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ABORDAGEM CIRÚRGICA - VALVOPATIA MITRAL

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As doenças que acometem as válvulas cardíacas geralmente levam a sequelas que deformam sua estrutura e, por conseguinte, alteram sua função. 
Dependendo do grau de deformação e da evolução do quadro, podem significar alterações hemodinâmicas consideráveis. De forma geral, a estenose é 
considerada quando há redução da área valvar (“a válvula não abre direito”), e a insuficiência, quando há regurgitação através da válvula (“a válvula não fecha 
direito”). As valvas mitral e aórtica são, de longe, as mais acometidas. Abordaremos neste resumo a valva mitral. 
A valva mitral separa o átrio e ventrículo esquerdos, e o aparelho valvar é composto por dois folhetos, anterior e posterior, o anel valvar, as cortas tendíneas e 
dois músculos papilares. Apesar de os dois folhetos possuírem área aproximadamente semelhante, o folheto anterior ocupa 1/3 da circunferência do anel 
valvar, possui íntima relação com a válvula não coronariana da valva aórtica. O folheto posterior ocupa 2/3 da circunferência, e é separado do folheto anterior 
por duas comissuras. Os folhetos são conectados aos dois músculos papilares pelas cordas tendíneas, que dão sustentação aos folhetos durante a sístole 
ventricular.
Caso clínico aula:
ESTENOSE MITRAL
A principal etiologia da estenose mitral é a febre reumática, geralmente por estreptococos beta-hemolíticos do grupo A, acometendo mais mulheres do que 
homens, numa taxa de 2:1 ou 3:1. Apesar de ocorrer principalmente antes dos 20 anos, as sequelas cardíacas só irão aparecer duas a três décadas após o 
evento agudo. A estenose é consequência de um processo inflamatório intenso seguido de cicatrização exacerbada, levando a espessamento dos folhetos, 
fusão de comissuras, depósito de cálcio, fusão e encurtamento das cordas tendíneas. É comum, como resultado dessas lesões, a associação entre estenose e 
LARISSA RODRIGUE SANTOS
ABORDAGEM CIRÚRGICA - VALVOPATIA MITRAL
quinta-feira, 11 de novembro de 2021 13:43
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fusão de comissuras, depósito de cálcio, fusão e encurtamento das cordas tendíneas. É comum, como resultado dessas lesões, a associação entre estenose e 
insuficiência mitral. Outras etiologias possíveis são a calcificação anular ou dos folhetos em idosos, trombos de átrio esquerdo, vegetações por endocardites, 
tumor carcinoide maligno, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide ou mal formações congênitas da valva mitral.
A redução da área valvar leva a um aumento da pressão atrial esquerda e ao desenvolvimento de gradiente pressórico transvalvar (em condições normais, o 
gradiente é zero). Com a piora da estenose, a pressão atrial é retrogradamente transmitida às veias, capilares e arteríolas pulmonares, levando a edema e 
hipertensão pulmonar.
O acúmulo de sangue no átrio esquerdo e o aumento da pressão levam também à dilatação e hipertrofia atrial, podendo determinar remodelamento atrial e o 
desenvolvimento de fibrilação atrial. Uma vez que a contração atrial é responsável por até 30% do fluxo transvalvar, a fibrilação atrial pode resultar em 
redução do volume diastólico final do ventrículo esquerdo. 
Fisiologicamente o fluxo através da valva mitral depende do débito cardíaco e da frequência cardíaca. Nos casos de estenose mitral moderada (área valvar 
entre 2 a 3 cm²), os aumentos da frequência ou do débito podem resultar em aumento da pressão atrial e levar a aumento da pressão pulmonar. Na estenose 
grave (área = ou < 1 cm²), a hipertensão pulmonar pode se dar inclusive no repouso.
O principal sintoma da estenose mitral é a dispneia, principalmente aos esforços, podendo evoluir com o tempo para dispneia em repouso. Palpitações 
também podem estar presentes como uma repercussão da fibrilação atrial. 
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Ao exame físico, o principal achado é um sopro diastólico em focos de ponta, em ruflar, que reduz com a inspiração e se exacerba com a expiração. Um 
estalido de abertura pode estar presente. Como não há dilatação ventricular, o ictus não está desviado. Dependendo do grau de estenose, sinais de 
hipertensão pulmonar podem estar presentes, como turgência de jugular, hepatomegalia, ascite e edema periférico, e o componente pulmonar da segunda 
bulha hiperfonético.
Radiografia de tórax: o principal achado é a dilatação do átrio esquerdo, visto como um duplo contorno no lado direito da silhueta cardíaca ou elevação do 
brônquiofonte esquerdo. Geralmente não há aumento de área cardíaca. Pode haver aumento de trama pulmonar ou cefalização da trama, como resultado da 
hipertensão/edema pulmonar. 
Eletrocardiograma: não é muito específico. Geralmente observa-se onda P apiculada em DII e bifásica em V1, como resultado da dilatação atrial esquerda. 
Arritmias cardíacas, geralmente fibrilação atrial, podem estar presentes. Outros achamos podem ser encontrados em pacientes com lesão em outras valvas. 
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Ecocardiograma transtorácico: principal método diagnóstico. Pode-se calcular a área valvar mitral, o gradiente de pressão transvalvar, observar o 
espessamento, a mobilidade e a calcificação do aparelho valvar e subvalvar, o volume das câmaras cardíacas, se há refluxo através da valva, etc. 
O tratamento definitivo da estenose mitral é fundamentalmente cirúrgico. Em pacientes pouco sintomáticos, pode-se tentar o tratamento clínico utilizando-se 
diuréticos para reduzir a pressão atrial além de beta-bloqueadores e bloqueadores de canal de cálcio, para controle da frequência cardíaca. Pacientes com 
fibrilação atrial devem receber anticoagulação plena com warfarina. Além disso, é necessária a profilaxia contra endocardite bacteriana.
Pacientes muito sintomáticos, portadores de endocardite bacteriana, com piora da hipertensão pulmonar ou com área valvar mitral igual ou menor a 1 cm² 
devem ser considerados para correção definitiva, que inclui a valvuloplastia mitral por balão, comissurotomia aberta ou troca da valva mitral.
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Valvuloplastia mitral por balão: indicado para pacientes sem espessamento ou calcificação dos folhetos, sem alterações do aparelho subvalvar e sem 
regurgitação mitral associada, ou como procedimento paliativo para pacientes com alto risco cirúrgico. Consiste no avanço de um ou dois cateteres-balão 
através do septo interatrial, e da insuflação do balão entre os folhetos, aumentando a área valvar para até 2 cm². Quando bem indicado, possui resultados 
semelhantes à plastia cirúrgica. Após tratamento com balão, em 3 anos, 66% dos pacientes não necessitarão de nova intervenção.
Comissurotomia aberta: permite ao cirurgião revisar toda estrutura da valva, debridar cicatrizes, calcificações, etc. Possibilita ainda reconstrução em caso de 
regurgitação mitral, além de fechar a aurícula esquerda, local de maior formação de trombos. 
Troca da valva mitral: indicada quando há intensa calcificação e espessamento dos folhetos e do aparelho subvalvar, sem possibilidade de realizar plastia, 
e/ou associação com regurgitação mitral. Podem ser utilizadas próteses biológicas ou mecânicas. Se possível, esforços devem ser feitos para preservar a valva 
nativa, para manter a conexão entre a valva mitral e o ventrículo esquerdo, o que a longo prazo leva a melhor função ventricular. Após troca da valva, a taxa 
de sobrevida é de 70-90% em 5 anos, sendo pior em pacientes com idade avançada ou doença coronariana associada.
INSUFICIÊNCIA MITRAL
A insuficiência mitral pode ser decorrente do mau funcionamento de qualquer estrutura que componha a valva ou que exerça influência nesta, como os 
folhetos, o anel mitral, as cordas tendíneas, os músculos papilares, o ventrículo ou átrio esquerdos. A febre reumática continua sendo a principal causa de 
insuficiência mitral, por causar retração dos folhetos, encurtamento das cordas tendíneas, impedindo a correta coaptação dos folhetos mitrais. Outra causa 
importante é a isquemia de músculos papilares, secundário a infarto das artérias que irrigam esses músculos (descendente anterior e descendente posterior).Geralmente é detectada como um novo sopro dias após um infarto. 
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Além disso, a insuficiência pode ser resultado de um trauma (por ruptura das cordas tendíneas), endocardite (por perfuração dos folhetos), cardiomiopatia 
dilatada (por dilatação do anel secundário a dilatação do ventrículo esquerdo), degeneração mixomatosa, ou doenças do colágeno (por alongamento das 
cordas tendíneas).
Insuficiência mitral aguda leva a aumento rápido da pressão atrial esquerda, sem possibilitar que o átrio se adeque ao volume que retorna do ventrículo 
esquerdo durante a sístole. Assim, a pressão atrial é retrogradamente transmitida ao leito pulmonar, levando rapidamente ao desenvolvimento de edema 
pulmonar e dispneia. Quando crônica, o átrio se adapta ao volume regurgitado e dilata-se, e o quadro de edema pulmonar se desenvolve mais tardiamente. 
Uma vez que a pressão atrial esquerda é menor que a pressão sistêmica, o sangue é preferencialmente ejetado para o átrio. Para manter o débito cardíaco 
anterógrado (fração ejetada para aorta) adequado, o ventrículo esquerdo sobrecarregase de volume. Com o tempo, isso ocasiona dilatação e hipertrofia 
excêntrica do ventrículo, dilatando o anel mitral e aumentando o orifício regurgitante. A piora da insuficiência leva à falha da bomba cardíaca, com 
significativa redução do débito cardíaco anterógrado.
Insuficiência leve a moderada pode estar presente em pacientes assintomáticos por muitos anos. O aparecimento de dispneia aos esforços e ortopneia pode 
ser o primeiro sintoma da insuficiência mitral, associado a sintomas de baixo débito, como fraqueza, fadiga, ou síncope. Com o passar do tempo, e com a falha 
do coração direito, edema, ascite e hepatomegalia podem aparecer. Na insuficiência aguda, geralmente alguns dias após um IAM, o paciente se apresenta 
com rápida evolução para dispneia e sinais de hipertensão pulmonar, como edema periférico e hepatomegalia. 
O exame físico apresenta um sopro sistólico em foco mitral que podem irradiar para axila, pescoço, e bordas esternais direita e esquerda. Não há 
correspondência entre gravidade do sopro e gravidade da insuficiência. O ictus cordis pode estar desviado para a esquerda, em consequência da dilatação 
ventricular, e hiperdinâmico.
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Radiografia de tórax: cardiomegalia, com dilatação ventricular e atrial esquerda, é visível nos pacientes crônicos, e não é encontrada na insufic iência aguda. 
Sinais de congestão pulmonar são menos intensos do que na estenose mitral, e mais proeminente nos casos agudos ou quando há descompensação nos 
crônicos.
Eletrocardiograma: inespecífico, capaz de exibir sinais de hipertrofia ventricular e atrial. Nos casos agudos, pode ser normal, ou mostrar alterações do 
segmento ST em casos de IAM. Fibrilação atrial e arritmias podem estar presentes.
Ecocardiograma transtorácico: melhor exame para avaliar as válvulas. Permite avaliar o prolapso dos folhetos, se há ruptura de cordas ou dos músculos 
papilares, dilatação ou hipertrofia de câmaras, dilatação do anel. Através do Doppler, é possível calcular a fração regurgitante, sua direção, duração, 
velocidade e origem. O acompanhamento de pacientes crônicos deve ser feito através do ecoTT, para avaliar a evolução da regurgitação e da função 
ventricular esquerda. 
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O tratamento clínico visa reduzir a pós-carga, utilizando-se vasodilatadores como os sinibidores da enzima conversora da angiotensina, e o uso de diuréticos 
para reduzir a pré-carga, importante para reduzir o edema pulmonar e controle dos sintomas. Pacientes assintomáticos, com boa função ventricular, sem 
hipertensão pulmonar, devem fazer seguimento clínico + EcoTT de 6/6 meses, para reavaliar o status cardíaco e pulmonar. 
Pacientes sintomáticos, com piora da função cardíaca, desenvolvimento de hipertensão pulmonar ou regurgitação grave com anormalidade estrutural 
identificada devem ser submetidos a correção cirúrgica. Quando possível, a plastia da valva é sempre preferível, quando realizada por cirurgião experiente 
pode alcançar bons resultados. É possível ressecar o excesso do folheto prolapsado, recriar cordas tendíneas rotas, restaurar músculos papilares rompidos, 
remodelar o anel mitral dilatado, etc. A plastia apresenta melhor prognóstico que a troca da valva mitral, uma vez que permite melhor função ventricular no 
pós operatório, e poupa o paciente das complicações de uma prótese valvar, seja biológica ou mecânica
Tipo I – a mobilidade dos folhetos da mitral é normal. Exemplo: paciente que teve perfuração da cúspide mitral devido à endocardite. A movimentação do 
folheto é normal. O problema é que agora há um “buraco” no meio da cúspide.
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Tipo II – a movimentação dos folhetos é excessiva. O exemplo clássico é o prolapso de valva mitral em que um ou ambos os folhetos da valva se voltam para 
o interior do átrio esquerdo em grau maior que o esperado durante a sístole ventricular.
Tipo III – a movimentação dos folhetos é reduzida. Essa restrição da movimentação pode ocorrer tanto durante a sístole quanto durante a diástole e neste 
caso é chamada de IIIa. Como visualizar isso de forma fácil? Basta pensar em uma valva mitral acometida por doença reumática que fica “travada” de tanto 
cálcio, nem abre nem fecha adequadamente. Ou seja, ela não se movimenta de forma adequada em nenhum momento do ciclo cardíaco. Já quando a 
restrição da movimentação ocorre apenas durante a sístole ventricular, chamamos de disfunção tipo IIIb. Qual seria o exemplo? A valvopatia secundária à 
dilatação do VE. Neste caso, durante a sístole o VE deveria diminuir bastante de tamanho e isso ajudaria os folhetos da mitral a se aproximarem, gerando uma 
coaptação adequada. Na hora em que o VE está com o volume bastante aumentado e sem contrair de forma adequada, as paredes desta câmara ficam se 
distanciando cada vez mais do anel mitral e terminam “puxando” os folhetos em direção ao ápice.
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