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Athenea Digital - 17(1): 205-230 (marzo 2017) -ARTÍCULOS- ISSN: 1578-8946 AÇÕES COLETIVAS E COMPORTAMENTO POLÍTICO: PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA PSICOLOGIA SOCIAL BRASILEIRA (1986-2011) COLLECTIVE ACTIONS AND POLITICAL BEHAVIOR: SCIENTIFIC PRODUCTION OF BRAZILIAN SOCIAL PSYCHOLOGY (1986-2011) Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado Universidade Federal de Alagoas; Universidade Federal de Minas Gerais; fredericoalvescosta@gmail.com Historia editorial Resumo Recibido: 17-12-2015 Primera revisión: 06-02-2016 Aceptado: 24-04-2016 Neste trabalho discutimos produções científicas no campo da psicologia social bra- sileira sobre ações coletivas e comportamento político. O objetivo é analisar o modo como os autores compreendem a politização das relações sociais e a cons- trução de uma sociedade democrática no interior do debate sobre a circunscrição do conceito do político na atualidade. Os autores foram selecionados a partir de 3 fontes - Grupos de Pesquisa do CNPq, Grupos de Trabalho da ANPEPP, Revista Psicologia & Sociedade - e suas produções analisadas à luz da teoria democrática radical e plural (Laclau & Mouffe). Focalizamos a distância entre os modos de compreensão dos autores e uma concepção do político baseada na articulação en- tre três momentos - momento da articulação, momento da contingência, momento do antagonismo - e as implicações desta distância. Ademais, sugerimos a inserção da psicologia social no debate sobre o político a partir da retomada da noção de hegemonia em uma perspectiva não essencialista. Palavras-chave Psicologia Social Produção Científica Político Democracia Abstract Keywords Social Psychology Scientific Production Political Democracy The article aims to analyze the scientific production about collective actions and political behavior written by authors of Brazilian social psychology. The main is- sue is to analyze how the authors understand the politicization of social relations and the process of building a democratic society. The authors were selected from three sources – Research Groups of the CNPq, Work Groups of the ANPEPP, and Psychology and Society Brazilian Journal – and the papers were analyzed by the perspective of the Plural and Radical Democratic Theory (Ernesto Laclau and Chantal Mouffe). The discussion demonstrates the distance of the articles in rela- tion to the conception of the political based on the articulation between three mo- ments – moment of the articulation, the moment of the contingency, moment of the antagonism – and the implications these distance. Moreover, the discussion suggests the emergence of social psychology in the debate about the political through a resumption of the concept of the hegemony in a non-essentialist per- spective. Costa, Frederico Alves & Prado, Marco Aurélio Máximo (2017). Ações coletivas e comportamento político: produção científica da psicologia social brasileira (1986-2011). Athenea Digital, 17(1), 205-230. http://dx.doi.org/10.5565/rev/athenea.1785 Introdução O estudo das ações coletivas e do comportamento político tem sido um campo de de- bate na psicologia social e na psicologia política desde as análises sobre massas e mul- tidões construídas no final do século XIX (Prado, 2001). Na psicologia social brasileira, a crise da psicologia social, nas décadas de 1970 e 1980, contribuiu para o enfoque nes- ta temática de investigação em razão da preocupação com a análise de processos de 205 Ações coletivas e comportamento político: produção científica desigualdade presentes no país, no intuito de se construir uma sociedade mais demo- crática (Camino, 1996; Lane & Codo, 1987; Sandoval, 2002). Neste texto temos como objetivo discutir um recorte de artigos analisados em uma pesquisa anterior (Costa, 2014) que teve como objetivo analisar a dimensão do po- lítico em parte da produção da psicologia social brasileira sobre temas políticos, publi- cada em periódicos científicos, entre os anos de 1986 e 2011. O recorte a ser debatido refere-se a artigos empíricos incluídos em uma das categorias temáticas construídas na pesquisa, a categoria temática Ações coletivas e comportamento político. Os artigos que compõem esta categoria temática analisam, a partir de perspectivas teóricas distintas, aspectos psicopolíticos que caracterizam historicamente o campo da psicologia social crítica produzida no Brasil como participação política, estratégia política, posiciona- mento político de indivíduos e/ou grupos sobre temas políticos. A relevância de refletirmos sobre a dimensão do político nas produções científicas sobre ações coletivas e comportamento político remete-se a estas produções orienta- rem-se para a análise de como determinados grupos constroem lutas políticas e/ou têm se localizado nos processos de democratização da sociedade, acarretando a discus- são sobre a constituição dos sujeitos políticos e sobre a construção da democracia. Cabe-nos enfatizar que o objetivo neste texto não é propriamente a análise das con- cepções dos autores sobre ação coletiva e comportamento político, e sim discutir nos artigos localizados na categoria temática Ações coletivas e comportamento político aqui- lo que foi o problema da pesquisa: como os autores, nos artigos, compreendem a cons- tituição do sujeito político (politização das relações sociais) e a construção de uma so- ciedade democrática (utopia de sociedade)? Nosso intuito foi debater as implicações da primeira compreensão na segunda. A pesquisa realizada justificou-se por duas razões principais: a) pela preocupação em circunscrevermos a análise do político na atualidade, a fim de contribuirmos para a reflexão sobre o político na psicologia social brasileira. Para isso nos posicionamos no interior do campo de estudo sobre o político, par- tindo de uma concepção específica para debater a produção científica, a saber, o conceito de político proposto pela Teoria Democrática Radical e Plural, desenvol- vida por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (1985/2015) desde meados da década de 1980. Assim procedemos em razão de considerarmos que analisar o político requer deixar visível como o entendemos, explicitar seu elemento definidor, suas condições de possibilidade e implicações no interior do debate sobre a especifica- ção do político na modernidade. Debate este caracterizado por maneiras distin- tas, até mesmo antagônicas, de conceber o político, o que tem consequências no 206 Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado modo como se compreende a constituição dos sujeitos políticos e a construção da democracia. A perspectiva da qual partimos localiza-se em um campo antagô- nico a outras que enfocam a racionalidade dos agentes e/ou o alcance do consen- so na análise da dinâmica política (Mouffe, 2009), isto é, na análise das sedimen- tações, deslocamentos e subversões das relações sociais. Ao contrário, converge com perspectivas não essencialistas que enfatizam a inerradicabilidade do confli- to (Laclau, 2005a). Assim como na pesquisa, o debate realizado neste texto foi orientado a partir da concepção do político proposta pela teoria democrática ra- dical e plural. b) pelo questionamento de conceitos caros à análise da dinâmica política pela psi- cologia social crítica brasileira construída após a emergência da crise da psicolo- gia social, como os conceitos de consciência e identidade, em razão de entender- mos, por um lado, que foram importantes para a construção de um debate crítico na psicologia social brasileira, mas, por outro lado, que acarretam em limitações para a compreensão da constituição dos sujeitos políticos e da construção da de- mocracia. Este questionamento decorreu de pesquisas que temos realizado há al- guns anos nos campos da psicologia social crítica e da psicologia política sobre processos de desigualdade social e sobre a construção de lutas políticas, bem como de nossa participação em encontros acadêmicos como os realizados pela Associação Brasileira de Psicologia Social e pela Associação Brasileirade Psico- logia Política. Devemos ressaltar que não tivemos a pretensão de rejeitar ou desconsiderar pers- pectivas teóricas distintas daquela a partir da qual nos orientamos para conceber e analisar o político. Nosso intuito é contribuir com o campo da psicologia social crítica brasileira após mais de 30 anos da emergência da crise da psicologia social. Esta proposta coaduna-se com a compreensão desta “crise” não como limitada a um momento histórico único e ao estabelecimento de uma única perspectiva teórica, mas como a constituição de um imaginário social crítico, caracterizado pela ênfase na dimensão política da produção do conhecimento. Trata-se, assim, de entender a “críti- ca”, a qual a “crise” se vincula, como uma necessidade constante de problematização do que foi e do que tem sido produzido na psicologia social (Iñiguez-Rueda, 2003; Monte- ro, 2010). 207 Ações coletivas e comportamento político: produção científica Metodologia Os artigos debatidos neste texto, como apontado acima, são um recorte daqueles anali- sados em uma pesquisa anterior. A seleção dos artigos para esta pesquisa foi feita a partir dos seguintes critérios: a) Critério fontes: mapeamos pesquisadores nos Grupos de Pesquisa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico / Brasil), Gru- pos de Trabalho da ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia / Brasil) e na Revista Psicologia & Sociedade a partir da presença de termos-chave referentes à dinâmica política1 no nome do Grupo ou no título dos artigos (no caso da Revista). A escolha destas fontes decorreu da busca por pesquisadores que têm contribuí- do com o debate sobre temas políticos e que se encontram vinculados a grupos de pesquisa junto a agências de fomento (CNPq) e à Pós-Graduação (ANPEPP) no Brasil. O foco na Revista Psicologia & Sociedade foi devido este periódico ci- entífico ser o principal veículo de divulgação científica da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) e ser publicado desde 1986. A ABRAPSO apre- senta uma importante especificidade na história da psicologia social crítica no Brasil: ter sido fundada, em 1980, como resposta à crise da psicologia social, ar- ticulando desde esta época diversos pesquisadores que têm focalizado a mudan- ça social como uma preocupação central à produção científica, o que tem como implicação a discussão sobre a constituição de sujeitos políticos e sobre a cons- trução da democracia. b) Critério pesquisador: acessamos o currículo Lattes de cada pesquisador e seleci- onamos apenas aqueles que informavam possuir título de mestre e/ou de doutor e vinculação com a psicologia social no campo Área de Atuação do currículo; c) Critério artigos: buscamos no currículo Lattes de cada pesquisador selecionado artigos que apresentassem termos-chave referentes à dinâmica política no títu- lo; d) Critério periódico científico: mantivemos apenas artigos presentes em periódi- cos que apresentassem pelo menos dois artigos selecionados; e) Critério quantidade de artigos por pesquisador: para os pesquisadores que pos- suíam mais de um artigo, consideramos (a partir do número de citação de cada artigo nas referências bibliográficas de todos os artigos selecionados no critério 1 Ver abaixo detalhamento sobre os termos-chave. Para melhor caracterização da metodologia da pesquisa ver Cos- ta (2014). 208 Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado “d” e do uso do software Publish or Perish) um ou dois artigos por cada período temporal delimitado na pesquisa:1986-1995, 1996-2005, 2006-2011. A única exce- ção foi considerarmos mais de dois artigos para autores cujo a saída de artigos acarretasse na exclusão de outro pesquisador escolhido na pesquisa. Os termos-chave utilizados tanto no critério “a” quanto no critério “c” foram orga- nizados a partir de um levantamento dos títulos e palavras-chave nos artigos publica- dos em todos os números da Revista Psicologia & Sociedade entre 1986 e 2011. Selecio- namos aqueles termos que se remetiam diretamente à dinâmica política (sedimentação, deslocamentos e subversões de relações sociais). Posteriormente, os hierarquizamos da seguinte maneira: a) Categoria 1: termos considerados centrais à pesquisa: político, política. b) Categoria 2: termos derivados dos termos-chave da categoria 1. Exemplo: parti- cipação política, comportamento político, consciência política. c) Categoria 3: termos que se remetem diretamente à dinâmica política e que não foram considerados nas categorias 1 e 2. Consideramos também termos deriva- dos ou semelhantes aos selecionados para a categoria 3. Exemplo: poder (empo- deramento), movimentos sociais (ação coletiva), comunidade (comunitário). Em relação aos grupos do CNPq, acessamos o Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq (censos e base corrente) e selecionamos aqueles grupos que apresentavam no nome do grupo, no título da linha de pesquisa e/ou nas palavras-chave da linha de pes- quisa um dos termos-chave da categoria 1 e que possuíssem no título um dos termos- chave das categorias 1, 2 ou 3 ou que apresentassem neste a expressão “psicologia so- cial”. Para os grupos da ANPEPP, acessamos o site da ANPEPP e buscamos os grupos presentes em cada um dos Simpósios realizados. Selecionamos aqueles grupos que apresentavam no nome do grupo ao menos um dos termos-chave das categorias 1, 2 ou 3. Quanto à seleção dos artigos, selecionamos aqueles que apresentavam no título ao menos um dos termos-chave das categorias 1 ou 2 e ao menos um dos termos-chave das categorias 1, 2 ou 3 nas palavras-chave. Uma exceção refere-se a artigos publicados entre os anos 1986 e 1995: diante da escassez de artigos selecionados neste período a partir do critério anterior, decidimos por considerar também artigos com termos-chave da categoria 3 no título e não considerar o critério palavras-chaves nos resumos para 209 Ações coletivas e comportamento político: produção científica aqueles publicados na revista Psicologia & Sociedade, pois as publicações desta revista neste período não apresentavam resumo. Ao final da aplicação destes critérios foram selecionados 78 pesquisadores e 90 ar- tigos, publicados em 24 periódicos científicos, não existindo um critério de proporcio- nalidade de número de artigos por período temporal (32 artigos entre 1986-1995; 22 entre 1996-2005; 36 entre 2006-2011). Em razão do não acesso a seis destes artigos e também de 12 deles não permitirem uma análise específica e mais aprofundada sobre a dinâmica política, analisamos na pesquisa 72 artigos. A discussão aqui proposta focaliza 17 destes 72 artigos, os quais foram incluídos na categoria temática Ações coletivas e comportamento político, que comporta pesquisas empíricas sobre estes fenômenos. Assim, ainda que utilizemos artigos que abordam conceitualmente a discussão sobre ações coletivas e comportamento político, nosso objeto nesse texto são estes 17 relativos a pesquisas empíricas. Estes artigos foram pu- blicados em oito periódicos científicos, principalmente, entre 2006-2011 (12 artigos), existindo outros três no período entre 1996 e 2005 e outros dois no período entre 1986- 1995. Cada um dos artigos selecionados na pesquisa foi lido em sua totalidade e, a partir do foco no modo como os autores/as abordavam a constituição do sujeito político (po- litização das relações sociais) e em noções centrais à teoria democrática radical e plu- ral (sobretudo, a noção de antagonismo), foram construídas quatro vertentes analíticas: fundamento último da realidade; sujeito racional; sujeito ético-político; antagonismo. Centramo-nos em aspectos que se encontravam explícitos nos artigos e que nos permi- tiam desenvolver o debate sobre a dimensão do político. Nosso objetivo não foi rejeitar ou desconsiderar concepções sobre o político pre- sentes nos artigos, e sim, a partir de uma concepção de político específica, construir análises que contribuam para a compreensão de perspectivas distintas na produção da psicologia socialsobre a constituição do sujeito político e suas implicações para a construção da democracia. Na Tabela 1 trazemos uma breve identificação dos artigos analisados. Todos os artigos distanciam-se da concepção de um sujeito abstrato e a-histórico e também afirmam um posicionamento político em direção à mudança social. Nestes as- pectos, ainda que de modos distintos, encontram-se vinculados à crítica realizada pela psicologia social brasileira na emergência de sua crise nas décadas de 1970-1980. 210 Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado Artigo Tema Vertente analítica Periódico Adrião e Toneli (2008) Sujeito do feminismo e as políticas da identida- de no movimento feminista Antagonismo Psicologia & Sociedade Azeredo (1988) Sexismo e racismo na relação entre patroas e empregadas Sujeito racional Psicologia & Sociedade Barboza (2000) Exclusão/inclusão de catadores de material reci- clável Sujeito ético- político Psicologia & Sociedade Cardia (1989) Lideranças intermediárias em movimentos soci- ais Sujeito racional Psicologia & Sociedade Castro-Silva, Hewitt e Cavichioli (2007) Participação política em ONG/Aids Sujeito racional Psicologia & Sociedade Costa, Machado e Prado (2008) Participação política no movimento social LGBT Antagonismo Interamerican Journal of Psychology. Fernandes, Costa, Camino e Mendoza (2006) Valores e participação política de estudantes Sujeito racional Psicologia Política Gomes e Maheirie (2011) Participação política no Movimento Passe Livre Antagonismo Psicologia Política Gonçalves (2009) Participação política de mulheres Sujeito racional Pesquisas e práticas psicossociais Leite e Aragão (2010) Construção do sujeito ético-político em um fó- rum popular Sujeito ético- político Fractal: Revista de Psicologia Mayorga, Maga- lhães, Patrício, Cruz e Alves (2008) Participação política no Coletivo Hip Hop Cha- ma Antagonismo Pesquisas e práticas psicossociais Mendoza e Camino (2000) Participação política de estudantes e configura- ção do espaço político Fundamento último da realidade Psicología Política (Espanha) Menezes e Castro (2006) Formas de subjetivação e dificuldades na convi- vência entre jovens Antagonismo Psicologia Política Nunes e Camino (2011) Atitude político-ideológica e inserção social de estudantes Sujeito racional Psicologia & Sociedade Pereira e Camino (2003) Representações sociais e posicionamento políti- co de estudantes Sujeito racional Psicologia: Reflexão e Crítica Rodrigues e Prado (2010) Constituição do Movimento de Mulheres Negras Antagonismo Psicologia & Sociedade Silva (2007) Processo de conscientização política em traba- lhadores e trabalhadoras rurais Sujeito racional Estudos e Pesquisas em Psicologia Tabela 1. Artigos analisados por temática abordada, vertente analítica e periódico científico 211 Ações coletivas e comportamento político: produção científica A politização das relações sociais e a construção da democracia: teoria democrática radical e plural Uma estratégia para se configurar como política, segundo Ernesto Laclau (2005b), ne- cessita envolver uma síntese “indissociável” de três momentos: Um momento da articulação – a instituição do social; um momento da con- tingência, na medida em que aquela instituição é uma alternativa entre aque- las que são possíveis em um dado contexto; um momento do antagonismo – a instituição será somente possível através de uma vitória hegemônica sobre vontades conflitantes. (p. 69, tradução nossa) O momento da contingência é possível na medida em que se concebe que não há um fundamento último da realidade, sendo qualquer objetividade social instituída a partir do “momento da articulação”. Isto é, da articulação entre demandas políticas em torno de um imaginário social que, ao mesmo tempo, que visa preencher a plenitude vazia do social (inexistência de um fundamento último), implica, necessariamente, a exclusão de alternativas antagônicas, delimitando fronteiras políticas e, portanto, rela- ções de poder que tornam impossível o ideal de uma sociedade reconciliada. A dinâmi- ca política caracteriza-se, assim, pela luta entre projetos hegemônicos de sociedade, que visam transformar uma concepção particular em universal, invisibilizando sua contingencialidade. Hegemonia é um tipo de relação política caracterizada por essa convergência entre objetividade e poder. Sujeito e sociedade são concebidos pela teoria democrática radical e plural em uma perspectiva ontológica não essencialista, definidos como vazios, pois não determi- nados por qualquer fundamento último da realidade, e também como precários, no sentido da impossibilidade de qualquer totalidade plena. A constituição do sujeito é compreendida a partir da identificação com discursos que delimitam a organização e as práticas de uma comunidade política num determinado contexto histórico, e a cons- tituição da sociedade, a partir de sedimentações, deslocamentos e subversões das rela- ções sociais pelos sujeitos. Trata-se, desse modo, de uma perspectiva psicossocial pós- fundacionalista que visa debater possibilidades de enfrentamento a relações de domi- nação. A teoria compreende a constituição dos sujeitos políticos a partir da noção de an- tagonismo, entendendo-os como construídos não como “positividades” e sim como “negatividades”. Isto é, não são identidades constituídas através do compartilhamento de atributos pelos indivíduos e que se politizam, posteriormente, a partir da mediação da racionalidade, numa relação de oposição (teorias da identidade social e da identida- de coletiva). São sujeitos que se constituem no próprio momento do conflito, a partir 212 Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado de um processo de subversão por um “nós” de práticas discursivas hegemônicas repro- duzidas por um “eles” e, ao mesmo tempo, da afirmação pelo “nós” de uma alternativa de sociedade, delimitando uma fronteira política na disputa pela instituição da socieda- de. A subversão significa a re-literalização do discurso hegemônico em sua particulari- dade, a partir da identificação do “nós” a um discurso que articula os princípios demo- cráticos da liberdade e da igualdade de maneira irreconciliável ao discurso hegemônico e que busca ocupar (tarefa sempre impossível) a plenitude vazia do social. A identifica- ção com um discurso que subverte ontologicamente o campo de representação he- gemônico é a única possibilidade de existência do sujeito político. Portanto, consensos na democracia moderna são concebidos como fixações parci- ais hegemônicas na disputa por modos de significação da realidade, pelo próprio fun- damento sob o qual se constitui a ordem social. Assim, considera-se que os limites para se alcançar um consenso sem exclusão, defendido por teóricos deliberativos como Jurgüen Habermas, não são limites empíricos ou epistemológicos, capazes de serem solucionados pela racionalidade. Trata-se de limites ontológicos que decorrem da divi- são relativa à disputa entre imaginários sociais antagônicos, que articulam diferentes formas de vida que não podem ser isoladas do debate público porque são intrínsecas a qualquer comunicação ou deliberação (Mouffe, 2009). A dimensão do político, portanto, está para além do racionalismo liberal, no senti- do em que indica “os limites de qualquer consenso racional e mostra que qualquer consenso se baseia em actos de exclusão” (Mouffe, 1993/1996, p. 165). Assim, a crença liberal de que o interesse geral decorre da livre discussão de interesses privados, sendo possível alcançar, desta forma, um consenso racional universal, torna o liberalismo cego ao fenômeno político. Vertentes analíticas das ações coletivas e do comportamento político Fundamento último da realidade De maneira geral, nesta vertente analítica, os autores dos artigos selecionados na pes- quisa compreendem as relações de produção como um fundamento último da realida- de na análise da dinâmica política. Assim, ainda que afirmem a construção histórico- socialdos sujeitos e defendam uma expansão do proletariado como sujeito histórico em direção às forças populares, apontam para uma determinação, em última instância, da economia, sendo a constituição dos sujeitos políticos entendida em torno de duas estruturas hegemônicas afirmadas a priori – burguesia e forças populares. A luta polí- 213 Ações coletivas e comportamento político: produção científica tica é concebida em torno da noção de contradição, de maneira que a negação é enten- dida como um momento interno e necessário ao próprio sistema, diferente da noção de antagonismo, na qual a subversão é compreendida nos termos da radicalidade da con- tingência. Entre os 17 artigos analisados na categoria Ações coletivas e comportamento políti- co, apenas um artigo localiza-se nesta vertente analítica: Roberto Mendoza e Leoncio Camino (2000). Estes autores discutem a participação política de estudantes e a confi- guração do espaço político a partir da perspectiva teórica materialista-histórica-dialé- tica, a qual teve e ainda tem papel importante na produção científica da psicologia so- cial crítica no Brasil que emergiu a partir da crise da psicologia social. O artigo de Mendoza e Camino (2000) localiza-se nesta vertente analítica na medi- da em que nele a esfera econômica é considerada como aquela que “sustenta todo o edifício social, [e] determina em última instância as formas de organização da socieda- de política, das pautas ideológicas-culturais e conforma as próprias identidades dos grupos e das classes sociais (Bottomore, 1992; Bobbio, 1986)” (p. 10, tradução nossa). Para os autores, a sociedade é compreendida como uma “totalidade social contra- ditória” e a política é definida como “o processo através do qual as classes que têm inte- resses contrapostos lutam por obter, reter ou influir no poder do Estado” (Mendoza & Camino, p. 10, tradução nossa, grifo nosso). Entendemos que a determinação da economia e a concepção dos sujeitos políticos como classes sociais dificulta compreendermos a pluralidade de sujeitos políticos e de demandas politicas presentes nas sociedades ocidentais modernas. Estas concepções acarretam na redução do sujeito político a uma necessidade histórica, pois a sua cons- tituição e a dinâmica política são determinadas em última instância pela economia. Tornam possível, assim, reproduzir dicotomias como entre lutas principal e secundá- ria, entre “velhos” e “novos” movimentos sociais, criticadas por diferentes autores (Al- varez, Dagnino & Escobar, 2000; Butler, 2000; Fraser, 1997) em razão de promoverem reducionismos na análise das ações coletivas contemporâneas. Ao recorremos à compreensão do político que orientou a análise da pesquisa, cabe-nos ressaltar a importância do momento da contingência, proposto por Laclau (2005b), para a compreensão da estratégia política na atualidade, pois é o que nos per- mite falar em práticas articulatórias, sob as quais se constituem a pluralidade de sujei- tos políticos e a luta democrática. Ao reconhecermos a inexistência de um fundamento último da realidade (como o reducionismo econômico) e a pluralidade de sujeitos políticos como características da 214 Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado democracia moderna, faz-se possível conceber o espaço político como descentrado, permitindo estender a luta democrática para todas aquelas áreas em que exista relação de dominação (Laclau & Mouffe, 1985/2015). A luta política é, assim, uma luta entre projetos hegemônicos de sociedade que se constituem não a partir da contradição en- tre duas classes sociais fundamentais, mas de identificações discursivas com imaginári- os sociais antagônicos no interior das possibilidades e condições históricas específicas. Portanto, ao rompermos com concepções essencialistas de sujeito e de sociedade, tanto a luta de classes quanto lutas referentes a outras relações de dominação são en- tendidas como construídas a partir da expansão do imaginário igualitário da revolução democrática para diferentes relações sociais, politizando-as como formas de opressão (Laclau & Mouffe, 1985/2015). Neste quadro teórico não essencialista, não há garantias que determinadas sub- versões ou deslocamentos na objetividade social produzirão sociedades mais democrá- ticas, assim como nenhum sujeito poderá se afirmar, a priori, promotor da emancipa- ção social. As características ideológicas dos sujeitos políticos e, assim, das ações cole- tivas não são determinadas do começo, e sim dependentes do momento da articulação (Laclau, 2005b). Sujeito racional De modo geral, nesta vertente analítica os autores compreendem a constituição do su- jeito político a partir das noções de identidade e de consciência e não abordam, ao me- nos explicitamente, a ideia de um fundamento último da realidade, distinguindo-se da vertente analítica anterior. Têm por foco o processo do indivíduo tornar-se consciente das relações de subordinação (perceber as injustiças sociais), opondo seus interesses pessoais e grupais aos interesses de um outro grupo, sendo ressaltada a reflexividade e/ou a intencionalidade dos indivíduos. A luta política pode ser entendida em torno de uma oposição entre identidades constituídas “positivamente” e não a partir do momen- to do antagonismo. Oito dos 17 artigos analisados neste texto (aproximadamente, a metade dos arti- gos) foram localizados nesta vertente analítica: Sandra Azeredo (1988), Nancy Cardia (1989), Cícero Pereira e Leoncio Camino (2003), Sheyla Christiane Santos Fernandes, Joseli Bastos da Costa, Leoncio Camino e Roberto Mendoza (2006), Alessandro Soares da Silva (2007), Carlos Roberto de Castro-Silva, W. E. (Ted) Hewitt e Silvana Cavichioli (2007), Betânia Diniz Gonçalves (2009), Aline Vieira de Lima Nunes e Leoncio Camino (2011). 215 Ações coletivas e comportamento político: produção científica Silva (2007) e Gonçalves (2009), nas análises que realizam sobre conscientização política e participação política, recorrem, sobretudo, à concepção de Salvador Sandoval sobre consciência política e participação política. Observa-se uma relação triádica en- tre socialização, participação e consciência no debate dos autores. De acordo com Gon- çalves (2009), Conceitos consciência política e participação política se articulam e efetiva- mente se interligam. A qualidade e o tipo de consciência política, consideran- do o processo de socialização política do sujeito, mantêm uma relação de in- terdependência. Além disso, não se pode desconsiderar o contexto no qual os sujeitos se inserem, ou seja, o contexto histórico-político-cultural-social in- fluencia na construção da sua consciência e na participação política. (p. 200, grifo no original) De acordo com Silva (2007), “uma questão importante no processo de construção da consciência política é a re-socialização contínua, construída durante as práticas da vida, as quais são dadas cotidianamente e surgem segundo as oportunidades psicopolí- ticas ao dispor de cada sujeito” (p. 116). Tanto Silva (2007) quanto Gonçalves (2009) abordam que a concepção de consci- ência política proposta por Sandoval foi influenciada pela concepção de consciência operária de Alain Touraine, que apresenta como princípios: a concepção do indivíduo sobre a dinâmica social (relações de poder); o reconhecimento do indivíduo sobre sua classe e a diferença desta em relação a classes que ele não pertence; a percepção e atri- buição de sentido pelo indivíduo aos conflitos de interesse entre sua classe e a classe dominante. A esta concepção, segundo os autores, Sandoval acrescentou outro aspec- to: a predisposição para intervenção. Segundo Gonçalves (2009), Sandoval ressalta, as- sim, que a consciência está diretamente ligada à busca pelo auto-interesse e pelo inte- resse de sua classe. Nesse sentido, cabe-nos considerar que Salvador Sandoval (1989) propõe que a passagem dos interesses individuais para os interesses coletivos “se dá na interseção entre os fatores estruturais, as relações sociais interativas, as visões de mundo comseus pré-conceitos de fundo cultural e as reflexões conscientes de custos e benefícios de participar” (p. 68, grifo nosso). Assim, podemos considerar que a consciência política, que se refere à constituição do sujeito político, na proposta de Sandoval é mediada pela racionalidade instrumental (custos/benefícios) e pela disputa de interesses entre grupos sociais. Ademais, como apontam Silva (2007) e Gonçalves (2009), a consciência política nesta proposta é conce- bida em torno de níveis de complexidade da consciência, que vão desde a “consciência 216 Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado do senso comum” até a “consciência revolucionária”, indicando mais uma vez para o papel da racionalidade na compreensão da dinâmica política. Importante ainda salientar que o modelo de consciência política de Sandoval, se- gundo Silva (2007), foi também influenciado pela teoria da identidade social de Tajfel no que se refere ao aspecto da identificação do adversário na construção da luta políti- ca. Outros artigos dessa vertente analítica baseiam-se na teoria da identidade social, considerando normas, valores e significados na análise das concepções dos indivíduos e dos sujeitos coletivos. Deve-se lembrar que a teoria da identidade social apresenta uma ênfase na racionalidade e na intencionalidade dos indivíduos: as matrizes do ex- perimento de Tajfel utilizadas para estudar “grupo mínimo”, que subsidiaram a cons- trução da teoria, foram inspiradas na teoria dos jogos (Torres & Camino, 2011). Nancy Cardia (1989) ao apresentar a perspectiva teórica que orienta sua pesquisa sobre lideranças intermediárias em movimentos sociais aborda a teoria da identidade social de Tajfel ao compreender que o estilo de uma liderança democrática “estaria as- sociado a um clima social que permitisse a reconceitualização de uma identidade social negativa e o desenvolvimento de uma filiação psicológica ao grupo (Tajfel, 1981, Me- lucci, 1977 e Milbrath & Goel, 1977)” (p. 74). Ademais, ao caracterizar o ativista político concebe que, Teriam: consciência política apresentando sensação de privação relativa e fraterna (Gurr, 1970, Kinder & Sears, 1985) e atribuiriam a responsabilidade por suas condições de vida ao sistema mais amplo (Gurin & Epps, 1975). Es- tes ativistas apresentariam ainda eficácia política individual (Almond & Ver- ba, 1963) e grupal (Kinder & Sears, 1985). (p. 75) Cícero Pereira e Leoncio Camino (2003), Sheyla Fernandes et al. (2006), Aline Nu- nes e Leoncio Camino (2011), os quais realizam pesquisas referentes ao comportamen- to político de estudantes, também recorrem à teoria da identidade social de Tajfel, arti- culando-a com a teoria das representações sociais e com a teoria das minorias ativas, de Moscovici. Pereira e Camino (2003) compreendem que a emergência dos conflitos sociais apresenta como fatores decisivos a percepção de injustiça social e de eficiência políti- ca. Tais conflitos são desencadeados diante de um conflito cognitivo gerado pela situa- ção de desacordo de um indivíduo em relação àqueles que compartilham o mesmo gru- po de pertença. Para os autores, a teoria da identidade social oferece “as bases para a compreensão da formação simbólica dos grupos sociais” (p. 449). Fernandes et al. (2006) e Nunes e Camino (2011) compreendem a dinâmica política a partir de posicionamentos ideológicos distintos entre indivíduos que se constituem 217 Ações coletivas e comportamento político: produção científica em torno de pertenças grupais (identidade social), disputando a visão-de-mundo a ser sedimentada na sociedade. Compreensão que se, por um lado, denota similitude com a noção de hegemonia, por outro lado, ao basear-se na noção de identidade social, con- cebe o sujeito político a partir da politização de “identidades positivas”, afastando-se, assim, do momento do antagonismo (Laclau, 2005b). Nesses seis artigos abordados, nos quais é comum a influência da teoria da identi- dade social, a racionalidade e a intencionalidade dos indivíduos são os mediadores do processo de politização das relações sociais. O que aponta mais para a compreensão do campo político como um campo de representação de interesses entre identidades pre- viamente constituídas do que como entendido em termos antagônicos. Isso implica o risco de se reduzir o campo do político à gestão da positividade social, isto é, ao con- teúdo ôntico da contagem das partes que constituem a comunidade política, afastando- se da compreensão do político como fundado na disputa pelo princípio ontológico da comunidade política (Laclau, 2005a). Deste modo, a luta democrática se limitaria ao que é passível de ser negociado no interior do discurso hegemônico, gerando lógicas políticas que ressaltam a particulari- dade das demandas democráticas e não o seu caráter equivalencial, que permite a arti- culação de diferentes demandas antagônicas à hegemonia na construção de alternati- vas contra-hegemônicas. O sujeito político seria concebido naqueles artigos a partir de uma relação de oposição ao discurso dominante e não pela identificação com discursos antagônicos. Os artigos de Sandra Azeredo (1988) e de Carlos Castro-Silva et al. (2007), o pri- meiro sobre a inter-relação entre a ideologia sexista e a ideologia racista na relação en- tre patroas e empregadas e o segundo sobre participação política, também se pautam na compreensão de um sujeito racional, sendo a politização das relações sociais enten- dida a partir do desenvolvimento de uma consciência política. Em Castro-Silva et al. (2007) a consciência política pode ser entendida como aqui- sição de informações sobre direitos - “fortalecimento psicossocial de sujeitos de direi- tos” (p. 81). O campo político é compreendido como um campo de representação de in- teresses entre identidades previamente constituídas e não há questionamento dos au- tores quanto à expectativa dos indivíduos por uma sociedade reconciliada - “uma co- munidade mais cidadã, fraterna e saudável” (p. 85). A discussão se aproxima mais da ideia do consenso nos termos da teoria deliberativa do que do consenso como uma fi- xação parcial hegemônica. Quanto ao artigo de Azeredo (1988), dois aspectos a salientar são as críticas à ho- mogeneização e à essencialidade da categoria “mulher” e também à leitura economicis- 218 Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado ta presente nos estudos no Brasil, na época, sobre a relação entre patroas e emprega- das. Contudo, como nos outros artigos, se, por um lado, a sedimentação do social é concebida em torno de uma naturalização de relações de dominação, sendo possível afirmarmos uma relação entre objetividade e poder; por outro lado, a compreensão da politização das relações sociais a partir do processo de identidades prévias que se poli- tizam (consciência política) acarreta no risco de limitarmos o campo do político à ges- tão da positividade social. Sujeito ético-político De modo geral, nesta vertente analítica, o sujeito político é concebido como um sujeito ético-político, sem que fique explícito o elemento mediador de sua constituição, e a de- mocracia é entendida como um projeto ético, baseado na oposição entre a alteridade e a hostilidade/violência nos vínculos entre os indivíduos. Estas concepções fundamen- tam-se na compreensão que o enfrentamento a relações de dominação requer uma jun- ção entre ética e política, o que implica compreender o campo político como um cam- po da multiplicidade (negação de toda transcendência) ou como produtor de uma soci- edade reconciliada, sendo o conflito concebido apenas como temporário e não como a própria condição de constituição dos sujeitos políticos e da democracia. Dos 17 artigos discutidos neste texto, dois localizam-se nesta vertente analítica: Daiani Barboza (2000), Lidiane Leite e Elizabeth Maria Andrade Aragão (2010). Leite e Aragão (2010) propõem-se a discutir “a idéia de cidadania atrelada à pers- pectiva ética de conformação do sujeito político” (p. 545) e afirmam recorrer, principal- mente, àsnoções de poder e de ética em Michael Foucault. Afirmam que a articulação entre política e ética se constitui a partir da construção das análises sobre o poder no campo da governamentalidade e, portanto, do poder como conjunto de relações rever- síveis, como estratégias e relações de forças que produzem subjetividades. Nesse quadro analítico, a constituição do sujeito político significa a constituição do indivíduo como sujeito da ação na “trama geral das governamentalidades”, sendo o cuidado de si a estratégia de governamentalidade que produz sujeitos “de forma autô- noma, livre das relações de dominação e sujeição” (Leite & Aragão, 2010, p. 549). A li - berdade é considerada a condição ontológica da ética, buscando o sujeito ético-político criar novos modos de existir, de afirmar práticas de liberdade. A ética do cuidado de si é concebida como: Um exercício, um cuidado consigo mesmo, com o outro e com o mundo que, no terreno da luta política, traduz-se em movimentos de problematização quanto à prática de direitos universalizantes e transcendentais, quanto às di- 219 Ações coletivas e comportamento político: produção científica versificadas formas de assujeitamento, dominação e controle produzidas pe- las tecnologias de governo, às formas de anulação da política, à limitação aos impulsos participativos e democráticos e, também, quanto à limitação das re- lações de liberdade. (Leite & Aragão, 2010, p. 550). Cabe-nos ressaltar no artigo destas autoras que a dinâmica política é caracterizada pela contingencialidade, indicada a partir da compreensão da possibilidade de modos alternativos de existência. Entretanto, a concepção da liberdade como condição ontoló- gica da ética e a concepção da utopia democrática pautada na junção entre ética e polí- tica acarretam em conceber que o que se impõe à liberdade é avesso à política. O que significa Imaginar que existe um ponto onde ética e política pudessem perfeitamente coincidir, e isto é precisamente o que eu estou negando, pelo fato de que isso significa apagar a violência que é inerente à sociabilidade, violência que ne- nhum contrato ou diálogo pode eliminar, por constituir uma de suas dimen- sões. (Mouffe, 2009, pp. 134-135, tradução nossa). Desse modo, poderíamos conceber o campo político em Leite e Aragão (2010) como um campo que se afasta da divisão, apontando para um campo da multiplicida- de, no qual se verifica “uma perseguição sem fim do reconhecimento do Outro” (Mouffe, 2009, p. 129, tradução nossa). Assim, trata-se de um pluralismo que rechaça qualquer possibilidade de transcendência, de representação, mesmo a afirmação de uma comunidade política como uma objetivação social hegemônica (momento da arti- culação) e, portanto, inerentemente precária. Trata-se, assim, de uma proposta que pa- rece se fundamentar numa imanência radical e, dessa forma, num enfoque ontológico que impede pensar o momento do antagonismo. Esta negação dos momentos da articulação e do antagonismo implica o questiona- mento sobre qual seria o elemento mediador na produção da “problematização, inquie- tação, desestabilização e ação” característico do cuidado de si. Diante da junção entre ética e política não é possível pressupor a identificação com um imaginário social an- tagônico às práticas reprodutoras de relações de dominação como mediação. A política seria possível apenas numa completa oposição ao instituído e no rechaço a uma nova rearticulação do social. Leite e Aragão (2010) afirmam que o cuidado de si permite a organização e a pro- dução da consciência, o que poderia indicar a vinculação do elemento mediador a um processo de racionalização. Entretanto, diante da aproximação com uma ontologia imanente pode-se melhor apontar para uma essencialidade do sujeito político, como se fosse natural aos oprimidos rebelarem-se contra a dominação. Essa essencialidade 220 Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado também é possível de ser considerada no artigo de Barboza (2000) a partir da noção de “potência de ação”. Barboza (2000) discute a constituição do sujeito excluído, buscando entender como práticas cooperativas podem contribuir para superação do sofrimento acarretado pelas condições de exclusão. Remetendo-se a Bader Sawaia, entende que na sociedade contemporânea, em decorrência de aspectos como o individualismo, o consumismo, o dogmatismo, é necessário vincular ética e política. Para tanto, visa “a construção de uma práxis em nossa realidade social mais humanizadora, plural e cidadã, com vistas à construção de sujeitos abertos à alteridade e à emancipação” (p. 64, nota de rodapé 2). A politização das relações sociais é concebida por Barboza (2000) a partir do con- ceito utilizado por Sawaia, influenciada pelas ideias de Espinoza, de “potência de ação”. Segundo Barboza (2000), o “despertar da potência de ação” nos sujeitos fomenta “a ci- dadania, a democracia e a esperança, facilitando-lhes a criação de vínculos que possam contribuir com a construção de um processo de qualificação pessoal e social, fortale- cendo-lhes a integração comunitária” (p. 61). Assim, a alternativa para as relações de subordinação é o fomento à “formação de referenciais de solidariedade, de cooperação e do sentido de comunidade” (p. 60), en- tendendo “comunidade como referencial na luta contra o sofrimento e na busca pela ‘felicidade ética e política’ (Sawaia, 1999)” (Barboza, 2000, p. 60). Essa noção de cons- trução de uma sociedade democrática está atrelada à concepção de cidadania entendi- da como sentir-se igual aos outros, bem como à compreensão de que, a partir da inte- gração comunitária, as identidades se tornam “crioulas”, perdem o sentido de si e do outro, de modo a disporem-se de si para si e para o outro. A afirmação de que as identidades se tornam crioulas, por um lado, indica para o caráter relacional das identidades, por outro lado, na forma como se concebe a demo- cratização das relações sociais, ressalta-se a abertura para a alteridade e fica invisibili- zado o “momento do antagonismo”, indicando para a possibilidade do alcance de uma junção entre ética e política. A noção de comunidade, nesse sentido, é apresentada na utopia do fim da divisão, como se fosse possível alcançarmos uma sociedade reconcili- ada completamente oposta àquela caracterizada por relações de dominação. O que aponta para a crítica de Prado (2002) referente à negação do antagonismo como um processo político na concepção comunitarista presente na psicologia comunitária la- tino-americana: “o antagonismo é somente funcional e termporariamente admitido até que se possa construir um conjunto normativo de definição da identidade coletiva, que muitas vezes se apresenta como uma negação total da sociedade, já que esta é desuma- na e ideologizada” (p. 208). 221 Ações coletivas e comportamento político: produção científica A crítica à junção entre ética e política que propomos não significa a negação de uma relação entre ética e política na construção democrática, mas aponta para questio- namentos em relação à compreensão do político nessas análises, tanto no que tange ao elemento mediador da politização das relações sociais quanto à proposta de democra- cia. Na teoria democrática radical e plural, a relação entre ética e política é concebida em torno de um “investimento radical”, isto é, como uma distância entre o que “é” e o que “deve ser” que não pode ser preenchida plenamente, mas apenas a partir de uma nomeação hegemônica, na medida em que o antagonismo é inerradicável. Tal relação, nestes termos, implica a “impossibilidade da sociedade”, ao mesmo tempo em que se faz necessária a nomeação de uma sociedade, sendo esta a única possibilidade dos su- jeitos se constituírem como presença discursiva, já que não se trata de “identidades po- sitivas” que se politizam, mas de sujeitos constituídos pela negatividade. Ademais, cabe-nos ressaltar, que diante do momento da articulação ser concebido numa pers- pectiva não essencialista, nãohá nada que garanta, a priori, que a luta política se cons- tituirá em torno de um imaginário social progressista, sendo a luta política indetermi- nada (Laclau, 2005a). Antagonismo Esta vertente analítica engloba artigos que abordam a noção de antagonismo, proposta por Laclau e por Mouffe, na discussão sobre a dinâmica política. Podemos observar nos artigos uma variação nas análises, sendo a noção de antagonismo articulada a concei- tos de outras perspectivas teóricas que se afastam da noção do político na teoria de- mocrática radical e plural, aproximando-se de outras vertentes analíticas discutidas (sujeito racional e sujeito ético-politico). Diante destas articulações teóricas, ressalta- mos o modo como os autores concebem a constituição dos sujeitos políticos e a cons- trução da democracia. Entre os 17 artigos debatidos neste texto, seis pertencem a essa vertente analítica: Jaileila de Araújo Menezes e Lúcia Rabelo de Castro (2006), Karla Galvão Adrião e Ma- ria Juracy Filgueiras Toneli (2008), Frederico Alves Costa, Frederico Viana Machado e Marco Aurélio Máximo Prado (2008), Claudia Mayorga, Manuela de Souza Magalhães, Cláudio Junio Patrício, Daniel Antonio Gomes Cruz e Suellen Guimarães Alves (2008), Cristiano dos Santos Rodrigues e Marco Aurélio Máximo Prado (2010), Marcela de An- drade Gomes e Kátia Maheirie (2011). No caso dos artigos de Costa, Machado e Prado (2008) e de Rodrigues e Prado (2010), relativos à participação política e à constituição e dinâmica de um movimento social, respectivamente, observa-se uma proposta de articulação entre os conceitos de antagonismo e de hegemonia, propostos pela teoria democrática radical e plural, indi- 222 Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado cando uma compreensão de democracia baseada na impossibilidade de uma sociedade reconciliada, com uma compreensão de identidade política como uma identidade cole- tiva politizada, sendo os autores influenciados pelo conceito de identidade coletiva proposto por Alberto Melucci. Assim, esses artigos, no que tange à compreensão do sujeito político, aproximam-se da vertente analítica sujeito racional, pois a análise de- pende do conceito de consciência política na explicação da politização das relações so- ciais. Rodrigues e Prado (2010) resgatam também na análise da constituição e dinâmica de movimentos sociais a noção de estrutura de oportunidades políticas, proposta por Sidney Tarrow, evidenciando ainda mais a influência racionalista no debate. Mayorga, et al. (2008) também retomam o conceito de identidade coletiva na com- preensão dos movimentos sociais, afirmando que é a partir deste conceito e de uma concepção de identidade influenciada pela noção de antagonismo que analisam o obje- to de estudo do artigo, a participação política, levando a mesma proximidade com a noção de um sujeito racional já apontada. Ademais, é interessante considerar que Mayorga et al. (2008) discutem a articulação entre diferentes lutas políticas a partir do conceito de tradução de Boaventura Sousa Santos. Podemos entender que esse concei- to, diferente do momento da articulação em Laclau (2005b), apresenta uma vinculação necessária a um processo emancipatório, o que acarreta na limitação da contingência, pois implica a existência de uma determinação anterior à própria articulação, como se os oprimidos guiassem sempre em direção ao progresso. Podemos questionar, desse modo, se a noção de tradução não estaria mais relacionada à noção de consciência do que à noção de identificação, portanto, a identidades coletivas politizadas. Cabe-nos considerar que Mayorga et al. (2008) trabalham com a noção de “conscientização polí- tica” na reflexão sobre as causas das desigualdades, ao mesmo tempo em que vinculam este caráter “crítico” a uma dimensão contra-hegemônica, caracterizada pela constru- ção de novas formas de representação da realidade. Gomes e Maheirie (2011), tendo por objeto a participação política, também apon- tam para a noção de antagonismo em conjunto com a noção de identidade coletiva, aproximando-se de um modelo de consciência política (sujeito racional). Apesar disso, os dois aspectos centrais enfatizados são a dimensão da afetividade e a noção de dialé- tica. A dimensão da afetividade é compreendida por Gomes & Maheirie (2011) a partir de Vygotsky, que a entende como central “na apropriação dos significados constituin- tes e constitutivos das/pelas experiências do sujeito” (p. 365); e a partir da noção de “conatus do ser humano, compreendido por Espinoza como uma força para existir e agir na vida” (p. 368). Noção espinoziana também utilizada no artigo de Barboza (2000), discutido na vertente sujeito ético-político. 223 Ações coletivas e comportamento político: produção científica Os processos de subjetivação-objetivação, considerados por Gomes e Maheirie (2011) como fundamentais à constituição da participação política, se apresentam a afe- tividade como “motor”, são entendidos a partir da noção de “síntese dialética” (Vy- gotsky). As autoras concebem a dialética a partir da crítica a uma perspectiva que a compreende como síntese acabada: “A concepção dialética utilizada neste artigo se ca- racteriza por ser aberta e inacabada, marcando a transformação, e não a resolução, das relações contraditórias, ou seja, trata-se de uma perspectiva que critica a dialética como síntese acabada” (p. 364, nota de rodapé). Para tanto, recorrem a Sartre, afirman- do o movimento de constante devir, caracterizado pela desconstrução e criação de sig- nificados. Apesar das autoras citarem a noção de antagonismo e afastarem-se da noção de dialética como “síntese acabada”, a compreensão do político em termos antagônicos não se coaduna com um movimento dialético e com uma “força” (“conatus do ser hu- mano”) que mobiliza o sujeito. A proposta das autoras aproxima-se mais da concepção observada em Barboza (2000). Adrião e Toneli (2008), ao discutirem o sujeito do feminismo e as políticas de identidade no movimento feminista, criticam conceber o sujeito feminista em termos estáveis ou permanentes ou “como instância última e detentora de ‘uma’ identidade” (p. 466) e compreendem o feminismo em torno da utopia de uma política democrática radical. Essa utopia é entendida como a construção de uma política agonística que pro- põe “transformar o antagonismo de identidades em um agonismo de diferenças. Ou seja, em um pluralismo agonístico, porque onde as identidades se multiplicam, as pai- xões se dividem (Mouffe, s.d.2, pp. 267, 269-270, 274)” (p. 473, nota de rodapé), evitando o surgimento do antagonismo dentro da própria comunidade política. Cabe-nos ressaltar que, como afirma Mouffe (2009), a política agonística não sig- nifica pôr fim ao antagonismo, uma vez que reconhece este como inerradicável. O que Mouffe propõe, e que podemos observar na compreensão de Adrião e Toneli (2008), é que um bom funcionamento democrático depende de um conflito vibrante de posições políticas, sendo o “eles” concebido não como um inimigo a ser destruído, mas como um adversário. Isto é, que, apesar dos desacordos sobre o sentido e a implementação dos princípios democráticos de igualdade e liberdade, que não são passíveis de solução racional (são antagônicos), tanto o “eles” como o “nós” compartilhem esses princípios na luta política. As autoras se defendem, a partir de Mouffe, essa concepção sobre a constituição do sujeito político e sobre a democracia, afirmam trabalhar “com as definições de po- der e discurso a partir da leitura de Michel Foucault (1984, 1994, 1998), bem como de 224 Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado sua correspondência na obra de Judith Butler (1987, 1997,1998, 2003) e de Stuart Hall (1995, 2005)” (p. 473, nota de rodapé). É possível questionarmos esta articulação teórica devido a divergências em relação às noções de antagonismo em Mouffe e Laclau e às noções de poder e de discurso no pensamento de Foucault. Como vimos em Leite e Aragão (2010), na vertente analíticaSujeito ético-político, a compreensão da dinâmica política a partir do pensamento de Foucault traz implicações que impossibilitam a via- bilidade do momento do antagonismo, o qual é fundamental à compreensão de Mouffe sobre sujeito político e sobre democracia. Quanto à noção de discurso, Laclau (2000/2003) critica a associação feita por Butler entre a noção de discurso em Foucault e a noção de discurso defendida por ele e por Mouffe, pois, segundo ele, trata-se de um erro, na medida em que a concepção de Foucault está fundamentada numa distinção rechaçada por eles: a distinção entre discursivo e não discursivo. Quanto ao último artigo presente nesta vertente analítica, o artigo de Menezes e Castro (2006), as autoras abordam o debate sobre política e juventude. De acordo com as autoras, a multiplicidade de reivindicações em nome das diferenças no contemporâ- neo torna ainda mais problemático pensar as bases sobre os quais se fundam os laços da convivência. Segundo elas, Ao pensarmos tais bases no âmbito de uma perspectiva identitária do sujeito, ou de um campo político fundamentado na superação das diferenças em prol de um consenso a ser atingido, ‘recalcamos’ o conflito e a contradição do ce- nário político, esperando, assim, que ele venha a ser superado. (p. 18) Neste sentido, criticam a concepção de democracia na abordagem racionalista do liberalismo político, baseada no consenso, afastando-se do “mito da sociedade transpa- rente que, através do diálogo racional, poderia chegar a definir procedimentos tidos como verdadeiros e universais para a gestão da vida em comum” (Menezes & Castro, 2006, p. 18). Outro aspecto a ser ressaltado no artigo é que se, por um lado, as autoras recor- rem a uma noção de amizade no entendimento de formas de sociabilidade entre jovens e como modo de articular igualdade e diferença no interior de uma proposta democrá- tica, apresentando uma preocupação em relacionar ética e política; por outro lado, sus- tentam a impossibilidade de uma junção entre esses elementos ao defenderem a com- preensão de Mouffe da natureza do político como antagônica. Nesta medida, a amplia- ção de direitos localiza-se não no campo da multiplicidade, mas no reconhecimento da divisão como uma dimensão ontológica da dinâmica política, entendendo que “Hostili- dade e conflito são aspectos ontologicamente constitutivos das subjetividades (pois a afirmação de cada sujeito se faz à custa da determinação de uma alteridade) e inerentes às sociedades humanas” (p. 31, nota de rodapé). Assim, ressaltam uma concepção de 225 Ações coletivas e comportamento político: produção científica amizade que recorda a noção de agonismo em Mouffe, isto é, um agonismo que não ex- clui o antagonismo, diferente do que vimos na vertente analítica Sujeito ético-político. A proposta das autoras possibilita tanto a crítica à lógica racional e moral do libe- ralismo político, que concebe aqueles que se afastam do tipo de racionalidade desejada como sujeitos não-razoáveis; quanto a crítica à eticização da democracia que, na busca incessante pelo outro, crê na possibilidade de uma política não-excludente, acabando, como o liberalismo, por invisibilizar o momento do antagonismo. Considerações finais A análise da produção em psicologia social sobre ações coletivas e do comportamento político permitiu-nos observar modos distintos de compreender a constituição dos su- jeitos políticos e a construção da democracia. Cabe-nos ressaltar nos artigos, por um lado, a busca pelos autores em construir análises sobre ações coletivas e sobre comportamento político a partir de uma concep- ção psicopolítica, buscando-se afastar de perspectivas individualistas e a-históricas que marcaram a produção da psicologia social antes da emergência de sua crise nos anos 1970/1980. Por outro lado, a presença de um reducionismo econômico, a ênfase na no- ção de sujeito racional ou a proposta de uma junção entre ética e política, como discu- timos, acarreta na invisibilidade do momento do antagonismo, o que resulta em impli- cações para os outros dois momentos também definidores do político e, consequente- mente, para a compreensão de aspectos importantes ao nosso contexto histórico: a pluralidade de sujeitos políticos e a disputa por direitos democráticos. A radicalidade da contingencia, aspecto fundamental para compreendermos a re- lação entre indivíduo e sociedade sem cairmos em determinações últimas e, assim, numa compreensão dicotômica entre indivíduo e sociedade, fica limitada diante do de- terminismo econômico na compreensão da sociedade e também diante dos pressupos- tos da racionalidade e intencionalidade dos sujeitos. Estes mesmos aspectos limitam o momento da articulação, na medida em que no primeiro caso, as demandas democráticas podem acabar sendo concebidas em torno da dicotomia entre luta principal e lutas secundárias; e no segundo caso, estas demandas podem ser reduzidas a sua dimensão particular, circunscrevendo a luta política à ges- tão da positividade social. No caso da vertente analítica Sujeito ético-politico, pudemos observar a utopia de uma oposição completa ao instituído, seja em termos da constru- ção de um campo da multiplicidade seja em termos de uma totalidade homogênea. 226 Frederico Alves Costa; Marco Aurélio Máximo Prado Ao tratarmos da vertente analítica Antagonismo, pudemos observar proximidades em alguns artigos com as vertentes Sujeito racional e Sujeito ético-político, ainda que utilizassem o conceito de antagonismo a partir da concepção do político em Laclau e em Mouffe. Concebemos que estas articulações teóricas podem ser decorrentes de três hipóteses. Uma primeira hipótese é que, ainda que se identifiquem com algumas teorias, os autores buscam recursos em outras teorias, mesmo que não compartilhem de um mes- mo princípio epistemológico e ontológico, a fim de encontrar conceitos úteis para a análise do fenômeno abordado. Outra hipótese é que, mais do que rupturas paradigmá- ticas, observa-se na psicologia social continuidades e descontinuidades na produção do conhecimento. Neste sentido, poderíamos entender a presença de conceitos como consciência e identidade juntamente com a noção de antagonismo. Uma terceira hipó- tese, que está relacionada a esta segunda, é que, na crítica a perspectivas individualis- tas e, ao mesmo tempo, a análises macroestruturais das relações sociais, mantém-se na psicologia social um modelo analítico que, com diferentes matizes, fundamenta-se no conceito de consciência. Sendo objetivo deste artigo contribuir com o campo da psicologia social crítica brasileira, além das considerações realizadas sobre cada vertente analítica abordada, propomos que a concepção do político apresentada pela teoria democrática radical e plural é relevante para a construção de análises psicopolíticas sobre ações coletivas e comportamento político na psicologia social crítica. Ressaltamos, neste sentido, o res- gate da tradição marxista, que orientou muitas das produções da psicologia social críti- ca no Brasil na emergência da crise da psicologia social (e que ainda é importante ar- cabouço teórico neste campo), no interior de uma postura não essencialista. Outros teóricos no Brasil têm realizado a crítica à utilização do marxismo na psicologia social brasileira, apresentando como saídas, por exemplo, perspectivas orientadas para a no- ção de sujeito racional (Camino, 1996) ou para a noção de sujeito ético-político (Aguiar & Rocha, 2007; Rocha & Pinheiro, 2011). Por meio da teoria democrática radical e plural enfatizamos o resgate da tradição marxista a partir da radicalidade da contingência, propiciada pelo imaginário demo- crático moderno, e da inerradicabilidade do antagonismo como condições fundamen- tas para a concepção dos sujeitos políticos e da democracia no contexto histórico pre- sente. Ressaltamos a importância de compreendermos a luta democrática como uma luta hegemônica em um terreno político não essencialista a partir desses dois aspectos, pois, deste modo,evidenciamos a necessidade da articulação entre demandas democrá- ticas de diferentes sujeitos políticos na construção de uma política democrática radical e plural, e nos afastamos tanto da redução do campo do político à gestão da positivida- 227 Ações coletivas e comportamento político: produção científica de social, quanto de concepções de transformação social pautadas em determinismos, a priori, do sujeito e da sociedade. Referências Adrião, Karla G. & Toneli, Maria Juracy F. (2008). Por uma política de acesso aos direitos das mulheres: sujeitos feministas em disputa no contexto brasileiro. Psicologia & Sociedade, 20(3), 465-474. http://dx.doi.org/10.1590/S0102- 71822008000300017 Aguiar, Kátia F. & Rocha, Marisa L. (2007). 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