século XVI); capitalismo industrial (século XVIII) e capitalismo monopolista financeiro (final do século XIX). No entanto, foi no século XVIII, com a Revolução Industrial, que esse modo de produção prosperou. 10 Unidade I Saiba mais O filme a seguir pode proporcionar uma inter-relação com a questão das penosas condições de trabalho no processo de industrialização imposto pelo capitalismo. DAENS – um grito de justiça. Dir. Stijn Coninx. Bélgica; França; Holanda: Dérives Productions; Favourite Films; Shooting Star Filmcompany BV, 1992. 138 minutos. De acordo com Pereira (1977) verificou-se que na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos no século XVIII o modo de produção capitalista tem sua forma mais pura. Segundo o autor, as características históricas mais gerais desse modo de produção que Marx conheceu e analisou são: (a) o surgimento do capital e, portanto, da relação de produção capitalista, através da separação dos instrumentos de produção dos trabalhadores e sua apropriação pela burguesia; (b) a generalização da mercadoria, ou seja, a transformação de todos os bens em mercadorias com valor de troca; (c) o surgimento do trabalho assalariado, ou seja, a transformação do trabalho também em mercadoria; (d) a apropriação do excedente econômico pela burguesia através da obtenção de lucros (mais-valia); (e) a incorporação sistemática do progresso técnico, visando ao aumento da produtividade (mais-valia relativa) – condição básica de sobrevivência e da obtenção de lucros por parte das empresas; (f) a multiplicidade de pequenas e médias empresas agindo em um mercado concorrencial sob a coordenação do mecanismo dos preços (PEREIRA, 1977, p. 1). O modo de produção capitalista se diferencia dos experimentados anteriormente na história da humanidade e “[...] representa um grande avanço histórico para o desenvolvimento do ser social” (BARROCO, 2010, p. 36-37). Observação Antes do capitalismo, houve outros modos de produção. São eles: primitivo, escravista e feudal. Para Iamamoto (2004), é na vida em sociedade que ocorre a produção. A produção é uma atividade social e a relação entre os homens na produção e na troca de suas atividades varia de acordo com o nível de desenvolvimento dos meios de produção. 11 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOR O nascimento e a consolidação do capitalismo representaram um desenvolvimento nunca visto das forças produtivas no âmbito universal, resultando na ruptura com as relações que pudessem constituir obstáculos à sua expansão (BARROCO, 2010). Nas sociedades pré-capitalistas, continua a autora, o trabalho era limitado por inúmeras determinações, principalmente pelo pouco domínio do homem diante da natureza, fazendo com que as relações produtivas e sociais pudessem ser aceitas como relações “dadas naturalmente”, nas quais o homem não se via como sujeito. Para, Marx (apud BARROCO, 2010, p. 36), “[...] o produto objetivo do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, pressupondo o domínio humano da natureza, permite que o ser social adquira consciência de si mesmo como sujeito histórico”. Porém, essas relações sociais que aumentam as capacidades e possibilidades humanas produzem os mecanismos de sua negação, impossibilitando sua realização concreta, o que se expressa, entre outros aspectos, na contradição entre o maior desenvolvimento do ser social e o maior grau de alienação (em relação às sociedades precedentes), dando lugar até mesmo a outras formas de alienação: o fetiche ou a coisificação das relações sociais (BARROCO, 2010). Saiba mais O livro e o filme a seguir poderão oferecer elementos que ajudam na reflexão sobre os valores da sociedade capitalista: BARROCO, M. L. S. Ética: fundamentos sócio-históricos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. (Biblioteca Básica de Serviço Social, v. 4). ILHA das Flores. Documentário. Dir. Jorge Furtado. Brasil: Casa de Cinema de Porto Alegre, 1989. 13 minutos. Nessa perspectiva Iamamoto (2004) pontua que o processo capitalista de produção expressa uma maneira historicamente determinada de os homens produzirem e reproduzirem as condições materiais da existência humana e as relações sociais, por meio das quais levam a efeito a produção. Nesse processo se reproduzem, concomitantemente, as ideias e representações que expressam essas relações e as condições materiais em que se produzem, encobrindo o antagonismo que as permeia. Ou seja, o sistema capitalista fundamenta-se na contradição capital x trabalho e, para que possa prosperar (considerando que esse é um sistema que visa ao acumulo do capital e à concentração de renda da produção em um pequeno grupo – no caso a burguesia), tende a produzir e reproduzir valores que obscurecem tal contradição, sem interferir na produção. No modo de produção capitalista, o trabalhador passa a ser “livre”, podendo vender sua mão de obra para os burgueses – que passam a ser donos do meio de produção – em troca de salário. Nessa relação, o capital monopoliza os meios de produção e de sobrevivência por uma parte da sociedade – a classe 12 Unidade I capitalista – em confronto com os trabalhadores, que não possuem as condições para a efetivação de seu trabalho. Logo, o “[...] capital e trabalho assalariado são uma unidade de diversos; um se expressa no outro, um recria o outro, um nega o outro” (IAMAMOTO, 2004, p. 33). Quando o trabalhador não possui os meios de produção, ele não tem como garantir sua sobrevivência. Sendo os meios de produção propriedade alheia monopolizada por uma parte da sociedade – a classe capitalista – não lhe resta outra alternativa a não ser vender parte de si mesmo em troca do valor equivalente aos meios necessários para sua sobrevivência e de sua família,expressos na forma do salário (IAMAMOTO, 2004). É dessa relação desigual que surge a questão social compreendida como: [...] conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista moderna, que tem raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2005, p. 27). Ainda, segundo a autora, “[...] a condição histórica para o surgimento do capital e o pressuposto essencial para a transformação do dinheiro em capital é a existência no mercado da força de trabalho como mercadoria” (IAMAMOTO, 2004, p. 39). Behring e Boschetti (2008) afirmam que as relações capitalistas constituem relação de produção de valores de troca (mercadorias) para a acumulação de capital, por meio da expropriação da mais-valia somada ao valor pelo trabalho livre, condições da produção capitalista e razão pela qual se provoca a separação entre a força de trabalho e a propriedade dos meios de produção. A separação entre a força de trabalho e o trabalhador, no caso, a concretização de uma realidade onde o homem é afastado dos meios de produção e passa a depender do salário, não se deu sem consequências, pelo contrário, essa realidade foi fundamental para que o sistema capitalista pudesse prosperar. Na formação social capitalista o objetivo principal da produção não é a satisfação de necessidades sociais, mas a manutenção da ordem necessária para a acumulação do capital. Behring e Boschetti (2008) pontuam que, nas relações capitalistas, o sentido do trabalho sofre profunda modificação, pois assume o caráter de “trabalho abstrato”, produtor de valores de troca. Isso porque: [...] o trabalho, como criador de valores de uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de sociedade –, é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana (MARX, 1987, p. 50 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 51). 13 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOR Ou seja, o trabalho é categoria fundante do ser social em qualquer modelo de sociedade, já que o homem depende da transformação da natureza para sobreviver. Porém, no capitalismo, a categoria trabalho sofre modificações onde são instituídas características específicas para esse modo de produção. Para Iamamoto (2004), o processo de produção capitalista é um modo de trabalho com características específicas, pois ao mesmo tempo em que é um processo de trabalho de produção de valores de uso mediante o consumo de um trabalho de qualidade específica, também é um processo de valorização: de criação e conservação de valor, no qual o que interessa é o valor de troca do capital – que se expressa por meio de mercadoria (meios de produção e de vida) e do dinheiro – que se diferencia do valor de troca de mercadoria. Nessa lógica de produção, as relações sociais aparecem como relações entre coisas, esvaziadas de sua historicidade, invertidas naquilo que realmente são: aparecem como relação entre mercadorias, embora não sejam mais que expressões de relações entre classes sociais antagônicas (IAMAMOTO, 2004). O capitalismo no Brasil: uma reflexão crítica As relações sociais capitalistas, na realidade brasileira, efetuaram-se de forma distinta dos países do capitalismo central – sendo importante considerar que o Brasil não foi o berço da Revolução Industrial –, embora tenham mantido suas características essenciais (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Para Prado Júnior (1991 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2008), o processo de colonização no século XVI a XIX serviu essencialmente à acumulação originária de capital nos países centrais. O que não se encerrou nos períodos do Império e da República, sendo a subordinação e dependência ao mercado mundial aspectos que se mantêm historicamente. O Brasil não experimentou, no período escravista do século XIX, uma radicalização das lutas operárias, sua constituição em classe para si, com organização e partidos fortes. A adaptação ao capitalismo se fez por meio da substituição gradativa do trabalho escravo pelo trabalho livre, nas grandes unidades agrárias, numa “[...] complexa articulação de progresso (adaptação ao capitalismo) e conservação (a permanência de importantes elementos da antiga ordem)” (COUTINHO, 1989, p. 119, apud BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 72). No lugar de constituir instituições próprias nesse processo de transição, a burguesia tende para o Estado, procurando exercer pressão, orientar e controlar a aplicação de seu poder político, partindo de interesses particulares. Ela opta por pequenas mudanças, adaptações ambíguas e conservadorismo social (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Nesse contexto, a contínua presença do trabalho escravo teve impactos profundos no nascimento do trabalho livre, que se consolidou permeado por características como o mandonismo, paternalismo e conformismo, as quais convivem, na atual conjuntura, com a precarização, flexibilização, entre outras formas que fragilizam a organização da classe trabalhadora (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Para as referidas autoras, no processo de ruptura com a homogeneidade da aristocracia agrária, potencializado com o surgimento de novos agentes econômicos, a partir da pressão da 14 Unidade I divisão do trabalho na construção de uma nova sociedade nacional, não existe compromisso com qualquer defesa dos direitos do cidadão por parte das elites econômica e política, e essa é uma marca indelével da nossa formação, fato fundamental para pensar a configuração da política social no Brasil. As classes dominantes brasileiras não tiveram historicamente compromissos democráticos e redistributivos. A desigualdade econômica, que coloca o Brasil na posição de um dos países com maior índice de desigualdade do mundo, é um indicador que retrata esse fato (OLIVEIRA, 2011). De acordo com Behring e Boschetti (2008), o fundamental, nesse contexto do final do século XIX e início do século XX, é compreender que nosso liberalismo à brasileira não comportava a questão dos direitos sociais, que foram aderidos sob pressão dos trabalhadores e com fortes dificuldades para a sua implementação e garantias efetivas. A economia e as políticas brasileiras, dizem as autoras, foram profundamente abaladas pelos acontecimentos mundiais das três primeiras décadas do século XX, principalmente depois da crise internacional de 1929-1932, momento em que aconteceu a expansão acelerada das relações capitalistas no País, com fortes repercussões para as classes sociais, para o Estado e para as respostas à questão social (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Um dos aspectos significativos trazidos pela crise foi a correlação de forças no interior das classes dominantes, que acarretou consequências significativas para os trabalhadores. As autoras destacam que a chamada “Revolução de 30” foi uma fase de inflexão no longo processo de constituição de relações sociais, característica do capitalismo no Brasil. Vargas esteve à frente de uma ampla coalizão de forças em 1930, que a historiografia caracterizou como um “Estado de compromisso” e que impulsionou amplas mudanças no Estado e na sociedade brasileira. O Brasil acompanhou as tendências internacionais de aumento da intervenção do Estado diante das expressões da questão social, mas com características muito específicas (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Nossa realidade nunca experimentou a atuação de um Estado forte frente às expressões da questão social. A ruptura constitucional de 1964 instituiu uma ditadura militar que durou 20 anos e impulsionou um novo momento de modernização conservadora no Brasil. Em 1974, transparecem as primeiras fissuras e sinais de esgotamento do projeto tecnocrático, modernizador e conservador do regime militar, em razão dos impactos da economia internacional, diminuindo o fluxo de capitais e também dos limites internos (BEHRING; BOSCHETTI, 2008).Os anos seguintes foram marcados pela lenta transição do regime ditatorial militar para a democracia civil, o que refletiu no caráter tardio da adesão brasileira ao neoliberalismo. Nesse contexto de transição, evidencia-se o esgotamento do milagre brasileiro, que demonstrava que seus frutos não seriam redistribuídos e os trabalhadores e movimentos sociais já avaliavam essa tendência pela crise econômica que se aproximava (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). 15 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOR Os anos de 1980 são conhecidos por diferentes autores como a “década perdida” – do ponto de vista econômico –, embora também sejam recordados como período de conquistas democráticas, devido às lutas sociais e a Constituição de 1988. Observação A Constituição de 1988 é considerada como a Constituição Cidadã; ela resultou de lutas sociais e contemplou diferentes demandas apresentadas pelos movimentos sociais. Da década de 1990 em diante, as condições políticas e econômicas implicaram num giro conservador para o neoliberalismo (BRAVO, 2000 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2008 p. 145), dificultando intensamente a implementação real dos “[...] princípios orientadores democráticos e dos direitos a eles correspondentes”. Neoliberalismo: implicações para as políticas sociais O neoliberalismo tem sua origem na obra de Friedrich Hayek, O caminho da Servidão, escrita em 1944, porém, ficou limitado a pequenos círculos – entre eles o fundado por Hayek em 1947, a “Sociedade de Mont Pelérin” – sem muita significância política, durante a chamada era de ouro de Welfare State (NEGRÃO, 1996). É na passagem de 1970 para 1980 que esse pensamento reaparece, principalmente durante os governos Reagan (EUA) e Thatcher (Inglaterra), momento em que as democracias contemporâneas, segundo inúmeros autores, passam a ser responsabilizadas por aumentarem demais o poder da sociedade – principalmente das classes trabalhadoras –, gerando demandas que o Estado não tem capacidade de responder. As práticas do conjunto de reformas neoliberais se efetivaram de forma diferenciada nos diversos países, sendo possível identificar no centro dessas ações a “[...] desregulamentação dos mercados, abertura financeira e redução do tamanho e papel do Estado” (NEGRÃO, 1996, p. 53). Isso porque o capitalismo vem respondendo e enfrentando as conquistas dos trabalhadores que, especialmente a partir do pós-guerra, ampliam seus direitos e colocam, de forma mais ou menos acentuada, obstáculos à reprodução ampliada do capitalismo (NEGRÃO, 1996). No contexto neoliberal, as políticas sociais de direito “[...] são consideradas responsáveis pelo esvaziamento de fundos públicos, ‘mal gastos’ em atividades burocratizadas, sem retorno e que estendem a cobertura a toda a população indiscriminamente” (MONTAÑO, 2010, p.188). Para Gomes (2005), com o neoliberalismo, o mercado que resultava da necessidade de os seres humanos se apoiarem uns nos outros passa a ser com o “[...] meio, o método, e inclusive o fim que governa as relações entre os seres humanos” (p. 115), sendo este cotidianamente exaltado como “[...] único alocador racional, justo e democrático” (p. 115), o único sistema econômico possível, já que 16 Unidade I falharam as sociedades comunista, socialdemocrática e, até mesmo, o Estado de Bem-Estar (GOMES, 2005, p. 116). No entanto, o fato é que o neoliberalismo transmite os interesses imediatos de grandes investidores que decidem as políticas públicas e dominam a maior parte da economia nos países desenvolvidos e principalmente dos “[...] países em desenvolvimento” como é o caso do Brasil (GOMES, 2005). Montaño (2010) afirma que, como solução parcial da crise capitalista, o neoliberalismo busca reconstituir o mercado, minimizando ou até extinguindo a intervenção social do Estado em diversas áreas e atividades. É o que caracteriza como “[...] a passagem do fundamento da legitimação sistemática das lógicas democráticas (particularmente no âmbito estatal) para as lógicas da sociedade civil e do mercado” (p. 188). Nessa lógica, segundo o autor, a desregulamentação e flexibilização das relações trabalhistas e a reestruturação produtiva vão em direção da reforma do Estado, principalmente na sua desresponsabilização de intervenção na resposta às expressões da questão social. O mercado se torna a instância, por excelência, de regulação e legitimação social. O “igualitarismo” promovido pelo Estado intervencionista – Welfare State – deve ser, na ideologia neoliberal, enfrentado e substituído pela desigualdade e a concorrência, que são exaltadas como motores do estímulo e desenvolvimento social. O neoliberalismo não opera como um sistema apenas econômico, mas também cultural e político, dado que no atual contexto [...] a solução dos problemas, referentes à distribuição de recursos, à organização social e à produção, em última análise acaba ficando submetida à atuação das forças do mercado, a redundar no sucateamento das condições ambientais, no agressivo desmantelamento das políticas educacionais, dos programas sociais de segurança, saúde e seguridade, em prejuízo da maior parte da sociedade civil (GOMES, 2005, p. 116). Sendo esse pensamento contrário ao que objetiva o Estado Social, Democrático e de Direito, o “lucro” torna-se “essência” da democracia (GOMES, 2005). A ideologia neoliberal coloca o Estado como incapaz de garantir os direitos a todos os indivíduos e suas famílias, na medida em que se submete às forças globalizantes do mercado, que impõem plena liberdade no desenvolvimento das atividades econômicas, expondo a superioridade do mercado mediante à ação estatal (GOMES:2005). Neoliberalismo no Brasil: abrindo caminhos para o Terceiro Setor O neoliberalismo chegou ao Brasil de forma lenta e encontrou na crise do final da ditadura militar o ambiente para que seu ideal fosse propagado. Porém, segundo Negrão (1996), foi durante o governo do presidente Collor (1990) que efetivamente tal ideário se torna ideologicamente dominante. 17 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOR Essa política de fortalecimento do grande capital em um processo de reconcentração e retomada da acumulação ampliada foi conservada na chamada era do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), na qual a política neoliberal, inspirada no Consenso de Washington, foi levada às últimas consequências e seu esgotamento produziu uma crise de natureza especialmente grave, não apenas cíclica, mas também profunda e estrutural (POMPEO, 2003). Esse fato interferiu nos direitos e na organização dos trabalhadores, bem como na função do Estado como redistribuidor de renda, regulador da economia e controlador do mercado e dos setores mais frágeis e descentralizados do próprio capital (NEGRÃO, 1996). O Consenso de Washington ou Dissenso de Washington, como é conhecido por alguns autores, apresenta dez regras para serem seguidas pelos países, que são os dez mandamentos do neoliberalismo: redução de gastos, reforma tributária, juros de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro com a eliminação das restrições, privatização das estatais, desregulamentação e afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas, entre outros (OLIVEIRA, 2011). Essas práticas se mantêm em maior ou menor grau no atual governo, que não instituiu mudanças significativas que bloqueiem os princípios neoliberais (ANTUNES, 2006). Diferentes autores, como Ivo (2006) e Raichelis (2007), apontam que a adoção do receituário neoliberal e das medidas de ajuste estrutural, imposta pelos organismos multilaterais a partir do Consenso de Washington, concretiza-se na regressão e restrição de direitos e das políticas sociais, sob o argumento da crise fiscal do Estado, transformando as políticas sociais em ações pontuais e compensatórias direcionadas para os efeitos mais perversos da crise. Isso se realiza principalmente nos países capitalistas, ditos dependentes, como o Brasil e os demais países da América Latina de uma forma geral, mas também se expressa em diferentesintensidades nos países capitalistas centrais (RAICHELIS, 2007). Os anos 1990 foram marcados pela contrarreforma do Estado e pelo redirecionamento e obstaculização das conquistas de 1988. Somados a esses fatores, aparece como novo componente a terceirização, cujas condições estruturais provenientes do capitalismo – com a globalização do sistema de produção e dos mercados e com o desenvolvimento tecnológico – estimulam mudanças nos processos de trabalho, a partir da intensificação da competição intercapitalista, gerando terceirização ou subcontratação (RAICHELIS, 2007). A terceirização, para Druck e Borges (2001), pode ser considerada como a principal política de gestão e organização do trabalho no interior da reestruturação produtiva. Ela seria a forma mais clara da flexibilização do trabalho, pois possibilita concretizar os “contratos flexíveis”, compreendidos como sendo contratos por tempo indeterminado, por tempo parcial, por tarefa, por prestação de serviços, por diferentes formas de precarização do trabalho, sem cobertura legal e por responsabilidade de terceiros. Nesse contexto, o retraimento do Estado que busca minimizar os gastos sociais vem possibilitando a sua desresponsabilização em relação às políticas sociais universais e o procedente retrocesso na consolidação e expansão dos direitos sociais (RAICHELIS, 2007). 18 Unidade I Na (re)configuração dos direitos da seguridade social, a partir da década de 1990, enfatiza-se o mercado via planos privados de saúde e previdência, ou são transferidas responsabilidades para a sociedade civil sob os argumentos do voluntariado, da solidariedade e da cooperação. Estabelece-se a perspectiva do Welfare Pluralism ou Welfare Mix (ABRAHAMSON, 1995 e 2005; PEREIRA, 2001 e 2004; BEHRING, 2004 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2008) distanciando-se da proposta do Welfare State keynesiano (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Nessa perspectiva, Behring e Boschetti (2008) apontam que houve [...] o retorno à família e às organizações sem fins lucrativos – o chamado Terceiro Setor, categoria tão bem desmistificada por Montaño (2002) – como agentes do bem-estar, substituindo a política pública. Ao não se constituir como uma rede complementar, mas assumir a condição de “alternativa eficaz” para viabilizar o atendimento das necessidades, esse apelo ao Terceiro Setor ou a sociedade civil, aqui mistificada, configurou-se como um verdadeiro retrocesso histórico. Trata-se do que Yasbek (1993 e 2000 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2008) denomina refilantropização das políticas sociais, que implica uma precipitada volta ao passado sem esgotar as possibilidades da política pública, na sua formação constitucional. Soares (2000 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 83) denuncia a ineficiência das “pequenas soluções ad hoc” e do “reinado do minimalismo”, que estão levando a uma “descentralização destrutiva” e ao reforço dos esquemas tradicionais de poder, como as práticas de clientelismo e favor (p. 73). O neoliberalismo institui um contexto de grandes desafios para o enfrentamento das expressões da questão social. Inúmeras são as alternativas apresentadas por essa política que se pauta no retraimento do Estado, no que se refere ao social, e na elaboração de estratégias para fortalecimento do capital. Nessa lógica, longe de se estabelecer um consenso, materializa-se uma arena de grandes controvérsias. Nessa realidade, o chamado Terceiro Setor ganha destaque na atuação frente à questão social, como veremos a seguir. 2 TERCEIRO SETOR E O CAPITALISMO: CONTRADIÇÕES E DESAFIOS Como estudamos, o sistema capitalista sofre alterações, passando por diferentes fases. Na atualidade, apresenta-se no processo de reestruturação do capital e reforma do Estado que se pauta nas orientações neoliberais, contexto em que há retraimento do Estado no enfrentamento da questão social. É nesse contexto que o Terceiro Setor está inserido, ou como defende Montaño (2010), ele é resultado dele, não sendo possível ignorá-lo, já que nesse projeto a sociedade civil tem efetivamente realizado atividades antes de responsabilidade do Estado. Porém, é necessária uma análise desse fenômeno em sua totalidade, e não de forma isolada, tratando-o pontualmente sem considerar as determinações históricas que contribuíram para seu surgimento e consolidação. 19 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOR O Terceiro Setor caracteriza-se como resposta às mudanças no enfrentamento da questão social, sendo necessário um esforço teórico para não naturalizá-lo como “[...] organizações de uma sociedade civil, autonomizada do Estado e do mercado e desarticulado do processo histórico de reforma do capital” (MONTAÑO, 2010, p. 183). O projeto neoliberal – como estudamos – busca reduzir os gastos sociais, estimulando ações que fortaleçam o capital. Nesse embate desigual, entre o projeto neoliberal e as lutas dos trabalhadores, verdadeiras transformações estão se concretizando nas respostas da sociedade às expressões da questão social. Como nos apresenta Montaño (2010), esse projeto [...] quer acabar com a condição de direito das políticas sociais e assistenciais, com seu caráter universalista, com a igualdade de acesso, com a base de solidariedade e responsabilidade social e diferencial (todos contribuem com o financiamento e a partir das capacidades econômicas de cada um). No seu lugar, cria-se uma modalidade polimórfica de respostas às necessidades individuais, diferente segundo o poder aquisitivo de cada um. Assim, tais respostas não constituíram direito, mas uma atividade filantrópica/voluntária ou um serviço comercializável; também a qualidade dos serviços responde ao poder de compra da pessoa, a universalização cede lugar à focalização e descentralização, a “solidariedade social” passa a ser localizada, pontual, identificada à autoajuda e ajuda mútua (p. 189). O quadro a seguir apresenta algumas diferenças no enfrentamento da questão social no padrão Welfare State (Estado forte) e no padrão neoliberal (Estado mínimo). Quadro 1 Padrão de resposta à questão social típico do Welfare State Padrão de resposta à questão social típico neoliberal Modalidade setorialista de resposta à questão social. Fundamenta-se na constituição de direito de cidadania e de universalidade do serviço. A resposta à questão social deve ser de responsabilidade do conjunto da sociedade (“solidariedade social”), por intermédio do Estado. Modalidade de intervenção que é setorialista, mas também localizada, e fundamenta-se na focalização e desconcentração das respostas (LAURELL, 1995 apud MONTAÑO, 2010, p. 185); é sustentada na autoajuda e na ajuda mútua (“solidariedade local”). A resposta à questão social deve ser de responsabilidade dos próprios portadores de necessidades, de seus pares e de suas localidades. O Terceiro Setor não é o desenvolvimento de organizações de um “setor” para superar a crise de outro, e sim a mudança de um padrão de reposta social às expressões da questão social (típica do Welfare 20 Unidade I State) “[...] com a desresponsabilização do Estado, a desoneração do capital e a autorresponsabilização do cidadão e da comunidade local para esta função (típica do modelo neoliberal ou funcional a ele)” (MONTAÑO, 2010, p. 185). Esse é um aspecto importante a ser analisado, dado que, segundo o referido autor, deslocar o debate do fenômeno real – atividades que expressam funções sociais a partir de determinados valores – para um debate sobre organizações em determinado âmbito (ou setor), concretiza a transformação de uma questão político-econômico-ideológica em uma questão meramente técnico-operativa. 2.1 A história do Terceiro Setor e o papel fundamental que desenvolve no Brasil As organizações que têm por objetivo ajudar o próximo existem desde os primórdios da humanidade. No Brasil, essas organizações já estavam presentes logo após o descobrimento, como as Santas Casas de Misericórdia. Porém, a expressão Terceiro Setor para inserir essas organizações numacategoria específica é mais recente. No Brasil, o Terceiro Setor começa a ganhar destaque a partir dos anos de 1970, quando várias organizações brasileiras passam a contar com o apoio de organizações internacionais. A expressão “Terceiro Setor”, indica a existência de outros dois setores na sociedade. Nessa linha, podemos utilizar o Terceiro Setor para classificar as organizações que, por suas características próprias, não fazem parte do Estado (primeiro setor) e também não pertencem ao mercado (segundo setor). Dessa forma, as pessoas jurídicas que integram o Terceiro Setor são entes privados, não vinculados à organização centralizada ou descentralizada da administração pública e não almejam entre seus objetivos sociais o lucro. Porém, possuem um papel fundamental na sociedade, prestando serviços em áreas de relevante interesse social e público. As organizações que formam o Terceiro Setor diferem-se das sociedades lucrativas do segundo setor, pois essas se constituem num agrupamento de indivíduos que se unem para desenvolver uma atividade econômica que gere lucros ao grupo. Nesse caso, os resultados são partilhados entre as pessoas que fazem parte da sociedade, fato que por disposição legal não pode acontecer dentro das organizações do Terceiro Setor. Por esse motivo, é fundamental que os dirigentes dessas organizações estejam cientes de que ao utilizarem as organizações do Terceiro Setor em benefício próprio poderão ser responsabilizados e punidos pela justiça. Apesar das críticas existentes e apresentadas por vários autores, é necessário considerar que o Terceiro Setor sempre teve um papel relevante para o enfrentamento das questões sociais existentes no país, desde a sua colonização. Pois ao estudarmos a relação do Estado com a sociedade, no que se refere aos aspectos da proteção social, vamos verificar que os governantes se mantiveram ausentes destas questões, cabendo às organizações da sociedade civil cumprir esse importante papel. Dessa forma, podemos observar que as políticas neoliberais vieram apenas a confirmar a dependência do Estado brasileiro perante a um Terceiro Setor, que sempre esteve mais preparado para 21 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOR o desenvolvimento de programas e serviços de proteção social, principalmente, pelo fato de estar mais próximo dos territórios e das populações que precisavam dessas ações. Por esses motivos é que no Brasil, assim como em outros países, ocorre o crescimento do Terceiro Setor que, por sua vez, coexiste com dois outros setores: primeiro setor, representado pelo governo, cumprindo uma função administrativa dos bens e serviços públicos, correspondendo, assim, às ações do Estado, nos âmbitos distrital, municipal, estadual e federal; e o segundo setor, representado pelo mercado, ocupado pelas empresas privadas com fins lucrativos. Quanto à questão conceitual do Terceiro Setor, de maneira geral, a maior parte dos doutrinadores o define como um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam à produção de bens e serviços públicos, em prol do atendimento dos direitos básicos da cidadania. O surgimento de organizações sem fins lucrativos no Brasil ocorre desde a colonização, porém não se tem o dado exato de quando se dá o início das primeiras organizações deste setor. O que tudo indica é que a Santa Casa de Misericórdia de Santos, criada em 1543, talvez seja a primeira instituição do Terceiro Setor de que se tem registro no Brasil. Segundo Débora Nacif de Carvalho (2006), o Terceiro Setor no Brasil possui quatro momentos marcantes: • O primeiro, compreende o período situado entre a época da colonização até meados do século XX. Nele encontram-se as ações de assistência social, saúde e educação realizadas especialmente pela Igreja Católica, delineando o primeiro momento dessa evolução. Essas ações deram-se sob a forma de asilos, orfanatos, Santas Casas de Misericórdia e colégios católicos. Chamadas de associações voluntárias, essas iniciativas eram permeadas por valores da caridade cristã, demonstrando como a noção de filantropia, inicialmente, era ligada a preceitos da Igreja Católica. • O segundo momento histórico do Terceiro Setor, segundo a autora já citada ocorreu no governo de Getúlio Vargas, que com o apoio de organizações sem fins lucrativos para a implementação de políticas públicas, o Estado assume o papel de formulador e implementador destas políticas. Para tanto, é promulgada, em 1935, a lei que declara utilidade pública para essas entidades. Em 1938, é criado o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), que estabeleceu que as instituições nele inscritas pudessem receber subsídios governamentais. Neste período, a Igreja continua tendo papel importante na prestação de serviços sociais, recebendo, em alguns casos, financiamentos do Estado para as suas obras. • Já o terceiro marco histórico relevante para o Terceiro Setor no Brasil teria ocorrido durante o regime militar onde se caracteriza por uma intensa mobilização da sociedade, muitas organizações conhecidas por caráter filantrópico e assistencial se uniram às organizações comunitárias e aos chamados “movimentos sociais” para serem porta-vozes dos problemas sociais. É neste período que surgem as organizações sem fins lucrativos ligadas à mobilização social e à contestação política. • O quarto e último marco histórico do Terceiro Setor no Brasil ocorreu a partir de 1980 com a diminuição da intervenção do Estado nas questões sociais e com a redemocratização do País e o 22 Unidade I declínio do modelo intervencionista do Estado, a questão da cidadania e dos direitos fundamentais passa a ser o foco das organizações sem fins lucrativos. A partir deste momento, começa a crescer a articulação do Terceiro Setor como grupo consolidado que a cada dia vem adquirindo mais relevância social e virtude da atuação ineficiente do Estado, em especial, na área social. Assim, o Terceiro Setor, que revela uma nova forma de conceber e trabalhar a questão social, vem crescendo e se expandindo em vários segmentos, objetivando atender a demandas dos mais diversos nichos da sociedade, em que o Estado e os agentes econômicos não têm interesses ou não são capazes de prover. Seu crescimento se dá, também, em consequência de práticas cada vez mais efetivas de políticas neoliberais do capitalismo global, produzindo instabilidade econômica, política e social, principalmente nos países do terceiro mundo. 3 OS SETORES DA SOCIEDADE: UM DEBATE POLÊMICO Diferentes autores afirmam que a sociedade contemporânea estrutura-se em três setores. São eles: • Primeiro Setor: Estado – atua na esfera pública estatal. • Segundo Setor: Mercado – atua na esfera privada. • Terceiro Setor: Organizações da Sociedade Civil – atuam sem finalidade de lucro com atuações de interesse público, na esfera pública não estatal. Vamos nos remeter a essa definição apenas para fins didáticos, dado que, como nos apresenta Costa (2005), a realidade social não é fragmentada, sendo impossível dividi-la em setores que aparentemente são isolados entre si. Nela, em sua totalidade, o político, o econômico e o social se articulam indissociavelmente, determinando a conjuntura e as demandas sociais. Nesse debate, Fernandes (1996) defende que fica prejudicada a ideia de uma subordinação hierárquica, que nos remeta a pensar nos indivíduos como grupos na base, o mercado no meio e o Estado no alto, governando o todo, sendo os primeiros chamados periodicamente a opinar sobre as relações devidas entre interesses de lucro particular e a lei comum. Para o referido autor, os três setores encontram-se tão fortemente ligados e condicionais que a definição exata dos limites é motivo de controvérsias e variações no tempo e no espaço. Na reflexão sobre o que é o Terceiro Setor, outro ponto importante é o apresentado por Coelho (2002): [...] essa terminologia pode se confundir com o setor terciário da economia, quando não necessariamente a totalidade dessas instituições prestaserviços à população. Considera-se como setor terciário na economia tudo aquilo que não é indústria ou agricultura, ou seja, todas as atividades de serviço, 23 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOR transporte e comunicação. Certamente, o setor terciário é bem mais amplo do que o conjunto de organização desse tipo. Terceiro setor é a denominação mais recente e a menos utilizada. Os autores que a ela recorrem consideram o mercado como primeiro e a área governamental como segundo, e essas organizações – que têm características dos dois setores – vêm a ser o Terceiro Setor. Na verdade, essa denominação põe em evidência o papel econômico que esse conjunto de organização assume, particularmente, na economia americana (p. 58-59). Os dois autores defendem não ser a divisão entre setores a mais apropriada para explicar a realidade contemporânea. Sendo assim, os pontos até aqui abordados são fundamentais para compreendermos alguns elementos desse debate. Porém, na falta de uma denominação, talvez mais apropriada e que contemple os aspectos até aqui discutidos, e na busca por assumir uma linguagem comum à literatura existente, optamos por essa “estruturação”, sendo o foco do nosso debate o chamado Terceiro Setor. No Brasil, surgiram e são utilizadas várias denominações que servem para classificar as organizações formadoras do Terceiro Setor do país. Dentre essas denominações, as mais conhecidas são: associações, fundações, entidades, institutos, ONGs, Oscips, OS e, mais recentemente Organização da Sociedade Civil (OSC). Porém, é importante destacar que todas estas denominações referem-se a entidades de natureza privada e que não possuem por finalidade o desenvolvimento de uma atividade lucrativa. Apesar de termos várias denominações que são utilizadas para se referir a essas organizações, para quem tem o interesse de conhecer melhor o setor é imprescindível saber que juridicamente o Terceiro Setor brasileiro comporta apenas as associações e as fundações, conforme está previsto no Artigo 44 do nosso Código Civil, que trata das pessoas jurídicas de direito privado. Ocorre que as associações e as fundações, que são organizações sem fins lucrativos, podem, conforme o caso, pleitear a obtenção de determinados títulos ou qualificações junto ao poder público, visando ter acesso a benefícios fiscais e tributários que são disponibilizados para elas. Porém, na sua essência, apesar de receber outras titulações e certificados, para o Código Civil brasileiro tais organizações permanecem como associações ou fundações. A denominação mais comum que vamos encontrar é a de ONG (organização não governamental), que começa a ser utilizada a partir da década de 1970, referindo-se a um tipo peculiar de organização, ou seja, aquele agrupamento de pessoas, estruturado sob a forma de uma instituição da sociedade civil, sem finalidades lucrativas, tendo como objetivo comum lutar por causas coletivas e/ou apoiá-las. Apesar de ser um termo bastante utilizado, no Código Civil Brasileiro não existe essa pessoa jurídica. Outra definição que costumamos encontrar é a de “instituição”, uma palavra empregada para designar a própria corporação ou a organização instituída, não importando o fim a que se destine, ou 24 Unidade I seja, podendo ter um fim econômico, religioso, educativo, cultural etc. Além disso, as instituições podem ser públicas ou privadas, e as organizações do Terceiro Setor serão sempre privadas. Já quando nos valemos da expressão “entidade”, para nos referirmos a uma organização do Terceiro Setor, temos que ter em mente que estamos utilizando uma expressão que serve para classificar uma organização que não precisa ser necessariamente uma pessoa jurídica devidamente formalizada. Do mesmo modo, ao falarmos de “organização” do Terceiro Setor, estamos utilizando um termo que possui um sentido mais técnico, ou seja, um conceito para definir o conjunto de regras que são adotadas para composição e funcionamento de instituições públicas e privadas. O termo “instituto”, embora componha a razão social de algumas entidades, não corresponde a uma espécie de pessoa jurídica, podendo ser utilizado por entidade governamental ou privada. Um instituto pode ter uma finalidade ou não lucrativa. Outro problema em utilizar a palavra instituto para designar uma organização do Terceiro Setor, é que tanto uma associação como uma fundação pode ser consideradas como um instituto. Atualmente, as organização que possuem finalidade voltadas para a área da educação e pesquisa ou produção científica costumam colocar a palavra instituto antes do seu nome oficial. Porém, independentemente da nomenclatura utilizada, é necessário reconhecer o crescimento e a importância das Organização da Sociedade Civil para a sociedade brasileira e, também, para a economia do país, uma vez que essas organizações mobilizam, cada vez mais, recursos humanos e financeiros. As pesquisas demonstram que existem três motivos para desenvolvimento do Terceiro Setor no Brasil: redefinição do papel do Estado, globalização e modificação no perfil do mercado, como veremos mais detalhadamente a seguir: • Redefinição do papel do Estado: essa redefinição está ligada às várias crises que ocorrem, ou ocorreram, no Brasil. Entre essas crises estão a de ordem fiscal (o Estado sofre perda de crédito) e administrativa (burocracia em excesso). Somando-se a isso, está a perda de confiança na habilidade do Estado em gerar bem-estar social e fomentar o desenvolvimento econômico. Para solucionar esse problema, em alguns lugares do Brasil, as organizações do Terceiro Setor exercem funções inerentes ao Estado, no que diz respeito a saúde e a educação. Portanto, cabe ao Estado cuidar apenas dos problemas de interesse geral, contando com a contribuição da sociedade civil e das organizações do Terceiro Setor por meio das ações individuais desses grupos. • Globalização: as organizações do Terceiro Setor existentes em países desenvolvidos sempre tiveram uma significativa ligação com o apoio as instituições que atuam em nos países em desenvolvimento. No Brasil, esse apoio teve início na década de 1970, quando a sociedade brasileira procurava formas próprias para enfrentar o distanciamento do Estado das questões sociais e encontrou apoio nas organizações do Terceiro Setor existentes na Europa e nos Estado Unidos. Assim, o processo de globalização econômica e cultural levou a um estreitamento das relações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, inclusive entre as organizações do Terceiro Setor. 25 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOR • Modificação do perfil do mercado: a modificação do perfil de mercado começou quando houve a conscientização sobre a responsabilidades sociais inerentes às empresas de qualquer segmento. Esse papel vai além da geração de lucro, pois a empresa não é somente um negócio, mas também uma entidade com papel cidadão. Assim, uma empresa deve promover um impacto social, ou seja, resolver os problema sociais de modo que a solução modifique a vida da pessoa de maneira significativa. Além disso, uma empresa deve dedicar tempo e recursos materiais para promover o desenvolvimento do bem-estar social. Para tal, podem ser criadas fundações ou instituições que, além causarem impacto social, promovem o desenvolvimento do Terceiro Setor. Dessa forma, sabendo que o crescimento do Terceiro Setor pode ser positivo para a sociedade, a tendência é que surjam mais empreendimentos de impacto social e, consequentemente, ocorra um crescimento maior do número de organizações sem fins lucrativos. Assim sendo, aumentarão as oportunidades de voluntariado, a necessidade de mão de obra remunerada qualificada e o incentivo à organização da sociedade em prol dos interesses de uma determinada comunidade. 3.1 Terceiro Setor: refletindo sobre esse conceito Considerando o seu crescimento e fortalecimento, principalmente a partir da década de 1990 – por motivos já abordados –, diferentes autores têm buscado definiro que é o Terceiro Setor. Várias denominações têm sido apresentadas por autores que têm se destacado como estudiosos do assunto. Alguns desses conceitos são apresentados por Costa (2005): [...] por Terceiro Setor entenda-se [...] a sociedade civil que se organiza e busca soluções próprias para suas necessidades e problemas, fora da lógica do Estado e do mercado (RODRIGUES, 1998 p. 31 apud COSTA, 2005, p. 3). [...] o Terceiro Setor é composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não governamental, dando continuidade a práticas tradicionais de caridade, da filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil (FERNANDES, 1997, p. 27 apud COSTA, 2005, p. 3). Essas organizações não fazem parte do Estado, nem a ele estão vinculadas, mas se revestem de caráter público na medida em que se dedicam a causas e problemas sociais e em que, apesar de serem sociedades civis privadas, não têm como objetivo o lucro, e sim o atendimento das necessidades da sociedade (TENÓRIO, 2001, p. 7 apud COSTA, 2005, p. 3). A partir destas definições, é possível entender que o Terceiro Setor é formado por instituições (associações ou fundações privadas) não governamentais, que representam a sociedade civil organizada, com atuação de voluntários para atendimento de interesse público em diversos segmentos (COSTA, 2005, p. 3). 26 Unidade I Lembrete A sociedade civil é compreendida pela autora como fora do aparato estatal, apesar de manter relação indissociável com o Estado na medida em que o institui, o legitima e o mantém. Para Montaño (2010) [...] o “Terceiro Setor” inclui, tanto organizações não governamentais, como organizações sem fins lucrativos, as fundações empresariais e a chamada “empresa cidadã”, as instituições filantrópicas e a imensa e imensurável “atividade voluntaria” (p. 205). Segundo Melo Neto (1999), as entidades sem fins lucrativos que desenvolvem ações sociais, inseridas no Terceiro Setor, possuem vários nomes tais como: setor social, setor sem fins lucrativos, setor de promoção social, economia social, setor voluntário e muitos outros. O autor defende ainda que as principais características do Terceiro Setor “[...] são a natureza específica de suas ações, de caráter filantrópico e de investimentos em programas e projetos sociais, e o alto grau de diversidades das entidades que delas fazem parte” (p. 18). O Terceiro Setor mostra-se dinâmico, sendo composto por instituições de caráter distinto, que se diferenciam segundo sua ação social. As ações sociais, segundo Melo Neto (1999), principal característica do Terceiro Setor, abrangem modalidades diversas, como: • doações de pessoas física e jurídicas; • investimentos em programas e projetos sociais; • financiamento de campanhas sociais; • parcerias com o governo, empresas privadas, comunidade e entidades sem fins lucrativos; e • participação em trabalhos voluntários. Outras características, indicadas pelo autor são: • A prática de doações para causas sociais. Porém, esta ainda é mais comum em outras realidades, como a norte-americana, por exemplo (no Brasil, essa prática ainda é bastante incipiente). 27 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOR • A ação de investimentos em projetos e programas sociais, sendo esta a que mais cresce no Brasil. Empresas nacionais e muitas corporações multinacionais estão cunhando institutos para gerir suas próprias ações sociais. Algumas financiam diretamente projetos da comunidade e outras criam e desenvolvem seus próprios programas e projetos sociais. Isso entre outras possibilidades. • As parcerias – que também constituem uma área em expansão – são consideradas o mais novo modelo de investimentos no Terceiro Setor, que agrupa recursos e esforços do governo, empresas privadas, comunidade, ONGs e demais entidades do setor. • E por último – o que não significa que tenha menor expressão – o voluntariado, que ganhou força com a visibilidade dos programas da comunidade solidária, colocados em prática pelo Governo Federal (MELO NETO, 1999, p. 20). Existe, segundo o referido autor, outra forma de identificar e analisar o Terceiro Setor, sendo ela o estudo de segmentos que o constituem. Tais como: • cultura e recreação; • assistência social; • saúde; • desenvolvimento e defesa de direitos; • religião; • ambientalismo. Na realidade brasileira, é possível acrescentar outros seguimentos como: moradia, alimentação e nutrição, saneamento, segurança, trabalho, emprego e renda, reforma agrária e previdência social. Nessa realidade, tais segmentos assumem grande relevância (MELO NETO, 1999, p. 20). Outro dado expressivo destacado pelo autor é que três campos tradicionais de serviços comunitários se fortalecem no Brasil e também no mundo. São eles: a educação, a saúde e os seguimentos sociais, a cultura e recreação (MELO NETO, 1999, p. 20). O Mapa das Organizações da Sociedade Civil (OSCs), ou simplesmente Mapa das OSCs, é uma plataforma virtual de transparência pública colaborativa com dados das OSCs de todo o Brasil. Tem como objetivos principais: dar transparência à atuação das OSCs, principalmente ações executadas em parceria com a administração pública; informar mais e melhor sobre a importância e a diversidade de projetos e atividades conduzidas por essas organizações; disponibilizar dados e fomentar pesquisas sobre OSCs; e apoiar os gestores públicos a tomarem decisões sobre políticas públicas que já têm ou possam ter interface com OSCs. 28 Unidade I Criado a partir do Decreto n. 8.726/2016, que regulamenta a Lei n. 13.019/2014, conhecida como Marco Regulatório das OSCs, o Mapa é gerido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Ele integra um amplo e crescente volume de base de dados oficiais, provenientes de fontes públicas e privadas, atualizadas constantemente. É alimentado, ainda, por informações enviadas diretamente pelas OSCs e por entes federados, em um grande processo colaborativo. Saiba mais Para aprofundar seus conhecimentos sobre o tema, acesse: MAPA DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL. Dados e indicadores. 2018. Disponível em: https://mapaosc.ipea.gov.br/dados-indicadores.html. Acesso em: 27 jan. 2019. Costa (2005) concorda que o Terceiro Setor é composto por instituições distintas, porém, defende algumas características comuns que devem ser consideradas. A primeira delas destacada pela autora é que: [...] quando atuam na área da assistência social, saúde ou educação, geralmente trabalham com pessoas e famílias que estão à margem do processo produtivo ou fora do mercado de trabalho, não tendo acesso aos bens e serviços necessários ao suprimento de suas necessidades básicas. Portanto, enquadram-se no artigo 2º da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que coloca a maternidade, crianças e adolescentes, idosos, famílias e portadores de deficiência como alvos de proteção, amparo e capacitação para que tenham qualidade de vida e acesso às políticas sociais (COSTA, 2005, p. 4). A segunda característica comum destas instituições é que: [...] apesar de não se constituírem de caráter público, desenvolvem um trabalho de interesse público. Hoje a assistência social perdeu seu caráter, historicamente dado, de caridade, benevolência e favor, tornando-se política pública de garantia de direitos do cidadão. O mesmo aconteceu com a saúde e a educação. São direitos de cidadania garantidos pela Constituição Federal de 1988 e respectivas Leis Orgânicas. O atendimento a esses direitos, portanto, faz parte de um interesse público e qualquer instituição que trabalhe na perspectiva de defesa desses direitos e garantia da cidadania está cumprindo um fim público, pois se volta para o outro que, de alguma forma, está sendo explorado, excluído ou destituído (COSTA, 2005, p. 4). 29 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOROutra característica levantada é que estas [...] são entidades que não mantém uma relação mercantil com a sociedade. Não trabalham voltadas para o lucro no sentido do interesse capitalista. As receitas advindas de doações, convênios e/ou prestação de serviços são revertidas para a própria instituição, não havendo distribuição de “lucros” entre seus diretores ou associados. Esse é mais um dado que as enquadra como instituições de assistência social, segundo o artigo 3º da LOAS (COSTA, 2005, p. 4). Como quarta característica, evidencia: [...] o fato de não serem instituições estatais, embora mantenham vínculos com o Estado por força de convênios, relações de parceria e cadastro nos Conselhos Municipais, conforme artigos 9º e 10º da LOAS. São organizadas fora do aparato estatal e são autogovernadas. Isto lhes dá certa autonomia de ação e definição de diretrizes em relação ao Estado, embora estejam sob a fiscalização dos Conselhos, de acordo com o parágrafo 2º do artigo 9º da mesma Lei (COSTA, 2005, p. 4). Já a quinta característica é configurada pela [...] presença do voluntariado que atua em prol da manutenção e sobrevivência dessas instituições, participando diretamente do seu gerenciamento também (COSTA, 2005, p. 4). Ou seja, embora as instituições que compõe o Terceiro Setor tenham características distintas, necessitam seguir algumas exigências legais que acabam por “padronizar” determinados aspectos para sua atuação na sociedade. Como pudemos analisar, muitas são as dificuldades existentes para definirmos com precisão o Terceiro Setor, isso devido à complexa diversidade que o compõe. Costa (2005) salienta que: [...] compreender o cenário do Terceiro Setor também não é fácil, mesmo porque há uma diversidade muito grande de organizações que o integram, constituídas juridicamente como associações ou fundações, laicas ou de confissão religiosa. A abrangência de suas ações vai desde a prática puramente assistencialista e caritativa até pesquisas científicas financiadas por empresas ou instituições privadas, que buscam respostas para as grandes questões sociais, educacionais, ecológicas, dentre outras (p. 4). Sendo assim, podemos afirmar que o Terceiro Setor abrange uma diversidade de instituições com características distintas, que devem ser estudadas, facilitando uma compreensão mais ampla do termo. 30 Unidade I 3.2 As pessoas jurídicas no Código Civil Brasileiro O Código Civil brasileiro distingue as pessoas naturais, também chamadas de pessoas físicas, das pessoas jurídicas. A pessoa jurídica é uma organização formada por pessoas físicas ou por um patrimônio, com um fim determinado. Já as pessoas jurídicas são classificadas em dois grupos: as de direito público e as de direito privado. As pessoas jurídicas do primeiro grupo podem ser de direito público interno, que são as chamadas de entidade governamentais: a União; os Estados; o Distrito Federal; os Territórios; os Municípios e; as autarquias. Temos, também as pessoas jurídicas de direito público externo, ou seja, as organizações internacionais, como os Estados estrangeiros, as pessoas regidas pelo direito internacional público e os organismos internacionais. Já as pessoas jurídicas de direito privado são instituídas por iniciativa de particulares e estão previstas no Art. 44 do Código Civil Brasileiro: Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações. IV – as organizações religiosas; (Incluído pela Lei n. 10.825, de 22.12.2003) V – os partidos políticos. (Incluído pela Lei n. 10.825, de 22.12.2003) VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada (Incluído pela Lei n. 12.441, de 2011) (Vigência) (BRASIL, 2002). Fizemos questão de destacar as associações e as fundações, por entendermos que essas são as pessoas jurídicas do Terceiro Setor por excelência. As associações sem fins lucrativos As associações, da mesma forma que as sociedades, constituem um agrupamento de pessoas, com uma finalidade comum. No entanto, as associações perseguem a defesa de determinados interesses, sem ter o lucro como objetivo. O Código Civil, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, artigo 53, define associações como a “união de pessoas que se organizam para fins não econômicos” (BRASIL, 2002). O direito à livre associação para fins lícitos também está previsto e assegurado pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso XVIII. 31 PROJETOS SOCIAIS NO TERCEIRO SETOR Dessa forma, as associações nascem por meio da união de pessoas que se organizam para fins não econômicos, não havendo entre os associados, direitos e obrigações recíprocas, apenas o comprometimento do funcionamento das associações. A associação é uma pessoa jurídica de direito privado tendo por objetivo a realização de atividades culturais, sociais, religiosas, recreativas etc., sem fins lucrativos, ou seja, não visam lucros e são dotadas de personalidade distinta de seus componentes. Com a aquisição da personalidade jurídica a associação passará a ser sujeito de direitos e obrigações. Em decorrência disso, cada um dos associados constituirá uma individualidade e a associação uma outra, tendo cada um seus bens, direitos e obrigações, sendo que há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocas. As associações e a geração de receitas Embora os fins da associação não sejam de ordem econômica, ela não está proibida de realizar atividades geradoras de receita. Para tanto, precisa prever expressamente em seu estatuto a possibilidade de realizar estas atividades, bem como reverter integralmente o produto gerado na consecução do seu objetivo social. Sua finalidade pode ser altruística – que atende a uma comunidade sem restrições qualificadas – ou não altruística. Quando dizemos que uma associação tem uma finalidade altruística, estamos entendendo que ela foi criada para atender a coletividade e suas atividades não estão restringidas para beneficiar um determinado grupo ou somente seus associados. Quando se trata do segundo setor (mercado), o patrimônio das empresas lucrativas pertence aos acionistas, sócio e donos, que tem total autonomia para decidir sobre sua destinação. Já no Terceiro Setor, o patrimônio das organizações sem fins lucrativos não tem proprietário, pois é de interesse público e deve ser destinado a consecução de suas finalidades estatutárias. Outra característica que diferencia o Terceiro Setor, é que as receitas obtidas com o desenvolvimento de atividades lucrativas devem ser totalmente investidas na organização no cumprimento dos objetivos sociais propostos no seu estatuto, não sendo permitida a sua distribuição aos associados ou diretores. É importante destacar que a organização precisa fazer o “alinhamento” dos empreendimentos, que serão desenvolvidos visando a geração de receitas, com a sua missão, seus princípios e seus valores. Pois, a partir do momento em que a organização passa a adotar valores diferentes e ter objetivos distintos da sua missão, ela pode perder a sua essência e a sua existência passa a ser questionada. Também é importante observar que a atividade que visa a obtenção de receitas, conhecida como atividade meio, em nenhuma hipótese pode ser maior que a sua atividade social, chamada de atividade fim. Se essa situação vier a ocorrer, a associação deixa se ser sem fins lucrativos e passa a ser considerada 32 Unidade I como uma empresa lucrativa e que deve receber o mesmo tratamento tributário e jurídico de uma organização do segundo setor (mercado). Constituição das associações A existência legal de uma pessoa jurídica se inicia com a inscrição do seu ato constitutivo no respectivo cartório de registro de pessoas jurídicas. Sendo que ainda pode ser necessário obter a autorização ou aprovação do poder executivo para o exercício de determinadas atividades. Dessa forma, para que a associação adquira existência formal perante a lei (o que chamamos de personalidade jurídica), é necessário registrar
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