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1 Raciocínio Argumentativo Dedutivo Vamos, agora, analisar um texto, a fim de identificar um raciocínio argumentativo dedutivo mais complexo. Selecionamos o poema XXVIII da obra “O Guardador de Rebanhos”, de Alberto Caeiro, ¹heterônimo do poeta português Fernando Pessoa1. Após a leitura, destacaremos o argumento a partir das deduções propostas pelo autor. XXVIII Li hoje quase duas páginas Do livro dum poeta místico, E ri como quem tem chorado muito. Os poetas místicos são filósofos doentes, E os filósofos são homens doidos. Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem E dizem que as pedras têm alma E que os rios têm êxtases ao luar. Mas flores, se sentissem, não eram flores, Eram gente; E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras; E se os rios tivessem êxtases ao luar, Os rios seriam homens doentes. É preciso não saber o que são flores e pedras e rios Para falar dos sentimentos deles. Falar da alma das pedras, das flores, dos rios, É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos. Graças a Deus que as pedras são só pedras, E que os rios não são senão rios, 1Heteronímia (heteros = diferente; + ónoma = nome) é o estudo dos heterônimos, isto é, estudo de autores fictícios (ou pseudoautores) que possuem personalidade. Ao contrário de pseudônimos, os heterônimos constituem uma personalidade. O criador do heterônimo é chamado de "ortônimo". O maior e mais famoso exemplo da produção de heterônimos é do poeta português Fernando Pessoa. Ele criou os heterônimos Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro, entre muitos outros. Também criou o semi-heterônimo Bernardo Soares. Fonte: http://pt.wikipedia.org/ 2 E que as flores são apenas flores. Por mim, escrevo a prosa dos meus versos E fico contente, Porque sei que compreendo a Natureza por fora; E não a compreendo por dentro Porque a Natureza não tem dentro; Senão não era a Natureza. (PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.) Como podemos verificar, o poema de Alberto Caeiro apresenta um argumento contrário ao dos poetas místicos e filósofos que atribuem sentimentos à natureza. Para comprovar sua tese, o autor apresenta algumas premissas que levam a uma conclusão por dedução. Veja: Premissa 1: As flores, as pedras e os rios não são pessoas. (Premissa maior) Premissa 2: As flores, as pedras e os rios são elementos da natureza, portanto, não possuem sentimentos. (Premissa menor) Conclusão: Logo, se os poetas místicos e os filósofos afirmam que as flores, as pedras e os rios possuem sentimentos, eles são “doentes” e “homens doidos”. Há uma compreensão de que flores, pedras e rios não pertencem à espécie humana. Também é aceito como verdade que somente os seres humanos têm sentimentos. Assim, deduz-se que todos os que acreditam que flores, pedras e rios possuem sentimentos não merecem credibilidade.
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