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Temas em Psicologia Social

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Temas em Psicologia Social
Marxismo e Materialismo Histórico
BOCK, A. M. B. et al. Sílvia Lane e o projeto do "Compromisso Social da Psicologia". Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 19, n. spe2, 2007. 
 
· SILVIA LANE E A PSICOLOGIA SOCIAL
· COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA
· PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA SOCIO HISTÓRICA NO BRASIL
· PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA
“O conhecimento produzido deveria sempre ser útil para a transformação da realidade na direção da criação de condições dignas de vida para todos.”
Tornar a Psicologia menos elitista
Projeto do Compromisso Social da Psicologia
· Trabalho coletivo, consciência crítica e atenção permanente e comprometida com as urgências e necessidades da população se puseram como pedras fundamentais da transformação da Psicologia;
· O instrumental teórico ainda é muito voltado para o atendimento nos consultórios privados e a ideologia reproduzida por esse modelo de atendimento é a de que o psicólogo é um mero profissional liberal;
· Diante de um novo paradigma – tornou-se urgente a construção de uma psicologia social voltada para a realidade brasileira e latino-americana, com vistas a contribuir para a superação das desigualdades e das situações de opressão. Era necessária uma construção teórica que permitisse compreender o homem como participante do processo social.
O indivíduo e a sociedade
Como o indivíduo está implicado com a sua sociedade, como se coloca nela, o que permite ou impede que ele compreenda as determinações sociais e como pode agir sobre elas?
Neste sentido, é preciso se fazer uma crítica à psicologia social predominante em nosso meio. A psicologia social norte-americana, de base experimental e positivista, fala de mecanismos psicológicos universais e abstratos, desconsiderando o conteúdo histórico e social presente na constituição do homem.
Psicologia social
· Relações interpessoais e a influência de fatores sociais no indivíduo, mas estabelecendo uma dicotomia entre indivíduo e sociedade e dentro de uma perspectiva naturalizante;
· Há que se observar, portanto, uma nova concepção de homem na psicologia: um homem social e histórico;
· E, para compreender esse homem e como as determinações históricas estão em relação com ele, seria necessário outro método;
· O materialismo histórico e dialético será o método que ela vai adotar e desenvolver na psicologia social.
Assim....
“A afirmativa de que o positivismo, na procura da objetividade dos fatos, perdera o ser humano decorreu de uma análise crítica de um conhecimento minucioso enquanto descrição de comportamentos que, no entanto, não dava conta do ser humano agente de mudança, sujeito da história. O homem ou era socialmente determinado ou era causa de si mesmo: sociologismo x biologismo? Se por um lado a psicanálise enfatizava a história do indivíduo, a sociologia recuperava, através do materialismo histórico, a especificidade de uma totalidade histórica concreta na análise de cada sociedade. Portanto, caberia à Psicologia Social recuperar o indivíduo na intersecção de sua história com a história de sua sociedade – apenas este conhecimento nos permitiria compreender o homem como produtor da história. (Lane, 1984a, p. 13)”
Nova concepção de psicologia social
A partir do materialismo histórico e dialético, Lane produziu, então, uma nova psicologia social, cujo objeto, em vez de “relações interpessoais e influências sociais”, como propunha a psicologia social tradicional, seria o homem como ser histórico, a dialética entre indivíduo e sociedade, o movimento de transformação da realidade.
O objetivo era compreender o indivíduo em relação dialética com a sociedade; a constituição histórica e social do indivíduo e os elementos que explicam os processos de consciência e alienação; e as possibilidades de ação do indivíduo frente às determinações sociais.
Materialismo histórico e dialético
· O materialismo histórico e dialético permite trabalhar com a historicidade dos fenômenos e, por isso, contrapõe-se à sua naturalização;
· Dentre as novas metodologias destacou-se a pesquisa-ação participante;
· A concepção de pesquisa participante anulava toda discussão sobre a neutralidade da ciência e do pesquisador;
· Trata-se, então, de discutir o compromisso social do pesquisador.
Uma psicologia social sócio histórica
Decorre do materialismo histórico e dialético e permitem abordar os fenômenos sociais e psicológicos na sua historicidade.
“Uma pessoa é a síntese do particular e do universal, ou seja, sua individualidade se constitui, necessariamente, na relação objetiva com o seu meio físico, geográfico, histórico e social. Que irão, através de suas ações, desenvolver, o psiquismo humano constituído, fundamentalmente, pelas categorias: consciência, atividade e afetividade”. “A análise só estará completa se considerarmos o ser humano, ontogeneticamente, como um ser sócio histórico, ou seja, ele se desenvolveu através de ferramentas inventadas e de uma linguagem articulada a fim de transmitir a utilidade dessas para os seus pares.” (Lane,2002)
Uma psicologia social sócio histórica
“Estas relações se dão através da mediação de grupos sociais dos quais um indivíduo participa, necessariamente, a fim de garantir sua sobrevivência, assim, além de adquirir a linguagem produzida por esta sociedade, desenvolve o pensamento, os afetos e sentimentos. É neste processo de interação que se desenvolve a sua Identidade, como categoria constitutiva de seu psiquismo. Indivíduo e Sociedade são inseparáveis, segundo a dialética, pois o particular contém em si o universal, deste modo, se desejamos conhecer cientificamente o ser humano, é necessário considerá-lo dentro do contexto histórico, inserido em um processo constante de subjetivação/objetivação” (Lane, 2002, p. 12).
“Nosso organismo é estimulado a todo o momento: percebemos, sentimos, reagimos, refletimos e agimos, objetivando a nossa subjetividade a qual por sua vez se transforma, num processo constante, de metamorfose, isto se não nos deixarmos cristalizar por papéis desempenhados sem uma reflexão crítica.” (Lane, 2002, p. 12).
Psicologia social que se posiciona
A psicologia social sócio histórica coloca-se como uma psicologia que não aceita o que constata, mas uma psicologia social que se posiciona, porque o reconhecimento da historicidade dos fenômenos que estuda assim o permite. Coerente com a visão de que o conhecimento e a intenção prática em relação ao objeto não se separam, Sílvia Lane nos deixou desafios: avançar na pesquisa sobre a maneira como os indivíduos se implicam ou não com sua própria realidade é compromisso ético de quem se dedica à Psicologia.
Todos são carregados por uma história
“Procurei entender, primeiro, como se formam os valores nos seres humanos, como eles se dão e orientam o cotidiano das pessoas... Esse é o desafio, esmiuçar como se dão os processos, não só na formação de valores, mas na mudança de valores. Sem esquecer que eles vêm carregados de muita história – a familiar, a social – e não é fácil mudar. A não ser que a pessoa assuma, realmente, uma reflexão crítica... Aí surge outro dilema, outra contradição: entre imaginação e fantasia. A fantasia leva à alienação, é destrutiva, porque perde os vínculos com o real, enquanto que a imaginação tem os pés no real, no cotidiano. Outro desafio que surgiu há pouco tempo é a apatia, o desinteresse. Alguém indiferente às coisas está negando a própria vida, a emoção, o afeto! Isso é terrível! Como se forma um sentimento de indiferença? Ele é a morte, é virar um robô. São desafios nos quais temos que nos aprofundar, pesquisar. Se assumirmos que a transformação social só se dará eticamente, quem mais do que nós, psicólogos, tem essa arma na mão? É exatamente esse pensar ético que deve estar presente onde o psicólogo estiver atuando”. (Lane, 2000).
Toda psicologia é social
Nessa perspectiva, o psicólogo social não seria somente aquele que trabalharia com problemas ou situações de caráter social ou grupal. Um psicólogo clínico (em atendimento individual, em consultório particular), seriatambém um psicólogo social. Para isso, bastaria que ele procedesse em seu trabalho ao exercício de contextualização do seu cliente no seu momento social e histórico. Na medida em que as fontes explicativas e os resultados obtidos tivessem um caráter de habilitação de cada pessoa para atuar e transformar sua realidade (isto é, participar dos processos de transformação), esse trabalho poderia ser considerado como de psicologia social.
	
IDEOLOGIA
CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. 2ª ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2006.Ideologia e educação. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 42, n. 1, p. 245-257, jan./mar. 2016.
A noção de ideologia pode ser compreendida como um corpus de representações e de normas que fixam e prescrevem de antemão o que se deve e como se deve pensar, agir e sentir... Com o objetivo de impor os interesses particulares da classe dominante, esse corpus produz uma universalidade imaginária.
A eficácia da ideologia depende, justamente, da sua capacidade de produzir um imaginário coletivo em cujo interior os indivíduos possam localizar-se, identificar-se e, pelo autorreconhecimento assim obtido, legitimar involuntariamente a divisão social. Sua coerência está atrelada a uma lógica da lacuna e do silêncio sobre sua própria gênese, isto é, sobre a divisão social das classes.
A anterioridade do corpus, a universalização do particular, a interiorização do imaginário como algo coletivo e comum e a coerência da lógica lacunar fazem com que a ideologia seja uma lógica da dissimulação (da existência de classes sociais contraditórias) e uma lógica da ocultação (da gênese da divisão social).
O termo ideologia apareceu pela primeira vez na França, em um livro publicado após a Revolução Francesa. Nessa obra (“Elementos de Ideologia”) os autores pretendiam construir ciências morais dotadas de tanta certeza e exatidão quanto as naturais, despidas, assim, dos resquícios metafísicos e teológicos. 
Até então, as ideologias e seus ideólogos eram vistos com bons olhos na França, mas após o rompimento desses teóricos com o pensamento napoleônico, aquelas palavras assumiram conotações pejorativas associando-se, para a maioria, com a metafísica. Percebe-se claramente isso na declaração de Napoleão, em 1812: “Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia, essa tenebrosa metafísica que, buscando com sutilezas as causas primeiras, quer afundar sobre suas bases a legislação dos povos, em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da história.” Com Karl Marx, o significado pejorativo foi conservado quando se dirigia aos ideólogos alemães, pois para ele os ideólogos invertiam as relações entre as ideias e a realidade, formando um sistema de concepções que não possuem relação com o mundo real.
Por outro lado, de acordo com August Comte, a cada fase do espírito humano, o indivíduo cria um conjunto de ideias que servem como explicações para os fenômenos vigentes, e, dessa forma, são constituídas várias ideologias, de acordo com a fase em que o homem esteja. Partindo dessa teoria sobre o conceito de ideologia, este seria entendido não como um ocultamento da realidade ou principal causa que legitime a exploração e luta de classes, mas sim como uma organização sistemática de todos os conhecimentos científicos e verdadeiros, isentos de religiosidade e metafísica. Assim, quando as ações das pessoas estiverem contrárias as da ideologia, serão vistas como desordem e anormalidade.
Para romper com esse paradigma, foi de tamanha importância e necessidade o surgimento da concepção marxista acerca da ideologia, pois só assim os homens ganharam mais incentivos e legitimação em suas ações para quebrarem com a ordem vigente, colocando, consequentemente, a prática acima da teoria, o contrário pensado e difundido pelos positivistas. Com o advento da chamada ética protestante, o trabalho deixou de ser desqualificado, sendo visto então como principal meio para a obtenção do poder econômico e prestígio político e social. 
Em outras palavras, pode-se afirmar que os teólogos protestantes defendiam que o homem foi posto na terra para trabalhar, poupar e investir e assim honrariam a Deus. Essa nova concepção do trabalho na sociedade, contribuiu para a formação da classe burguesa e, consequentemente, para a separação entre trabalhadores e detentores do capital. 
A partir daí, os produtores deixaram a servidão e se tornaram assalariados “Estamos, pois, diante do que se convencionou chamar de homem livre moderno.” (Chauí). No entanto, percebe-se que não há um caráter homogêneo nessa concepção de homem livre, de um lado está o burguês, dono dos meios de produção, do outro está o trabalhador, que foi “liberto” da condição de servo, mas que agora deve se sujeitar ao trabalho assalariado. É clara a percepção de que a liberdade só está ao lado do burguês, sendo este quem determina os fins da produção, do outro lado resta apenas à necessidade.
É dentro desse panorama de surgimento da classe burguesa e luta com os proletariados que o conceito de ideologia marxista ganha espaço. De acordo com ele, as relações sociais são produzidas pelos próprios homens, mesmo que eles não tenham a consciência de serem os autores, e servem para guiar os pensamentos e ações humanas.
Devem ser encaradas como processos históricos, para que os indivíduos tenham conhecimento acerca do seu poder de transformar a realidade social e produzir ideias que expliquem sua vida social e individual. Todavia, nas sociedades divididas em classes, os dominantes legitimam e difundem as suas próprias ideias, realçando e assegurando seus poderes econômicos, políticos e sociais. Dessa forma é escondido do restante dos homens o modo de produção das relações sociais desiguais e a exploração econômica, caracterizando o fenômeno da ideologia.
A ideologia é, portanto, fruto de uma alienação, esta em seu grau religioso não é a forma fundamental para sustentar ideologias, mas apenas o efeito de toda a alienação advinda do trabalho, pois o empregado não se reconhece no produto final de seu trabalho e a mercadoria passa ser uma coisa que existe em si e por si. E é a partir de todo esse processo que o capital ganha força, sendo caracterizado pela mais valia, ou seja, o trabalho executado pela classe baixa e não pago, gerando lucros apenas aos detentores dos meios de produção.
Baseando-se no pensamento de Marx, a fixação da ideologia na sociedade se deu no momento em que houve a divisão social e exploração do trabalho, encontrando-se, o homem, excluído do direito de usufruir dos bens que produz e mesmo assim tendo que aceitar a ordem de exploração e desigualdade vigentes, pois a realidade é ocultada pelos dominantes, e as ideias e pensamentos destes são tornados legítimos e universais.
Decorrente de toda essa ideologia burguesa surgiu, como atualmente é conhecida, a ideologia da competência, ainda servindo para ocultar a realidade, porém, agora, com maior presença da ciência e da tecnologia na produção e no trabalho intelectual. A divisão e luta de classes continuam, no entanto não possuem seu enfoque apenas nos critérios da dominação do capital em si, passou-se a distinguir os que possuem o saber e os que não o possuem, os competentes (detentores de conhecimento científico) e os incompetentes (meros realizadores de tarefas). Nessa nova forma de mascarar a realidade, são conferidos prestígio e poder descomunais aos que dominam os meios de tecnologia e saber científico, tornando os dominados, mais uma vez, alheios a essa recente forma de camuflagem dos contextos histórico e social vigentes.
“A ideologia esconde que nasceu da luta de classes para servir a uma classe na dominação” (Chauí). Fica claro, mais uma vez, que por meio desse ocultamento da realidade, executado pela classe dominante, a exploração e dominação são legitimadas e tornadas justas. No entanto, vale ressaltar que a ideologia não possui poder absoluto, ou seja, pode ser quebrada e destruída na medida em que determinada classe social compreenda a sua realidade e o seu poder, organizando-seentão para realizar o rompimento da ordem vigente. “Os burgueses destruíram a ideologia aristocrática e os trabalhadores podem destruir a ideologia burguesa” (Chauí).
O conceito de ideologia foi sendo alterado ao longo do âmbito histórico e social vivenciado por diferentes sociedades em distintos períodos, porém um enfoque maior é dado ao seu significado, que se relaciona com o processo pelo qual as ideias da classe dominante se tornam universais, legitimando, assim, a dominação e a exploração dos detentores do capital, e mais tarde do saber tecnológico e científico na ideologia da competência, sobre as classes menos favorecidas e dependentes.
No entanto, embora a ideologia mascare a realidade, não aniquila o poder que os homens possuem de mudar a ordem social e econômica vigentes, mas, para isso, precisam reconhecer a força que possuem e a união necessária para tal fim. Por fim, é clara a percepção de que ideologias não têm histórias, mas as fabricam, no intuito de difundir os ideais dominantes e torná-los gerais.
Apresentação - O método de investigação e intervenção
Texto básico: BOCK, A.M.B. A Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica. In: BOCK, A.M.B. (org.) Psicologia sócio-histórica (cap. 1), p.15-35;
· Fatos históricos que antecedem o surgimento da Psicologia: ascensão da burguesia enquanto classe social (condições históricas para o surgimento da ciência moderna e posteriormente da Psicologia) ênfase na razão humana, na liberdade do homem, na possibilidade de transformação do mundo real e no próprio homem. 
· Uma ciência racional, que buscou desvendar as leis da natureza e construir um conhecimento pela experiência e pela razão. 
· Um método cientifico, rigoroso, permitia ao cientista observar o real e construir um conhecimento racional, sem interferência de suas crenças e valores Surge a ciência moderna experimental, empírica, quantitativa.
Características que marcam a ciência no século XIX: 
· Positivista: porque se constituiu como sistema baseado no observável;
· Racionalista: pela ênfase na razão como possibilidade de desvendar as leis naturais;
· Mecanicista: porque se pautou na ideia do funcionamento regular do mundo, guiado por leis que poderiam ser conhecidas; 
· Associacionista: porque se baseou na concepção de que as ideias se organizam na mente de forma a permitir associações que resultam em conhecimento; 
· Atomista: pela certeza de que o todo e sempre o resultado da organização de partes; 
· Determinista: porque pensou o mundo como um conjunto de fenômenos que são sempre causados e que essa relação de causa efeito pode ser descoberta pela razão humana.
· A partir dessas concepções, em 1875, Wundt (1832-1920) distinguiu a Psicologia como uma ciência. 
· Um objeto próprio caracterizava a nova ciência: a experiência consciente.
· Wundt sugeriu duas psicologias: uma Psicologia Experimental e uma Psicologia Social, de modo a resolver as dicotomias natural e social; autonomia e determinação; interno e externo.
· As várias perspectivas teóricas que vão aos poucos sendo construídas, apenas ocorrem no balanço do pendulo: interno/externo; psíquico/orgânico; comportamento/vivencias subjetivas; natural/social; autonomia/determinação.
· A Psicologia Histórico-Cultural que toma como base Vigotski (1896-1934) apresenta-se como uma possibilidade de superar estas dicotomias.
· Fundamenta-se no marxismo e adota o materialismo histórico e dialético como filosofia, teoria e método Concebe o homem como ativo, social e histórico; a sociedade como produção histórica dos homens que, através do trabalho, produzem sua vida material; as ideias, como representações da realidade material; a realidade material, como fundada em contradições que se expressam nas ideias; e a história, como o movimento contraditório constante do fazer humano.
· A Psicologia Sócio Histórica acredita que o fenômeno psicológico se desenvolve ao longo do tempo.
Para a Psicologia Sócio Histórica: o fenômeno psicológico:
· Não pertence à Natureza Humana; 
· Não é preexistente ao homem; 
· Reflete a condição social, econômica e cultural em que vivem os homens.
· Falar do fenômeno psicológico é obrigatoriamente falar da sociedade. 
· Falar da subjetividade humana é falar da objetividade em que vivem os homens. 
· A compreensão do “mundo interno” exige a compreensão do “mundo externo”, pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um processo no qual o homem atua e constrói/modifica o mundo e este, por sua vez, propicia os elementos para a constituição psicológica do homem.
· O fenômeno deve ser visto como subjetividade, concebida como algo que se constituiu na relação com o mundo material e social, mundo este que só existe pela atividade humana.
· Subjetividade e objetividade se constituem uma a outra sem se confundir. A linguagem é mediação para a internalização da objetividade, permitindo a construção de sentidos pessoais que constituem a subjetividade. 
· O mundo psicológico é um mundo em relação dialética com o mundo social. Conhecer o fenômeno psicológico significa conhecer a expressão subjetiva de um mundo objetivo/coletivo; um fenômeno que se constitui em um processo de conversão do social em individual; de construção interna dos elementos e atividades do mundo externo
· Para compreender o mundo psicológico, a Psicologia terá obrigatoriamente de trazer para seu âmbito a realidade social na qual o fenômeno psicológico se constrói; e, por outro lado, ao estudar o mundo psicológico, estará contribuindo para a compreensão do mundo social. Trabalhar para aliviar o sofrimento psicológico das pessoas exigira do psicólogo um posicionamento ético e politico sobre o mundo social e psicológico.
Em síntese, o método materialista histórico e dialético caracteriza-se por:
· Uma concepção materialista, segundo a qual a realidade material tem existência independente em relação à ideia, ao pensamento, à razão; existem leis na realidade, numa visão determinista; e é possível conhecer toda a realidade e suas leis
· Uma concepção dialética, segundo a qual a contradição é característica fundamental de tudo o que existe, de todas as coisas; a contradição e sua superação são a base do movimento de transformação constante da realidade; o movimento da realidade está expresso nas leis da dialética (lei do movimento e relação universais; lei da unidade e luta de contrários; lei da transformação da quantidade em qualidade; lei da negação da negação) e em suas categorias 
· Uma concepção histórica, segundo a qual só é possível compreender a sociedade e a historia por meio de uma concepção materialista e dialética; ou seja, segundo a qual a historia deve ser analisada a partir da realidade concreta e não a partir das ideias, buscando-se as leis que a governam (visão materialista).
A partir destes pressupostos metodológicos, passamos a .....
1. Examinar os objetos, buscando entendê-los na sua totalidade concreta na qual as partes estão em interação, permitindo que o fenômeno se constitua como tal;
2. Acompanhar o movimento e a transformação contínua dos fenômenos;
3. Entender que a mudança dos fenômenos é qualitativa e se dá por acúmulo de elementos quantitativos que se convertem em qualidade, alterando o fenômeno;
4. Entender que o movimento e a transformação das coisas se dão porque no próprio interior delas coexistem forças opostas. A contradição existente em todos os objetos é a força de seu movimento de transformação. É na relação desse objeto com o mundo que o cerca que os elementos contraditórios se constituem.
Assim, a Psicologia Sócio Histórica produzirá conhecimentos com outros pressupostos, abandonando a pretensa neutralidade do positivismo, a enganosa objetividade do cientista, a positividade dos fenômenos e o idealismo, colando sua produção à materialidade do mundo e criando a possibilidade de uma ciência crítica à ideologia até então produzida e uma profissão posicionada a lavor das melhores condições de vida, necessárias à saúde psicológica dos homens de nossa sociedade. 
· Para saber mais...
https://www.youtube.com/watch?v=XD8-6dC9zloTEORIA DA IDENTIDADE
QUEM EU SOU? Somos personagens de uma história que nós mesmos criamos.
AUTORIA COLETIVA: fazendo-nos autores e personagens ao mesmo tempo
Identidade das personagens constitui a do autor e vice versa- o autor se oculta por trás das personagens. Da mesma forma, o autor se revela através dos personagens. Somos ocultação e revelação.
· Identidade: totalidade contraditória, múltipla e mutável , no entanto...UNA : Unidade de contrários, sou uno na multiplicidade e na mudança.
· Quando queremos conhecer a identidade de alguém, buscamos informações necessárias. As informações obtidas são tidas como realidade. 
· A forma mais simples e habitual é fornecer um nome, um substantivo. 
· Substantivo- ser que nomeia e designa o ser- nós nos identificamos com nosso nome, que nos identifica num conjunto com outros seres. Pense em quando alguém diz seu nome errado: estranheza
· FAMÍLIA- 1° grupo social: que nos dá nosso nome que nos diferencia dos outros, o sobrenome nos diferencia.
DIFERENÇA E IGUALDADE
· Nosso primeiro nome nos diferencia dos outros membros da família e nosso último nome nos iguala.
· Sucessivamente, vamos nos diferenciando e nos igualando conforme os vários grupos sociais que fazemos parte (brasileiro = brasileiro X estrangeiro).
· O conhecimento de si é dado pelo reconhecimento recíproco dos indivíduos através de determinado grupo social, que existe objetivamente, com sua história, tradições, normas e interesses. (Um grupo pode existir objetivamente, mas seus componentes podem não se identificar como seus membros).
· Mas se é verdade que minha identidade é constituída pelos diversos grupos de que fazemos parte, esta constatação pode nos levar a um erro. Pensar que os substantivos com os quais nos descrevemos (ex. sou brasileiro) expressam uma substância (brasilidade, masculinidade) que tornaria o sujeito imutável, idêntico a si mesmo.
· Para compreendermos a ideia de a identidade ser constituída pelos grupos de que fazemos parte, faz-se necessário refletir sobre como um grupo existe objetivamente: através das relações entre os membros e com o meio em que vivem, ou seja, ela prática, pelo seu agir, trabalhar, fazer, pensar (ou seja, VERBOS) 
· Nós somos nossas ações, nós nos fazemos pela prática.
· A resposta à pergunta “Quem sou eu?” é uma representação da identidade torna-se necessário partir da representação, como um produto, para analisar o próprio processo de produção.
· IDT é reposta a cada momento
· IDT é o próprio processo de identificação. É um fenômeno social e não natural.
· Reatualizamos através de rituais sociais, há uma IDT pressuposta que é reposta como algo já dado (eu sou filho e não “estou sendo filho”).
· Eu (ser social- ser posto) identidade atemporal X IDT temporal.
· Ex: ser pai é um fato social, reposto contidamente, mas ao mesmo tempo esse pai é filho de alguém.
NÍVEIS DE REPRESENTAÇÃO
1) eu represento enquanto estou sendo o representante de mim;
2) desempenho papéis, decorrentes de minha posições sociais;
3) eu me represento enquanto reponho no presente o que tenha sido, enquanto reitero a apresentação de mim.
IDENTIDADE E CONTEXTO
· O homem não é só um animal, é um ser histórico- sujeito a contínua e progressiva hominização do homem.
· Homem como um vir a ser.
· É no contexto sócio histórico que o homem vive e emerge suas possibilidades, os modos de ser e as alternativas existenciais.
· 
IDENTIDADE É MOVIMENTO É METAMORFOSE
https://www.youtube.com/watch?v=-B50a0fa7IE
17min - 37:45
PSICOLOGIA SOCIAL E PROCESSO GRUPAL
A COERÊNCIA ENTRE FAZER, PENSAR E SENTIR EM SÍLVIA LANE
· Objetivo do artigo: enfatizar a produção de Silvia Lane sobre grupo presente em sua obra, fundamentalmente o texto O processo grupal, capítulo do livro Psicologia Social: O homem em movimento (1984b), que sintetiza os aspectos teóricos, metodológicos e práticos/ políticos de suas reflexões sobre o tema, contribuindo para a elaboração de uma concepção histórica e dialética do processo grupal.
· 
Processo Grupal: Uma Perspectiva Histórica e Dialética
· Ao realizar uma revisão de diferentes teorias sobre grupo, Lane (1984b) encontrou em seus estudos duas grandes posições.
· A posição tradicional defendia que a função do grupo seria apenas a de definir papéis e, por consequência, implicaria garantir a produtividade dos indivíduos e grupos através da manutenção e harmonia das relações sociais.
· Outra posição enfatiza o caráter de mediação do grupo, afetando a relação entre os indivíduos e a sociedade. Nesta posição prevalece a preocupação com o processo pelo qual o grupo se produz, considerando as determinações sociais presentes nas relações grupais.
A partir desta constatação, Lane propõe algumas premissas para se conhecer o grupo:
· 1) o significado da existência e da ação grupal só pode ser encontrado dentro de uma perspectiva histórica que considere a sua inserção na sociedade, com suas determinações econômicas, institucionais e ideológicas;
· 2) o próprio grupo só poderá ser conhecido enquanto um processo histórico e neste sentido talvez fosse mais correto falarmos em processo grupal, em vez de grupo. (Lane, 1984b, p. 81).
Ao falar em processo grupal e não em grupo ou dinâmica de grupo Lane se posiciona, trazendo para o centro da discussão o caráter histórico e dialético do grupo.
“todo e qualquer grupo exerce uma função histórica de
manter ou transformar as relações sociais desenvolvidas
em decorrência das relações de produção e, sob
este aspecto, o grupo, tanto na sua forma de organização
como nas suas ações, reproduz ideologia, que,
sem um enfoque histórico, não é captada”. (p. 81-82)
Não é suficiente afirmar que o grupo baseia-se apenas em reunir pessoas que compartilham normas e objetivos comuns. Significa compreender o grupo enquanto relações e vínculos entre pessoas com necessidades individuais e/ou interesses coletivos, que se expressam no cotidiano da prática social.
Além disso, o grupo é também uma estrutura social, uma realidade total, um conjunto que não pode ser reduzido à soma de seus membros, supondo alguns vínculos entre os indivíduos, ou seja, uma relação de interdependência.
À semelhança de qualquer vivência humana, o processo grupal implica relações de poder e de práticas compartilhadas e, ao se realizar, desenvolve a sua identidade (intragrupo e intergrupos). 
A atividade grupal tem, portanto:
· A dimensão externa relacionada com a sociedade e/ou outros grupos, quando o grupo deve ser capaz de produzir um efeito real sobre eles para afirmar sua identidade;
· A interna, vinculada aos membros do próprio grupo, em direção à realização dos objetivos que levem em consideração as aspirações individuais ou comuns.
Lane traz algumas sugestões para a análise do indivíduo inserido no processo grupal. A primeira delas é o fato de considerar que “o homem com quem estamos lidando é fundamentalmente o homem alienado” Deste modo, há sempre dois níveis operando: o da vivência subjetiva e a da realidade objetiva.
Em seguida sugere que devemos considerar que todo grupo ou agrupamento existe sempre dentro de instituições (desde a família, a fábrica, a universidade até o próprio Estado), sendo fundamental, portanto, a análise do tipo de inserção do grupo na instituição. 
*Ressalta ainda que a história de vida de cada membro do grupo também tem importância fundamental no desenrolar do processo grupal:
Se queremos compreender processos, se queremos conhecimentos que atendam à maior parte de nossa população, aqui e agora, teremos, necessariamente, que partir do estudo do cotidiano: o que é este simples falar, este se relacionar com os outros, este aprender a “ser social” que se acumula e se transforma? 
E, se partirmos do aqui e agora (do empírico), só chegaremos a entendê-lo se ampliarmos a nossa dimensão espaço-temporal, ou seja, a sociedade, historicamente compreendida. 
É dentro deste contexto que problemas como: a ideologia presente no que dizemos ser a realidade, a consciência de si e a para-si, isto é, a social, a alienação – não só “mental”, mas basicamentea social – se tornam questões fundamentais a serem investigadas no cotidiano do homem, ou seja, daqueles que são a força do trabalho produtivo, e como tal, os principais agentes históricos (Lane, 1980b, p.70-71).
Processo Grupal e Psicologia Social Comunitária
As diversas experiências comunitárias vêm apontando para a importância do grupo como condição, por um lado, para o conhecimento da realidade comum, para a autorreflexão e, por outro, para a ação conjunta e organizada. Em outros termos, estamos falando da consciência e da atividade – categorias fundamentais do psiquismo humano.
Sintetizando, o psicólogo na comunidade trabalha fundamentalmente com a linguagem e representações, com relações grupais – vínculo essencial entre o indivíduo e a sociedade – e com as emoções e afetos próprios da subjetividade, para exercer sua ação ao nível da consciência, da atividade e da identidade dos indivíduos que irão, algum dia, viver em verdadeira comunidade. (Lane, 1996, p. 31).
Questiona o papel das dinâmicas de grupo (visam adequar, ajustar os indivíduos e o grupo às condições existentes e ao fazer isso, impedem o desenvolvimento da autonomia do indivíduo e do grupo).
Também questiona o papel do de “líder” no grupo, afirmando que o indivíduo que assumia esse papel podia, “no nível das determinações concretas, exercer uma ação de dominação e ser vivido no nível das representações ideológicas como mero ‘coordenador’, que só quer o bem do grupo e preservar a liberdade de todos” (p. 101). Constatava, então, que grupos e/ou seus integrantes, denominados por seus membros como democráticos, mostravam-se, muitas vezes, autoritários.
Entender o movimento de consciência dos indivíduos, que se dá em relação às atividades que eles desenvolvem em interação com outros indivíduos, conhecer os processos grupais que produzem as identidades pessoais e ao mesmo tempo produzem um sentido “nós”, através da cooperação e da compreensão de determinantes histórico-sociais – é a tarefa que compete à Psicologia, tornando a sua práxis em um movimento de conscientização social e de atividades transformadoras da sociedade.
Violência e Sofrimento Social: a resistência feminina na obra de Veena Das
· O ponto de partida deste trabalho é a discussão sobre o conceito de sofrimento social, englobando não apenas sua dimensão teórica, mas também aquela que conduz à intervenção e transformação da realidade, como indicada nos trabalhos de Arthur Kleinman e Veena Das, tendo como referência o campo da Antropologia Médica. 
· No caso desses autores, o sofrimento social é discutido em situações sociais e políticas comparáveis às que vêm sendo descritas pelos pesquisadores brasileiros no contexto da violência, da miséria crônica e da exclusão social, o que possibilitaria especialmente um diálogo com questões de gênero e saúde.
· Para Kleinman e colaboradores (1997), o sofrimento SOCIAL congrega uma grande variedade de experiências de dor, trauma e distúrbios – na fome, na violência doméstica, no stress pós-traumático, na doença crônica, ou nas doenças sexualmente transmissíveis que envolvem, simultaneamente, situações de saúde, bem-estar, justiça, moralidade e religião. 
· Nesse sentido, o que melhor caracteriza o sofrimento social é sua compreensão não como problema médico ou psicológico, o que reforçaria sua dimensão individual, mas como uma experiência social
· Suas raízes estão, desta forma, intimamente ligadas aos processos sócio-políticos nos quais podem ser encontradas a violência e a opressão ao lado das preocupações com a conceituação desses fenômenos.
· Vale destacar que do ponto de vista metodológico esses autores têm buscado recursos para práticas de intervenção e de transformação de realidades sociais, ocupando geralmente o papel de participantes ativos nos cenários de investigação, não apenas como “provedores de saúde”, mas defendendo os direitos e contribuindo como ativistas (advocates) das causas das populações sujeitas à condição de sofrimento social (Das, 1996).
· Sob a perspectiva de uma abordagem qualitativa e interdisciplinar, os estudos sobre sofrimento social apresentam o discurso, na tradição foucaultiana, como conceito necessário para compreender esses fenômenos.
· Por outro lado, a filosofia da linguagem será um dos guias utilizados, especialmente por Veena Das, para construir este cenário epistemológico e metodológico onde estão os estudos sobre sofrimento social, associando-o a um certo uso do corpo em situações onde a linguagem, paradoxalmente, parece “falhar
· A antropóloga indiana Veena Das trata da violência social que é incorporada no dia-a-dia. Nesses trabalhos ela não tem considerado uma violência qualquer, mas aquela que provoca um ponto de inflexão tanto na vida daqueles que a sofreram diretamente, quanto na daqueles que são histórica e imaginariamente alcançados por ela. 
· Das chama de eventos críticos (critical events) a estas circunstâncias provocadoras, caracterizados pela brutalidade de instituições como a família, o Estado ou grupos religiosos ou econômicos, como indústrias químicas e farmacêuticas que mantém suas plantas industriais e centros de pesquisa em países pobres da América Latina, da África e da Ásia.
· Depois de submetidos a eventos críticos, os atores sociais assumem novas formas, inclusive de expressão, inscrevendo nos seus próprios corpos aqueles acontecimentos, quando as palavras falham e o corpo é o único meio de expressão.
· Das persegue os efeitos que certos eventos críticos promovem nos discursos e nos corpos daqueles que são, habitualmente, os principais e os primeiros receptáculos da violência do Estado e da família: crianças e mulheres. 
· Das tem como alvo, mais especialmente, mulheres, mesmo aquelas que não sofreram na sua própria pele a violência de uma experiência social disruptiva, mas que ainda assim mantêm o seu registro, manejando o uso de seus corpos no cotidiano.
Cotidiano e Dor
· Das toma a separação entre Índia e Paquistão como exemplar de evento social produtor de uma enorme violência social.
· Cerca de cem mil mulheres de ambos os lados foram sequestradas e violentadas. 
· Chama a atenção como esta violência se deu não somente entre desconhecidos, mas também entre vizinhos e mesmo dentro das próprias famílias, conduzindo pessoas comuns a atos que desafiam a crença na humanidade e na civilização e que tiveram nas mulheres de ambos os lados (hindus e muçulmanas) seu alvo prioritário.
· Para ela, a chave que poderá dar conta desses eventos e, então, recuperá-los, dar-lhes sentido, está no imaginário. 
· Das afirma que a compreensão e o reconhecimento da dor – a própria dor – não se constitui numa circunstância apenas individual, apoiada no mundo interior de um sujeito, mas depende de uma certa gramática.
· Das tem preocupação em buscar sentido naquilo que não tem sentido, mas que nós insistimos em chamar de humano. Assim, esta humanidade do comportamento associado, por exemplo, à violência extrema, não deveria ser buscada apenas no indivíduo que conduz essa violência, mas nas próprias situações do cotidiano que aquele e outros indivíduos estão vivenciando. 
· Essa experiência, ela insiste, não deve ser compreendida como algo interior – sem negar que o interior também ofereça uma experiência – mas nos efeitos da linguagem, mais ainda, da gramática da linguagem, nas falas e nos comportamentos humanos.
Mas e a violência extrema, aquilo que não parece humano, que não tem palavras para ser descrito? A qual gramática refere? Onde buscar sentido para esses eventos? 
· Para Das, esse sentido irá ser buscado também no cotidiano, num conhecimento que está ali mas só pode ser evocado, e isto através de meios que não seriam apenas linguageiros. Eles são evocados e referidos através de imagens e de recursos estéticos que se constroem pela linguagem e também com o próprio corpo. Identificando o cotidiano como o lugar da recuperação daqueles sentidos.. 
· A instalação da violência no cotidiano como efeito das condições sociais se dá de maneira dramática e espetacular, como nasações que acompanhamos nos noticiários que chocam e provocam horror – embora também pareçam nos atrair – mas também está no cotidiano, nos pequenos gestos, nas escolhas despreocupadas e naquilo que direciona os nossos olhares. 
· A violência e a exclusão, seus efeitos como o sofrimento social e as reações que elas suscitam não podem ser compreendidos, neste entendimento, como práticas individuais, mas compartilhadas através da imersão no mesmo cenário de linguagem e de possibilidades instituído pelo imaginário social.
· A violência que não tem lugar nas palavras e que não pode ser tratada ali só poderá, por outro lado, ser retomada e literalmente tratada no cotidiano.
· Mas essa aposta no cotidiano não pretende indicar que há alguém que resiste no cotidiano, pois não há, necessariamente e sempre, este agente da resistência: ao menos não se deve falar de uma resistência calculada; mas de uma existência possível.
· Isso não significa que não existam sujeitos que interfiram na realidade, e que se trate de uma pura submissão aos jogos de linguagem. O agenciamento se faz de maneira indireta, transversal, e mesmo através de outros indivíduos que não pertencem imediatamente àquele evento crítico. Por exemplo, cientistas sociais e ativistas.
· Nessa direção, ela reconhece a importância do gesto e do movimento – do imaginário – para esta cena na qual está a linguagem, ou ainda a fala. 
· A presença e a importância do cotidiano na elaboração de novas formas de subjetividade provocadas pela perturbação de um evento crítico podem ser localizadas na obra de Das através de um exemplo de sua etnografia, onde ela faz um deslocamento do discurso da resistência do feminino, que tem como emblema a figura de Antígona, a mulher que resiste à chamada da lei através de uma voz dramática, espetacular, para Asha, uma indiana invisível cuja resistência se faz no dia-a-dia.
Asha: gênero, performance e invisibilidade
· Asha: De uma família de Punjabi, perde o marido muito jovem, vítima de uma doença que o consome em algumas semanas. Sob a tragédia pessoal, e sem filhos, ela continua vivendo com a família do marido. A cunhada com quem Asha vive oferece seu próprio filho para ser “compartilhado”. 
· Essa é uma forma de suprir a necessidade de ser mãe, vista como parte da natureza humana e feminina; mas é também, segundo Das, uma forma de substituir ou ocupar esta jovem mulher com as questões da maternidade, ao invés de deixá-la a mercê de sua sexualidade, marcando uma diferença importante entre estas duas experiências: sexualidade e maternidade.
· Na mesma direção desse controle sobre o corpo feminino, Das indica como a convivência de Asha com a família conduz a que ela carregue sinais em seu próprio corpo que digam do lugar que ela, como uma jovem viúva, ocupa. Assim, para que esse lugar da mulher seja expressamente visível, ela deve atuar uma contínua performance:
“O rosto de Asha, como o de uma viúva, deve sempre possuir a presença do luto – a separação de seu cabelo sem a marca do vermelho, ela dizia, era simbólica de tudo que deve ser evitado no cosmos. A performance da identidade feminina da viuvez tinha a força de um ritual social compulsório. [...] Sua face e seu corpo devem constantemente atuar esta estética.” (Das, 2000, p. 214)
· Esse seria seu destino, caso não houvesse o Partition, a guerra civil deflagrada no processo de independência da Inglaterra e que produz a separação entre Índia e Paquistão, colocando de lados opostos hindus e muçulmanos. Entre os embates que seguem este evento e que produzem violência e mortes, desenrola-se uma tragédia familiar, com a morte de uma das cunhadas de Asha – aquela com quem ela compartilhava a maternidade – e a dispersão da família. 
· Nesse momento, Asha vai se abrigar na casa de seus pais, junto com o filho “adotivo”, e sofre com a desconfiança da família que vê seu retorno como um peso – mais gente para sustentar num contexto de extrema dificuldade – que se alia às fantasias quanto às suas pretensões em relação à herança paterna.
· Sem lugar, ela retorna ao convívio da família do marido. Viúva e jovem começa a ser sexualmente assediada pelo cunhado, agora também viúvo. Temendo ceder a estas investidas, e na possibilidade de enfrentar a desonra da família com a manutenção de um relacionamento com o cunhado, Asha busca sua própria desonra, dentro desse contexto familiar e social, num novo casamento fora da família, quebrando um importante tabu.
· A história procura ilustrar a maneira através da qual a violência do Partition alcançou uma mulher que sequer fora diretamente afetada pelos conflitos entre muçulmanos e hindus, e que resultaram em estupros, assassinatos, suicídios e sequestros de milhares de mulheres de ambos os lados. Muitas tiveram seus próprios corpos, especialmente os genitais, marcados com palavras de ordem nacionalista (victory to India; long live Pakistan; this thing is ours). 
· Enquanto os homens mortos nesses conflitos foram transformados em heróis nacionais, o destino de tantas mulheres, vítimas também de suas próprias famílias, levadas a suportar a dor da (in)existência em silêncio, denuncia a retificação do lugar ocupado por mulheres que, em vista de uma situação situação limite, são mortas pelo inimigo, caladas pelos próprios familiares e violentadas por ambos. Um sofrimento que marcou não apenas seus corpos, mas também o imaginário no qual mulheres como Asha irão se mover.
· A nova situação produzida pelo Partition irá ser tomada por mulheres como Asha enquanto também geradora de novos entendimentos sobre seus lugares com novas possibilidades de ocupação do mundo. A passividade feminina seria, assim, apenas aparente. 
· A repossessão da subjetividade feminina vai ser compreendida, como também entendo, pela incorporação de um discurso sobre a mulher, um discurso familiar e religioso – e eventualmente do Estado – que não se transforma puramente em destino, mas se articula com outros discursos, cuja dimensão imaginária se faz no cotidiano:
· Confrontada com um não lugar, um lugar de falta, insuportável para ela, seu movimento é de fuga para uma nova relação que dê conta de sua sexualidade, de um novo lugar como mulher que contemple a possibilidade de ser mãe. Para Das, a história de Asha em relação ao “preenchimento” de sua maternidade aponta a construção de um self feminino que está de acordo com os paradigmas culturais dominantes (Das, 2000, p. 210), que definem a maternidade como o lugar para o investimento do desejo, no lugar da sexualidade, por exemplo.
· A violência do Partition solicita que Asha pense em uma nova forma de habitar o mundo, na qual ela deve trafegar entre o permitido e o proibido, ressignificando o passado através de novas narrativas, mas também através de atos no mundo sobre os vínculos, “reparando relações e dando reconhecimento para aqueles indivíduos que as normas oficiais têm condenado” (Das, 2000, p. 223). 
· Essa ação “subversiva” não implica, assim, em ruptura, mas na elaboração do que compreendo ser uma nova cena, uma imagem social diferente que permite acomodar aqueles mesmos atores sociais e seus afetos. Uma ação efetiva sobre o imaginário que contém todos esses elementos
· Defendendo explicitamente o papel do pesquisador social como o de um interventor na realidade (advocate), em seus textos Das afirma que, mesmo que não se possa apropriar da dor do outro – ou do que acontece com o outro – eu posso emprestar meu corpo – ou minha escrita – para que essa dor possa acontecer comigo, o que está, no âmbito da dor, dentro de sua gramática.
· Essa ação irá permitir, assim, que aquela existência possa se dar também através do cientista social, de seu texto, e de sua ação, materializando um ato que se dá, como entendo, ainda que politicamente comprometido e metodologicamente suportado, sob o domínio do imaginário: isto é, incerto e incalculável, mas mesmo assim podendo ser efetivo, reconstruindo relações, desafiando as fraturas do social.
· O trabalho de resistência e de oposição aos discursos hegemônicos se faz, desta forma,de maneira muito mais sutil, sem o alarde dos manifestos e das passeatas, mas, também, nos usos que fazemos cotidianamente de nossos corpos.
· Para desvendar esse processo, Veena Das promove o diálogo entre a argumentação foucaultiana sobre o confronto entre discursos na construção do conhecimento e a presença da linguagem no cotidiano como meio no qual se dá a instituição de possibilidades de vir a ser dos indivíduos e grupos, e empresta seu próprio corpo para sentir a dor do outro, apresentando, assim, uma dimensão para o trabalho do cientista social que extrapola, em muito, a melhor utilização de um recurso metodológico ou o perfeito entendimento de uma argumentação teórica.
· Entendo que as posições sobre a violência e a resistência feminina na perspectiva de Veena Das podem ser úteis para os estudos e intervenções no campo da saúde realizado com mulheres brasileiras de populações em situação de miséria crônica.
· Protagonistas em suas comunidades, jovens e adolescentes exercitam seus discursos sobre e com o corpo em contextos de sofrimento e exclusão social que podem ser comparados a experiências de um evento crítico (Carvalho, 2007). 
· Escutar de mulheres jovens e pobres a respeito da maneira como (não) dirigem seus destinos e elaboram projetos de vida, buscando sua inserção em movimentos imaginários que se materializam em suas falas e nos usos e cuidados com seus corpos, aponta para a possibilidade de investigar fenômenos que remetem a esse mesmo cenário de submissão e resistência descrito por Das, podendo ser decisivo para, em contextos de promoção de saúde, dar sentido e intervir sobre processos que podem nos parecer sem sentido e sem razão, mas que guardam na sua incompletude e incerteza a marca indelével do humano
https://youtu.be/DrcCTgwbsjc
*lembrem q n tem slide do Martim Baró

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