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Avaliação AndressA MAriA Freire dA rochA ArAnA 1ª edição Brasília/dF - 2018 Autores Andressa Maria Freire da rocha Arana Produção equipe Técnica de Avaliação, revisão Linguística e editoração Sumário Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa ..................................................................................................... 4 Introdução ............................................................................................................................................................................. 6 Aula 1 Aspectos Gerais da Avaliação ................................................................................................................................... 9 Aula 2 Contexto da Avaliação Educacional no Brasil ..................................................................................................17 Aula 3 Desafios da Avaliação Escolar ................................................................................................................................29 Aula 4 Avaliação: funções e modalidades........................................................................................................................39 Aula 5 Técnicas e Instrumentos de Avaliação ................................................................................................................50 Aula 6 Avaliação Escolar: entre erros e acertos .............................................................................................................64 Referências ..........................................................................................................................................................................73 4 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos cadernos de estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. 5 Organização do caderno de estudos e pesquisa Atenção chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Saiba mais informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 6 Introdução seja bem-vindo(a) ao curso de Avaliação. nosso principal objetivo é iniciar este estudo junto com você para que, a partir disso, possamos apresentar, refletir e discutir aspectos pertinentes a essa temática tão polêmica na área da educação. Temos como objetivo central o entendimento da Avaliação, com sua evolução, enfoques, conceitos, propósitos, modalidades e técnicas, articulando teoria e prática no campo educacional, levando em consideração, principalmente, os aspectos sociais, políticos e econômicos da realidade brasileira. A avaliação faz parte do nosso dia a dia, seja de maneira corriqueira, seja de modo formal. com significados bem particulares, está incorporada ao cotidiano de professores, estudantes e organizações educativas, considerada até um patrimônio das instituições educacionais. no entanto, nas últimas décadas, com programas de bem-estar, projetos sociais de larga escala, aplicados principalmente em países centrais, e mesmo com várias restrições econômicas, também em países periféricos, a avaliação adquiriu novas dimensões, sendo parte da agenda de política dos governos, organismos e agências dedicadas à estruturação e à gestão dos setores públicos, organizações não governamentais e, principalmente, nas políticas educacionais. Pergunta-se: Por que essa quantidade de atividades ligadas à Avaliação, com tantas pessoas envolvidas, como avaliadores e avaliados, vem crescendo e sendo tão fundamental atualmente? Por que a Avaliação está adquirindo sentidos novos? entender essas questões é importante para que possamos compreender os desdobramentos, usos e significados atuais da avaliação. em outras palavras, mostraremos no nosso curso como em momentos distintos o campo da Avaliação tem se constituído no âmbito educacional. Por isso, vamos tratar um pouco da avaliação da aprendizagem, avaliação institucional, de sistemas e projetos sociais, pois não há nenhuma transformação importante na educação que não se valha da Avaliação. outras questões a serem abordadas serão exclusivamente voltadas ao universo escolar como: Por que a avaliação é um bicho de sete cabeças? Por que, em vários momentos da vida escolar, ela é tão temida? embora se tenha uma consciência crítica para uma avaliação “justa”, o avaliador sempre avalia, ou seja, julga as realidades à luz de vários critérios. Que critérios são esses? nesse sentido, discutiremos com você vários aspectos da avaliação. será ela justa ou injusta? É importante avaliar sempre? Vamos, juntos, então, em busca de várias respostas às nossas inquietações como educador e educando, lembrando sempre de que a educação é uma via de mão dupla; de um lado, ensinamos, mas, também, aprendemos; portanto, vamos juntos nessa caminhada do conhecimento. 7 Objetivos » conhecer o campo da avaliação, sua evolução, enfoques e definições. » compreender as suas bases epistemológicas e as implicações práticas para o estudo da Avaliação no campo educacional. » Fazer as conexões entre o campo teórico da Avaliação e a sua aplicação prática no campo educacional. 8 9 Apresentação nesta aula, estudaremos um breve histórico das origens da avaliação, desde os primórdios até os dias atuais, analisando seus propósitos e objetivos. Faremos, ainda, uma análise dicotômica entre a educação e a Avaliação para que possamos entender seu estreitamento, importância e influência no contexto pedagógico. discutiremos, ainda, a avaliação no mundo educacional e como ela se transformou num instrumento de regulação. Finalizaremos refletindo sobre os diversos conceitos da Avaliação. Após esta aula, esperamos que você possa: » conhecer um pouco das origens históricas da Avaliação. » Fazer uma dicotomia entre a educação e a Avaliação. » compreender o surgimento da Avaliação enquanto instrumento formativo e regulador no contexto pedagógico. » entender diversos conceitos da Avaliação. 1AulAASPECTOS GERAIS dA AvAlIAçãO 10 AulA 1 • ASPECTOS GERAIS dA AvAlIAçãO História da Avaliação o campo conceitual da Avaliação é constituído historicamente e, como tal, se transforma de acordo com os movimentos e mudanças sociais. nas antigas civilizações, como na velha Grécia, se praticava a docimasia, que consistia numa verificação das aptidões moraisdaqueles que se candidatavam a funções públicas. na china, há mais de dois mil anos, já se fazia exames de seleção para os serviços públicos. nenhum desses exemplos se tratava de avaliações escritas. no entanto, esses procedimentos de avaliação já carregavam interesse público e foram os precursores dos concursos públicos hoje largamente praticados. com a industrialização, a avaliação teve seu uso de forma massificada, no sentido de apreciar os resultados das ações de formação e capacitação, ou para selecionar e classificar os trabalhadores à racionalização da gestão, mostrando, assim, uma avaliação vinculada aos interesses sociais de classificação e seleção. na educação a avaliação encontrou seu lugar privilegiado, não só como prática política e pedagógica, mas, também, como importante campo de estudo. A avaliação, também na educação, reafirma, mais uma vez, a sua larga tradição de regulação, seleção e hierarquização. os conceitos de seleção, medida e classificação estão tão enraizados nos processos de avaliação que chegam por vezes a defini-la. Saiba mais Testar significa submeter a um teste ou experiência, isto é, consiste em verificar o desempenho de alguém ou alguma coisa (um material, uma máquina etc.), por meio de situações previamente organizadas, chamadas testes. Atualmente, os testes são empregados em larga escala na educação. Mas os educadores devem ter em mente os limites de sua utilização, pois nem todos os resultados de ensino podem ser medidos ou averiguados por testes (hAYdT, 2008). Medir significa determinar a quantidade, a extensão ou o grau de alguma coisa, tendo por base um sistema de unidades convencionais. o resultado de uma medida é expresso em números, daí sua objetividade e exatidão. A medida se refere sempre ao aspecto quantitativo do fenômeno a ser descrito (hAYdT, 2008). Avaliar é julgar ou fazer a apreciação de alguém ou alguma coisa, tendo por base uma escala de valores. Assim sendo, a avaliação consiste na coleta de dados quantitativos e qualitativos e na interpretação desses resultados com base em critérios previamente definidos (hAYdT, 2008). no entanto, a avaliação é uma disciplina muito nova e em pleno desenvolvimento. o primeiro período da avaliação conhecido como pré-Tyler, considerado o “pai da avaliação educativa” atravessa os últimos anos do século XiX e as primeiras décadas do século XX, período centrado na elaboração e aplicação de testes. os termos avaliação e medida foram conceitos considerados sinônimos. Avaliação confunde-se com Atenção os termos testar, medir e avaliar não são sinônimos, embora seus significados se complementem. Medir é um termo mais amplo que testar, pois os testes são formas de medir; no entanto, avaliar é um conceito muito mais abrangente, pois tem caráter subjetivo e inclui julgamento de valores. 11 ASPECTOS GERAIS dA AvAlIAçãO • AulA 1 medição e se insere no campo da Psicologia, tornando o conceito de psicometria amplamente disseminado. segundo Barbier (apud soBrinho, 2003), nos estados Unidos, nos anos de 1920-1930 foram designados como o testing period da história da Avaliação, e é notório que os testes, até hoje, continuam a ocupar um grande espaço nas instituições educacionais, e o seu desenvolvimento diretamente ligado ao caráter seletivo destas. se ainda no século XiX os testes tiveram enorme importância para a evolução da avaliação, em suas origens identificada quase que exclusivamente com medidas psicológicas, e da própria Psicologia, em grande parte dedicada a psicometria, é só no início do século XX que a avaliação, gradativamente, começou a se desenvolver como prática aplicada à educação. Acompanhando os grandes avanços na área de Psicologia (ciência em pleno desenvolvimento), a avaliação desenvolveu-se com grande êxito no movimento de cultura dos testes e medidas. de suma importância, tem-se como expoente a liderança de edward. L. Thorndike, que publicou, em 1903, Education psycology e, em 1904, Mental and social measurement. Thorndike não só foi muito importante no que se refere ao uso de testes com fins de classificação, na elaboração de escalas e nas técnicas quantitativas de medição, como, também, foi precursor do movimento que mais tarde veio a se estabelecer como “gestão científica”, um mecanismo que visava dotar a educação de maior eficiência (soBrinho, 2003, p. 17). não é complicado entender essa dedicação da psicologia e da avaliação à aprendizagem e ao desenvolvimento de instrumentos confiáveis e objetivos. A aprendizagem foi o foco central de estudos da psicologia naquele momento, dada a relativa “facilidade” de mensurá-la e quantificá-la, pois a ideia que se tinha é que se podia controlá-la por meio dos métodos científicos, diferentemente de fenômenos mais complexos que envolvessem, por exemplo, emoções e valores. A expressão avaliação educacional, cunhada por ralph Tyler, só surgiu em 1934. no segundo período da avaliação, de acordo com a periodização stufflebeam e shinkfield apud sobrinho (2003), que teve em Tyler o seu maior expoente, trouxe importantes contribuições ao campo da Avaliação. segundo o autor, o papel da avaliação é averiguar até que ponto os objetivos educacionais traçados estão sendo alcançados pelo currículo e pelas práticas pedagógicas, ou seja, a determinação do grau em que “mudanças comportamentais estão ocorrendo”. A Avaliação nesse período vai se desenvolvendo com o paradigma de racionalização científica que caracteriza a pedagogia por objetivos, e que tem suas raízes mais fortes no começo do século XX, nos eUA. de acordo com essa racionalidade inspirada na indústria, a escola deve ser uma instituição útil ao desenvolvimento econômico, adquirindo, com passar do tempo, uma pedagogia da eficiência. A avaliação tornou-se, então, um instrumento para diagnosticar quantitativamente a rentabilidade e a eficiência da escola, dos processos pedagógicos e administrativos. com esse fim, dedicou-se a Saiba mais Psicometria é o registro e medida dos fenômenos psíquicos por meio de métodos experimentais padronizados. 12 AulA 1 • ASPECTOS GERAIS dA AvAlIAçãO elaborar instrumentos adequados a esses diagnósticos, selecionar instrumentos de êxito, como, por exemplo: tempo para execução de uma tarefa; porcentagem de sucesso na escolarização, número de alunos aprovados nos diversos níveis, e a formular índices para “diagnosticar o êxito da empresa escolar” (sAcrisTÁn apud soBrinho, 2003, p. 20). o terceiro período da avaliação (1946-1957) foi designado de era da inocência e se caracterizou por certo descrédito, não só na avaliação, como na própria educação. nesse período a obra de Tyler amplamente divulgada, principalmente como seu livro de 1949 Princípios Básicos do Currículo e Ensino, publicado pela Universidade de chicago, havendo, também, um significativo desenvolvimento de instrumentos utilizados em testes de alcance nacional e estadual. o quarto período, chamado de realismo (1958-1972), traz grandes contribuições ao campo da avaliação, sobretudo em virtude das políticas sociais do presidente Kennedy (eUA) e dos governos seguintes. de acordo com house (apud soBrinho, 2003, p. 22), em 1965, o senador robert Kennedy conseguiu que a avaliação fosse parte obrigatória da educação e, mais tarde, dos programas sociais federais. A ideia que justificava essa prática de largo alcance e grandes consequências é que as escolas seriam culpáveis pelos baixos rendimentos e que os financiamentos públicos estavam sendo mal utilizados (ibid., p. 22). A teorização mais consistente vem no quinto período chamado de profissionalização da avaliação (1973), ou seja, é nessa fase que se intensifica o estudo da avaliação, passando ela a ser um objeto de pesquisa importante. Uma vasta produção teórica começa a se consolidar em revistas específicas e livros; universidades criam cursos de formação em Avaliação; organizações profissionais são constituídas; surgem inúmeros congressos e seminários na área.A avaliação ganha dimensão e importância além das salas de aula e instituições educacionais. segundo sobrinho (2003, p. 25), é importante observar que, embora a avaliação relativa a aspectos educacionais tenha tido uma grande evolução desde o início do século XX, adquirindo, com o passar dos anos, outras significações e enriquecendo-se de aperfeiçoadas e sofisticadas tecnologias e metodologias, ainda hoje vige uma tendência em certos círculos a confundi-la com medição e a utilizá-la largamente em testes de verificação da aprendizagem, uns de caráter individual e limitado às salas de aula, alguns outros se estendendo a âmbitos de alcance nacional ou até a sistemas comparativos internacionais que, muitas vezes, ultrapassam os limites da educação. Atenção em Basic Principles of Curriculum and Instruction (princípios básicos do currículo e ensino), livro de 1949, Tyler, considerado o fundador da avaliação de currículo e “pai” da avaliação educativa, definiu os objetivos educacionais em termos de comportamento dos estudantes. A avaliação deveria, pois, determinar de forma experimental se os estudantes individualmente eram capazes de demonstrar, ao final de um processo de ensino, os objetivos previstos e declarados. Para Tyler, deve haver uma congruência entre item de avaliação e objetivos instrucionais. A avaliação é, assim, nessa concepção, um valioso instrumento para a regulação do conhecimento e das formas de adquiri-lo; mais do que isso, define os comportamentos desejados, controla os seus cumprimentos e aplica as sanções ou prêmios correspondentes aos resultados (soBrinho, 2003, p. 19). 13 ASPECTOS GERAIS dA AvAlIAçãO • AulA 1 nas fases anteriores há algumas palavras-chave: medida, objetivos, tomada de decisões, julgamento de mérito ou valor, cujas ênfases correspondem aos vários momentos, paradigmas, objetivos e escolas da avaliação. Múltiplos são os públicos a que podem destinar-se as avaliações. elas podem ser definidas a partir de distintos ângulos e lhes são atribuídos diferentes fins, funções e propósitos. Portanto, a Avaliação é concebida e praticada de diversas maneiras, além disso, é um campo bastante complexo que gera inúmeros debates, seja nos períodos passados, como no presente atual, e veremos no futuro que não se esgotarão as discussões a respeito dela. Educação e Avaliação Um debate constante entre diversos educadores refere-se à dicotomia educação e avaliação. Afinal, educar e avaliar ocorre em momentos separados? segundo hoffmann (2014), muitos educadores, principalmente na educação infantil e séries iniciais, percebem a ação de educar e a ação de avaliar como dois momentos distintos e não relacionados e exercem essas ações de formas diferenciadas. seu cotidiano revela um efetivo acompanhamento do desenvolvimento dos alunos a partir de um relacionamento afetivo e busca de compreensão de suas dificuldades. Ao final do semestre ou bimestre, enfrentam a tarefa de transformar suas observações em registros anacrônicos, sob a forma de conceitos classificatórios (elaborados principalmente em gabinetes de supervisão e orientação). esse professor não entende esse segundo momento como educação, apenas cumpre a exigência da escola sem perceber que a ação de avaliar se fez presente e de forma efetiva na sua ação educativa, e que o equívoco se encontra nas exigências burocráticas da escola e do sistema. hoffmann (2014) afirma ainda que, na prática, essa dicotomia é um grande engano, sendo necessária a tomada de consciência e reflexão a respeito dessa compreensão equivocada de avaliação como julgamento de resultados, porque ela vai se transformando numa perigosa prática educativa. A avaliação é essencial à educação. inerente e indissociável enquanto concebida como problematização, questionamento e reflexão sobre a ação educativa. Um professor que não avalia constantemente a sua prática pedagógica, no sentido indagativo, investigativo, instala a sua docência em verdades absolutas, preconcebidas e terminais. o processo de avaliação é constante e caminha junto com o ato de educar. É no dia a dia da sala de aula que esse encontro acontece, acompanhando cada passo do educando na sua trajetória do conhecimento, nas suas indagações e respostas no processo de ensino-aprendizagem. no entanto, exercendo-se a avaliação como uma função classificatória e burocrática, persegue-se um princípio claro de descontinuidade e segmentação do conhecimento, desvinculando de sua razão de ser no processo de construção da aprendizagem. Uma nova perspectiva da avaliação exige do educador uma concepção de criança, de jovem e adulto, como sujeitos do seu próprio desenvolvimento, inseridos no contexto de sua realidade 14 AulA 1 • ASPECTOS GERAIS dA AvAlIAçãO social e política. seres autônomos com capacidade e liberdade de tomar suas próprias decisões, críticos, criativos e participativos agindo com cooperação e reciprocidade. nessa dimensão educativa, os erros, as dúvidas dos alunos, são situações consideradas altamente significativas e impulsionadoras da ação educativa, permitindo ao professor observar e investigar como o aluno se posiciona diante do mundo ao construir suas verdades. nesse novo âmbito, “avaliar é dinamizar oportunidades de autorreflexão, num acompanhamento permanente do professor que incitará o aluno a novas questões a partir de respostas formuladas” (hoFFMAnn, 2014). nesse sentido, a avaliação deixa de ser um momento final do processo educativo para se transformar na busca incessante de compreensão das dificuldades do educando e na dinamização de novas oportunidades de conhecimento, fazendo com que o ato de educar e avaliar estejam sempre caminhando na mesma direção, à procura de novas descobertas que facilitem o aprendizado. Avaliação: um bicho de sete cabeças? A avaliação escolar teve foco, por muito tempo, nos estudos sobre o rendimento escolar dos alunos e nos resultados dos processos de aprendizagem. originou-se daí a concepção fundamental de avaliação escolar como um processo de medida do desempenho em face dos objetivos educacionais, numa perspectiva técnica e mecânica, com ênfase na representação quantificada do conhecimento adquirido por meio de notas ou conceitos. os alunos são analisados como tendo alcançado sucesso ou fracasso na escola por avaliações exigidas pelos professores ou outros avaliadores que seguem programas e diretrizes determinadas pelo sistema educacional. sendo assim, os avaliadores, com suas normas de excelência e práticas de avaliação não percebem as dificuldades dos saberes e competências que desempenham um papel crucial no processo de ensino-aprendizagem, tornando a avaliação, dessa forma, um instrumento de regulação e poder. A existência da avaliação, na escola, é uma exigência sistêmica e histórica ligada à concepção de educação, que gera as condições de trabalho e as relações entre professores, alunos e demais profissionais da escola. A avaliação implica poder. Poder para quem avalia e repulsa para quem está sendo avaliado. esse processo está impregnado no sistema educacional. É difícil para o educando não entender a avaliação como um monstro e mais difícil ainda para o educador não associar a avaliação como julgamento de valor. segundo Freitas (2013), o processo de avaliação é mantido pela ruptura operada entre a vida (condições naturais de aprendizagem) e a escola, que se vê artificializada em seu conteúdo e em seus métodos, com currículo centrado no cognitivo e um método de ensino ancorado no verbal, apostando na competição entre os alunos como preparação para uma vida de competições (não 15 ASPECTOS GERAIS dA AvAlIAçãO • AulA 1 de solidariedade) e, portanto, obrigada a recorrer à avaliação (como forma de poder) para obrigar os estudantes a aprender – já que os condicionantes naturais não atuam no interior da escola. o grande cerne da questão da avaliação como um bicho de sete cabeças e como está enraizada na concepção, principalmente dos alunos,está muito ligada aos modelos pedagógicos utilizados, à postura do educador e da concepção de escola que interferem diretamente na prática avaliativa. Conceitos de Avaliação Avaliar vem do latim a + valere, que significa atribuir valor e mérito ao objeto em estudo. existem diversos conceitos para definir a Avaliação, entre eles: segundo haidt (2006, p. 288), avaliação é: » “... é um processo continuo e sistemático. Faz parte de um sistema mais amplo, que é o processo ensino-aprendizagem, nele se integrando.” » “... é funcional, porque se realiza em função dos objetivos previstos. os objetivos são o elemento norteador da avaliação.” » “... é orientadora, porque indica os avanços e dificuldades do aluno, ajudando-o a progredir na aprendizagem, orientando-o no sentido de atingir os objetivos propostos.” » “... é integral, pois considera o aluno como um ser total e integrado e não de forma compartimentada.” de acordo com o estudo de sousa (2005, p. 30), considerando o conceito de avaliação de nove autores, expoentes no campo da avaliação educacional, tais como Tyler, Taba, ragan, Fleming, Popham, Bloom, ebel, Gronlund e Ausubel, seguem as suas definições: » “o processo de avaliação consiste essencialmente em determinar se os objetivos educacionais estão sendo realmente alcançados pelo programa do currículo e do ensino.” (Tyler) » “A educação é um processo que visa a modificar a conduta dos estudantes... a avaliação é o processo para determinar em que consistem essas mudanças.” (Taba) » “o termo avaliação refere-se à coleta de extensa evidencia quanto às habilidades, posição e problemas das crianças, mediante processos formais e informais.” (ragan) » “A avaliação torna possível a alguém descrever ou sumariar padrões de desenvolvimento num determinado tempo.” (Fleming) » “A avaliação pode ser tida como ato de aferir através de comparação, o resultado observado de alguma iniciativa educacional.” (Popham) 16 AulA 1 • ASPECTOS GERAIS dA AvAlIAçãO » “A avaliação é a coleta sistemática de evidências por meio das quais se determinam mudanças que ocorrem nos alunos e como elas ocorrem... é um sistema de controle da qualidade.” (Bloom) » “A avaliação sempre implica julgamentos de melhor ou pior.” (ebel) » “A avaliação é um processo contínuo, subjacente a todo bom ensino e aprendizagem.” (Gronlund) » “Avaliar significa emitir julgamento de valor ou mérito, examinar os resultados educacionais para saber se preenchem um conjunto particular de objetivos educacionais.” (Ausubel) Sintetizando Vimos até agora: » As origens históricas da Avaliação. » os cinco períodos da Avaliação que revolucionaram o pensamento educacional. » A descoberta da Avaliação como um campo vasto de estudo na área da educação. » debatemos a dicotomia entre educação e avaliação; e por que em vários momentos o ato de educar e o ato de avaliar são vistos em caminhos separados. » A avaliação constituída historicamente como instrumento regulador e de poder e suas implicações no contexto pedagógico. » Uma apresentação sucinta de vários conceitos de Avaliação. 17 Apresentação nesta aula, vamos estudar a avaliação no contexto brasileiro, como surge e suas implicações no nosso sistema educacional; veremos, também, a pedagogia do exame tão presente na nossa prática avaliativa; e por fim, analisaremos os contextos pedagógicos com a prática da avaliação educacional. Objetivos esperamos que após esta aula você seja capaz de: » conhecer as origens da Avaliação educacional no Brasil. » refletir sobre a Pedagogia do exame no contexto brasileiro. » relacionar os contextos pedagógicos e a prática da avaliação. 2 AulA COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl 18 AulA 2 • COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl Avaliação Educacional no Brasil segundo Luckesi (2011, p. 29), a avaliação educacional no Brasil está a serviço de uma pedagogia dominante que serve um modelo social liberal conservador, nascido nos ideais da revolução Francesa. A burguesia, em sua constituição e ascensão, fora revolucionária contra os privilégios da nobreza e do clero feudal. no entanto, ao chegar ao poder, torna-se reacionária e conservadora para garantir seus bens econômicos e sociais. os ideais liberais que nortearam as ações revolucionárias permanecem até hoje e definem a nossa sociedade, baseada na liberdade e igualdade de direitos perante a lei, realização pessoal, conquistas e usufruto dos bens e da propriedade privada. Pode-se dizer que o modelo liberal conservador da sociedade produziu três pedagogias diferentes: a pedagogia tradicional, centrada no intelecto, na transmissão de conteúdos e na pessoa do professor; a pedagogia renovada, também chamada de Escola Nova, centrada nos sentimentos, na espontaneidade da produção do conhecimento e no educando com suas diferenças individuais; e por último, a pedagogia tecnicista, centrada na transmissão técnicas de conteúdo, instrução programada e no princípio de rendimento (ibid., p. 30). essas pedagogias são traduções do modelo liberal conservador, possuindo um único objetivo: conservar a sociedade na sua configuração. nesse enfoque, os elementos dessas pedagogias pretendem garantir o sistema social na sua integridade, definindo até os processos pedagógicos como: relação professor-aluno; processo de ensino-aprendizagem; avaliação etc. no seio dessa prática conservadora, vêm-se aspirando uma opção por outro modelo social mais justo e igualitário. nessa perspectiva, surgem novas pedagogias: a pedagogia libertadora, fundada e inspirada pelo pensamento e prática pedagógica do professor Paulo Freire, marcada pela ideia de que a transformação virá pela conscientização cultural e política das camadas populares fora dos muros da escola; a pedagogia libertária, representada pelos antiautoritários e autogestionários e centrada nas ideias de que a escola deve ser um instrumento de conscientização e organização política dos educandos; e, por último, a pedagogia dos conteúdos socioculturais, representada pelo grupo do professor dermeval saviani, centrada na ideia de igualdade, de oportunidade para todos no processo de educação e na compreensão de que a prática educacional se faz pela transmissão e assimilação dos conteúdos de conhecimentos sistematizados pela humanidade e na aquisição de habilidades de assimilação e transformação desses conteúdos, no contexto de uma prática social (ibid., p. 31). Saiba mais Revolução Francesa: movimento ocorrido no ano de 1789, pôs fim ao absolutismo francês e ao poder do clero feudal. considerada mais importante de todas as revoluções burguesas da história, garantiu ao povo mais autonomia e direitos sociais. Por outro lado, a burguesia conduziu o processo de forma a garantir seu domínio social. As bases de uma sociedade burguesa e capitalista foram estabelecidas durante a revolução. 19 COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl • AulA 2 segundo Freire (apud LUcKesi, 2011, p. 31), pode-se resumir esses dois grupos de pedagogias entre aquelas que, de um lado, têm por objetivo a domesticação dos educandos e, de outro, aquelas que pretendem a humanização destes, isto é, de um lado estariam as pedagogias que pretendem conservar o status quo da sociedade, promovendo o enquadramento do educando com regras formais e definidas e, de outro, as pedagogias que pretendem oferecer ao educando os meios necessários para que ele seja parte do processo pedagógico e não objeto de ajuste. A prática de avaliação no modelo liberal conservador terá de ser, necessariamente, autoritária, para que se possa “ajustar” esse aluno à sociedade imposta e vivida por ele, ou seja, controlar e enquadrar o educando nos parâmetros estabelecidos pelo equilíbrio social. A avaliação educacional será, portanto, disciplinadora, nas condutas cognitivas e sociais. nas pedagogias libertadora, libertária e conteúdo sociocultural, a prática da avaliação estará voltada à superação do autoritarismoe à promoção da autonomia do educando, pois o modelo social aspirado exige a participação democrática de todos. nesse sentido, a avaliação educacional se manifestará como um mecanismo de diagnóstico da situação, visando ao avanço e crescimento e não à estagnação do aluno. A Pedagogia do Exame A característica que mais se evidencia na prática da avaliação da aprendizagem no sistema de ensino brasileiro é que ela está direcionada por uma “pedagogia do exame”. sendo mais explícita na prática do ensino do terceiro ano do ensino Médio, em que todas as atividades dos professores e alunos estão voltadas ao treinamento de resolver provas, tendo em vista o vestibular. na realidade, essa prática pedagógica baseada pelas provas e exames, tem mobilizado pais, sistema de ensino, profissionais da educação, professores e alunos. Todos estão centrados na promoção do estudante de uma série de escolaridade para outra. o sistema de ensino está interessado nos percentuais de aprovação/reprovação; os pais, desejosos de que os filhos avancem nas séries escolares; os professores utilizam-se de meios e procedimentos de avaliação como elementos motivadores e de ameaças; os alunos estão sempre na expectativa de serem reprovados ou aprovados. Portanto, o nosso processo pedagógico é mais voltado à pedagogia do exame do que à pedagogia do ensino-aprendizagem (LUcKesi, 2011). Luckesi (2011) aponta uma série de indicadores no exercício dessa pedagogia que têm prevalecido na educação brasileira, tais como: » Atenção na promoção: os alunos estão centrados na promoção escolar, ou seja, ao iniciar o ano letivo, ficam logo interessados em saber como se dará a tal promoção para a série posterior, procurando saber as normas e os modos pelos quais as notas serão obtidas e manipuladas. 20 AulA 2 • COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl » Atenção nas provas: os professores utilizam as provas como instrumentos de ameaça e tortura, indicando como elemento motivador em sua prática de ensino-aprendizagem. Quando sentem que seu trabalho não surtiu efeito, anunciam aos alunos: “estudem! Vocês poderão se dar mal no dia da prova!”. Quando percebem que os alunos estão indisciplinados, é comum usarem a expressão: “Fiquem quietos! Prestem atenção! o dia da prova está chegando e aí vocês verão o que vai acontecer”. Promovem o terrorismo homeopático: “A prova deste mês está ótima”. depois de alguns dias: “estou elaborando questões bem difíceis para a prova de vocês. Preparem-se!”. essas expressões são comuns no cotidiano em sala de aula, demonstram o quanto o professor se utiliza das provas como fator negativo de motivação. os alunos não estudarão porque os conteúdos são importantes e, sim, por medo da reprovação ou nota baixa. » Os pais estão voltados para a promoção: os pais estão preocupados com as notas de seus filhos. o importante é que tenham notas para a sua aprovação. em reuniões de pais e mestres, quando os professores entregam o boletim aos pais e tratam de problemas sobre o aproveitamento do aluno no período letivo. Quando sentem que seus filhos estão com boas notas, os pais, geralmente, não aparecem, pois não veem significado na tal reunião, comparecendo em massa os pais de alunos com notas “baixas”. » O estabelecimento de ensino está centrado nos resultados e exames: as escolas estão mais preocupadas com dados estatísticos que possam indicar a promoção dos alunos por meio da aprovação. o foco tem sido o resultado. » O sistema social se contenta com as notas obtidas nos exames: o próprio sistema educacional está focado nos resultados. os dados estatísticos servem como prova de que a escola está caminhando ou não na direção certa. Pode-se afirmar que a pedagogia do exame e suas consequências atingem todos os envolvidos no processo educacional. A prática educativa tem se pautado nos resultados e nas metas para alcançá-los, fazendo com que a escola perca a sua essência formadora para torná-la um ambiente corporativo em que o resultado maior é a aprovação do aluno. Luckesi (2011, p. 21) aponta ainda alguns desdobramentos na pedagogia do exame em relação ao professor-aluno: » Provas para reprovar: os professores elaboram as suas provas para “provar” os alunos e não para auxiliá-los na sua aprendizagem; e muitos, ainda, para “reprovar”. Tal fato é verificado por ameaças já destacadas anteriormente, elaboração de itens de prova diferentes do conteúdo ensinado; construção de questões mais complexas; uso de linguagem difícil etc. » Pontos a mais e pontos a menos: os professores prometem pontos a mais ou a menos em função de atividades escolares regulares ou extras. como exemplo: “Quem, na 21 COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl • AulA 2 próxima aula, trouxer todo o material para as atividades de matemática, ganhará um ponto na prova bimestral”; ou “Quem não tiver nenhuma falta ao longo do semestre ganhará meio ponto na média”; e “Quem não fizer todos os exercícios perderá um ponto na média”. essa situação se repete em todos os níveis de ensino e contribui ainda mais para reforçar a pedagogia do exame. » Uso da avaliação da aprendizagem como disciplinamento social dos alunos: a utilização de provas e exames também tem sido usada como fator de disciplinamento social nas salas de aula, tendo como motivação o medo. os alunos obedecem o professor com receio de serem reprovados no exame escolar. historicamente, esses fatos não se dão por acaso. essas práticas já estavam escritas nas pedagogias dos séculos XVi e XVii, no processo de emergência da sociedade burguesa e perduram até os dias atuais. os jesuítas (século XVi), que iniciaram o processo de educação no Brasil, em suas normas de orientação dos estudos escolásticos, seja nas classes inferiores ou nas superiores, tinham uma atenção especial com o ritual de provas e exames. eram solenes nessas ocasiões, nas constituições de bancas examinadoras; nos procedimentos de realização dos exames e na comunicação dos resultados. comênio, com sua atenção especial na ação do professor em sala de aula, acreditava que o uso de exames podia estimular intelectualmente o educando. dizia, ainda, que o medo era um excelente fator para manter a atenção dos alunos, e que o professor deveria usar esse meio para manter os alunos interessados nas atividades escolares. Ao longo da história da educação moderna e da prática educativa, a avaliação da aprendizagem escolar, por meio de provas e exames, tornou-se parte de um processo cultural mais amplo. A avaliação nessa prática tem se tornado independente do processo de ensino-aprendizagem e até mesmo da relação professor-aluno, pois é realizada conforme o interesse do professor ou do sistema de ensino, sem levar em consideração a aprendizagem no âmbito mais significativo. As médias são números e não expressões de aprendizagens bem ou malsucedidas. Por vezes, o aluno é reprovado por décimos; então, conversa com o professor sobre a possibilidade de Saiba mais comênio (1592-1670), o pensador tcheco que é considerado o primeiro grande nome da moderna história da educação, também chamado de Pai da didática Moderna. A obra mais importante de comênio, Didactica Magna, marca o início da sistematização da pedagogia e da didática no ocidente. A obra, à qual o autor se dedicou ao longo de sua vida, tinha grande ambição. no livro, o pensador realiza uma racionalização de todas as ações educativas, indo da teoria didática até as questões do cotidiano da sala de aula. A prática escolar, para ele, deveria imitar os processos da natureza. nas relações entre professor e aluno, seriam consideradas as possibilidades e os interesses da criança. o professor passaria a ser visto como um profissional, não um missionário, e seria bem remunerado por isso. e a organização do tempo e do currículo levaria em conta os limites do corpo e a necessidade, tanto dos alunos quanto dos professores, de ter outras atividades. (noVA escoLA, edição 170, março de 2004).22 AulA 2 • COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl aprovação e este responde que a “nota” já foi entregue na secretaria e a responsabilidade já não é mais sua, deixando a relação professor-aluno entre coisas, ou seja, as notas, dificultando, ainda mais, a integração deste aluno na superação da aprendizagem, da possibilidade de melhorar, pois o sistema de ensino e o próprio professor estimulam a relação dessa forma restrita e fechada. A pedagogia do exame traz inúmeras consequências pedagógicas, psicológicas e sociais. Pedagogicamente, ela centraliza a atenção nos exames e não orienta a aprendizagem dos educandos; psicologicamente, tem sido útil para desenvolver personalidades submissas socialmente, é bastante utilizada para os processos de seletividade social. Contextos Pedagógicos e a Prática da Avaliação Educacional de acordo com Libâneo (2013), as tendências pedagógicas podem ser classificadas em: Liberal e Progressista. na Pedagogia Liberal encontram-se as abordagens: Tradicional; Renovada Progressivista; Renovada Não Diretiva e a Tecnicista. na Pedagogia Progressista encontram-se as pedagogias: Libertadora; Libertária e Crítico-Social dos Conteúdos. Baseando-se nessas tendências pedagógicas, faremos uma análise considerando a prática da avaliação educacional. Percebe-se que, de acordo com o contexto pedagógico, os métodos de ensino variam e, consequentemente, os processos avaliativos, portanto, uma reflexão minuciosa a respeito das abordagens mais significativas e tão presentes na educação brasileira faz-se necessária. A educação brasileira tem sido marcada pelas tendências liberais. A concepção pedagógica liberal sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papeis sociais, por meio de uma cultura individual. esse aspecto cultural, embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições. historicamente, a educação liberal iniciou-se com a abordagem tradicional, evoluindo para pedagogia renovada, o que não significou a substituição de uma pela outra, pois ambas conviveram e ainda convivem na prática educacional. Pedagogia liberal Tendência liberal Tradicional - Abordagem Tradicional o papel da escola consiste na preparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade. o compromisso da escola é com a cultura; os problemas sociais pertencem à sociedade. os conteúdos de ensino são os conhecimentos e valores sociais acumulados pelas gerações adultas e repassados ao aluno como verdades. As matérias de estudo visam preparar o aluno para a vida, são determinadas pela sociedade e ordenadas pela legislação, sendo separadas da 23 COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl • AulA 2 experiência e realidade do aluno, valendo pelo valor intelectual; em razão disso, a pedagogia tradicional é criticada como intelectualista e enciclopédica. os métodos de ensino baseiam-se na exposição verbal da matéria e demonstração, sendo feitas pelo professor. A ênfase nos exercícios, na repetição e memorização de conceitos e fórmulas visa disciplinar a mente e formar hábitos. na relação professor-aluno predomina a autoridade do professor que exige atitude passiva e submissa e impede qualquer tipo de comunicação no decorrer da aula. o professor é um transmissor de conhecimentos e eles devem ser considerados como verdades absolutas. A disciplina e a ordem são meios eficazes para assegurar a atenção e o silêncio. A avaliação é rígida e inflexível, geralmente não há reflexão a respeito do processo e falta liberdade de expressão em relação ao educando. dá-se por verificações de curto prazo (interrogatórios orais, exercícios de casa) e de prazo mais longo (provas escritas, trabalho de casa). o esforço do aluno, quando negativo, vem por meio de punições, notas baixas e apelos aos pais; quando positivo, se dá por meio de classificações. o processo avaliativo é realizado visando à exatidão da reprodução do conteúdo comunicado em sala de aula. Mede-se pela quantidade e exatidão de informações que se consegue reproduzir. daí a consideração de provas, exames, chamadas orais, testes etc. nessa concepção, o exame passa a ter um fim em si mesmo e o ritual é mantido. As notas obtidas funcionam como níveis de aquisição cultural, deixando de levar em consideração o pensamento livre, a conscientização dos conhecimentos adquiridos e, sim, a memorização e o decorar dos conteúdos. Tendência liberal Renovada Progressivista- Escola nova o papel da escola é adequar as necessidades individuais ao meio social e, para isso, ela deve retratar, o quanto possível, a vida. cabe ainda suprir as experiências que permitam ao aluno educar-se, num processo ativo de construção e reconstrução do objeto, numa interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e estruturas do ambiente. os conteúdos de ensino resultam da ação a partir dos interesses e necessidades; estes são estabelecidos em função de experiências que o sujeito vivencia frente a desafios cognitivos e situações problemáticas. dá-se muito valor aos processos mentais e habilidades cognitivas do que a conteúdos organizados racionalmente. É o “aprender a aprender”, isto é, é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente dito. o método de ensino é baseado na ideia de “aprender fazendo”, valoriza as tentativas experimentais, a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio natural e social, o método de solução de problemas. embora os métodos variem, as escolas novas ou ativas (dewey, Montessori, decroly, cousinet e outros) partem sempre de atividades adequadas à natureza do aluno e às etapas do seu 24 AulA 2 • COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl desenvolvimento. Acentua-se a importância do trabalho em grupo não apenas como técnica mais como condição básica do desenvolvimento mental. A relação professor-aluno é positiva e harmoniosa, o processo é de vivência democrática tal qual deve ser a vida em sociedade. o papel do professor é de auxiliar o desenvolvimento livre e espontâneo; se intervir, é para dar forma ao raciocínio do educando; a disciplina surge de uma tomada de consciência dos limites da vida em grupo, assim, aluno disciplinado é aquele solidário, participativo e respeitador das regras grupais. A avaliação é flexível e fluida, tenta ser eficaz à medida que os esforços e os êxitos são pronta e explicitamente reconhecidos pelo professor. Tendência liberal Renovada Não Diretiva – Abordagem Humanista o papel da escola acentua-se na formação de atitudes, razão pela qual deve estar mais preocupada como os problemas psicológicos do que com os pedagógicos ou sociais. nessa abordagem, considera-se a literatura mais difundida e estudada no Brasil: a de carl rogers. rogers considera que o ensino é uma atividade excessivamente valorizada; para ele, os procedimentos didáticos, a competência na matéria, as aulas, livros, tudo tem pouca importância face ao propósito de favorecer à pessoa um clima de autodesenvolvimento e realização, o que implica estar bem consigo próprio e seus semelhantes, ou seja, o resultado de uma boa educação é muito semelhante ao de uma boa terapia. A proposta rogeriana é identificada como representativa da psicologia humanista, a denominada terceira força em Psicologia. o “ensino centrado no aluno” é derivado da teoria, também rogeriana, sobre personalidade e conduta. A ênfase que essa tendência dá aos processos de desenvolvimentos das relações e da comunicação torna secundária a transmissão de conteúdos. os processos de ensino visam mais facilitar aos educandos os meios de buscarem por si mesmos os conhecimentos necessários à sua aprendizagem. os métodos de ensino usuais são dispensados, prevalecendo o esforço do professor em desenvolver um estilo próprio para facilitar a aprendizagem dos alunos. rogers identifica algumas características do facilitador: aceitação da pessoa do aluno; ser confiável; receptivo e ter plena convicçãoda capacidade de autodesenvolvimento do educando. o relacionamento professor-aluno está centrado mais no educando, visando formar sua personalidade pela vivência de experiências significativas que lhe permitam desenvolver características próprias. o professor é especialista em relações humanas, ao garantir o clima de relacionamento pessoal e autêntico. Toda intervenção é ameaçadora e inibidora da aprendizagem. A avaliação escolar é baseada na autoavaliação. considerando-se o fato de que: só o indivíduo pode conhecer realmente a sua experiência e esta só pode ser julgada a partir de critérios 25 COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl • AulA 2 internos do organismo; critérios externos ao organismo podem propiciar o desajustamento. o aluno, em consequência disso, deverá assumir responsabilidades pelas formas de controle de sua aprendizagem; definir e aplicar critérios, para avaliar até onde estão sendo atingidos os objetivos que pretende. Tendência liberal Tecnicista – Abordagem Comportamentalista o papel da escola nessa abordagem é de modelar o comportamento, por meio de técnicas específicas. os comportamentalistas ou behavioristas, tendo como skinner representante mais difundido no Brasil, consideram a experiência ou a experimentação planejada como base do conhecimento, evidenciando sua origem empirista, ou seja, a consideração de que o conhecimento é o resultado direto da experiência. os conteúdos didáticos são as informações, princípios científicos, leis estabelecidos e ordenados numa sequência lógica. É matéria de ensino apenas o que é redutível ao conhecimento observável e mensurável, decorrendo da ciência objetiva, eliminando-se qualquer sinal de subjetividade. os métodos de ensino consistem em procedimentos e técnicas que possibilitem o controle das condições no ambiente escolar para que a transmissão e a recepção das informações sejam asseguradas; a tarefa do professor é modelar respostas apropriadas aos objetivos instrucionais e, consequentemente, conseguir o comportamento adequado pelo controle de ensino, enfatizando a tecnologia educacional. o relacionamento professor-aluno é estruturado e objetivo, com papéis bem definidos: o professor administra as condições de transmissão da matéria, conforme o sistema instrucional, e o aluno recebe, aprende e fixa as informações. o professor é apenas um elo entre a ciência e o aluno. o educando é o indivíduo responsivo, não participa da elaboração do programa educacional. A comunicação é estritamente técnica, tendo como fim garantir a eficácia na transmissão do conhecimento. As relações afetivas e pessoais dos sujeitos envolvidos no processo educacional pouco importam. A avaliação decorre do pressuposto de que o aluno progride em seu ritmo próprio, em pequenos passos, sem cometer erros. ela consiste em constatar se o aluno aprendeu e atingiu os objetivos propostos quando o programa foi conduzido até o final de forma adequada; está ligada diretamente aos objetivos estabelecidos; ocorre no decorrer e no fim do processo de aprendizagem, já que são definidos objetivos intermediários e finais; faz parte integrante das próprias condições para a ocorrência de aprendizagem, pois os comportamentos dos alunos são modelados à medida que estes têm conhecimento dos seus resultados. Saiba mais A tecnologia educacional é a aplicação sistemática de princípios científicos comportamentais e tecnológicos a problemas educacionais, em função de resultados efetivos, utilizando uma metodologia e abordagem sistêmica abrangente (AUriccchio apud LUcKesi, 2011, p. 61). 26 AulA 2 • COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl Pedagogia Progressista A Pedagogia Progressista tem-se manifestado em três tendências: a Libertadora, mais conhecida como Pedagogia de Paulo Freire; a Libertária, que reúne os defensores da autogestão pedagógica; a Crítico-Social dos Conteúdos, que acentua a primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades sociais. segundo Luckesi (2011, p. 63), o termo progressista é usado para designar tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação, sendo evidente que essa pedagogia não tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista, daí ser ela um instrumento de lutas dos professores ao lado de outras práticas sociais. Tendência Progressista libertadora – Abordagem da Problematização Pedagógica A pedagogia libertadora tem como inspirador e divulgador o educador Paulo Freire. o papel da escola é questionar concretamente a realidade das relações do homem com a natureza e com os outros homens, visando a uma transformação, resultando uma educação crítica e reflexiva. os conteúdos de ensino são denominados temas geradores; são extraídos da problematização da prática da vida dos educandos; os conteúdos tradicionais são dispensados porque cada pessoa, cada grupo envolvido na ação pedagógica dispõe em si próprio, em sua vivência, dos conteúdos necessários para iniciar o processo de ensino. o importante não é a transmissão de conteúdos específicos, mas despertar uma nova forma da relação com a experiência vivida. essa tendência tem um caráter essencialmente político, resultando numa atuação em nível extraescolar, principalmente na educação de adultos, o que não impede que seus pressupostos sejam adotados e aplicados por diversos educadores nas instituições formais de ensino. os métodos de ensino são voltados ao diálogo e à problematização pedagógica de diversas situações da vivência do educando; assim sendo, a forma de trabalho educativo é o grupo de discussão a quem cabe autogerir a aprendizagem, definindo o conteúdo e a dinâmica das atividades. o professor deve caminhar junto, intervir o mínimo indispensável, embora, quando necessário, possa fornecer uma informação mais sistematizada. A relação professor-aluno é horizontal, na qual o educador e os educandos se posicionam sujeitos do ato de conhecimento. o critério de bom relacionamento é a total identificação com o povo. elimina-se toda relação de autoridade, sob pena de inviabilizar o trabalho de conscientização. o processo de avaliação é constante e parte da reflexão do grupo, do direcionamento da aprendizagem, da conscientização dos educandos. o que é aprendido não decorre de imposição 27 COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl • AulA 2 ou de memorização, mas do nível crítico de conhecimento, ao qual se chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica. Tendência Progressista libertária o papel da escola é exercer uma transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário. A ideia central é introduzir modificações institucionais, a partir dos níveis subalternos que, em seguida, vão contaminar todo o sistema. A organização escolar instituirá, com base na participação grupal, mecanismos institucionais de mudança (assembleias, conselhos, eleições, reuniões, associações etc.) de tal forma que o aluno, uma vez atuando nas instituições externas, leve para lá tudo o que aprendeu. A autogestão é, assim, o conteúdo e o método; resume tanto o objetivo pedagógico quanto político. A pedagogia libertária, também conhecida como pedagogia institucional, pretende ser uma forma de resistência contra a burocracia como instrumento da ação dominadora do estado, que tudo controla (professores, programas, provas etc.), retirando a autonomia. os conteúdos de ensino são colocados à disposição do aluno, mas não são exigidos. são instrumentos a mais, porque o importante é o conhecimento resultante das experiências vividas pelo grupo, especialmente a vivência de mecanismo de participação crítica. Assim, os conteúdos didáticos são os que resultam de necessidades e interesses manifestos pelo grupo. o método de ensino baseia-se na vivência grupal, na forma da autogestão, em que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria instituição, graças à sua iniciativae sem qualquer forma de poder. Trata de colocar nas mãos dos alunos tudo o que for possível: as atividades e a organização do trabalho no interior da escola (menos a elaboração de programas e a decisão dos exames). o professor é um orientador e catalisador; ele se mistura ao grupo para uma reflexão em comum. A relação é a da não diretividade; o professor está a serviço do aluno para apoiá-lo, sem impor suas concepções e ideias; é conselheiro e instrutor. A avaliação da aprendizagem, em relação aos conteúdos, torna-se indispensável nessa tendência, já que somente o vivido, o experimento é incorporado e utilizado em situações novas. Tendência Progressista Crítico-Social dos Conteúdos o papel da escola é difundir os conteúdos; não os abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociáveis das realidades sociais. A valorização da escola como instrumento de apropriação do saber é o melhor serviço que se presta aos interesses populares, já que a própria escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e torná-la democrática. os conteúdos de ensino são os culturais universais que se constituíram em domínios do conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade, mas permanentemente 28 AulA 2 • COnTExTO dA AvAlIAçãO EduCACIOnAl nO BRASIl reavaliados face às realidades sociais. não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua significação humana e social. os métodos subordinam-se aos conteúdos: se o objetivo é privilegiar a aquisição do saber, e de um saber vinculado às realidades sociais, é preciso que os métodos favoreçam a correspondência dos conteúdos com os interesses dos alunos, e que esses possam reconhecer nos conteúdos o auxílio ao seu esforço de compreensão da realidade (prática social). na pedagogia dos conteúdos, os métodos não partem de um saber artificial, depositado a partir de fora, nem do saber espontâneo, mas de uma relação direta com a experiência do aluno, confrontada com o saber trazido de fora. o trabalho docente relaciona a prática vivida pelos alunos com os conteúdos propostos, momento em que se dará a ruptura em relação à experiência pouco elaborada. se o conhecimento resulta de trocas que se estabelecem na interação entre o meio e o sujeito, sendo o professor o mediador, então a relação pedagógica consiste no provimento das condições em que professores e alunos possam colaborar para fazer progredir essas trocas. o papel do professor é insubstituível, mas se acentua também a participação do aluno no processo. o papel da mediação exercido pelo professor exclui a não diretividade como forma de orientação do trabalho pedagógico, porque o diálogo professor-aluno é desigual, partindo do pressuposto de que o adulto possui mais experiência acerca dos conhecimentos e realidades sociais. A não diretividade abandona os alunos a seus próprios desejos, como se eles tivessem uma tendência espontânea a alcançar os objetivos esperados da educação. Aprender, dentro da visão dessa tendência, é desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os estímulos do ambiente, organizando os dados disponíveis da experiência. o trabalho escolar precisa ser avaliado, não como julgamento definitivo e dogmático do professor, mas como uma comprovação para o aluno de seu progresso em direção a noções mais sistematizadas. Sintetizando Vimos até agora que: » A avaliação educacional no Brasil está a serviço de uma pedagogia dominante que serve um modelo social liberal conservador. » A característica que mais se evidencia na prática da avaliação da aprendizagem no sistema de ensino brasileiro é que ela está direcionada por uma “pedagogia do exame”. » Ao longo da história da educação moderna e da prática educativa, a avaliação da aprendizagem escolar, por meio de provas e exames, tornou-se parte de um processo cultural mais amplo. » As tendências pedagógicas podem ser classificadas em: Liberal e Progressista. na Pedagogia Liberal encontram-se as abordagens: Tradicional; renovada Progressivista; renovada não diretiva e a Tecnicista. na Pedagogia Progressista encontram-se as pedagogias: Libertadora; Libertária e crítico-social dos conteúdos. » de acordo com o contexto pedagógico, os métodos de ensino variam e, consequentemente, os processos avaliativos. 29 Apresentação Prezado aluno(a), nesta aula vamos estudar a avaliação escolar refletindo os novos desafios e perspectivas; veremos, também, o processo avaliativo no enfoque epistemológico, psicopedagógico e sociológico; entraremos no tema da cultura escolar e na LdB com suas implicações na avaliação educacional e finalizaremos falando da importância do projeto pedagógico na prática da avaliação. Objetivos esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: » compreender os novos desafios na prática da Avaliação. » Analisar a Avaliação no enfoque epistemológico, psicopedagógico e sociológico. » entender o processo da cultura escolar e sua implicação no contexto da avaliação. » Verificar a posição da LdB em relação ao processo avaliativo. » relacionar o projeto pedagógico e a avaliação, entendendo a sua importância no contexto pedagógico. 3AulAdESAfIOS dA AvAlIAçãO ESCOlAR 30 AulA 3 • dESAfIOS dA AvAlIAçãO ESCOlAR Avaliação Escolar: desafios e perspectivas o processo de avaliação dá ênfase aos princípios que norteiam a ação pedagógica. Quando se avalia por meio de exames tradicionais, que cobram nomes, datas, ideias copiadas do livro ou do texto, afirma-se que o princípio pedagógico valorizado é o da aprendizagem reprodutiva, baseada na memória e na repetição sem nenhum ponto de vista crítico a respeito das informações estudadas. no entanto, quando se pede ao educando que exponha sua visão, argumente suas ideias, produza um texto, participe da elaboração de um projeto, proponha soluções etc., acentua-se a reflexão, a autonomia, a participação e a criação dele. Portanto, não se pode discutir o tema da avaliação sem considerar os objetivos do ensino, da aprendizagem e do processo de escolarização. Afinal, o que se pretende desenvolver na escola em relação ao educando? Um aluno mais reflexivo e crítico diante da realidade que o cerca? criatividade? submissão? Passividade? Que atividades e práticas de avaliação serão adequadas para isso? são questionamentos que devem ser feitos na construção de uma avaliação eficaz. no entanto, antes de defini-la, quais atividades e instrumentos serão utilizados, é necessário definir o que se almeja com a educação escolar e quais os objetivos dela. segundo André e Passos (2005, p. 178), a avaliação escolar terá de levar em consideração a realidade dos sujeitos envolvidos na ação pedagógica. considerar que cada grupo é formado por alunos com histórias pessoais, sociais, familiares, culturais e educacionais variadas. Para contemplar essa diversidade, será necessário desenvolver atividades e instrumentos variados, em momentos e situações também variadas. Levar em conta que o ritmo dos alunos varia, e nem todos vão atingir o mesmo grau de competência no mesmo intervalo de tempo. Além disso, é preciso pensar na realidade concreta dos docentes que atuam nas escolas. o que significa para eles a avaliação? Que experiências de avaliação tiveram em seu processo educativo? Que expectativas têm da sua ação de educar? Que saberes e práticas avaliativas já desenvolveram? como poderiam mudar as suas concepções e práticas de avaliação voltando-as para o sucesso e não para o fracasso escolar? seguindo essa orientação, considerar que não cabe atribuir à avaliação qualquer caráter punitivo, mas, ao contrário, colocá-la a serviço da aprendizagem, ou seja, realizando um diagnóstico do que foi conseguido e do que faltou conseguir e, sobretudo, ser usada como dispositivo de correção de rumos para que a aprendizagem possa realmente se efetivar. Para que a avaliação seja significativa no processo deaprendizagem, ela deve estar voltada à obtenção de resultados positivos, valorizando o êxito, corrigindo as falhas, acentuando as conquistas e reforçando os acertos. Além disso, terá de ser uma avaliação que ajude o professor e o aluno a identificarem o que funcionou bem e o que é necessário melhorar. deverá ter uma função de apoio, ajuda e de sustentação da aprendizagem, voltando-se para o emprego de estratégias que evitem o fracasso escolar. A avaliação não deve, dessa 31 dESAfIOS dA AvAlIAçãO ESCOlAR • AulA 3 forma, se esgotar apenas no diagnóstico dos problemas, acertos e falhas, mas ir muito além, preocupando-se principalmente com as ações a serem tomadas em função do diagnóstico realizado. Mudar a avaliação significa mudar o ensino, a visão de aprendizagem, as concepções do que é ensinar e aprender. A avaliação não pode se limitar a uma apreciação sobre o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos. ela deve levar a uma revisão dos conteúdos selecionados, do método utilizado, das atividades realizadas, das relações estabelecidas em sala de aula, ou seja, a uma revisão do ensino, pois não existe melhor critério para avaliar a eficácia do ensino do que a aprendizagem dos alunos (AndrÉ; PAssos, 2005, p. 179). A avaliação não deve ficar restrita à dinâmica da sala de aula, deve ir além, estendendo-se às atividades e relações desenvolvidas na escola, à forma de organização do trabalho escolar e ao projeto pedagógico. Professores que participam da gestão escolar e tomam decisões em conjunto tendem a criar um clima organizacional propício ao debate, à discussão coletiva e ao envolvimento de seus alunos nas decisões de sala de aula. A escola, no processo de avaliação, deve se olhar por inteiro, rever seus mecanismos de poder, seu estilo de gestão, suas finalidades, suas práticas pedagógicas e todas as relações que são estabelecidas no seu interior. revendo suas ações, a escola terá necessariamente de envolver os pais de alunos, levando a outro âmbito da avaliação, que é o da comunidade escolar participativa, que são aqueles mais diretamente interessados nos resultados da ação escolar. É imprescindível que os pais participem da elaboração do projeto escolar, que sejam ouvidos, respeitados e chamados a colaborar com frequência no desenvolvimento de atividades que levem à concretização das metas do projeto e na sua avaliação. Saiba mais o Projeto educativo é o plano global da instituição. construído participativamente, é uma tentativa, no âmbito da educação, de resgatar o sentido humano, científico e libertador do Planejamento. (...) Pode ser entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer realizar. É um instrumento teórico-metodológico para a transformação da realidade. É um elemento de organização e integração da atividade prática da instituição nesse processo de transformação (VAsconceLLos apud PAdiLhA, 2008, p. 44). Portanto, a avaliação não pode, de maneira alguma, delimitar-se apenas à sala de aula, à aprendizagem e ao ensino sistemático, mas se voltar também, para as práticas pedagógicas; para a escola e sua forma de organização, além de envolver todos os agentes escolares: alunos, professores, equipe pedagógica e pais de alunos. Saiba mais o clima organizacional é a forma pela qual as pessoas, a partir de sua visão de mundo, anseios e experiências, percebem e reagem às características culturais da escola (rochA, 2004). 32 AulA 3 • dESAfIOS dA AvAlIAçãO ESCOlAR Processo de Conhecimento e Avaliação: o Enfoque Epistemológico como se dá o conhecimento? As diferentes perspectivas vão resultar em diferentes concepções de avaliação. Podem ser identificadas três grandes correntes na explicação da gênese do conhecimento: empirista, inatista e interacionista (schAFF apud AndrÉ; PAssos, 2005, p. 180). do ponto de vista do empirismo, o conhecimento é algo que existe fora do sujeito. A realidade está fora do indivíduo, localiza-se no ambiente e no meio. o ensino é visto nessa perspectiva, como o planejamento e o arranjo das contingências de reforço, que vão permitir as mudanças esperadas nos comportamentos dos indivíduos. A aprendizagem consiste em mudanças observadas nos comportamentos do sujeito, de acordo com os objetivos determinados. Avaliar, portanto, significa verificar o grau de alcance dos objetivos estabelecidos. A não observação das modificações esperadas vai resultar em mudanças no planejamento do ensino, isto é, nas formas de arranjo do ambiente: materiais, conteúdo, ritmo e atividades. outra forma de conceber a gênese do conhecimento é o inatismo. nessa perspectiva, o conhecimento é um processo interno do sujeito, ou seja, encontra-se no sujeito; é anterior à própria experiência do indivíduo. nessa corrente, o ensino é centrado na pessoa; as relações interpessoais são mais valorizadas; a aprendizagem verdadeira é a que tem significado para o educando. A avaliação está pautada na autoavaliação, no julgamento individual de crescimento e desenvolvimento que o aluno atribui à sua aprendizagem. A terceira corrente é a interacionista, em que o conhecimento se dá numa constante interação do sujeito com o ambiente, numa ação espontânea, nunca induzida. A aprendizagem é uma construção. o desenvolvimento cognitivo é interpretado a partir da experiência com o meio físico. essa é a visão de Piaget (precursor) e seus seguidores que veem uma relação de interdependência entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer. A esses estudos acrescenta-se a contribuição de Vygotsky (sociointeracionismo); emília Ferreiro (construtivismo); Wallon e Paulo Freire, atualmente colaboradores e defensores da concepção construtivista pós-piagetiana. na corrente sociointeracionista, vale a pena destacar duas premissas básicas: o conhecimento é um processo socialmente construído e a distinção de desenvolvimento e aprendizagem. na primeira, por meio da interação com o outro, torna-se possível a incorporação dos conhecimentos já sistematizados e o reconhecimento de sua determinação histórica, ao mesmo tempo em que esse mesmo sujeito se reconhece como participante do processo histórico de produção do conhecimento. A construção do real pelo sujeito é um processo sociocultural, porque envolve um sujeito de determinada cultura, com hábitos, costumes, valores, em interação com outro sujeito, também datado e situado historicamente. na segunda premissa, para Vygotsky, desenvolvimento e aprendizagem são processos inter-relacionados, mas independentes, de modo que a sistematização dos conhecimentos, efetuados na escola podem vir a acelerar o desenvolvimento (AndrÉ; PAssos, 2005, p. 181-182). 33 dESAfIOS dA AvAlIAçãO ESCOlAR • AulA 3 Avaliação e Aprendizagem: o enfoque psicopedagógico A avaliação pode se tornar uma aliada do professor. Acompanhando o processo de aprendizagem de seus alunos, o professor tem a possibilidade de acompanhar o seu processo de ensino. A investigação didática, pela avaliação da aprendizagem, pode indicar mudanças na condução do processo, corroborar na eficácia de situações de ensino utilizadas e revelar erros e acertos a quem organiza e sobre como organiza o ensino. A avaliação permite uma dupla retroalimentação. Por um lado, indica ao aluno seus progressos e dificuldades; por outro, indica ao professor como está sendo desenvolvido o processo de ensino-aprendizagem, assim como os aspectos mais bem-sucedidos ou os que exigem mudanças. sendo assim, a avaliação assume uma característica dinâmica: é tanto impulsionadora da aprendizagem, como promotora da melhoria do ensino. Acreditar que a avaliação é um instrumento de aprendizagem e investigação didática permanente implica aceitar que nem tudo está previamente planejado ou estabelecido anteriormente à prática, ajustando-se, assim, no próprio processo educativo. esse tipo de avaliação forneceao professor várias informações sobre o curso do processo educativo, permitindo-lhe emitir um julgamento mais eficaz sobre o desenrolar do seu trabalho e, de acordo com esse juízo, modificá-lo para adequá-lo às características, capacidades e necessidades de seus alunos. A avaliação como investigação didática deve auxiliar e orientar o professor na busca de respostas às seguintes questões: como cada aluno está desenvolvendo sua aprendizagem? Por que este aluno não está aprendendo? Quais as suas dificuldades? Por que ele comete determinados erros? como trabalhar como o erro dos alunos? Quais atividades e materiais ajudariam a superar as dificuldades? como fazer o acompanhamento do processo de aprendizagem criando novos desafios? Muitas outras questões poderiam ser levantadas, pois a investigação didática visa à análise não só do produto da aprendizagem, mas de todo o processo educativo (ibid., 2005, p. 183). A investigação didática desencadeia a reflexão e a autocorreção do processo de ensino, tendo em vista a aprendizagem dos alunos. o professor interventor, nesse sentido, revisa e organiza seu método de ensino, pois ensinar leva à pesquisa, à investigação, ao descobrimento, sendo, assim, um constante aprendizado. não aprende apenas o aluno, mas, também, o professor, numa constante produção de autoconhecimento. Avaliação, Escola E Sociedade: O Enfoque Sociológico segundo André e Passos (2005, p. 183-185), autores como Ludke, enguita, Perrenoud e sacristán propõem que se lance um olhar sociológico sobre a avaliação, não só para enxergar melhor a sua função controladora, mas, sobretudo, para tentar entender como se traduzem no dia a dia das ações e relações escolares os seus mecanismos de poder. 34 AulA 3 • dESAfIOS dA AvAlIAçãO ESCOlAR esse olhar, segundo Ludke (1992), deve voltar-se ao planejamento curricular (pela divisão em séries e em turmas, fragmentando saberes e colocando limites no processo contínuo de aprendizagem); à distribuição dos tempos escolares (pela hierarquização das disciplinas escolares, dedicando mais tempo e os melhores horários para certas disciplinas consideradas mais “nobres”); às relações da escola com os pais e a comunidade (falta de diálogo) e à atribuição de notas e conceitos dos alunos (valorização excessiva das provas). Já enguita (1989) não trata especificamente da avaliação, mas das relações da escola com a sociedade e alerta para questões como hierarquização dos saberes cobrados pela avaliação. o autor alerta ainda para a existência de uma atitude conformada, por parte dos professores, frente à identidade destino social = destino escolar dos alunos e denuncia o efeito perverso que pode ter um tratamento uniforme dado a todos os alunos, o que só irá contribuir para acentuar as desigualdades de origem. Perrenoud (1990) procura explicar como as desigualdades sociais vão sendo fabricadas pela escola e, para isso, toma emprestado de Bourdieu a noção de “capital cultural” e de “habitus”. o capital cultural constitui a memória do indivíduo, suas aquisições, que são fruto de aprendizagens constantes e, no centro desse capital, encontra-se o habitus que é: “o sistema de disposições, costumes, gostos, atitudes, necessidades, estruturas lógicas, simbólicas e linguísticas e esquemas perceptivos de avaliação, de pensamento e de ação” (p. 48). Portanto, cada criança, ao ingressar na escola, leva consigo um capital cultural, uma bagagem de conhecimentos e aprendizagens que a difere das demais. Ao tratar todas as crianças como iguais, a escola ratifica as desigualdades culturais e vai transformando as desigualdades de aprendizagem em desigualdades de capital escolar. outro ponto importante a ser discutido para entender o poder e a função social da avaliação é o que Perrenoud chama de fabricação da excelência escolar. segundo ele, a escola define um conjunto de normas de excelência em torno das quais se pauta a avaliação. Assim, desde as primeiras séries, os alunos aprendem a se comparar e a se situar frente às normas de excelência estabelecidas pela escola e vão fazendo as classificações: escrever bem é seguir as normas definidas pela escola sobre o que significa uma boa escrita; desenhar bem é fazer aquilo que a norma escolar define como bom desenho, e assim por diante. Quando as tarefas são as mesmas para todos os alunos, as diferenças de desempenho ficam mais claras e a hierarquização aparece mais rapidamente. o professor, querendo ou não, acaba aceitando e encarnando essa norma, e dificilmente conseguirá orientar o trabalho dos alunos sem emitir um juízo de valor. de acordo com sacristán (1992), dá-se grande peso aos julgamentos do professor, esquecendo-se que eles são atravessados por esquemas mediadores, ou seja, mesmo quando estão apoiados em instrumentos objetivos como testes, provas ou escalas de avaliação, eles passam por um processo de filtragem do professor, isto é, esses juízos de valor, que dão base à avaliação, são enfatizados 35 dESAfIOS dA AvAlIAçãO ESCOlAR • AulA 3 pela opinião pessoal do professor, por aquilo que ele valoriza, por suas simpatias, empatias ou antipatias em relação ao aluno, por seus preconceitos, por suas concepções e crenças. É preciso avaliar as normas que orientam a formulação de juízos de valor, que constituem a base da avaliação, é necessário entender que são orientações afetadas por fatores psicológicos, institucionais e sociais, e é preciso, dessa forma, relativizar seu poder e sua autoridade, para diminuir seu peso na produção do fracasso escolar. importante não é só identificar, anunciar e criticar esses mecanismos, mas, sim, superá-los. Uma boa alternativa é procurar tornar público os valores e as normas institucionais; submetê-los a um processo de discussão coletiva na comunidade escolar, diminuindo, assim, o peso da mediação pessoal/individual, do critério arbitrário e abrindo caminhos para tornar públicos os julgamentos. Cultura Escolar e a nova Concepção de Avaliação na lei de diretrizes e Bases da Educação (ldB) de acordo ainda com André e Passos (2005, pp. 185-188), uma proposta de rompimento com a concepção de avaliação que pune e exclui o aluno em direção a uma concepção de progresso e desenvolvimento da aprendizagem tem feito parte das mudanças implementadas nas escolas brasileiras nos últimos anos e está entre as inovações preconizadas pela nova LdB (Lei no 9.394, de 20/12/1996 que estabelece as diretrizes e Bases da educação nacional). os critérios que deverão ser observados em relação à verificação do rendimento escolar apontam para tal inovação e se encontram assim explicitados na nova legislação, no capítulo ii – da educação Básica, seção i – das disposições gerais, art. 24: a) a avaliação continua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais; b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar; c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado; d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito; e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos. As orientações indicadas na LdB são interessantes e contemplam as propostas que vêm sendo apresentadas e discutidas na literatura. no entanto, sabe-se que o fato de estar incluída na lei não 36 AulA 3 • dESAfIOS dA AvAlIAçãO ESCOlAR significa, necessariamente, a garantia de mudanças nas escolas e no trabalho dos professores. As propostas de mudanças deixam de ser intenções quando os envolvidos no processo se convencem de realizá-las, compreendem por que as estão realizando, recebem orientação e dispõem dos meios para concretizá-las. Por onde começar? em que medida as escolas poderiam garantir o apoio para o processo de mudança da
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