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136 - Chile (1818-1990) Da Independência À Redemocratização - Emir Sader

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Como Renascem as Democracias
BoIíV<l!" Lamounier .e A. Rouqui{
Origens da Desigualdade entre
os Povos-da América
Fréderic Mauro
'. .
O Sendero Luminoso do Peru
Uma reportagem
A. Herthoghe e A. Labrousse
-
Coleção Encanto Radical
Salvador Allende
A paz pelo socialismo
Fernando Alegria
Coleção Tudo é História
-,
Democracia e Ditadura no Chile
Emir Sader
As Independências na América
Latina
Leon Pomer
O Militarismo na América Latina
Clóvis Rossi
O Populismo na América Latina
Argentina e México
Maria Ligia Prado
• Série Nossa América
Bolívia
Do período pré-incaico à
indepmdênCÜ1
Herberr S. Klein
Emir Sader
CHILE (1818-1990)------- --
905
T912
v.136
DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI
Chile (1818-1990)
1111111/111111111111111111111111111111111111111/1111111111I1111II
21200041178
TOMBO: 119676
1\1IIII
editora brasiliense
Copyright © by Emir Sader, 1991
Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada,
armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer
sem autorização prévia do editor.
~-O?
-r9>12
iJ l3~
SBN: 85-11-02136-1
Primeira edição, 1991
1
Preparação de originais: Cássio de Arantes Leite
Revisão: Irati Antonio e Ana Maria M. Barbosa
Capa: 4 Design - [uliand Vásconcellos
6' O~. B() 50~ li
111
Rua da Consolação, 2697
01416 São Paulo SP
Fone (Ol1j 881-3066 - Fax 881-9980
Telex: (11) 33271 DEiLM BR
IMPRESSO NO BRASIL
SUMÁRIO
Apresentação . . 7
Introdução . . . . . . . . .. 10
O Chile agrícola e mineral
A conquista da independência .. 15
Osperíodo da "república conservadora" . 17
Os governos liberais 19
O Chile operário
Indústria mineradora e formação
da classe operária . . . . . . . . . 24
O impacto da mobilização operária
na política chilena 26
Crise de 1929: efeitos econômicos
e políticos . . . . . . . . ; . . 29
O governo da Frente Popular . .. . 33
O Chile democrático
Ainda a Frente Popular: o fracasso
de uma experiência . . . . . . . . . . . . . .. 38
6 EmirSader
Ibafíez o populismo tardio
Novidades no quadro partidário
Frei: o reformismo conservador
A eleição de Allende "",
O Chile socialista
Tentativas de impedir a posse
O ~overno da Unidade-Popular
O golpe """""',
O Chile ditatorial
Um regime aparentemente consolidado
O crescimento da oposição e a derrota
de Pinochet , ,
Um Chile tutelado? ,
Conclusão , , , , , ,
O Chile em números
Indicações para leitura
Sobre o autor- .,."
,"" 40
42
45
48
51
54
62
72
74
78
81
83
85
86
, I ~ d"'- - ," ,
APRESENTAÇÃO
Até a eleição de Salvador Allende para a presidên-
cia do Chile, em 1970, esse país só era conhecido entre
nós por uma ausência e um equívoco. Sabíamos dele
quando, invariavelmente, nos perguntavam no colégio:
"Quais os dois países "da América do Sul que não têm
fronteira com o Brasil?", Na resposta, que incluía o Chile
e o Equador, surgia o distante e estranho país que nem
costa para o Atlântico tinha. A outra referência, também
geográfica, era produto de um equívoco: o Aconcágua,
a maior altitude do continente, não fica no Chile, mas
na Argentina, ao contrário do que nos ensinavam no mes-
mo colégio.
Pablo Neruda era pouco conhecido e, quando o era,
não estava associado a seu país, mas à genérica América
Latina, Violeta Parra e a música folclórica chilena não
chegavam a nós. Enquanto vivia, Victor Jara nos soava
8 EmirSader
como nome de jogador de futebol e, quando mencionado,
ao acaso, o ritmo tradicional cueca chilena, só se pres-
tava a risos, Luis Emilio Recabarren não existia. Con-
cepción e Valparaiso não constavam de nossa cartogra-
fia, nem sequer férias de inverno em Portilho. Colo Colo
nos soava apenas como um time de futebol; o prêmio
Nobel de Gabriela Mistra1não fazia parte de nossos cur-
rículos de estudo, assim como O' Higgins, no máximo
nome de algum logradouro público.
Subitamente, no auge da censura e da repressão no
Brasil, o Chile foi projetado para as manchetes dos jor-
nais com a eleição inesperada - e, especialmente no
clima de terror militar instaurado no Brasil -, inexpli-
cável, de um presidente de esquerda, apoiado numa coa-
lizão formada pelos partidos Socialista e Comunista, co-
locando-se como objetivo a transição para o socialismo
por via pacífica. Entre o pavor das elites e a esperança
temerosa de um povo vítima da repressão e da censura,
o Brasil ouvia ecos - quase sempre deformados - da
experiência vivida pelo Chile. O final - sempre pro-
visório - daquela história, com a ascensão de Pinochet
ao poder, "confirmou", a posteriori, que "não se deve
chuchar onça com vara curta", como se transmite de ge-
ração a geração pela suposta sabedoria popular.
" As menções ao Chile, desde então, são constantes,
mas em geral desencontradas. A falta de tradição his-
tórica, para fazer jus a cada momento na sua particu-
laridade, se presta às instrumentalizações mais unilaterais
na imprensa e nos discursos políticos. Como quase sem-
Chile
pre, entre nós, se discute ideologia mediada por refe-
rências internàcionais - o que supostamente teria ou
não dado certo em tal ou qual país, sem a reconstrução
devida do que significou cada experiência concreta e, aí
sim, o resgate do seu sentido.
O Chile é o país da economia de enclave para a
produção de minério, do surgimento relativamente cedo
do movimento operário, de uma estrutura partidária mais
sólida do que a média do continente, com a particula-
ridade da presença dos partidos comunista e socialista
com peso importante na vida do país. O Chile é o país
de Eduardo Frei, de Salvador Allende e de Pinochet. É,
ao mesmo tempo, o país' de uma cultura de raízes po-
pulares como poucas vezes se teve conhecimento, porque
construída ao longo das vivências históricas de seu povo.
9
, lJ '
.,
, INTRODUÇÃO
A história do Chile está marcada pela existência de
situações políticas que fazem dele um verdadeiro labo-
ratório de experiências, no sentido que Engels se referia
à França, entre a revolução de 1789 e a Comuna de Paris.
Sem ser o país de maior desenvolvimento econômico,
nem tendo uma localização geográfica estratégica para o
continente ou alguma outra característica que o tornasse
originariamente destinado a ser um centro político fun-
damental, esse país andino de estranha geografia - uma'
estreitíssima faixa espremida entre a cordilheira e o Pa-
cífico -' viveu em sua história uma série de situações
que constituem um repertório de muito do mais signi-
ficativo vivido pela América Latina neste século.
Pode-se abordar o Chile por seu lado mineral, por
seu lado operário, por sua tradição democrática, pela ex-
periência de transição pacífica ao socialismo de Salvador
t
Chile
Allende ou pela ditadura do general Pinochet. Em qual-
quer de seus ângulos se vislumbram cores muito defi-
nidas, contradições que tendem a se explicitar, consciên-
cia delas por parte de seus atores.
Como exemplo, basta adiantar que o Chile escolheu
por meio de eleições a todos os seus presidentes entre
1830 e 1970, com exceção de 1891 e do período que vai
de 1924 a 1931. Desenvolveu-se no país um Congresso
antes dos países europeus, salvo Inglaterra e Noruega. A
participação eleitoral no país, na metade do século XIX,
era equivalente à existente na mesma época na Holanda,
à quea Inglaterra havia conseguido apenas vinte anos
antes e à que a Itália só teria vinte anos depois. O Chile
implantou o voto secreto em 1874, antes que isso fosse
feito na Bélgica, na Dinamarca, na Noruega e na França.
Isso seria suficiente para caracterizar a peculiari-
dade desse país que, no entanto, do ponto de vista eco-
nômico e social, não se diferencia absolutamente dos ou-
tros de nosso continente. Produtor agrícola como tantos,
mineral como 'outros, exportador como todos, colonizado
conjuntamente com o continente pelos ibéricos - o Chi-
le foi, no entanto, construindo uma história diferenciada
de toda a América Latina, especialmente no plano po-
lítico. Bastaria dizer que ele teve partidos que partici-
param das três Internacionais operárias, que foi o único
país, além da França e da Espanha, que teve governos
de Frente Popular no mundo. O Chile registra também
a existência de um dos dois grandes partidos comunistas
da América Latina - junto com o do Uruguai, e ex-
11
12 EmirSader
..
cetuando o cubano, que tem uma trajetória muito espe-
cial. Aliado ao Partido Socialista, eles dirigiram a ex-
periência sui generis de tentar uma transição sem ruptura
institucional do capitalismo ao socialí.mo. Quando essa
experiência foi interrompida por um golpe militar, o re-
gime ditatorial que se instalou, por sua vez, transformou-
se no próprio símbolo desse tipo de poder baseado no
terror de Estado, que se generalizou rio Cone Sul latino-
americano dos anos 60 aos 80, tendo na figura de Pi-
nochet a imagem simbólica desse tipo de poder.
Vivendo tudo no superlativo, o Chile foi caracte-
rizado, entre os anos 30 e 60, como uma "Suíça na Amé-
rica Latina", título que compartilhou com o Uruguai e a
Costa Rica, até que os golpes militares nos dois primei-
ros países reservaram o epíteto apenas para este último.
Não era somente a continuidade do regime político -
demonstrando uma estabilidade muito maior que a média
dos outros países, num continente permeado por golpes,
invasões norte-americanas e todas as formas possíveis
de interrupção da democracia política - que chamava
a atenção sobre o Chile. Uma superestrutura política se-
melhante à européia, com partidos definidos ideologica-
mente - partidos Conservador, Radical, Democrata-
Cristão, Socialista, Comunista alternando-se no governo,
distribuídos em direita, centro e esquerda, cada um deles
mantendo, em geral, cerca de um terço dos votos, com
uma cidadania afiliada politicamente a essas agremiações
- fazia do país uma cabeça institucional muito desen-
volvida e cristalizada para um corpo social similar aos
dos outros países do continente.
Chile
Vamos tratar de decifrar aos poucos os enigmas do
Chile, centrados nas experiências (democráticas, socialis-
tas, ditatoriais e de retomo à democracia) que ele viveu.
Buscaremos, no entanto, na sua trajetória, pistas que nos
permitam ir entendendo. os ingredientes que fizeram do
Chile aquele laboratório de experiências políticas a que
nos referimos. Para isso nos deteremos, ainda que muito
brevemente, em alguns aspectos de sua formação como
nação - no caráter da população indígena, na forma de
expulsão dos colonizadores espanhóis e na conquista da
independência, na instalação da economia mineira e suas
conseqüências, na constituição da classe operária minei-
ra, na trajetória dos partidos políticos e dos vários re-
gimes que viveu. Resumimos esse conjunto de aspectos
nas faces indígena, mineral, operária, democrática, so-
cialista e ditatorial do país, como aspectos diferenciados,
mas não desligados uns dos outros. Como faces amal-
. gamadas de um prisma, em que, a cada momento, primou
uma delas, iluminando com sua luz as outras que, no
entanto, nunca deixaram de existir. Essa convivência faz
do Chile um país de uma riqueza política incomparável
no nosso continente e uma das formas mais ricas deabor-
dar o conjunto da história latino-americana.
13
, _I, !
,
o CHILE AGRÍCOLA E
MINERAL
Como a maioria dos países da América Latina, o
Chile se diferencia do Brasil porque o fmal do período
colonial deu-se pela expulsão das tropas espanholas e
não por um pacto de elite, como no caso da coroação
de Dom Pedro. Essa ruptura tem limita importância, pois:
[
a) caracteriza a etapa colonial como a de invasão
. do território nacional por tropas estrangeiras ávidas de
explorar economicamente o país; sem respeitar as po-
pulações nativas, suas formas de vida e sua cultura;
I b) instala o Estado nacional como uma conquistaIdo país, que se toma independente, e não como resultado
l
de uma concessão da metrópole colonial; ,
c) o próprio exército nacional surge no bojo das
guerras de independência, com participação popular e
. identificação- com a nação que é fundada;
d) a identidade .latino-americana do país foi reafir-
mada pela ação conjunta dos exércitos independentistas
dos vários países em luta similar contra as tropas espa-
nholas.
A conquista da independência
Esses fatores estiveram presentes no Chile, a partir
da proclamação da independência do país, adotada em
18 de setembro de 1810. Nessa mesma resolução, tomada
por uma assembléia de 350 cidadãos, resolveu-se cons-
tituir uma junta governamental, cujo primeiro ato foi o
de criar uma força militar. Abriram-se igualmente os por-
tos ao livre comércio, os monopólios foram abolidos, as-
sim como a venda de cargos públicos. O primeiro gover-
no independente chileno iniciou um processo gradual de
abolição da escravidão. UIIi padre - Camilo Henriquez
- fundou o primeiro jornal do Chile, impresso num pre-
lo importado dos Estados Unidos.
O vice-reinado espanhol, com sede em Lima, con-
tra-atacou com o envio de tropas para recuperar o ter-
ritório chileno. Depois de vários combates, em 1814, o
exército colonizador entrou em Santiago e restaurou a
autoridade espanhola no país. Para isso contou com a
cumplicidade de setores conservadores das elites, mas
também com a ajuda de grupos indígenas, não contem-
plados pelos independentistas, marginalizados portanto
da luta tlacionale utilizados pelos colonizadores com
promessas de preservação de suas terras. Esses indíge-
15
16 EmirSader
nas, conhecidos como mapuches, vivendo em uma região
de pouca importância econômica - o sul do país - não
foram molestados nem pelos colonizadores, nem pelos
.incas. Puderam assim consolidar seus laços internos sem
o acosso das politicas colonizadoras e tornaram-se mais
capazes de resistir às ofensivas posteriores que preten-
diam expulsá-los de seus territórios, o que somente será
conseguido no [mal do século XIX, depois da mais longa
guerra de resistência da América Latina, com cerca de
quatrocentos anos. Ocasionalmente eles foram envolvi-
dos, e logo em seguida abandonados e traídos, em epi-
sódios como o das guerras de independência.
Derrotados, cerca de 3 mil patriotas. chilenos se re-
tiraram para a Argentina, tendo à frente Bernardo O'Hig-
gins. Eles atravessaram os Andes e se colocaram sob o
mando do general San Martín, que também recebia os
ataques do exército espanhol. Desde lá, realizaram-se in-
cursões ao território chileno, com a organização, pelo
líder popular Manuel Rodriguez, de uma verdadeira
guerra de guerrilhas, preparatória para o retorno das tro-
pas independentistas. San Martín reorganizou os com-
batentes chilenos, integrando-os às suas forças, e cruzou
de volta os desfiladeiros andinos em 1817, dando início
à contra-ofensiva que se concluiu no início do aÍ).0 se-
guinte, com a derrota definitiva dos espanhóis:
O Chile não foi poupado totalmente do chamado
"período de anarquia", que consistiu na construção do
aparelho de Estado nacional e no sistema político do país,
reacomodando as antigas contradições no novo quadro
institucional. Mas, comparativamente, o -Chile superou
Chile
esse período num tempo mais curto e pôde, depois de
enfrentamentos até.mesmo militares entre conservadores
e liberais, instaurar um regime estável a partir de 1830 .
Isso foi possível porque a máquina da administração co-
lonial foi menos desarticulada do que em outrospaíses,
ao mesmo tempo que o poder dos latifundistas era menos
forte, devido à relativa pobreza da economia agrícola do
país. Ao mesmo tempo, a prolongada guerra de conquista
contra os indígenas aos poucos consolidara uma estrutura
administrativa em que se apoiou o novo poder.
o período da "república conservadora"
O ministro Diego Portales foi o grande gestor da
que foi chamada a "república conservadora", que se es-
tende de 1830 a 1860. A constituição de' 1833 definiu
poderes concentrados em torno do Executivo e sua vi-
gência se desdobrou por quase um século, somente sendo.
substituída em 1925. O direito de voto foi limitado aos
proprietários de terras e que possuíssem um certo grau
de instrução. Quando, quase um século e meio depois,
o general Pinochet quis buscar algum antecedentehis-
tórico para apoiar seu poder militarizado e personalista,
utilizou a Portales. E de fato, com seu poder por detrás
do trono - nunca chegou a ser presidente da República,
permanecendo sempre como o homem forte do gabinete,
seja como ministro do Interior ou da Guerra -, Portales
foi responsável por um regime conservador estabilizado,
baseado numa economia agrária de exportação.
17
18 EmirSader
Os objetivos dos governos conservadores foram os
de pacificar o país e desenvolvê-lo com base na atração
de capitais estrangeiros. A economia chilena passou por
um rápido processo de integração ao mercado interna-
cional, aparecendo as primeiras formas de exploração
mineira para exportação - de prata e de cobre. A corrida
ao ouro na .Calífõmia-estimulou o comércio com os Es-
tados Unidos, que buscavam no Chile abastecimento de
trigo para aquela região. Valparaiso tomou-se o porto
mais importante da costa pacífica da América, abaixo de
São Francisco, situação que gozará até a abertura da fer-
rovia ligando os dois oceanos no Panamá e depois do
canal. A expansão do comércio de exportação, por sua
vez, trouxe o crescimento do setor de serviços e das fi-
nanças.
Essa diversificação das atividades econômicas e a
integração internacional implicaram também a aceleração
dos irítercâmbíos culturais e ideológicos com o exterior,
especialmente com a França, do ponto de vista político,
e com a Inglaterra, economicamente. O "iluminismo" e
o "livre-cambismo" davam entrada assim no país, ainda
durante o regime conservador, intensificando as condi-
ções de sua crise, apesar do crescimento econômico do
Chile. Um clima de efervescência cultural foi sendo cria-
do, com a fundação da Universidade do Chile, a amplia-
ção do sistema educacional mediante multiplicação do
número de escolas e sua diversificação.
Um clima favorável às idéias políticas do liberalis-
mo e ao anticlericalismo foi se desenvolvendo, questio-
nando-se as relações privilegiadas entre o Estado e a
Igreja, que se haviam renovado com a independência. A
revolução de 1848 na França fortaleceu, com sua influên-
cia, esse movimento. Francisco Bilbao, um chileno que
presenciou aquela revolução em Paris, retomou ao Chile
e fundou uma Sociedade da Igualdade como núcleo aglu-
tinador de intelectuais. e trabalhadores democratas, de
forte tom positivista e anticlerical, herdado das tradições
francesas. .
Os conflitos entre os liberais e os conservadores
desembocaram em duas guerras civis na década de 1850,
vencidas pelos segundos, que foram, no entanto, obri-
gados a incorporar várias reivindicações liberais, como
a abolição de impostos pagos à Igreja, limitação dos abu-
sos do latifúndio, criação de um imposto de renda ter-
ritorial, autorização para o ingresso de mulheres nas es-
colas normais, entre outras medidas.
Os governos liberais
Mas a tendência ao fortalecimento dos liberais ter-
minou se cristalizando no [mal dos governos conserva-
dores e em três décadas de governos liberais. As modi-
ficações de orientação não foram substanciais, dado que
o liberalismo econômico estava presente nos dois par-
tidos. Medidas de maior limitação aos privilégios da
Igreja e no controle dos poderes do Executivo foram as
marcas da presença liberal rios governos de 1860 a 1890.
19
20 EmirSader Chile
economia, que dali para a frente terá o papel estratégico
fundamental, não estará em mãos de capitais nacionais,
como acontecia na maior parte dos outros países expor-
tadores do continente. As classes dominantes chilenas fi-
cavam então separadas das atividades mais lucrativas da
economia já no momento de sua produção e não a partir
da comercialização, como acontecia nos outros casos.
Sua base econômica foi portanto mais estreita do que a
da oligarquia do gado na Argentina ou as do açúcar e
do café no Brasil.
Uma das conseqüências disso era que os recursos
externos ingressavam no país através da cobrança de im-
postos por exportação feita pelo Estado, que, por sua
vez, repartia esses recursos entre seus gastos e as diferen-
tes classes e frações de classe. Esse mecanismo favo-
receu os gastos públicos, a criação de uma estrutura es-
tatal mais ampla e acentuou a dependência das várias
forças sociais em relação ao Estado. Tem também a ver
com o crescimento das camadas médias e de sua im-
portância relativa dentro do aparelho de Estado, pela pre-
sença de quadros técnicos e administrativos numa ins-
tituição com papel determinante na distribuição de recur-
sos externos. Daí que partidos ligados a essas camadas
- como os partidos Radical, Democrata e depois os De-
mocrata-Cristãos - tiveram tanta importância na vida
política chilena.
Outra dessas conseqüências será abordada um pou-
co mais adiante e está relacionada à criação de uma elas-
21
O acontecimento. de maior importância se deu no
plano internacional, com a Guerra do Pacífico, que opôs
o Chile ao Peru e à Bolívia. Até aquele momento o Chile
ainda era um território limitado, com as regiões geladas
do sul pouco exploradas e com o norte muito restrito,
porque os principais estados mineiros - Antofagasta,
Tarapacá - pertenciam à Bolívia e ao Peru.
Grandes investimentos ingleses e chilenos haviam
sido feitos nesses estados antes do conflito bélico. Ba-
seado' nisso, o governo chileno começou a reivindicar
direitos sobre eles, tanto econômicos como políticos.
Quando eclodiu a guerra, o Chile fez pesar sua supe-
rioridade naval, invadiu a região e suas tropas subiram
até Lima, que foi ocupada e saqueada. Como resultado
da vitória chilena, foram incorporados a seu território os
estados de Tarapacá, Antofagasta e Arica, com a Bolívia
perdendo sua saída para o mar. No retorno das tropas ao
país; o governo aproveitou-se da mobilização militar para
derrotar defmitivamente os mapuches, no sul, assumir o
controle da região e iniciar um processo de colonização
branca, onde colônias alemãs tiveram o papel principal.
A conseqüência mais importante da Guerra do Pa-
cífico foi a incorporação da exploração do salitre -
cujas minas se encontravam concentradas nas zonas inte-
gradas ao território chileno. Começava a deslocar-se o
eixo da economia do país da agricultura para a mine-
ração, cujo controle se encontrava em mãos do capital
estrangeiro - inglês, nesse caso -, tanto na exploração
quanto na comercialização, O setor mais produtivo da
22
se operária mineira ligada à expansão da indústria ex-
trativa.
Antes porém mencionaremos outra guerra civil
acontecida no Chile, no marco dos conflitos entre as eli-
tes. detonada a partir do antagonismo entre o presiden-
cialismo. que reinava no país desde a constituição de
1833. e o parlamentarismo, que foi se fortalecendo du-
rante os governos liberais.
Em 1886 foi eleito presidente um liberal, mesmo
sem o apoio unido de seu partido. José Maria Balmaceda
colocou em prática um programa de governo que bus-
cava criar condições para um desenvolvimento nacional
autônomo do Chile. Para isso propugnou a nacionaliza-
ção das minas de salitre em mãos inglesas, aumentou os
investimentos públicos, recrutando mão-de-obra superex-
plorada pelos latifundistas e tratou de criar mecanismos
de proteção e fomento à indústria chilena. No plano po-
lítico, Balmaceda buscou a ampliação da democracia re-
presentativa,estabelecendo o sufrágio universal e bus-
cando diminuir a tutela que a oligarquia exercia sobre o
governo através do Parlamento.
Em pouco tempo ele teve de enfrentar a oposição
da Inglaterra, dos latifundiários e do Congresso. Esse foi
o centro da oposição e da desobediência dos atos do go-
verno. Os parlamentares receberam o apoio e a ajuda
frnanceira de firmas inglesas, contaram com a imprensa
desse país, que qualificou Balmaceda como "um tirano
da pior espécie" e da oligarquia chilena que, entre outras
coisas, aumentou abusivamente os preços dos produtos
Chile 23
de consumo popular para fomentar mobilizações contra
o presidente. Diante dessa situação. sem forças populares
organizadas, Balmaceda apelou para a força no enfren-
tamento de seus inimigos, fechando a imprensa oposi-
tora, prendendo políticos e, frnalmente, permitindo que
os militares reprimissem de forma sangrenta greves dos
mineiros no norte do país.
A guerra civil estourou em torno da oposição entre
o presidencialismo forte de Balmaceda e o parlamentaris-
mo do Congresso, que chegou a fazer com que o presi-
dente tivesse que nomear dez ministérios em um ano e
meio. Depois de oito meses de enfrentamentos, Balma-
ceda, derrotado. refugiou-se na embaixada dos Estados
Unidos - que o apoiavam na oposição à dominação bri-
tânica sobre o país -, e no dia em que deveria terminar
seu mandato, ainda no recinto diplomático, se suicidou.
As prerrogativas das empresas mineradoras inglesas
foram restauradas, assim como as condições de explo-
ração da mão-de-obra rural, enquanto o Parlamento, co-
mo centro de representação do poder oligárquico, voltou
a desfrutar de todas as suas prerrogativas. Passando a
conviver com o crescimento de um movimento operário
em expansão conforme se desenvolvia a economia mi-
neira. as tensões sociais somente podiam aumentar, na
medida em que o caráter reacionário das elites. no poder
se recusava a ceder espaço para as novas camadas sociais
emergentes, não apenas as operárias, mas também as ca-
madas médias. O novo acúmulo de contradições voltaria
a explodir nas décadas seguintes, até que o regime fosse
substituído na década de 20.
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o CHILE OPERÁRIO
Um dos traços marcantes da história chilena vem
do caráter que assumiu sua economia a partir das últimas
décadas do século passado, como exportadora de mine-
rais. Se esse caráter primário exportador' coincide com o
dos outros países do continente e do Terceiro Mundo,a
exploração mineral implica diferenças sociais importan-
tes em relação a um país como o Brasil, centrado na
produção e exportação de um produto agrícola, como o
café. A cafeicultura multiplicou o campesinato, enquanto
a produção mineira desenvolveu a classe operária, com
implicações muito importantes no plano social.
Indústria mineradora e formação
da classe operária
A indústria mineradora concentra grandes contin-
gentes de trabalhadores em zonas desérticas, fazendo de-
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II
25
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Chile
les O setor fundamental daquelas regiões. No caso chi-
leno, a exploração inglesa do salitre requereu a trans-
ferência de grande número de trabalhadores do centro e
do sul do país. Pelas características áridas .da zona sali-
treira, esses trabalhadores dependiam totalmente de abas-
tecimento externo. As comunicações - navais, em geral
- com o centro-sul do país eram, por essa razão, e pelo
caráter exportador daquela produção, muito importantes.
Os trabalhadores marítimos colocaram aquele contingen-
te estratégico da classe operária chilena em contato com
.o restante dos trabâlhadores, como uma espécie de COf-
reiade transmissão, típica desse tipo de "economia de
enclave", como são conhecidas as economias mineiras.
A concentração da classe operária favoreceu o de-
senvolvimento das organizações dos trabalhadores, desde
suas primeiras formas de associação cooperativa até os
partidos políticos de esquerda, que surgiram e se for-
talecerarAno Chile como em nenhum outro país do con-
tinente. A organização operária no Chile começou a de-
senvolver-se na segunda metade do século XIX, de for-
ma mais concentrada depois da Guerra do Pacífico e do
incremento da exploração do salitre. Foram os artesãos
os primeiros a organizar-se"em associações de "socorro
mútuo". Chegaram a agrupar-se nelas cerca de 10 mil
membros.
Com o desenvolvimento da economia mineira -
do salitre, no norte, mas também do carvão, no sul -
foram surgindo organizações especificamente operárias,
umas chamadas Sociedades de Resistência e outras de-
I
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jJ
2726 EmirSader Chile
da Argentina e, junto com o peruano José Carlos Má-
riategui e com o cubano Julio Antonio Mella, são os
principais expoentes da primeira geração dos marxistas
latino-americanos que, além de teóricos, foram os fun-
dadores dos PCs de seus países. A seu lado figuravam
líderes anarquistas e anarco-sindicalistas, emigrantes eu-
ropeus após as grandes ondas repressivas que se segui-
ram aos acontecimentos de 1848 e 1871.
Depois de décadas de crescimento do movimento
operário não-reconhecido legalmentee dos choques com
a polícia e o exérci~, e da expansão das concentrações
urbanas - no final dos anos 20 quase a metade da po-
pulação chilena já era urbana - como resultado do cres-
cimento das atividades estatais, de serviços, frnanças e
comércio, os anos 20 surgiram como de esgotamento do
tipo de regime político oligárquico herdado do século
anterior.
Essas tensões acumuladas convergiram para as elei-
ções presidenciais de 1920, quando um líder popular do
norte, apesar de originário das elites dominantes, con-
seguiu expressar eleitoralmente o descontentamento de
amplos setores da sociedade e triunfou sobre os candi-
datos que representavam a continuidade do regime tra-
dicional. O Partido Comunista lançou a candidatura de
seu líder, Recabarren que, no entanto, preso, não pôde
fazer campanha, facilitando a galvanização dos trabalha-
dores pela impetuosa candidatura de Arturo Alessandri.
O novo presidente retomou em parte o programa
de Balmaceda, a começar peta reivindicação do presiden-
~
nominadas Mancomunales. Estas novas organizações, à
diferença das anteriores, combinavam a autodefesa e a
ajuda mútua com o enfrentamento e a luta contra os pa-
trões.
o impacto da mo6i1ização operária
na política chilena
Na entrada do novo século multiplicaram-se os cho-
ques com as forças do governo, que não reconhecia o
direito 'legal de existência das organizações operárias.
Em 1907 deu-se o maior massacre da história do mo-
vimento operário chileno, quando uma greve de mineiros
do norte levou-os a concentrar-se numa escola da cidade
portuária de Iquique. O governo enviou navios de guerra
que apontaram seus canhões em direção à Escola Santa
Maria de Iquique, onde se encontravam os trabalhadores
e, enquanto ainda se estabeleciam negociações, abriu fo-
. go, matando milhares de pessoas, entre homens, mulhe-
res e crianças.
O efeito foi muito grande entre os trabalhadores,
mas isso não impediu que em 1909 fosse fundada a pri-
meira central sindical no país - a Federação Operária
do Chile, conhecida como FOCH. Em 1912, sob a di-
reção de Luis Emilio Recabarren, foi fundado o Partido
Operário Socialista que, logo depois da revolução so-
viética, transformou-se no Partido Comunista do Chile.
Recabarren havia participado-também da:fundação do PC
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28 EmirSader Chile
tradicional na legislação espanhola, segundo o qual aque-
le direito era sujeito às limitações "necessárias à ma-
nutenção e ao progresso da ordem social".
No plano político, no entanto, Alessandri se enfren-.
tava à força dos militares que o haviam recolocado no
governo. Entre eles estava o ministro da Guerra, Carlos
'Ibafíez, a quem, depois de múltiplos conflitos, Alessandri
entregou a presidência, depois de renunciar de novo. Iba-
fíez convocou novas eleições, em condições de duvidosa
democracia, e triunfou com a quase totalidade dos votos.
Ibafiez governou então no estilo de caudilhos pro-
gressistas que proliferavam àquela altura na região, como
o presidenteargentino Irigoyen, do Partido Radical e o
uruguaio Jorge Battle, do Partido Nacional. Muitos dos
programas de Alessandri foram colocados em prática por
Ibafiez, porém de forma autoritária, chocando-se com o
movimehto operário ao tentar contrapor às organizações
tradicionais sindicatos legais subordinados ao Estado.
Crise de 1929: efeitos econômicos e políticos
Mas a crise de 1929 não poupou nenhum governo
da América Latina, fosse ele conservador ou progressista.
Foram tão violentas as conseqüências dá recessão norte-
americana - que se alastrou logo por todas as me-
trópoles - para um continente totalmente subordinado
ao comércio exterior com elas, que os efeitos sociais fo-
ram imediatos e fulminantes. O Chile foi o país da Amé-
;;o.r••,
29
cialismo, além de um imposto sobre a renda, da nacio-
nalização dos bancos e companhias de seguros, da par-
ticipação nos lucros das empresas por parte de seus em-
pregados e da ampliação do ensino público. Propugnava
também leis sociais de proteção ao trabalhador, limitando
as horas de -trabalho, proibindo o trabalho das crianças,
regulando o das múlheres, criando seguro contra o de-
semprego, os acidentes de trabalho, as doenças e a ve-
lhice, garantindo igualmente a aposentadoria dos traba-
lhadores.
Essa avançada legislação econômica e social cho-
cou-se de novo com as elites dominantes, que contro-
lavam o Congresso, e produziu-se uma situação similar
à enfrentada por Balmaceda, que a princípio teve um
desfecho idêntico: Alessandri renunciou e se refugiou na
embaixada norte-americana. Uma junta militar conser-
vadora o _~1,1-ºª-titl!iuno go~ino, até, ql!e um grupo de
Jovens oficiais sensíveis às reforinas propostas por Ales-
saniri_ª-Jl~1Dlh<!Sse LO i:onvi<iasse a reassumir a pre-
-Sfciênci~ ' . .
Na volta ao governo Alessandri promoveu a ela-
boração de uma nova Constituição, que foi aprovada em
plebiscito e passou a vigorar a partir de 1925. O pre-
sidencialismo era restabelecido plenamente, criava-se um
imposto gradativo à renda, a Igreja católica deixava de
ter qualquer vínculo oficial com o Estado, e o direito de
voto era estendido a todos os cidadãos alfabetizados do
sexo masculino acima -de 21 anos. No tocante ao direito
de propriedade, incorporava-se um avançado dispositivo
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~.
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30 EmirSader
rica Latina onde esses efeitos fizeram-se sentir com mais
gravidade, porque a crise de 1929 coincidiu com o es-
gotamento do ciclo do salitre, quando a Alemanha intro-
duziu o nitrato sintético como sucedâneo e a produção
chilena não encontrou mais mercado.
As conseqüências sobre os trabalhadores são tam-
bém diretas e arrasadoras. Populações inteiras perdem
seus meios de subsistência e, do dia para a noite, cidades
e regiões são totalmente esvaziadas, transformando-se
em cidades fantasmas, com casas e ruas completamente
vazias: Dezenas de milhares de trabalhadores com suas
famílias passam a vagar pelo país em busca de meios
alternativos de sobrevivência; uma situação agravada,
nesse caso, pela recessão internacional. Se em 1925 o
salitre chegou a empregar 60 mil trabalhadores, em 1932
essa cifra havia baixado para 8.500.
Esses momentos de ruptura representam cortes'
. bruscos na formação do proletariado como classe social.
Sua base econômica imediata .desaparece, as organiza-
ções se ressentem disso e enfraquecem, passando o mo-
vimento por períodos de corte na dinâmica de sua cons-
tituição como classe e como força social e política até
que um novo ciclo, anos depois, volte a congregá-los em
outra região, de outra forma.
A economia chilena, sustentada fundamentalmente
na exportação salitreira, entrou na pior crise de sua his-
tória. Quase 90% da arrecadação do Estado chileno provi-
nha do comércio exterior, cuja rápida desaparição produz
a bancarrota do governo.
Chile
Em 1931, depois de grandes movimentos populares
contra seu governo, que desembocaram numa greve ge-
ral, Ibaãez renunciou à presidência e o Chile entrou num
novo período de instabilidade política. Em meio à crise
econômica, nenhum governo conseguia estabilizar-se. Na
presidência interina que se seguiu à queda de Ibaãez,
houve uma rebelião de marinheiros no porto de Valpa-
raiso que sensibilizou todo o país. Os oficiais foram pe-
gos como reféns, e a FOCH decretou uma greve geral
de apoio às reivindicações econômicas dos marinheiros.
Estes foram cercados pelo exército e bombardeados pela
aviação, o que levou ao fmal do movimento, mas tam-
bém condenou o governo à morte.
A queda do governo conduziu ao poder uma junta
, militar heterogênea, mas que, num gesto inesperado, pro-
clamou a fundação de uma "república socialista". Entre
seus integrantes se achava Marmaduke Grove, militar
que havia participado do movimento de Ibafiez, mas que
se havia retirado por divergências, dadas as posições re-
pressivas deste. Participavam também dirigentesmaçons
de um grupo socialista recém-fundado.
O socialismo proclamado não tinha perfis defmi-
dos. Baseava-se nas tradições européias, sem um alinha-
mento direto com a social-democracia, mas sem o apoio
dos comunistas, que mantinham uma posição extremista
nesse período, pregando uma linha insurrecional. A linha
"socialista" derivava mais de um sentimento de busca de
soluções para a miséria em que se encontrava o país atra-
vés da jusfiçasocial e de um certo redistributivismo.
31
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32 EmirSader
Assim que assumiu, o governo anistiou os presos
políticos, incluídos os marinheiros "da rebelião de Val-
paraiso, readmitiu os professores expulsos por razões po-
líticas, incentivou o movimento sindical, devolveu os ins-
trumentos de trabalho penhorados pelos trabalhadores,
suspendeu o despejo dos inquilinos endividados e co-
locou a necessidade tíe nacionalizar as minas de cobre,
de carvão e de salitre. A resposta das classes dominantes
não se fez esperar: houve uma rápida corrida aos bancos,
ao que o governo respondeu com uma transferência dos
créditos e depósitos em moeda estrangeira ao Estado.
Com o movimento popular dividido - tendo a opo-
sição dos comunistas - e sendo vítima de forte oposição
da burguesia unificada, a junta de governo foi demons-
trando divisões internas; até que, apenas doze dias depois
de ter sido instalada, a "república socialista" foi derru-
bada por um golpe militar dado por um dos próprios
membros que haviam participado de sua proclamação. O
governo que a seguiu tentou manter algumas das medidas
anunciadas por Grove, mas também logo foi substituído,
sendo convocadas novas eleições presidenciais. Concor-
reu o ex-presidente Arturo Alessandri, que triunfou sobre
Grove, congregando socialistas que no ano seguinte
(1933) fundaram o Partido Socialista do Chile. Os co-
munistas ficaram em último lugar.
Alessandrl governou com mão de ferro sobre um
país com quase 200 mil desempregados vagando de ci-
dade em' cidade, com uma economia estagnada e com
protestos sociais vindos de todas as camadas da popu-
Chile
lação. A situação só voltou a estabilizar-se quando os
efeitos de um novo ciclo mineiro começaram a ser sen-
tidos. Isso se deu com o ingresso maciço dos capitais
norte-americanosç-depois que a crise do salitre tinha re-
presentado também o fmal da hegemonia do imperialis-
mo inglês na economia. O cobre foi o destinatário dos
investimentos dos EUA, que transformaram radicalmente
as condições de produção nesse ramo, com tecnologia
avançada e uma produção em larga escala. Uma nova
reagrupação da força de trabalho voltou a se dar, em
novas zonas, a maior parte delas no norte do país, com
as mesmas características sociais daquelas que o Chile
havia conhecido com a exploração do salitre.
O governo de Alessandri não chegou a gozar das
novas condições propiciadas pela expansão da produção
do cobre. O caráter repressivo de seu governo possibi-
litou que uma aliança de partidos de oposição ganhasse
as eleições seguintes, realizadas em 1938. Essa vitória
permitiu a única experiência de governo de Frente Po-
pular na America Latina.*
o governo da Frente Popular
O que significava esse tipo degoverno? A década
de 30 viu crescer na Europa as forças de extrema direita,
* Na década de 30, a Europa assistiu a duas experiências de Frente Popular
(França e Espanha), ambas fracassadas.
33 III
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11.
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34 EmirSader 1 Chile
locado em minoria, isolado politicamente, terminou se
suicidando. Com a crise do salitre, a FOCH também en-
trou em crise. O PC viu sucederem-se vários secretários-
gerais, até mesmo um que havia sido infiltrado pela po-
lícia no partido, que ficou reduzido a proporções míni-
mas. Foi com a reorganização da classe operária a partir
da expansão da produção do cobre que o partido também
foi se recuperando, até modificar sua linha e estabelecer
alianças com os socialistas e o Partido Radical.
No seu programa, a Frente Popular chilena se pro-
nunciava:
"1) contra a opressão e pela restauração das liber-
dades democráticas;
2) contra o imperialismo e a favor de um Chile
para os chilenos;
3) contra a miséria material e intelectual do povo
e.pela implantação de uma justiça sócio-econômica mo-
derna ·para as classes médias e trabalhadoras".
A partir daquele momento o 'Chile recuperou a es-
tabilidade política, passando por três décadas e meia de
continuidade de seu sistema político, até o golpe militar
de 1973.
35
~'t
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inicialmente com a ascenção do fascismo italiano, chega-
do ao poder já na década anterior, com Mussolini. Com
a esquerda dividida entre social-democratas e comunis-
tas, Hitler encontrou um campo mais fácil para chegar
ao governo, impondo uma grave derrota à esquerda. Na
Espanha a guerra civil demonstrava a força ascendente
de Franco, e em Portugal se consolidava o governo de
Salazar, todos sob a influência do fascismo e do nazismo.
Depois da funesta experiência alemã, a Internacio-
nal Comunista abandonou sua linha extremista de luta
insurrecional pelo poder e de combate contra todas as
. outras forças, incluídos os social-democratas, para propor
a formação de frentes populares, alianças de todos os
setores considerados democráticos na luta contra o fas-
cismo ascendente. Os comunistas se recusavam a dirigir
essa frente, colaborando com governos que representas- ~
sem coalizões de resistência à extrema direita. Na França f
formou-se um governo dirigido pelo Partido Radical e :
apoiado por socialistas e comunistas. Na Espanha cons-
titui-se uma coalizão similar. No Chile, justamente com
o nome de Frente Popular, fez-se uma aliança com um
candidato do Partido Radical - Pedro Aguirre Cerda
-, apoiado pelo recém-fundado Partido Socialista e pe-
los comunistas.
. Estes haviam passado por um período prolongado
de crise. Quando, na década anterior, assumiu o governo I~
uma junta militar considerada progressista, sob a direção
de Ibafiez, a maioria dos comunistas decidiu pelo apoio
a esse governo. Recabarren, seu principal dirigente, co-
.r
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I ':~'IChile 37
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~ "-, lista", vinha se afirmando um programa democrático e I
/ popular de reformas, que a crise desatada a partir de ;1 I,
1927 somente consolidou. O governo da Frente Popular li,I foi o instrumento de sua realização. Apoiado em partidos
. democráticos e no movimento operário - agora reuni- I!IJ
" ficado sob a sigla da Confederação dos Trabalhadores i'. do Chile, Cf'Cll -' , o presidente Pedro Aguirre Cerda 11, .I
'11; Icolocou em prática uma política de incentivo à indus-
'-:> I
O CHILE DEMOCRÁTICO
trialização voltada para o mercado interno, típica desse
período na América Latina.
l A recessão dos anos 30 nos países metropolitanos
:ie, em seguida, a preparação da economia para a guerra, ,~
"
I deixou um espaço de desenvolvimento relativamente au- , I:
Foi no período de 1938 a 1973 que o Chile con- tônomo para os países da periferia capitalista, que foi I
quistou uma imagem de país democrático no continente. aproveitado, em maior ou menor grau, por praticamente t
Estabeleceu-se uma estrutura de poder que possibilitava todos eles para desenvolver o que se 'chamou de "indus- I I
amplas alianças de classe, a esquerda atuava legalmente, trialização substitutiva de importações", destinada a pro- r
f,l' com partidos implantados no movimento operário, fun- duzir nos próprios países produtos antes importados das ;, ri
cionava O revezamento eleitoral entre, várias coalizões metrópoles. ' I
~; partidárias. Houve altos e baixos nesse processo, como No Chile, mantém-se o lugar estratégico da mine- I'a colocação dos comunistas na ilegalidade durante a ração, mas desenvolve-se sob. o impulso de um órgão I'
! "guerra fria"i- como veremos mais adiante -, mas governamental especialmente criado para isso - a Cor-
111:
esse foi um parêntesis numa evolução política marcada poração de Fomento, Corfoc-, o incremento da indus-
u
mais pela estabilidade e vela continuidade, de 1938 a ' trialização, baseado num aumento pelo Estado na tributa-
I I\ 1973. ção à exportação deminerais. Deu-se início à construção I
Desde as mobilizações populares das primeiras dé- de refmarias de petróleo, de siderurgias e de outros in-
, I'cadas do século, passando pela eleição de Alessandri em vestimentos de base em apoio ao desenvolvimento in- j~1920, pela reafirmação de seu programa até pelo governo dustrial. Esse aumento dos recursos estatais possibilitou
'I
ditatorial de Ibafiez e, finalmente, pela "república socia- ; também a expansão do aparelho governamental, esten-
~"
J
" I
38 EmirSader
dendo os serviços de saúde e de educação que, por sua
vez, serviam para absorver parte do aumento das cama-
das médias urbanas, que assim se integravam no fun-
cionalismo público.
,
Ainda a Frente Popular: o
fracasso de uma experiência
Os partidos de esquerda se consolidaram como for-
ças políticas com espaço próprio. Nas eleições parlamen-
tares seguintes os dois partidos somariam, juntos, 32%
dos votos, fenômeno único no continente. No entanto, a
direção da Frente Popular estava nas mãos do Partido
Radical, formação heterogênea que incluía desde grandes
contingentes de classe média, entre os quais funcionários
.públicos e profissionais liberais, até um setor de latifun-
diários e produtores mineiros. Estes terminaram impondo
limitações•.às reformas do programa de Aguirre Cerda.
O principal sacrificado foi o campesinato, com o adia-
mento da reforma agrária e até mesmo da sindicalização
rural, num compromisso assinado pelos partidos de es-
querda e pela Central dos Trabalhadores do Chile, como
preço do compromisso com um setor latifundiário. Sa-
crificava-se assim a aliança entre os trabalhadores dó
campo e da cidade em favor de um pacto com setores,
das classes dominantes., Esta aliança é tanto mais pa-
radoxal porque a Frente Popular nascia como urna es;- .
. c. ~
tratégia de defesa contra o fascismo que, ao contrãrío'da
~ .
- ..
I~
4
Chile
Europa naquele momento, não era uma força importante
na América Latina. Mas se ele tinha uma base social de
apoio era justamente o latifúndio, atrasado e conservador
em relação a formas violentas de dominação social, e
um setor que recebia concessões fundamentais da Frente
Popular. _
Mas, como fortalecimento da esquerda, mesmo es-
sas concessões não foram suficientes para manter a uni-
dade interna da coalizão de governo. O difícil equilíbrio
entre partidos que representavam desde o movimento sin-
dical até frações mineira e latifundiária da burguesia não
sobreviveu à morte de Aguirre Cerda. Ainda houve dois
governos que reivindicaram para si a tradição da Frente
Popular, mas o espírito inicial do acordo de 1938 não
teve continuidade. Terminada a Segunda Guerra Mun-
dial, inicia-se o período deguerra fria emque, sob orien-
tação geral do governo -dos Estados Unidos, todos os
partidos comunistas do continente são colocados na ile-
galidade. O presidente Gonzalez Videla, eleito com o
apoio dos comunistas, desata uma grande repressão con-
tra uma greve mineira, o que leva os comunistas a rom-
perem o governo e os socialistas a se dividirem, uns per-
manecendo e outros saindo em solidariedade com os tra-
balhadores.-
Gonzalez Videla aproveita para decretar uma Lei
de Defesa da Democracia, ilegalizando o Partido Comu-
nista. A unidade entre os dois partidos de esquerda ter-
mina, ao mesmo tempo em que se divide a central sin-
dical, que perde toda a sua força. A força eleitoral dos
39
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dois partidos, que já havia diminuído, chegou ao [mal
dos anos 40 rebaixada e uma expressão mínima e se con-
cluía assim meiancolicamente a experiência da Frente
Popular chilena.
Ibaõez: o populismo tardio
A experiência política seguinte vivida pelo Chile
foi a de um governo populista frustrado, protagonizado
pelo general Ibafíez, o mesmo que havia sido presidente'
do país entre o [mal dos anos 20 eo começo dos 30. O
[mal dos três governos iniciados pela Frente Popular con-
cluiu-se com um desgaste dos partidos políticos, depois
de múltiplos conflitos entre eles. Disso se aproveitou Iba-
fíez para, com apoio de Perón, tentar estender até o Chile
os governos populistas - que incluíam o de Getúlio Var-
gas no 'Brasil e o ascenso ao governo do general Stroes-
sner no Paraguai, também apoiado por Perón.
Ibafiez foi candidato "contra os partidos e os polí-
ticos", utilizando como s~!llboloa vassoufã-contra a cor-
rupção, o mesmo que Jâríio Quadros usaria no ano se-
guinte em sua eleição para a prefeitura de São Paulo.
Ibafiez unia uma personalidade carismátíca com o apelo
bonapartista a LImamassa heterogênea de marginalizados
de vários setores sociais, que buscavam nele soluções as
mais diferentes para seus problemas. O crescimento eco-
nômico possibilitado pela expansão do comércio exterior
com a guerra da Coréia, que dava continuidade à situação
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1I
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Chile
gerada nos anos 30, criava condições para uma política
populista de redistribuição de renda, como as de Perón
e Getúlio.
Ibafiez foi eleito COI)1 grande vantagem sobre seus
adversários. A novidade vinha. da candidatura, pela pri-
.meira vez, de Salvador Allende à presidência, pela alian-
ça dos comunistas com uma das frações dos socialistas,
já que uma outra apoiava Ibafiez, Allende - que, muito
jovem, havia sido o ministro da Saúde de Aguirre Cerda
- fez uma campanha em tomo da reforma agrária, da
nacionalização do cobre e do fim dos monopólios, temas
que começavam a dar forina ao programa com que, de-
zoito anos mais tarde, chegaria ao governo. Sua votação
foi pequena ~ cerca de 50 mil votos -, mas com ela
a esquerda começou a retomar seu espaço político pró-
prio. . ~
Ibafiez chega ao governo um pouco atrasado para I
poder desfrutar das condições que haviam tornado pos-
síveis os fenômenos populistas na Argentina e no Brasil.*
Com o término da guerra da Coréia, o intercâmbio in-
ternacional retoma seu fluxo normal, perdendo o comér-
cio exterior dos países latino-americanos as vantagens I
das décadas anteriores. São minadas as bases econômicas
\
* Se na primeira vez que asswniu a presidência, nos anos 20, Ibaãez havia
fracassado-por ser uma tentativa prematura de populismo, nos anos 50
seu insucesso se deveu, ao contrãrío, ao caráter tardio de sua nova ten-
tativa. Assim, o Chile não consolidou movimentos populistas como os
do Brasil e da Argentina.
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I
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EmirSader42
r dos governos getulista e peronista, que caem em 1954 e
~ 1955, respectivamente. .
No Chile também a situação econômica se dete-
riorou rapidamente, refletindo-se na aceleração inflacio-
nária, conforme se retraiam os recursos provenientes do
comércio externo. Depois de vacilar, Ibafiez colocou em
prática uma violenta política antiinflacionária, recomen-
dada por uma missão econômica norte-americana, con-
forme o receituário do Fundo Monetário Internacional,
que provocou enorme recessão, desemprego, desgaste do
poder aquisitivo dos salários e, politicamente, isolamento
de seu governo. Apesar de medidas populares, corno a
derrogação da Lei de Defesa da Democracia e a extensão
de medidas de proteção social a trabalhadores do campo
- bem no estilo populista -, a imagem do presidente
não resistiu à política antiinflacionária e seu governo ter-
minou melancolicamente, como uma espécie de popu-
lismo tardio, que fracassou. Seu sucesso poderia debilitar
as estruturas fortes dos partidos chilenos, mas acabou
sendo um parêntesis que apenas os fortaleceu.
Novidades no quadro partidário
Os partidos políticos se reorganizaram e à sucessão
de Ibafíez apresentaram algumas novidades. Os tradicio-
nais partidos da direita - o conservador eo liberal -
resolvem fundir-se para formar uma única agrupação -
o Partido Nacional - como reflexo do deslocamento do
quadro partidário em direção do centro e da esquerda, II
'1i
Chile
I
desde a Frente Popular, o que faz com que a direita deixe
de lado diferenças menores para unificar-se partidaria-
mente. Seu candidato à presidência foi o filho do ex-
presidente Arturo Alessandri, Jorge Alessandri, que ga-
nhou e permitiu a volta da direita ao governo depois de
muito tempo.
No centro, o desgaste do Partido Radical com os
governos dos anos 40 e a modernização econômica do
pais, com o crescimento das camadas médias técnicas
em detrimento dos funcionários públicos e profissionais
liberais, encontra na.Democracia Cristã um representante
mais adequado. A DC aproveitou-se também do fracasso
da alternativa populista de Ibaãez, que chegou a entusias-
mar camadas médias e setores populares, para ocupar
aquele lugar.
O Partido Democrata Cristão chileno vinha dos
anos 30, quando foi fundado com o nome de Falange
Nacional, sendo apenas urna ala modernizante do Partido
Conservador. Diferenciava-se pela incorporação de al-
guns temas católicos formulados por Jacques Maritain
- um dos primeiros pensadores religiosos a incorporar
questões sociais -, mas também incluía influências
ideológicas do franquismo espanhol.
Faltava-lhe um perfil político definido e por isso
nunca havia tido resultados eleitorais significativos. Nas
eleições de 1958 obteve 20%, com seu principal diri-
gente, Eduardo Frei. A partir dali a DC cresceu rapida-
mente.
I
43
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III
I
H11I
'I
IJ
44. EmirSader
A esquerda, por sua vez, contou com a reunificação
do Partido Socialista, do fortalecimento de sua aliança
com o PC e com um grande desenvolvimento do mo-
vimento sindical, na resistência à política antiínflacio-
nária de Ibafiez. Allende de novo foi seu candidato e
desta vez chegou em segundo lugar, com uma diferença
de apenas 35 mil votos' para Alessandri. A política chi-
lena revalidava assim um tipo de divisão em, aproxima-
damente, três terços do eleitorado entre a direita, o centro
- onde a DC substituía os radicais - e a esquerda.
Foi depois dos seis anos de governo de Jorge Ales-
sandri que o Chile voltou a viver uma experiência de
governo significativa - a da Democracia Cristã, sob a
presidência de Eduardo Frei. Esse governo teve trans-
cendência continental, porque ele surgia como a alter-
nativa norte-americana à Revolução Cubana, diante de
um capitalismo latino-americano em crise e de polari-
zação à esquerda pelos efeitos imediatos do triunfo de
Fidel Castro e seus companheiros.
A política dos EUA foi a formulação do que cha-
maram de "Aliança para o Progresso", em que as ajudas
econômicas eram subordinadas a reformas - especial-
mente a reforma agrária - que modernizassem o ca-
pitalismo, criassem uma camada intermediária de pro-
prietários rurais para amortecer os conflitos de classe, e
assim impedissem ou, pelo menos dificultassem, a pro-
liferação das guerrilhas no campo, da forma como elas
se davam em países como o Peru, a Colômbia, a Gua-
temala e a Venezuela. A contraposição à via cubanaes-
taria num governo reformista dentro do sistema, como o
" .~ ; .1
~
Chile
de Frei, chamado de "revolução em, liberdade", por opo-
sição ao que seria uma alternativa violenta e totalitária
de substituição do capitalismo pelo socialismo.
A eleição chilena se deu assim num clima de forte
polarização ideológica entre um candidato de esquerda
- pela terceiravez, Allende - com um programa que
se propunha a realizar transformações que levariam o
Chile ao socialismo, e um de centro, que recebia o apoio
tácito da direita, diante do que considerava uma "amea-
ça" ao sistema vigente. Para a direita, a campanha se
deu pela confrontação entre "comunismo e democracia".
O confronto no entanto se dava entre dois programas de- '
reformas, em que a DC se preocupava em fortalecer ex- I
plicitamente as estruturas sociais do capitalismo, median- i
te reformas agrária e urbana e por um processo moderado
e cauteloso de "chilenização" do cobre - um exemplo
de renegociação das condições de dependência -, en-
quanto o tom das reformas da esquerda era mais acen-
tuado e se propunha, além disso, a nacionalizar o cobre
em mãos de companhias estrangeiras. Na política exter-
na, evidentemente, as diferenças eram marcadas, com ali-
anças prioritárias com os EU A no caso da DC e uma
política extema independente na formulação da esquerda. v
Frei: o reforrnismo conservador
A vitória de Frei se assentou no fortalecimento da
DC como partido policlassista que conseguiu reunir o
45
,I
1,1
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1,1
1
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46
-'
EmirSader J
,
e~presariadoindustrial, grandes setores de camadas mé-
.dias e setores marginalizados do campo e das cidades;
Y além de obter o apoio da direita, diante da força do can-
didato da esquerda. No governo, Frei foi o presidente
latino-americano que recebeu mais :jüda per capita na
América Latina dos EUA, coerentemente com o caráter
de experiência modelo-da "Aliança para o Progresso".
..- Como funcionou essa. "revolução em liberdade" da
Democracia Cristã?
A "chilenização do cobre" foi um processo de na-
cionalizaçãopactuado, em que o governo sepropunha a
comprar 51% das ações das companhias estrangeiras, mi-
nas q.uena verdade eram chilenas. Além disso o governo , I
chileno dava várias garantias àquelas empresas, entre as !
quais uma diminuição dos impostos e taxa de câmbio e "
impostos de exportação fixos por mais de vinte anos. O
pacto acabava sendo-uma aliança subordinada do estado,
chileno com as empresas mineradoras norte-americanas ..
Na sua política agrária, o governo estabeleceu cri-
térios de desapropriação de terras que permitiam a sobre-.
vivência de grandes latifúndios superiores até mesmo a
7 mil hectares. O objetivo conseguido pelo governo foi
mais o de elevar a produtividade das empresas agrícolas,
pressionando-as com uma maior tributação. Quanto à
criação de um amplo setor de pequenos proprietários
agrícolas (100 mil), ela foi atendida numa mínima pro-
porção.
Mas com sua ação o governo Frei contribuiu para
\ acentuar a atividade social no. campo. A sindicalização
. camponesa avançou, com a cnação de uns quatrocentos
J
1
I I
!
,
,
Chile
sindicatos camponeses com mais de 100.mil membros.
Outros 80 mil pequenos agricultores se organizaram em
cooperativas. As greves e invasões de terra multiplica- I
ram-se e houve uma tendência a se generalizar um clima :
tenso no campo, mas que permitiu aos camponeses, pela
primeira vez na história do Chile, ter uma intervenção
política própria, em função de seus interesses, mesmo
que esses não tivessem sido atendidos pelo governo .
Junto aos camponeses os setores marginais urbanos \
também se mobilizaram amplamente. Os problemas de I
habitação os levaram a se organizar e lutar mediante to-
madas de terreno, .resistência aos desalojamentos POli-
jciais e formulação de suas plataformas de reivindicação.Esses dois setores rompiam a barreira que o sistema so-cial e político chileno lhes havia imposto, alijando-os até
ali da integração na vida do país.
, A' extrema-direita chilena passou à considerar Frei.
como um "Kerensky chileno'Latribuindo-lhe a respon-
sabilidade por ter aberto o caminho para o crescimento
da esquerda e, finalmente, sua chegada ao governo, por-
que mexeu em agudos problemas sociais que não soube
resolver, deixando aqueles setores mobilizados e dispo-
níveis para as forças "comunistas". Longe de ser tão sim-l
pies, essa versão no entanto tem algo de verdade ao re-
velar como o tímido refonnismo democrata-cristão ficou
no meio do caminho, vacilando, recuando diante das difi-
culdades das reformas que tratava de realizar, favorecen-
do o esclarecimento e aguçamento de contradições se-
culares com dificuldade de se expressar. Diante desses
47 ~.'
I
.
~
H Emir Sade.
lObstácuIOS'Ogoverno de Frei entrou em crise, passandoa assumir posições crescentemente conservadoras e aban-donando as reformas pouco a pouco.
A eleição de Allende,
o Chile voltou a polarizar-se nas eleições de 1970,
mas desta vez entre a direita e a esquerda, diante do
fracasso do governo de Eduardo Frei. A esquerda se
apresentava mais uma vez com Salvador Allende, através
de uma frente chamada Unidade Popular, à qual se so-
maram dois pequenos grupos saídos da Democracia Cris-
tã. Pela direita concorria de novo Jorge Alessandri. A
DC, dividida entre suas alas direita e esquerda, lançou
um representante desta - Radomiro Tomic -, que se
propunha a aprofundar as reformas deixadas de lado por
Frei.
r Allende triunfou, embora obtendo apenas 34% dos
\ votos, mas favorecendo-se da divisão das outras candi-
Idaturas. Alessandri ficou em segundo lugar, com apenas30 mil votos a menos que o candidato da esquerda, eTomic em terceiro. Na sua quarta tentativa, dezoito anosI depois da primeira e 32 anos após ser ministro da Saúde
do governo de Aguirre Cerda, Salvador Allende chegava
à presidência do Chile, para inaugurar uma experiência
única no mundo - a da transição pacífica do capitalismo
ao socialismo. Mais uma vez o Chile era o berço de um
,,-acontecimento único. .
I I lt 'I
o CHILE SOCIALISTA
A diferença principal entre o governo de Allende
e os governos sociais-democratas europeus é que, no
Chile, pretendia-se superar o capitalismo e instaurar um
sistema socialista, enquanto no Velho Continente tratava-
se de introduzir conquistas sociais dentro do capitalisíii'§:
Essa diferença se evidenciava no programa dos partidos
. socialista e comunista, que reivindicavam para si o mar-
xismo e o socialismo anticapitalista.
( O programa da Unidade Popular estabelecia cinco
.objetivos fundamentais:
- criar uma nova ordem institucional, o Estado
Popular;
- construir uma nova economia, baseada em uma
área de propriedade social e na reforma agrária;
- realizar um graride avanço no plano social;
- promover a cuitura e a educação;
- conseguir a plena autonomia internacional.
...
50 Emir Sader
í Considerava-se que o governo da UP tinha comofmeta central "a transferência do poder, dos antigos gru-
, pos dominantes para os trabalhadores, o campesinato e
os setores progressistas das camadas médias da cidade e
do campo". A expressão institucional dessa mudança se-
ria o Estado Popular, que comportaria o pluripartidaris-
mo, uma Assembléia do Povo, como órgão legislativo
único em nível nacional e várias instâncias de partici-
pação popular.
A nova economia visaria a terminar "com o poder
do capital monopolista nacional e estrangeiro e do la-
tifúndio, para iniciar a construção do socialismo". Essa
estrutura econômica se basearia numa área de proprie-
Made social como seu setor dirigente, complementado pe-
a área de propriedade privada e pela de propriedade mis-
a. Na primeira estariam: .
_\ - a grande indústria mineradora, o que implicava
a nacionalização das grandes minas de cobre,
de ferro, de salitre e outras;
! - o sistema financeiro, em especial os bancos pri-
vados e empresas de seguros;
- o comércio exterior;
- as grandes empresas e monopólios de distri-
buição;
- os monopólios industriais estratégicos;
- as atividades que condicionam o desenvolvi-
I mento econômico e social do país, como a
produção e distribuição de energia. elétrica, o
transporte ferroviário, aéreo e marítimo, as
H
,I""-
I,
•
I
,.
Chile
comunicações, a produção, refmo e distribuição
de petróleo e seus derivados, incluindo o gás, a
siderurgia, a indústria do cimento, a petroquí-
mica e a química pesada, a produção de celulose
e depapel.
As transformações estruturais se baseavam, em
-grande parte, no ataque à hegemonia que os monopólios
exerciam sobre a economia, com 150 empresas - das
30 mil existentes no país - controlando os mercados, a
ajuda estatal, o crédito bancário e explorando os outros
empresários, ao vender matéria-prima a preços elevados
e comprando-lhes os produtos por preços baratos. Essas
empresas seriam expropriadas, passando à área de pro-
priedade social, que estabeleceria um planejamento na-
cional da economia.
Tentativas de impedir a posse
Mas antes mesmo de tomar posse, Allende teve de
enfrentar grandes dificuldades - legais e ilegais -, que
prenunciavam os obstáculos que o sistema do poder rei-
nante impunha à aceitação de um governo como o dele,
apesar de eleito conforme os critérios estabelecidos pela
constituição vigente. Ao não dispor de maioria absoluta,
o congresso tinha de se pronunciar entre os dóis pri-
meiros colocados. Esse era um trâmite formal, já que em
todos os casos anteriores o vencedor havia sido confir-
mado automaticamente pelos parlamentares, mesmo não
-.....~
51
II
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II
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i~ 52
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dispondo de maioria no Parlamento. Isto acontecia fre-
qüentemente porque o esquema político chileno não fazia
coincidir, propositalmente, as eleições presidenciais com
as parlamentares, como elemento de moderação. Assim,
normalmente um presidente eleito se encontrava com um
Congresso onde não dispunha de maioria. E, três anos
depois, nas eleições dt! renovação do Congresso - o
mandato presidencial era de seis anos -, o presidente
costumeiramente já não tinha o respaldo popular do iní-
cio de seu governo, não conseguindo conquistar aquela
maioria.
A direita e o centro imediatamente se rearticularam.
Bastaria que a DC votasse no candidato da direita para
que a vitória de Allende fosse frustrada. Mas isso apa-
receria ao país como uma burla ao resultado eleitoral, o
que poderia provocar grandes mobilizações de protesto
popular. O Partido Nacional chegou a oferecer à DC a
proposta de que, uma vez vencedor, Alessandri renun-
ciaria, convocando-se novas eleições, em que a direita,
para não perder tudo, se comprometia a votar em Tomic,
o candidato democrata-cristão colocado em terceiro
lugar.
A DC ficou bloqueada diante da tentadora proposta,
porque estaria hipotecada à direita, em contradição com
parte significativa de seus eleitores, que haviam votado
em um candidato e uma plataforma de centro-esquerda
'com Tomic. Mas antes que a DC pudesse se pronunciar,
uni outro acontecimento veio interromper essa tentati-
va de bloqueio legal da posse de Allende: uma tentativa
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Chile
golpista explodiu bruscamente na pacata democracia chi-
lena. O comandante-em-chefe do exército chileno, ge-
neral René Schneider, foi assassinado. O comando apa-
rentemente desejava seqüestrá-lo, para provocar o Exér-
cito-criar um clima de insegurança e pressionar as FFAA
para intervir, mas acabou matando-o diante de sua re-
sistência.
Logo a trama ficou a descoberto, revelando uma
conspiração golpista de grande envergadura em que apa-
reciam envolvidas personalidades da corte suprema de
justiça, altos oficiais do Exército, da Marinha e da Aero-
náutica, assim como agentes do serviço de segurança,
implicando igualmente políticos da direita chilena. Tudo
se articulava com um clima de pânico que se tentava
gerar. O ministro da Economia do governo de Frei, em
cadeia nacional de rádio e televisão, afmnou que reinava
o maior caos econômico devido à vitória de Allende,
incitando implicitamente ao seu incremento. No mesmo
momento, um comunicado interno da ITI - Interna-
tional Telephone and Telegraph, importante monopólio
norte-americano dos meios de comunicação - dizia:
"Os banqueiros não devem renovar os créditos ou de-
vem demorar para fazê-lo. As companhias devem de-
morar para transferir os fundos e efetuar os pagamentos,
enviar peças de reposição, etc. As instituições de pou-
pança e de empréstimos locais têm problemas. Se se faz
pressão sobre elas, terão de fechar suas portas, o que
criará uma pressão mais forte".
/
~
53
~
54 EmirSader
,
Ninguém foi condenado pelo assassinato do general
Schneider, mas ficou claro que as regras do jogo seriam
pesadíssimas. À DC não restou alternativa senão votar
pela confirmação de Allende no Congresso, até mesmo
pata distanciar-se das articulações golpistas descobertas
de seus eventuais aliados do PN. Mas impuseram a Al-
lende um documento ~hamado "Sobre as Garantias
Constitucionais", em que se reiterava o compromisso de
Allende em cumprir a Constituição, além do próprio ju-
ramento feito como presidente e do programa da UP de
respeito à institucionalidade vigente. Allende assinou o
documento, teve seu nome aprovado pelo Congresso e
tomou posse, num clima entre a euforia e a preocupação.
o governo da Unidade Popular
A estratégia da Unidade Popular era a de ir ocupan-
do espaços gradualmente dentro do aparelho de Estado
burguês, começando pelo Executivo, para ir transforman-
do-o, sucessivamente, assim como à estrutura social, em
sua natureza de classe, até chegar a um Estado e urna
sociedade socialistas. Como se tratava de uma coalizão
em que predominavam partidos marxistas, eles tinham
que traduzir essa estratégia sui generis em termos dos
princípios daquela teoria que prevê que a transformação
revolucionária de um Estado burguês num socialista tem
de passar pela situação de oposição de dois poderes -
chamada de dualidade de poderes- como, por exemplo,
as caracterizadas pela formação dos sovietes na Rússia
•...
Chile
ou das zonas liberadas na China, Vietnã ou Cuba. Pri-
meiro se configuraria uma situação de oposição entre do-
is poderes contraditórios, até que um deles triunfasse so-
bre o outro.
No caso chileno, os teóricos que mais avançaram
nesse campo definiram a situação da eleição do governo
de Allende como a de um duplo poder dentro do apare-
lho de estado. Isto é, a oposição não seria entre o Estado
burguês e uma força formada fora dele, mas entre forças
que se enfrentariam no seu interior. O Executivo seria o
pólo socialista ou revolucionário dentro desse Estado,
contrapondo-se aos outros ramos do aparelho estatal.
Com essa visão se pretendia dar a chancela de uma si-
tuação revolucionária à eleição do governo da UP. Ve-
remos depois as contradições e limitações dessa teoria.
O primeiro ano de governo de Allende foi marcado
por um programa de reativação da economia, baseado
na utilização da capacidade ociosa, induzida pelo incre-
mento da demanda produzida pelo aumento dos salários.
Colocou-se em prática um processo 'de redistribuição de
renda, que resultou num aumento de 61,7% da pái1íci-
pãção dos salários no produto interno - um recorde para
o país -, enquanto o capital baixava de 50% a 37,2%
sua participação. A inflação foi mantida sob controle no
primeiro ano de governo. Avançou-se na naCionalizaçã~
de empresas constantes da lista de monopólios, assim
como na nacionalização da grande indústria mineradora
do cobre. Os bancos foram estatizados e avançou-se no
55
0<,
56 EmirSader
\ processo de reforma agrária, abandonado pelo governo
L Frei.r Os avanços do governo se refletiram nas primeiras
eleições. Cinco meses depois da posse, em eleições mu-
nicipais, a UP conseguiu subir de seus 34% das pre-
sidenciais para 50,2%,· isto é, ultrapassando a maioria
absoluta. A DC ficou éom 27% e o direitista PN foi
relegado para o terceiro lugar, com 20%. Houve quem
propusesse que, naquele momento, o governo deveria
\ convocar um. plebiscito submetendo à população modi-
1
·ficações institucionais necessárias para avançar no seu
objetivo' estratégico. .. . .
No entanto, por detrás da aparente bonança eco-
nômica se escondiam sinais de crise, que já no fmal de
1971começaram a vir à superfície. Afetada pelas primei-
ras nacionalizações, a burguesia deixou de investir. Em
outras palavras, a teoria de ir cortando o rabo do cachorro
aos poucos, sem que ele perceba, não ia dando certo. As
classes .dominantesacusavam os golpes, recebidos, não
reagiam passivamente a ele, apesar das aparências.
Quando a capacidade ociosa foi reabsorvida, os de-
sequilíbrios econômicos passaram a aparecer. A produ-
ção foi deixando de ser canalizada para o mercado formal
- submetido a congelamento de preços -, sendo diri-
gida para o mercado negro, alimentando, por sua vez,
um desabastecimento que logo se generalizou. Isto se
deu antes de tudo nos bens de consumo popular, ramos
que continuavam em mãos de proprietários privados -
como se pode ver pela lista de ramos a ser nacionalizados
Chile
citada anteriormente. Enquanto as camadas médias pude-
ram aumentar seu poder aquisitivo, elas deram apoio ao
governo, mas crescentemente foram se afastando dele,
conforme iam sendo-afetadas pelo desabastecimento e pe-
lo mercado negro. Um critério econornicista de aliança
com as camadas médias começava a fazer água,quando
as bases desse acordo deixavam paulatinamente de existir.
O forte crescimento do nívei de vida do povo não
encontrava oferta de produtos, que decrescia pela falt
de inversões e pela canalização para o mercado negro.
Depois de ter ficado na defensiva, relativamentedescon-
certada e dividida no início do governo de Allende, a
burguesia recomeçava a tomar a iniciativa, apoiada na
sua fonte de poder social, em última instância, a proprie-
dade privada dos meios de produção. Sabotava o apoio
ao governo, ao mesmo tempo que aumentava seus ren
dimentos vendendo os produtos no mercado negro, des
moralizando o congelamento oficial.
A segunda etapa do plano de desestabilização dOI
governo foi iniciada no final de 1971,quando este com-
pletava 'um ano de relativo sucesso. Para protestar contra
o desabastecimento - provocado pela própria burguesia
.-,a oposição começou a levar para as ruas marchas de
mulheres - especialmente de classe média, mas que fo- \
ram aos poucos ganhando a setores populares' também
- com o nome de " marchas das panelas vazias ", onde
estas eram tocadas como símbolo do protesto contra o I
governo.' ~
57
58 Emir Sadé;hile
r Por seu lado, os trabalhadores começaram a tomar
as empresas que sabotavam a produção, fosse fazendo
lockouts, fosse levando sua produção para o mercado ne-
gro. Eram principalmente empresas de ramos de con-
sumo popular, que iam se agregando à lista inicial do
governo. Este decretava sua intervenção, expediente que
somente podia funcionar por um certo tempo, ao fim do
qual a justiça ordenava a devolução aos seus proprie-
tários. Recorda-se que Allende não tinha maioria no Con-
gresso e foi, aos poucos, percebendo como se encontrava,
dentro do aparelho de Estado, cercado pelo Legislativo,
pelo Judiciário, pela burocracia e pelas FFAA.
O segundo ano de governo foi marcado por esses
impasses, que foram brecando sua capacidade de ação.
Tais freios eram resultados da ação cada vez mais coor-
denada da direita, em todos os seus escalões - o Partido
Nacional, o grupo de extrema-direita Patria y Libertad
(fundado logo depois do triunfo de Allende), a Demo-
cracia Cristã, as FFAA, o Judiciário, as organizações em-
presariais, a grande imprensa, o governo norte-america-
no, o governo militar brasileiro. Combinavam-se atos mi-
litares de sabotagem feitos por Patria y Libertad, com
travas legislativas e jurídicas postas pela oposição par-
lamentar e pelo Judiciário, declarações de altos oficiais,
campanhas de difamação na imprensa - tudo conver-
gindo para criar um clima de ingovernabilidade e obrigar
as FF AA a intervir.
Se a extrema-direita tinha essa estratégia bem de-
fmida, a Democracia Cristã pretendia amarrar as mãos
do governo, colocando o Parlamento - sob seu controle,·
I)
\it
li'
M"
onde Eduardo Frei era presidente do Senado - como
alternativa ao governo. Sua tática foi definida por um de
seus ideólogos como a do "inverno russo". Tratava-se,
segundo essa formulação, de "não dar jamais combate
ao inimigo quando este irrompe pelas fronteiras dispondo
de toda sua mística de combate e da organização de suas
forças. Dar-lhe combate nessas condições é arriscar a
sobrevivência do próprio exército e correr o risco de ficar
totalmente indefeso mais para a frente. Por isso se retro-
cede até Moscou. Entrementes, o inimigo é hostilizado
para desgastá-lo, para desorganizã-lo, para dificultar seu
avanço, para desmoralizã-lo, mas sem dar-lhe nunca a
batalha fmal. Retrocede-se até Moscou queimando terras
I
e abandonando povoados até que se aproxima o inverno
e começam a cair as primeiras neves. Essa é a hora para
I
' a primeira grande batalha e a ofensiva final".
i A comparação é com o avanço das tropas napo-
leônicas e, depois, de Hitler, na Rússia, que, incontíveis
I . no início, foram se desgastando enquanto as tropas russas
recuavam em direção a Moscou - objetivo a ser defen-
li: dido a todo custo. Ganhou-se tempo, exauriu-se o inimi-
1 go, até que chegasse o inverno e as neves, condições
favoráveis a um contra-ataque. A "Moscou" da direita
chilena, segundo essa formulação, seria a "instituciona-
lidade vigente" .. O objetivo seria afogar o governo de
Allende no interior do Estado, mediante a inviabilização
das nacionalizações de empresas, a imposição da troca
constante de ministros pelo Parlamento ao Executivo, a
denúncia sistemática da "ilegalidade" dos atos do gover-
Ir
~ ~
~
59 61
~
I
J
(L-J~
60 Emir Sader
no. Enquanto agia dessa maneira, aliando-se à extrema-
direita, a DC tratava de passar uma imagem de "socialis-
mo comunitário", com ênfase nas propriedades coope-
rativas - um instrumento diversionista, já que, quando
no governo, não haviam incluído o tema em seu pro-
grama de ação.
D
Combinavam-se assim ações terroristas, bloqueios
institucionais, campanhas de imprensa - linha que tor-
nou possível reunificar a direita em torno de uma orien-
tação de desestabilização do governo de Allende. Con-
forme o desabastecimento avançava, foram se ampliando
as "marchas das panelas vazias", surgiram greves - es-
pecialmente de setores de classe média e de estudantes
- contra as políticas do governo, que foi sofrendo der-
rotas em eleições parlamentares locais diante da direita
unificada. A oposição deixava de ter o Parlamento como
seu centro para deslocar-se para as ruas. Era a segunda
etapa do plano golpista da oposição, que havia começado
no Congresso e se estendia para as ruas, antes de desem-
bocar na ação das FFAA.
O empresariado chileno - industrial, bancário, col
mercial e rural - foi se distanciando dos partidos po-/
líticos de direita. Apoiava sua ação, mas apelava dire-j
tamente para uma intervenção das FF AA, descrente total '
mente dos meios institucionais. Durante o segundo an
do governo, as ações de sabotagem por parte dos em
presários dirigiu-se para lockouts gerais, em que busca
vam paralisar economicamente o país. Eles sabotavam
abastecimento popular, recusando-se a fornecer os pro
~
Chile
dutos que constituíam a cesta básica que o governo en-
tregava a todos os trabalhadores, desviavam essa pro-
dução para o mercado negro a preços altíssimos e ainda!
faziam campanha contra o desabastecimento - =
cado por eles mesmos - e contra as intervenções em'
suas empresas. .
Duas ofensivas que tentaram parar a economia fo-
ram contidas pela mobilização dos trabalhadores e dos
estudantes, que ocuparam as empresas paralisadas e as
fizeram funcionar. Mas a direita consolidava sua direção
sobre setores como os dos caminhoneiros, dos choferes
e dos' comerciantes - em geral pequenos proprietários
- acompanhados das profissões tradicionalmente liga-
das à DC: engenheiros, médicos e outras profissões li-
berais e quadros técnicos da indústria e do setor de ser-
viços. Financiamentos externos, provenientes de órgãos
do governo norte-americano e de empresas desse país
expropriadas ou ameaçadas de sê-lo, como a ITf e a
Anaconda - jorravam em grande quantidade para essas
associações, os jornais, revistas e rádios da direita, bem
como seus partidos, conforme foi comprovado por co-
missões de inquérito posteriores do Senado dos EUA.
Diante das dificuldades apresentadas,

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