Buscar

137 - Bolívia - Do período pré-incaico à independência - Herbert S Klein

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 43 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 43 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 43 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Coleção Tudo é História
Série Nossa América
/
"/~i ~~ 't.' <:t:::>
"'~,
Escrito pelo historiador Herbert ~'\ ~\.
j)., ein, este livro apresenta a' hisiôrui
de uma sociedade 'moldada na luta
secular entre a cultura dos in.dics
~ idinos e a cultura européia. rios
conquistadores. Combinando
informação e análise, o autor
produz uma siruese brilhante do
j'rucesso que começa C07;l a
destruição do im.pério inca, passa
pela consolidaçãc do dominio . ".
espanhol e deságua no .i.rgimentá
da Bolívia como nação
independente.
ill LBN: 85~11-02137-"
f,.'
R 1'/ ·oo tina
.,Jo período pré-incaico
(1 independência
J ierbert S. Klein tudo é história
nossa américa
• Sucre
..! • Potosí
-,
editora brasilien3e
137
Coleção Tudo é História
Escravidão Mricana na América
Latina e no Caribe
Herbert S. Klein
Mro-América
A escravidão no Novo Mundo
Ciro Flamarion Cardoso
Estrutura e Dinâmica do Antigo
Sistema Colonial
Fernando A. Novais
A América Pré-Colombiana
Ciro Flamarion Cardoso
As Independências na América
Latina
Leon Pomer
o Militarismo na América
Latina
Clóvis Rossi
"
A Rebelião de Tupac Amaru
Katia Gerab e Maria A. Resende
• Série Nossa América
Chile (1818-1990)
Da independência à
redemocratiZllfiío
Emir Sader
!
Uruguai (1500-1990) !
A República Moderada
Gerardo Caetano Hargain e José
Rilla Manta
Herbert Sol Klein
BOLÍVIA--
Do período pré-incaico à independência
Tradução: k
Alberto Alexandre Martins e
Maria da Glória P. Kok
'illHBO: 119677
---SBD- FFLCIf;U& I I
editora brasiliense j-
Copyright © by Herbert S. Klein, 1991.
Título original: History of Colonial Bolivia
Copyright © da tradução brasileira: Editora Brasiliense S.A.
Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada,
armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduz ida por meios mecânicos ou outros quaisquer
sem autorização prévia do editor.
~()5
í~~~
\J l~::t' I;/-ISBN:A35-11-02137-XPrimeira edição, 1991
Preparação de originais: Alice [unqueira
Revisão: Carmem T. S. Cosia e Ana Maria M. Barbosa
Capa: Qu4tro Design - [uliana Vasconce1l6s e Óscar Farrerons
DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI
Bolivia:905
T912
v.137
11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111
21200041177
Jp0.Js .
Rua da Consolação, 2697
01416 São Paulo SP
Fone (011) 881-3066 - Fax 881-9980
Telex: (11) 33271 DBLM BR
IMPRESSO NO BRASIL .
SUMÁRIO
Geografia e Civilizações Pré-Colombianas . o o o ••
A Criação de uma Sociedade Colonial .. o •• o • o o
A Última Fase do Período Colonial:
Crise e Crescimento .. o o o o o •• o o •• o ••• o o ••••
A Revolução e a Criação do .
Estado Nacional ~. , . , . o o : " • o o' •• , o ••• o •••••
Bolívia em Números . , .... o •••••• o o ••• o , o o o o
Indicações para Leitura. o o o o •• o o o o o o ••• o o o o • o
Sobre o Autor . o o •• o o o • o o o •• o o o o • o ••• o o o •• o
•
7
27
47
58
74
76
81
,.
A evolução histórica da sociedade boliviana não po-
de ser compreendida sem o conhecimento do contexto
ambiental em que ocorreu, pois, em muitos aspectos, a
Bolívia representa um paradoxo no quadro do desenvol-
vimento latino-americano. Apesar de sua localização pró-
xima ao Equador, a Bolívia tem poucos traços comuns
aos trópicos. Desde os primeiros assentamentos humanos
até os dias de hoje, a maior parte de sua gente tem vivido
a uma altitude de 1 500 a 4 000 metros acima do nível
do mar e as culturas mais avançadas nasceram a 3 500
metros ou mais. Embora não seja um ambiente totalmente
hostil, os planaltos têm solos mais pobres e climas muito
mais secos e frios, enfrentando adversidades que não atin-
gem as- planícies. Essa ecologia exigiu a domesticação
de plantas e animais próprios aos planaltos e teve um .
GEOGRAFIA E CIVILIZAÇOES
PRÉ-COLOMBIANAS
8 Herbert S. Klein
impacto dramático sobre a psicologia humana, já que as
populações do planalto foram forçadas a se adaptar ao
limitado suprimento de oxigênio e a níveis de pressão
atmosférica inuito desiguais.
Foi no altiplano, ou alto platô interandino - que
se estende do sul do que"hoje é o Peru à fronteira norte
do que hoje é a Argentina -, que a batata e a quina
foram domesticadas, e a lhama, a alpaca e a vicunha, os
camelídeos americanos, se desenvolveram. Entre os gran-
des rebanhos e o intenso plantio de tubérculos, as popu-
lações do altiplano foram capazes de produzir víveres e
lãs o suficiente para sua própria sobrevivência e gerar
excedentes para a troca por peixes, frutas, condimentos,
milho e coca, produzidos na costa dó Pacífico e vales
tropicais e semitropicais, a leste. O altiplano continha
também uma das maiores jazidas de minérios do mundo,
especialmente prata e estanho. Os Únicos minerais ou
hidrocarbonetos que a Bolívia não possuía eram carvão,
bauxita, cromo, platina e pedras preciosas.
Essa extraordinária herança mineral, apenas modes-
tamente explorada nos tempos pré-colombianos, viria a
se tomar, após a conquista européia, a base para a inserção
da Bolívia na economia mundial. Também a metalurgia
dos povos do planalto constituiu importante item de co-
mércio entre eles e as civilizações da costa peruana. Foi
na metalurgia e na 'criação de uma singular ecologia que
Bolívia 9
B o Li v I A:
Topografia e Ecologia
~j~j PARAGUAI
.lrwTqqrUicu.Ahi_
[] Cofdilheiradof;Andc.
• Va1esC yun,/U
• TerfllbalxulrOpkal.
7f1" •• ir 61" 66° 65° 64° 63" 61!' 61° 60" 59" 58'" S,.
~ 14 VAUSEltING.U .r.. TElt.MSlA1XASnOACAJS -I
SIIIUalO' c_"
É quase desnecessário dizer 'lue as divisões políticas que aparecem no mapa
não existiamno período antenor à conquista espanhola, tampoucono período
colonial. A rigor, elas só foram consolidadas na década de 1930. (N.E.)
111 Herbert S. Klein 11
as primeiras populações bolivianas revelaram sua maior
originalidade.
Dada a extraordinária importância dos minerais, das
culturas de tubérculos e dos produtos animais na econo-
mia andina, os planaltos permaneceram como zona pri-
mordial de exploração para os povos da Bolívia anteriores
à conquista. Mas as populações do planalto, tolhidas pela
escassez de recursos, eram forçadas a interagir com os
povos do vale e das planícies do Pacífico, a fim de obter
produtos alimentícios complementares. A chamada "in-
tegração ecológica vertical" foi o princípio organizador
da adaptação humana nos Andes. Colonos do altiplano
'1ram encontrados em todos os vales a leste assim como
também a oeste, nas costas do Pacífico. Um intenso co-
mércio inter-regional foi fundamental para a sobrevivên-
cia humana. Durante séculos de expansão, transformações
e conquista européia, os povos do planalto mantiveram
essa integração ecológica vertical intacta e combateram
todas as tentativas de isolar o altiplano de suas fontes de
comércio.
Bolívia e Peru: um passado comum
Os Andes bolivianos tinham muito em comum com
toda a região andina, da qual formavam o setor sul. Nos
planaltos central e sul do que é hoje o Peru, uma geografia
parecida criou padrões similares de integração. Uma his-
Bolívia
tória cultural comum, que remontava à chegada do ho-
mem aos Andes, contribuía também para dar unidade à
região. As populações do planalto e as da costa do Pa-
cífico subsistiam com base na caça e na coleta e se or-
ganizavam em assentamentos seminômades. A partir do
fim do último período glacial (cerca de 8000 a.C), ini-
ciou-se a domesticação de plantas e animais, mas a agri-
cultura e o pastoreio só se tomaram as formas predomi-
nantes de subsistência depois de 6 000 anos.
Em tomo de 2500 a.c., nos planaltos da região ve-
rificou-se a sedentarização em aldeias agrícolas. Assen-
tamentos permanentes, aumento da densidade populacio-
nal e uma organização social mais complexa, com múl-
tiplas comunidades submetidas ao mesmo governo, tor-
naram-se a norma. Nos mil anos seguintes, tanto a costa
quanto os planaltos experimentaram o ritmo progressivo
da vida agrícola. Grandes assentamentos urbanos também
se estabeleceram nesse período. Embora exista um debate
considerável entre os arqueólogos sobre a razão pela qual
os camponeses dispuseram-se a sacrificar parte de seus
excedentespara criar "cidades", admite-se que a religião
tenha dado o primeiro grande impulso, já que a maioria
dos primeiros assentamentos urbanos possuíam sítios re-
ligiosos e não eram fortificados. Há também os que acre-
ditam que em alguns vales próximos à costa do Pacífico,
de solo muito seco, os camponeses possam ter sido le-
vados a criar centros urbanos e governos complexos pela
12 Herbert S. Klein Bolívia 13
Por volta de 800 a.C., o desenvolvimento da cultura
chavín acarretou transformações em toda a área andina ..
Essa cultura representou a primeira organização abran-'
gendo múltiplos estados. Marcou um período de amplo
emprego de ouro e produtos têxteis, assim corno de de-
senvolvimento de técnicas avançadas. de cerâmica e ur-
banização. Importantes centros cerimoniais foram cons-
truídos ao longo da costa e nos planaltos e quase todos
os vales e platôs tomaram-se permanentemente povoados.
Os povos dos planaltos do Sul concentravam seus
esforços na metalurgia, incluindo ligas refinadas. Embora
a cultura chavín não tenha chegado tão ao sul, a ponto
necessidade de aproveitar 'suprimentos de água para a
irrigação.
A cerâmica começou a ser empregada tardiamente
(por volta de 1 800 a.C). a uso da cerâmica, ao lado do
desenvolvimento da tecnologia do metal, são indicações
da existência de estados maiores e de populações mais
densas. Em anos recentes, nos planaltos peruanos foram
encontradas. peças de cobre da cultura wankarini, da re-
gião próxima a Oruro, que datam de 1200 a I 000 a.Ci;
trabalhos em cerâmica desse mesmo período foram
descobertos em todos os principais sítios da costa e dos
planaltos.
A cultura Chavín
de alcançar o Lago Titicaca, uma cultura posterior e con-
tígua, conhecida como paracas, influenciou de fato a costa
sul do lago e as áreas de planalto circunvizinhas. Por
volta de 100 a.C., o estilo chavín desapareceu da área
andina, sendo substituído pelos vigorosos estilos locais,
circunscritos a um determinado vale ou a uma área de
drenagem. Na costa, floresceram as culturas moche e naz-
ca. Nos planaltos, a cultura waru se desenvolveu próxima
a Cuzco, e um grande centro apareceu na pequena aldeia
de Tiahuanaco, ao sul do Lago Titicaca. Essas culturas
assistiram à domesticação final de todas as plantas e ani-
mais conhecidos e ao pleno desenvolvimento da tecno-
logia peruana. Nos planaltos do que hoje é a Bolívia, foi
descoberto o bronze, liga feita de cobre e estanho; con-
tudo, por não ter sido empregado na guerra ou na agri-
cultura, ao contrário do que ocorreu na Eurásia, teve pou-
co impacto tecnológico.
Tiahuanaco
a crescimento de uma importante civilização em
Tiahuanaco, a partir do ano 100 d.C., representou um
. grande desenvolvimento na história boliviana. Tiahuana-
co foi uma avançada colônia agrícola, que produziu tam-
bém objetos de cerâmica e metal. No entanto, foi só após
600 a.C, que sua influência começou a se propagar, Sua
cultura e estilos artísticos típicos dominaram as regiões
". ~-g-
I
I.
11
14 Herbert S. Klein 15
andinas e a costa peruana desde aproximadamente o sé-
culo VII até o século XIII. Dos grandes impérios andinos
pré-colombianos o que se localizou mais ao sul foi tam-
bém um dos poucos situados em terras de planalto. Pen-
sou-se inicialmente que o império Tiahuanaco se estabe-
lecera por meio da força. Mas todas as principais cidades
Tiahuanaco descobertas áté hoje eram povoamentos não
fortificados, com arquitetura de estilo religioso.
A civilização que nasceu em Tiahuanaco promoveu
a intensificação da agricultura e uma grande expansão
do cultivo em terraços nos planaltos. Com o colapso de
Tiahuanaco após 1 200 d.e. e a ruína simultânea do im-
pério waru, surgiram múltiplos estados e impérios regio-
nais. Entre os mais significativos desses novos estados
estava o de Chimu, cravado ao norte da costa peruana,
com um grande centro urbano em Chan-Chan. Nos pla-
naltos, em torno do Lago Titicaca, os grupos mais im-
portantes foram a federação Chanka, situada ao norte de
Cuzco, e os reinos de língua aymara, localizados às mar-
gens do Lago Titicaca e na parte sul do altiplano.
Os Aymara
o desenvolvimento dos reinos aymaras assinalou
propriamente o início da história boliviana. Eles domi-
naram os planaltos centrais desde o fim do século XII
até a chegada dos espanhóis no século XVI. Os reinos
aymaras representaram um avanço importante com re-
I
_.J
"
Bolívia ~
~
lação ao período precedente de Tiahuanaco. A concen-
tração de povoados nas margens do lago em comunida-
des abertas, a comunhão de estilos na cerâmica e na de-
coração e a prática da 'agricultura de terraços foram subs-
tituídos por cidades fortificadas (ou pucara) construídas
nos cumes atrás do Lago Titicaca, pela intensificação da
criação de camelídeos e pelos chulpas, ou casas de culto
e sepultamentos, sinais do aparecimento de uma nova
religião.
Os agressivos povos de língua aymara levaram a
inclinação peruana para a organização dual ao extremo.
Existiram pelo menos sete grandes "nações" de povos
de língua aymara, cada uma delas dividida em dois reinos
separados. Assim, Lupaca e CoIla, as maiores dessas na-
ções, tiveram ambas um governo urcusuyu e outro uma-
suyu, cada um com seu próprio "rei" e controlando ter-
ritórios diferentes. A parte urcusuyu concentrava-se em.
centros fortificados nos topos das montanhas a oeste e
sudoeste do Lago Titicaca, com suas colônias agrupadas
ao longo da costa do Pacífico. Já a parte umasuyu ficava
nos planaltos do Leste e tinham a maioria de suas co-
lônias nos vales próximos (na região chamada montafta).
Os estados mais poderosos eram aqueles agrupados
em torno do lago, que pode ser considerado como o centro
vital dos povos aymaras. Os Colla e os Lupaca centro-
lavam a maior parte das margens do Titicaca, e, junta-
.mente com os Canas, sediados ao norte, eram conside-
rados os mais importantes dos reinos aymaras. Tais reinos
16 Herbert S. Klein
q MiIJ'" ""I
i i i
o km ISO
Os
Reinos Aymaras
NO FINAL DO SI1CULO XV
B INicIO 00 XVI
Bolívia
organizavam-se por meio de uma complexa estrutura de
classes e corporações. Havia os ayllus, ou grupos de pa-
rentesco, cada qual dividido em uma metade superior
(hanansaya) e uma metade inferior (urinsaya). A nobreza
estava associada aos ayllus hanansaya e o povo aos ayllus
urinsaya. Para todos os índios era vital ser membro de
um ayllu, pois desse vínculo dependia seu acesso à terra.
Os Aymara, entretanto, tinham também chefes regionais,
ou kurakas, que possuíam terras independentemente dos
ayllus ese valiam de mão-de-obra livre dos ayllus que
governavam. No âmbito do ayllu, os kurakas eram ser-
vidos por assistentes, conhecidos como jilakatas.
Assim, entre os reis, os nobres da região e os anciãos
locais, havia um grupo de indivíduos com acesso à pro-
priedade privada e com direitos hereditários sobre a terra
e a mão-de-obra, independente da estrutura do ayllu. Não
se sabe se esses direitos eram, em última instância, depen-
dentes de um favor real ou se eram de fato pessoais, o
que indicaria a existência de uma estrutura de classe in-
cipiente. Também havia artesãos e trabalhadores especiais
quê muito provavelmente não pertenciam a nenhum ayllu
e dependiam diretamente da nobreza. Eram conhecidos
nos tempos incaicos como yanaconas e devem ter sido
servos ou escravos.
Os ayllus e kurakas também tinham colonos traba-
lhando para eles em diferentes zonas ecológicas. Deno-
minados mitimaq, nos tempos incaicos, esses colonos do
planalto uniam a economia inter-regional e multiecoló-
17
• 11I
18
FP. I . ~
19Herbert S. Klein
gica. Em lugares distantes, muitos colonos coexistiam
com as populações locais não-aymaras,
A integração vertical de sistemas microecológicos
- baseada na produção de diferentes cultivos e organi-
zada numa economia sem mercado por meio de elabo-
rados sistemas de parentesco, troca e obrigações de tra-
balho - foi fundamental para a manutenção de uma so-
ciedade economicamente poderosa e dinâmica no altipla-
no. Tão extensa era essa integração que até mesmo asprósperas colônias de mineração de ouro e prata eram
mantidas por gente do planalto em Carabaya e em outros
vales do Leste, tornando os Aymara os primeiros produ-
tores de ouro dos Andes, assim como os melhores cria-
dores de animais. Tal era a riqueza desses reinos que,
apesar do domínio incae posteriormente espanhol, ainda
eram consideradas províncias extraordinariamente opu-
lentas nos séculos XVI e XVII.
Contudo, os Aymara não estavam sozinhos no alti-
plano. Juntamente com os povos de língua aymara coe-
xistiu um grande número de povos de língua uru e puqui-
na, conhecidos genericamente como Uru. Embora vives-
sem entre os Aymara e se agrupassem como estes em
ayllus duais, os Uru não tinham acesso às terras e ao
gado. Não tinham organizações políticas sólidas e traba-
lhavam basicamente como pescadores ou trabalhadores
para os Aymara. A língua puquina dos Uru representava
uma, das três maiores línguas do altiplano, ao lado do
quechua e do aymara, no Peru pré-colombiano. No Peru
BoUvia
da conquista espanhola, os Uru eram um povo pobre vi-
vendo em pequenos agrupamentos em meio aos reinos
do planalto, embora ainda mantivessem colônias dispersas
ao longo da costa do Pacífico e dos vales do Leste. A
deferência cultural prestada pelos Aymara em relação aos
Uru parece indicar que estes precederam os Aymara e
que eram remanescentes de uma civilização mais antiga
e mais avançada.
Guerreiros, economicamente poderosos e ocupando
a maior parte do altiplano e das regiões a leste e oeste,
os Aymara, no final do século XIV, predominavam na
Bolívia e numa parte importante do Sul do Peru. Mas
não eram expansionistas. No final do século XV, passa-
ram a rivalizar com uma nação de língua quechua, cujo
império emergia na região de Cuzco, ao norte do lago.
Em meados do século, os expansionistas Quechua, que
vieram a ser conhecidos pelo nome de seus govemantes
como Incas, haviam se espalhado pelos planaltos do Norte
e avançam para o Sul em direção ao distrito do Lago
Titicaca. Em torno de 1460, puderam estender sua in-
fluência sobre os reinos aymaras, que foram incapazes
de se unir contra eles.
O. império inca
A chegada dos Incas, na segunda metade do século
XV, trouxe pouca alteração na organização social, eco-
nômica e política dos reinos. Mantendo os govemantes
~
20 Herbert S. Klein 21
tradicionais e se limitando a extrair excedentes mediante
pagamentos de tributos, os Incas pouco fizeram para per-
turbar a estrutura da vida aymara. A região compreendida
pelos reinos aymaras foi organizada em uma província
conhecida como Kollasuyo (uma das quatro do império).
No entanto, a integração não foi pacífica e, em 1470,
ocorreu uma grande revolta contra o domínio inca. Os
derrotados Aymara perderam toda a independência e fo-
ram. obrigados a aceitar as colônias mitimaq de língua
quechua em todas as suas áreas, especialmente no vale
de Cochabamba, Essa revolta e as guerras a ela relacio-
nadas determinaram a composição lingüística da Bolívia
até os dias de hoje.
Entre os Aymara, os Lupaca e os Colla mantiveram
a maior autonomia, mas mesmo eles, à medida que as
estradas, silos, fortalezas, novos centros urbanos e colô-
nias militares se difundiram por todos os planaltos e vales
bolivianos, passaram a integrar cada vez mais estreita-
mente o império inca. Como os três outros setores desse
império, Kollasuyo foi obrigado a pagar tributos, a enviar
seus objetos sagrados para Cuzco e permitir que seus
nobres fossem educados pelos governantesdaquela cida-
de. O fato de os Aymara de Kollasuyo terem mantido
suas línguas e muito de suas estruturas sociais, econô-
micas e até mesmo políticas deve-se a sua prosperidade
e poder nos tempos pré-incaicos. Até mesmo a conquista
espanhola, com seu propósito deliberado de incrementar
a " quechuanização", não pôde eliminar a cultura aymara.
Bolívia
No momento em que haviam dominado inteiramente
os reinos aymaras, os Incas já tinham elaborado por
completo os esquemas básicos de sua organização impe-
rial. Contudo, os princípios desse sistema econômico, so-
cial e político altamente estruturado ainda estavam sendo
implantados quando, oitenta anos depois, os espanhóis
puseram fim a essa experiência. O desmantelamento pre-
coce do Estado inca, quando mal começara a amadurecer,
tornou extremamente difícil a análise da natureza exata
da sociedade incaica do final do século XV e início do
século XVI.
Tal como oficialmente relatado aos espanhóis, o
Estado inca era uma organização autoritária e benevo-
lente, baseada em princípios racionais de igualdade e jus-
tiça. Proibindo a propriedade privada, o Estado distribuía
bens e serviços por meio de impostos que chegavam a
até dois terços da produção do campesinato andino. Os
camponeses, por sua vez, eram organizados hierarquica-
mente em grupos de dez, cem e assim por diante. O
império era dividido administrativamente em quatro re-
giões basicamente homogêneas e dirigido por uma bu-
rocracia estatal dependente dos Incas. Essa burocracia
estatal associava-se aos chefes do Estado por meio de
grupos clânicos. Uma religião estatal que enfatizava as
virtudes cívicas e inteiramente sincrética em relação a
todas as religiões precedentes era o instrumento que ga-
rantia o consenso.
22 Herbert S. Klein
A conquista rápida dos mais variados tipos de povos
indígenas por parte dos Incas criou uma sociedade rela-
tivamente heterogênea. Uma rede de estradas foi cons-
truída e um amplo sistema de silos foi posto em ação,
de modo que os Incas pudessem estocar excedentes de
qualquer área para usá-los em toda o império durante
períodos de emergência, como também manter artesãos
não-agrfcolas e um exército profissional. Mas havia im-
portantes elementos de propriedade privada dentro desse
vasto sistema em que a mercado. não existia. Nobres que
haviam se rendido pacificamente aos Incas mantiveram
as suas terras e os seus trabalhadores, assim coma alguns
nobres incas eram capazes de obter terras privadas e o
serviço de yanaconas. Estados preexistentes também
mantiveram muitas formas pré-incaicas de governo. Fi-
nalmente, os povos conquistados tenderam a manter as
religiões locais inalteradas e continuaram a falar suas lín-
guas. No casa das Aymara, o sistema de integração entre
colonos da planalto. e povos dependentes, que vigorava
no período. anterior à conquista, foi deixada em grande
parte intacto. Os Incas .não desafiaram seriamente as ve-
lhas estruturas palíticas e sociais quando essas não. sig-
nificavam uma ameaça a seu próprio controle.
O império. inca constituiu uma força poderosa e coe-
sa e, provavelmente, à mais sofisticada estrutura estatal
e econômica elaborada pelas povos da América antes do
século. XVI. Os Incas executaram alguns das mais sur-
preendentes projetos de engenharia e agricultura da con-
Bolivia
tinente. Do Equador à fronteira sul da Bolívia, foram
construídas estradas para homens e animais que ligavam
todas as partes do império. a Cuzco. Milhares de hectares
de novas terras agrícolas foram criadas através de um
complexo sistema de cultivo em terraços nas íngremes
encostas dos Andes, e vastas redes de silos foram cons-
truídas para estocar quantidades enormes de víveres não-
perecíveis para toda a população. O império. funcionava
como o principal distribuidor de bens e serviços, propor-
cionando à população. níveis de prosperidade e bem-estar
provavelmente maiores que os verificados desde a con-
"';
quista espanhola até a presente.
Os Incas realizaram grandes esforços para mitigar
condições onerosas de trabalho, recrutando mão-de-obra
cuidadosamente selecionada por breves períodos de tem-
po.e assegurando. sustenta e compensação para as famílias
das trabalhadores, Assim, as camponeses eram convo-
cados para as mitas, ou trabalho obrigatória, nas minas,
em projetas de engenharia, nos exércitos ou para serviços
pessoais durante períodos muita curtas e eram plena e
efetivamente recompensados par esses trabalhas.
Tão. eficiente era essa organização. incaica que de-
monstrou ser um poder militar que ninguém era capaz
deenfrentar. Podia mobilizar um grande número de tro-
pas, alimentá-Ias e supri-Ias par longos períodos, sem ser
afetada pelos ciclos agrícolas. Os Incas estavam aptas a
exaurir seus oponentes por serem numerosas, bem equi-
pados e persistentes. No período de menos de cem anos
23
24 Herbert S. Klein
em que o império existiu, ele varreu tudo o que estava
à sua frente, dominando com facilidade tanto as so-
ciedades costeiras como as de planalto. No fim, poucos
estados puderam resistir à Pax lncaica e muitas socie-
dades agregaram-se voluntariamente ao novo e poderoso
império.
,;
Mas houve limites para a expansão inca, e estes
foram definidos mais por sua organização social e eco-
nômica que por sua atividade militar. Apesar do emprego
maciço de colonos e exércitos, os Incas mostraram-se
incapazes de subjugar culturas que não estivessem ba-
seadas primordialmente na agricultura campone~a. Isso
foi especialmente evidente na região de Kollasuyo. Fora
do planalto, outra barreira importante à dominação incaica
foi estabelecida na região chamada montaiia e nas pla-
nícies das terras baixas (a área do Grande Chaco e a
região sul do Pacífico, no que é hoje o Chile). Embora
existissem nesses territórios algumas aldeias agrícolas e
mesmo estados constituídos por diversas aldeias, a forma
de organização social predominante caracterizava-se pela
presença de caçadores e coletores seminômades, e essa
gente provou ser extremamente difícil de organizar em
aldeias de camponeses sedentários. Embora se empenhas-
sem em conquistar essa região, os Incas não obtiveram
sucesso. Tão poderosa era essa fronteira "cultural" que
bloqueava o acesso às bacias dos rios Amazonas e Pil-
comayo ao nordeste e sudoeste, que até mesmo os con-
quistadores espanhóis foram incapazes de transpô-Ia.
Bolívia
Apesar de o potencial para expansão não estar to-
. talmente bloqueado, o império inca tinha encontrado os
seus limites naturais à época da conquista espanhola. Li-
mites que seriam os mesmos da expansão espanhola du-
rante a maior parte do período colonial, pois as avançadas
e complexas organizações de Estado na área andina de-
penderam sempre, em última instância, da existência de
um campesinato estável que se pudesse tributar. Onde o
campesinato existiu, os Incas e seus sucessores puderam
construir poderosas organizações de Estado sustentadas
pela produção de excedentes. Com abundantes recursos
da terra disponíveis, o trabalho foi sempre o fator crucial,
de cuja estabilidade e produtividade dependia a existência
das classes não-produtoras de alimentos.
Na base da cultura andina estavam os camponeses
agrupados em sistemas de parentesco extremamente coe-
sos, conhecidos genericamente como ayllus, que organi-
zavam o trabalho e distribuíam a terra entre os seus mem-
bros. Embora existissem algumas classes fora da estrutura
dos ayllus, a esmagadora maioria do povo, dos nobres e
soberanos pertencia a um deles. Ao contrário das comu-
nidades camponesas indígenas contemporâneas, ou das
comunidades livres organizadas pelos espanhóis, o ayllu
pré-colombiano não se definia pela ocupação de um único
território. Embora mantendo uma área residencial central,
possuíam membros em todas as diversas zonas ecológi-
cas. Desse modo, ainda que a propriedade permanecesse
vinculada ao ayllu, seus membros podiam se apossar de
25
26 Herbert S. Klein
-
terras numa extensão extremamente vasta e em regiões
dispersas entre a costa e os planaltos e vales do Leste.
Esse modelo contrastava agudamente com os padrões de
aldeia agrupadas dos camponeses do Mediterrâneo, que
era o traço característico da cultura espanhola. Era tarn-
bém diferente da fechada comunidade de estilo corpora-
tivo que iria emergir como forma dominante da organi-
zação camponesa no período posterior à conquista.
Em resumo, nas primeiras décadas do século XVI
floresceram, nos planaltos andinos do Sul, uma sociedade
e uma organização estatal altamente desenvolvidas e fir-
memente ancoradas num complexo e denso sistema de
aldeias agrícolas. Algo como três milhões de índios esta-
vam sob o controle inca, sendo perto de um terço deles
na província sulina de Kollasuyo. Uma multiplicidade de
sociedades falando numerosas línguas agrupava-se num
. vasto sistema de trocas não mercantil, que envolvia uma
contínua transferência de produtos entre sistemas ecológi-
cos radicalmente diferentes. Os planaltos andinos do Sul
eram também uma das zonas minerais mais ricas do mun-
do e abrigavam uma das sociedades camponesas mais
densamente povoadas daquele tempo. Dado esse poten-
cial, era inevitável que a região se tornasse um dos centros
mais importantes da colonização espanhola nas Américas.
Os planaltos bolivianos, uma vez integrados ao império
ultramarino em expansão, se tomariam urna fonte de no-
vos alimentos e de minérios que teriam profundo impacto
sobre a .economia mundial.•-
A CRIAÇÃO DE UMA
SOCIEDADE COLONIAL
Invasão, ocupação territorial e
consolidação do domínio espanhol"
A conquista espanhola do Peru seguiu o modelo pre-
cedente da conquista do México. A tecnologia militar
'" o domínio espanhol na América organizou-se em unidadespolítico-administrativas denominadas vice-reinos. O primeiro deles, o
Vice-Reino da Nova Espanha, cuja capital era a cidade do México, foi
criado em 1535e abrangia América Central, Antilhas e parte considerável
do Sul dos Estados Unidos. Em 1543 foi criado o Vice-Reino do Peru,
tendo Lima como capital. O Vice-Reino do Peru estendia sua jurisdição
a todo o território sul-americano submetido ao domínio espanhol,
incluindo o Alto Peru, nome que então se dava à região que iria constituir
a maior parte da base territorial do Estado boliviano, três séculos mais
tarde. Dele também fazia parte o Panamá. No século XVIII foram criados
mais dois vice-reinos..O de Nova Granada em 1717 (suprimido em 1724
e constituído defini tivamente em 1739), compreendendo Colômbia,
Equador, Venezuela e Panamá, e o do Prata, com capital em Buenos
. Aires, em 1776.As autoridades do Vice-Reino do Prata foram submetidas
as províncias do nordeste argentino e o Alto Peru. (N.E.)
28 Herbert S. Klein
superior possibilitou que várias centenas de espanhóis
sobrepujassem exércitos indígenas de milhares de ho-
mens. Os espanhóis souberam explorar de maneira eficaz
o fato de que a conquista inca era recente, como também
souberam tirar proveito da guerra interna entre os irmãos
Huascar e Atahualpa. Eles convenceram os incas de que
eram uma mera força mercenária que iria embora assim
que saciasse seu apetite por ouro e prata. Nos estados
previamente independentes conquistados pelos Incas, eles
se autoproclamaram libertadores e para a facção do per-
dedor Huascar prometeram justiça.
Empregando suas próprias forças e vastos contin-
gentes de tropas indígenas aliadas, os espanhóis isolaram
Atahualpa e seus exércitos profissionais, sediados em
Quito, do resto do Peru. Assim que as tropas de Quito
foram desbaratadas e Atahualpa assassinado, os espanhóis
transformaram os incas da facção de Huascar em títeres.
Quando esses líderes fantoches se rebelavam, os es-
panhóis contavam com o apoio 'de seus próprios servos
indígenas yanaconas e das forças de oposição ao impé-
rio incaico que os auxiliaram a superar as últimas rebe-
liões incas.
Foi no contexto dessa intrincada teia de alianças e
rebeliões que grupos do altiplano ao sul do Lago Titicaca
entraram para a história da conquista espanhola. A revolta
do títere Manco Inca, em abril de 1537, obrigou os Ay-
mara a escolher um dos lados. No cerco deCuzco, os
Lupaca enviaram tropas para os rebeldes. Os Colla, en-
tretanto, permaneceram ao lado dos espanhóis e foram
Bolívia
atacados por um combinado de forças incas e lupacas.
Vindo em defesa dos Colla, Francisco Pizarro, em 1538,
destruiu o exército inca-lupaca, Assim, somente seis anos
após a entrada dos espanhóis, a região sul do Lago Ti-
ticaca foi enfim pacificada.
No fim de 1538 os dois irmãos de Pizarro, Hernando
e Gonzalo, adeIitraram o altiplano sulino - que iriam
chamar de Charcas, ouAlto Peru - e fundaram dois
povoados. O primeiro e mais decisivo foi a vila de Chu-
quisaca (atual Sucre), num vale densamente povoado na
margem sul do altiplano, e o segundo foi um pequeno
campo de mineração em Porco, nos planaltos a leste da
cidade.
.Embora Charcas fosse uma área atraente por suas
minas e índios, osespanhóis estavam ocupados demais
com lutas entre si e pelo oontrole sobre O· Baixo Peru
para empreender uma exploração sistemática. Tal estado
de indiferença se alterou em 1545, quando os mineiros de
Porco descobriram o Cerro Rico, os maiores depósitos
de prata do continente, nas imediações do que mais tarde
seria a cidade de Potosí. Em 1548, autoridades de Lima
garantiram a passagem pela estrada Chuquisaca-Potosf-
Cuzco com a criação da cidade de La Paz ,no coração
das terras aymaras. La Paz tomou-se um ativo centro
comercial e um importante mercado para os produtos agrí-
colas.
Em 1537, exploradores espanhóis do Rio da Prata
conseguiram cruzar o Chaco. Nos primeiros anos da dé-
29
30 Herbert S. Klein
cada seguinte estabeleceram acampamentos na região de
Chuquitos e Mojos, nos contrafortes dos Andes, e fun-
daram Santa Cruz de Ia Sierra em 1561. Portanto, por
volta de 1560, os limites exteriores da fronteira de Char-
cas já estavam inteiramente definidos. A leste e ao sul
de Santa Cruz situava-se uma região fronteiriça dominada
por índios hostis serninômades. Os Chiriguano, Toba e
outros grupos indígenas do Chaco e das planícies adap-
taram seus hábitos de guerra àqueles dos espanhóis. A
região baixa do Gran Chaco era uma fronteira tão violenta
que foram necessárias fortificações permanentes e a ação
de missionários para defendê-Ias das tribos locais que,
mesmo em fins do período colonial, ainda se mantinham
livres do jugo espanhol.
Dentro do território povoado de Charcas o eixo fun-
damental era norte-sul. Como o centro de mineração em
Potosí se tomasse a razão primordial da presença espa-
nhola na região, o suprimento de animais e equipamentos
para aquelas minas passou a dominar as economias das
vilas desde o Nordeste da Argentina até a região Sul do
Peru. Chuquisaca tornou-se o quartel-general administra-
tivo de Potosí, e La Paz um posto importante na estrada
para Arequipae Lima.
O território de Charcas era também abundante em
mão-de-obra indígena. As regiões de Cuzco e La Paz.
eram as áreas mais densamente povoadas por índios cam-
poneses. Deixando as terras em mãos dos camponeses
índios, os espanhóis tentavam dar continuidade às formas
Bolívia
de domínio inca baseadas no governo indireto. Os ayllus
\,*~•
foram mantidos, e a nobreza local - os kurakas, ou
caciques, como os espanhóis às vezes os chamavam -
foi confirmada em seus direitos. Em troca, os bens e
serviços que anteriormente eram devidos ao governo inca
passaram para as mãos dos espanhóis. As comunidades
foram divididas em distritos, e esses, por sua vez, em
encomiendas ou concessões. Aquele que recebia a con-
cessão, o assim chamado encomendero, era autorizado a
recolher impostos sobre o trabalho. Em contra partida,
era obrigado a pagar pela instrução religiosa e também
a aculturar os índios em moldes espanhóis. Essas con-
cessões constituíam a maior fonte de riqueza individual
no Peru do século XVI e eram dadas somente a uma
pequena parcela dos conquistadores. A concessão de tais
encomiendas geraram uma casta espanhola local, nobre
em tudo, exceto nos nomes, que se tomou a autoridade
govemante em suas regiões.
Na área de Charcas havia, por volta de 1650, cerca
de 82 dessas encomiendas, 21 das quais contavam com
mais de 1 000 índios cada. Se o número total de enco-
menderos do Alto Peru era pequeno comparado aos 292
da região de Arequipa e Cuzco, nessa última apenas qua-
torze encomiendas possuíam mais de I 000 índios. Os
encomenderos de Charcas eram mais ricos, possuindo
800 índios' em média, enquanto na região Norte a média
31
·32 Herbert S. Klein
era de 400. Esses números se referem ao período áureo
dos encomenderos. Na segunda metade do século, a maio-
ria já pertencia a uma segunda geração e a Coroa havia
começado a eliminá-los,
A organização da vida rural de Charcas seguiu mo-
delos coloniais muito bem estabelecidos. Porém, a criação'
de uma força de trabalho mineradora era algo novo. Os
espanhóis tentaram de tudo, da escravatura ao trabalho
assalariado, e finalmente chegaram a um imposto - a
mita - nos moldes da corvéia, * que era aplicado alter-
nadamente sobre um grande número de aldeias indígenas.
Esse sistema foi estabelecido pelo vice-rei Francisco To-
ledo, que inspecionou o Alto Peru no período de 1572
a 1576.
Reorganizando a sociedade colonial: as
reformas de Toledo
As reformas de Toledo assinalaram uma importante
virada na organização social e econômica da colonização
espanhola no Alto Peru. Os espanhóis tinham tentado
preservar tanto quanto possível o governo e as,populações
existentes, de modo a obter os mais amplos benefícios
* Trabalho gratuito que no tempo do feudalismo o servo era obrigado a
executar para seu senhor ou para o Estado. (N.E.)
Bolivia
com os menores custos. Mas as doenças européias que
trouxeram dizimaram os índios das planícies e reduziram
drasticamente as populações do planalto. Em torno de
1570 ficou claro que uma reforma se fazia necessária.
Como resposta a essa crise demográfica, Toledo decidiu
reducir os índios em aldeias permanentes e tentou agrupar
os ayllus remanescentes em núcleos adensados. O modelo
que empregou foi o da comunidade agrícola mediterrânea.
No planalto as comunidades eram formadas por muitos
ayllus, os quais possuíam colônias em diversas regiões
ecológicas. Toledo obrigou esses ayllus do planalto a se
separarem de suas colônias e agruparem-se em. aldeias
maiores com terras demarcadas e contíguas, de modo a
serem administrados e tributados com mais facilidade.
Assim, fica claro que o modelo de communidad in-
digena (ou comunidade indígena rural) data do tempo de
Toledo. Todavia, apesar da rápida criação de numerosas
reducciones, a consolidação das reformas empreendidas
por ele levou um século ou mais. Em cinco distritos esco-
lhidos entre os muitos que constituíam o Alto Peru naque-
. le tempo, 900 comunidades envolvendo mais de 129000
índios foram "reduzidas" a apenas 44 povoados. Enquanto
antes. dessa "congregação" as aldeias contavam em média
142 pessoas, as novas comunidades continham aproxi-
madamente 2 900 pessoas cada. Muitas das reducciones
foram abandonadas e muitas-das comunidades dos vales
e planícies nunca foram realmente separadas de seus ayl-
33
34 35Herbert S. Klein
lus do planalto. Mas osistema que Toledo criou tomou-se,
ainda assim, deminante nos Andes.
Em outras empreitadas, o vice-rei teve sucesso mais
imediato. Rompeu a cadeia de poder dos encomenderos
e limitou a maioria das concessões de encomiendas a
três gerações, retomando assim para a Coroa C) controle
direto sobre as populações indígenas. Converteu o im-
posto devido pelos índios num imposto. direto em-moeda,
substituindo formas anteriores de pagamento em produ-
tos. Essa iniciativa padronizou a estrutura dos impostos,
vinculando o tributo à qualidade da terra.
Isso obrigou os indígenas a ingressarem na economia
espanhola, pois só era possível obter moeda para o pa-
gamento dos impostos através da comercialização de pro-
dutos ou da venda da força de trabalho em troca de salário.
Desse modo, trigo e tecidos foram I produzidos e, junto
com produtos tradicionais, postos à' venda nos centros
urbanos da colônia. A demanda de fazendeiros, comer-
ciantes e artesãos espanhóis por trabalhadores passou a
ser suprida por índios das comunidades livres. Embora
os mercados tradicionais para a troca de bens continuas-
sem a prosperar, uma grande parte da população indígena
foi forçada a- entrar no mercado espanhol:
Toledo reorganizou também a extração-da-prata. De
1545 até os primeiros anos de 15'60; Pótosf havia' pro-
duzido urria quantidade sempre' orescente de prata, tor-
nando-se a mais rica fonte desse minério no mundo. Esse
Bolívia
crescimento se baseouna .extração de depósitos de su-
perfície, contendo minério que podia ser facilmente re-
finado pelos processos de fundição pré-colornbianos. Po-
rém, à medida que os depósitos' de superfície se esgota-
vam e a mineração em túneis e galerias se desenvolvia,
a pureza do minério decaiu, os custos da refinação au-
mentaram e a produção diminuiu, Toledo introduziu então
o amalgama de mercúrio para extrair prata de minério
com baixo teor do metal. O controle indígena sobre o
refino acabou e mais de 6 000· índios que fundiam minério
em fornalhas a céu aberto foram substituídos por poucas
centenas de grandes usinas de refino movidas a água e
controladas por espanhóis. Toledo organizou também a
mina de mercúrio da Coroa, em Huancavelica, no Baixo
Peru, que se tomou a maior fornecedora das minas do
planalto.
Com a criação de um posto de cunhagem da Coroa
em Potosí, conhecido como Casa de Moneda, ele ordenou
que toda prata extraída e refinada na cidade fosse con-
vertida em barras e lingotes. Assim, a Coroa garantiu o
quinto real sobre o total da produção, além de obter re-
cursos cobrando taxas de cunhagem. O estabelecimento
simultâneo do monopólio do mercúrio assegurou tanto
seu suprimento quanto o controle da Coroa sobre a pro-
dução.
Outra iniciativa importante de Toledo foi a elabo-
ração'do estatuto bésícd da mlríetação. t\ criação de regras
r:
I"
~
.-"'<_.'-'.-"'-".
~""
Herbert S. Kiein
I:
I,
I
II
I
jI)
I
l
36
legais foi especialmente importante em Potosí, dada a
natureza complexa da posse das minas. Diversamente de
outras áreas mineradoras do Novo Mundo, a concentração
de veios de prata numa única montanha de minério em
Potosí resultou numa quantidade exagerada de minas
construídas umas sobre as outras. Em 1585, havia apro-
ximadamente 612 minas de proprietários diferentes na
montanha de Cerro Bico, cada uma com entrada e galeria
próprias.
Finalmente, Toledo resolveu o problema do forne-
cimento de mão-de-obra para os donos das minas. Cons-
truir e manter adequadamente uma mina de galeria cus-
tava tanto quanto erguer uma catedral. O enorme volume
de água necessário para impulsionar as fundições requeria
a construção de numerosas represas e lagos artificiais.
Com os salários pagos à mão-de-obra livre nos anos de
1570 era evidente que não sobrava capital suficiente. To-
ledo empregou o mita para obter trabalho obrigatório nas
minas. Dezesseis distritos que se estendiam entre Potosí
e Cuzco foram designados como área de suprimento de
mita. Um sétimo dos adultos de sexo masculino era obri-
gado a servir um ano nas minas. Isso proporcionava uma
mão-de-obra anual de .13 500 homens, que trabalhavam
em rodízio (nenhuma "turma" podia trabalhar mala do
que um em cada seis anos). Os mineiros eram obrigados
a pagar aos mitayos um pequeno salário, insuficiente para I!
a.subsistência. As comunidades indígenas providencia- 1
vam a comida para os trabalhadores, arcavam com seu
11I
Bolívia 37
....
-
.-J I 1
transporte e mantinham suas famílias. A maior parte da
coca e da comida consumidas nas minas era paga pelos
próprios trabalhadores. Através desse sistema, a Coroa
forneceu força de trabalho barata e abundante (no final
do século XVI, por volta de 60% da mão-de-obra das
minas eram compostos por mitayos), o que estimulou
enormemente a produção.
Toledo patrocinou igualmente o surgimento de no-
vos povoados, sendo Cochabamba, fundada em 1571, o
mais importante. Situada no coração de uma extensa série
de vales, Cochabamba tornou-se uma cidade central para
o controle dos índios quechua dos vales. Com sua fun-
dação, a região ao redor tomou-se a maior produtora de
milho e trigo do Alto.Peru. Outras cidades fundadas por
Toledo foram Tarija, em 1574, e Tomina, em 1575. Essa
última para proteger a fronteira leste contra os Chiriguanos.
Com todas essas transformações, o Alto Peru tor-
nou-se um dosmais prósperos centros do novo império
espanhol na América. A Coroa reconheceu sua impor-
tância econômica estabelecendo um governo autônomo
para a região, ainda que sob o controle de Lima. Em
1558, uma Audiencia independente, ou seja, um tribunal
real, foi instalado em Chuquisaca. A Audtencia de Char-
cas foi uma das poucas que teve tanto poder judicial
quanto executivo. Seu presidente tomou-se a mais im-
portante autoridade na região.
Os colonos espanhóis também passaram a ter grande I 111
autonomia para instalar seus próprios governos munici- ' ;
pais. Com sua jurisdição se estendendo até as mais afas-
tadas áreas rurais, os municipios concediam títulos de
posse e controlavam os mercados locais e os poderes de
justiça e polícia.
Nas áreas rurais, onde se concentravam mais de 90%
de população, dos quais apenas 10% conheciam outra
língua além da nativa, se desenvolveu um complexo sis-
, tema de governo indireto. Nas comunidades indígenas os
originarios (índios do sexo masculino, com idade entre
dezesseis e cinqüenta anos e acesso direto à terra) elegiam
autoridades locais dentre os ayllus que formavam a co-
munidade. Os anciãos ou jilakatas eram encarregados da
distribuição de terras, da justiça e da coleta de todos os
impostos. Esse governo da comunidade também sus-
tentava a igreja local.
As comunidades deram prosseguimento a práticas
anteriores à conquista, selecionando os anciãos mais ex-
perientes e bem-sucedidos para representá-Ias. Sendo os
membros mais velhos e responsáveis da comunidade, tais
homens tendiam a ser extremamente conservadores. Mas
uma vez que se convenciam de que os impostos cobrados
iam além dos limites aceitáveis, se mostravam os mais
terríveis inimigos dos espanhóis, já que eram capazes de
convocar a comunidade inteira em seu apoio. As rebe-
liões indígenas nunca foram casos individuais, mas sem-
pre esforços coletivos de comunidades unidas sob a li-
derança dos jilakatas.
Os governos das comunidades também serviam co-
mo meio de redistribuir internamente os recursos. Um
elaborado sistema de "empobrecimento ritual" entrava em
ação para diminuir desníveis de riqueza. Esse sistema
consistia na eleição dos membros mais abastados para
cargos da hierarquia civil e religiosa que obrigavam o
ocupante a dispender recursos em favor da comunidade.
Em contrapartida, os que se submetiam a esse "empo-
brecimento ritual" angariavam honra e poder. Assim, o
equilíbrio comunitário era mantido contra o assalto vio-
lento da economia de mercado.
Durante a maior parte do período colonial, a nobreza
indígena local desempenhou o mesmo papel que exercia
sob os lncas. Os kurakas controlavam várias aldeias e
tinham direito de possuir propriedades e usufruir do tra- .
balho da comunidade. Em troca, eles protegiam a religião
e os costumes locais e representavam a comunidade pe-
rante as autoridades espanholas. Essa era uma posição
conflituosa que indúzia ora à exploração dos índios,ora
à defesa dos seus direitos. Ao longo dos três séculos de
domínio colonial, os kurakas seriam reduzidos pelos im-
postos espanhóis ao status de camponeses.
Autoridades reais controlavam esse sistema de go-
verno indireto nomeando supervisores chamados corre-
gidores de indios, .os quais supervisionavam a coleta de
impostos e defendiam os interesses espanhóis. Os corre-
gidores se remuneravam através da venda forçada de
produtos importados aos camponeses índios.
39
40 Herbert S. Klein
A instituição que coroava o sistema de controle in-
direto era a Igreja católica. O clero regular e· secular se
mudou para as áreas indígenas com o intuito de evange-
lizar as populações. Em 1552 estabeleceu-se o primeiro
bispado em Chuquisaca, que em 1609 foi elevado à con-
dição de arquidiocese. Por volta de 1580, foram impressos
catecismos nas línguas quechua e aymara. Em 1582, o
bispado reconheceu a aparição da Virgem em Copaca-
bana, centro religioso dos Ayamara, às margens do Lago
Titicaca. Criou-se assim o primeiro símbolo formal do.
cristianismo no Alto Peru: a Nossa Senhora de Copaca-
bana.
A instituição de formas exteriores do cristianismo
não implicou o desaparecimento das religiões pré-colorn-
bianas. A religião do Estadoinca foi destruída, mas as
crenças locais pouco se alteraram. Na cura de doentes,
em atividades associadas ao plantio e às colheitas e nos
eventos relacionados à família e aos ayllus, as crenças e
costumes religiosos anteriores à conquista continuaram
a predominar, freqüentemente praticados pelos próprios
sacristãos das igrejas católicas. Embora o clero mais ze-
loso tentasse destruir as religiões indígenas, a escassez
de sacerdotes cristãos no Alto Peru e os cuidados com
a preservação do governo indireto garantiram a continui-
dade das crenças locais, exceto quando elas desafiaram
a legitimidade do cristianismo.
Boltvia
Os primeiros cem anos de domínio
espanhol: uma síntese
A Espanha formulou para o Alto Peru um sistema
social, econômico e político essencialmente dual. Deveria
haver uma elite branca, de língua espanhola, orientada
para os valores europeus, dividida em classes, e uma mas-
sa autogovernada, mas explorável, de índios camponeses,
também diferenciada em nobres e camponeses. Os con-
quistadores, no entanto, iriam erodir esse modelo simples
e criar um complexo amálgama de novas classes, castas e
grupos.
Em razão das epidemias, a população original de
um milhão de índios havia caído pela metade no final
do século XVI. Os 10 000 espanhóis que alcançaram a
região de Charcas eram predominantemente homens e,
portanto, livres de quaisquer restrições de tipo familiar.
Eles trouxeram consigo uni número equivalente de escra-
vos negros. O resultado foi a criação de novos grupos
raciais, os mulatos e mestiços (conhecidos como cholos).
As comunidades indígenas sofreram um processo
acentuado de estratificação. A base da ordem colonial
era o índio originario do sexo masculino, chefe de família,
entre 16 e 50 anos, que tinha acesso direto à terra em
seu ayllu. Ele pagava imposto e estava sujeito ao trabalho
obrigatório nas minas. Mas o colapso demo gráfico causou
41
42 Herbert S. Klein
uma diminuição da classe dos originarias, sem que por
isso a exploração tenha se reduzido. Comunidades foram
abandonadas, e os índios buscavam escapar à condição
de originaria. Alguns tornaram-se trabalhadores sem terra
em outras comunidades e passaram a ser conhecidos como
[orasteros ou agregados, enquanto outros se empregaram
como peões (ou yanaconasy em propriedades de espa-
nhóis. Ao mudarem de status, eles se desinvestiam de
todas as obrigações de impostos e de mita. Até o século
XVIII,nemforasteros nem yanaconas tiveram de pagar
tributos.
Expandindo-se ao longo da segunda metade do sé-
culo XVI, as haciendas pararam de crescer quando as
comunidades livres se estabilizaram na segunda metade
do século XVII. Nessa época, encontravam-se haciendas
espalhadas por todo o altiplano e vales subpunas, mas
elas absorviam apenas cerca de um terço da força de
trabalho indígena e muito menos que a metade da terra
na Audiencia de Charcas. As comunidades livres, após
as reformas de Toledo e as grandes migrações, já não
eram os homogêneos ayllus do período pré-colornbíano.
Embora ainda fossem controladas por seus membros e
garantissem títulos definitivos de posse de terra para to-
dos, agora continham cidadãos de segunda classe. Mas
as várias categorias sociais não eram fixas e imutáveis.
Muitos originarias tornaram-se yanaconas ou forasteros
e podiam passar de um status para outro com relativa
Bolivia
facilidade. Somente a passagem para o status de origi-
nario era difícil, e o casamento era a única alternativa
para aqueles que não haviam nascido nessa condição,
que assegurava o direito à posse individual da terra.
Grande número de índios abandonaram por completo
as áreas rurais. Muitos mitayos permaneceram nos cam-
pos de mineração e acabaram virando mineiros profis-
sionais e trabalhadores assalariados - os minganos. Ou-
tros mudaram-se para as cidades espanholas e tornaram-se
o elemento preponderante da classe trabalhadora urbana.
Falando tanto sua língua nativa como o espanhol, esses
índios urbanos freqüenternente abandonavam seus costu-
mes tradicionais e começavam a se vestir à maneira espa-
nhola e consumir alimentos tipicamente europeus, como
o pão. Tornaram-se cholos urbanos, embora de linhagem
puramente indígena. Assim, a designação de índio, cholo
e branco rapidamente perdeu o seu significado biológico,
transformando-se numa designação de fundo cultural ou
social, determinada por exterioridades como fala, vesti-
menta e hábitos alimentares.
O primeiro surto de mineração de 1540 a 1550 foi
espetacular, mas em nada comparável ao crescimento ma-
ciço das explorações de prata do período ]570.-1650. O
impacto de Potosí sobre a economia européia e seu co-
mércio com a Ásia foi tremendo. Provocou uma revolução
nos preços e finalmente forneceu à Europa meios para
pagar seu déficit comercial com a Ásia. Localizada numa
zona árida e com uma população estimada entre 100 000
43
44 Herbert S. Klein
e 150 000 habitantes, Potosí tinha de importar tudo de
que necessitava. Desse modo, seu desenvolvimento im-
pulsionou a produção desde o norte do que é hoje a Ar-
gentina até o sul do que é hoje o Peru. Essa vasta extensão
territorial integrou-se ao mercado de Potosí como forne-
cedora de suprimentos.
Na região do Alto Peru, Cochabamba se concentrava
na produção de trigo e milho, e os distritos de La Paz
no cultivo de raízes de coca dos vales orientais, conheci-
dos como Yungas, e na criação de animais. A mastigação.
da folha de coca era importante, mas restrita à elite nos
tempos incaicos. Após a conquista, seu uso disseminou-se
por todas as classes e seu consumo tomou-se uma ne-
cessidade para os mineiros que trabalhavam na extração
da prata em altitudes muito elevadas. Os cocales dos vales
Yungas empregavam tanto índios aymaras como escravos
africanos na produção de coca e tomaram-se a mais rica
zona de haciendas de Charcas.
Uma segunda grande área de mineração de prata
floresceu na região indígena de Uru, norte doLago Poopó,
onde o minério foi descoberto em 1595. Na primeira dé-
cada do século seguinte, o campo. de mineração, co-
nhecido como Oruro, contava 3 000 trabalhadores índios
e 400 espanhóis residentes. Sem as provisões reais da
força de trabalho mita, os mineiros de Oruro tinham de
contar. com o trabalho livre assalariado. Em tomo de 1670,
a cidade alcançou seu tamanho máximo: aproximadamen-
te 80 000 pessoas.
Bolívia
Com o povoamento permanente de Oruro, o período
básico de assentamento espanhol no planalto e nos prin-
cipais vales do Leste chegou ao fim. Embora o século
seguinte assistisse ao crescimento e expansão das missões
fronteiriças nas planícies do Leste, a área central de Char-
cas estava agora inteiramente definida. Esse período ini-
cial de expansão urbana criou um grande desenvolvimen-
to artístico e cultural. A riqueza emergente em Chuqui-
saca, Potosí, Oruro e La Paz levou a urna construção
maciça de igrejas e catedrais com o conseqüente flores-
cimento das artes plásticas.
Os espanhóis trouxeram consigo seus artistas. Ar-
quitetos, artistas e artesãos espanhóis, italianos e flamen-
gos predominavam, e muitos deles eram sacerdotes. Era
nas igrejas que as idéias artísticas mais avançadas da
vida colonial se expressavam, já que os europeus dispen-
diam enormes fortunas na construção e adornamento de
seus templos. Uma igreja de proporções medianas levava
décadas para ser concluída e era com freqüência o item
mais dispendioso na construção de uma cidade.
No início, as influências predominantes eram euro-
péias. Enquanto os índios aprendiam os rudimentos de
todas as artes plásticas, os europeus forneciam as pri-
meiras técnicas e modelos. Nas últimas duas décadas do
século XVI, entretanto, o predomínio europeu começou
a ser desafiado pelos artistas cholos e indígenas. Seus
primeiros esforços concentraram-se na escultura. Esculpir
em madeira e pedra era um ofício tradicional entre os
45
46 Herbert S. Klein
andinos, e os artistas e trabalhadores índios tornavam-se
os responsáveis por todas as construções básicas após a
conquista. Logo surgiram pintores indígenas, e no século
XVII umnovo estilo (criollo), desenvolvido por artistas
e artesã os cholos e indígenas, se revelaria nos adornos
das igrejas.
O primeiro século de domínio espanhol não foi um
período- particularmente fértil para esforços intelectuais
de caráter não-artístico. Nesse período, Charcas era ainda,
em muitos aspectos, uma rude fronteira de mineração
dominada por uma mentalidade de novos-ricos. Assim,
suas expressões de "alta cultura" intelectual foram dei-
xadas para padres e funcionários do governo. Uma uni-
versidade foi fundada em Chuquisaca em 1624 e em 1681'
oferecia diplomas em direito civil e canônico. Mas até
o fim do período colonial o Alto Peru não possuía uma
prensa tipográfica, e os poucos autores eram obrigados
a enviar seus Ôriginais para Lima ou Europa para serem
publicados.
I:
, , •
A ÚLTIMA FASE DO
PERÍODO COLONIAL:
CRISE E CRESCIMENTO
o declínio da mineração e o ,
fortalecimento da economia rural
De 1650 a 1750, ocorreu uma crise na produção das
minas de prata. Porém, já por volta de 1'620, o declínio
das oportunidades e a estratificação crescente levaram a
conflitos urbanos que vieram a ser conhecidos corno
"guerras civis". Os mais importantes desses conflitos
aconteceram em'Potosí. Em razãodo controle do governo
e da economia local, entraram em 'choque os bascos (vas-
congadosi 'e todos os outros espanhóis; apelidados gene-
ricamente de vicuiias em função de suas vestimentas.
Em torno da-segunda metade do 'século XVII, houve
uma queda acentuada do tamanho das populações urbanas
48 Herbert S. Klein
e da força de trabalho mineira. O número anual de mitayos
caiu para 2000 em 1690. Cerca de 100000 espanhóis
emigraram dos centros mineradores. Tanto Oruro como
Potosí perderam mais da metade de suas respectivas po-
pulações. Potosí passou a ter apenas 30 000 habitantes e
Oruro 20000 em meados do século XVIII. Na verdade,
todas as cidades, com exceção de La Paz, diminuíram
ou mantiveram-se estagnadas em termos populacionais .
durante o período de depressão.
A redução nas exportações de prata gerou uma con-
tração nos mercados das zonas rurais. A queda nas ex-
portações de Cochabamba para Potosí, por exemplo, pro-
vocou o declínio das haciendas locais e o surgimento de
pequenas propriedades agrícolas. Em todas as regiões o
crescimento das haciendas diminuiu ehouve uma retração
geral que avançou até quase fins do século XVIII.
Em contraste, as comunidades livres tomaram-se
mais fortes durante a chamada "crise do século XVII".
Com cinqüenta anos de atraso em relação aos índios de
outros lugares da América, as populações indígenas dos
Andes finalmente se adaptaram às doenças européias, até
então epidêmicas. A população indígena aumentou ao
mesmo tempo em que o ritmo de crescimento das ha-
ciendas declinava e as pressões de mercado e do trabalho
obrigatório diminuíam. As comunidades passaram a reter
uma percentagem maior de sua produção. Isso estimulou
mercados de troca locais e promoveu o tradicional co-
Bolívia
mércio inter-regional, A coexistência de mercados de tro-
ca locais e o mercado espanhol perdurou, mas com a
ênfase deslocando-se de algum modo em favor dos pri-
meiros.
Em igual período, a cidade de La Paz, cuja área
rural abrigava cerca de 200 000 índios, destacou-se como
um dos principais centros administrativos e comerciais.
.Em meados do século XVITI, La Paz, com seus 40000
habitantes, tomou-se a cidade mais populosa do Alto Peru,
em virtude do crescimento dos mercados indígenas re-
gionais.
A expansão rural explica o extraordinário desenvol-
vimento das artes e das construções que ocorre na região
nos próximos 150 anos. Artistas itinerantes indígenas e
cholos tinham criado dois importantes estilos regionais,
conhecidos como escolas de Cuzco e de Colla. Esta última
floresceu depois de 1650 e seu centro primordial foi no
coração dos povoados aymaras no distrito do Lago. Igre-
jas com alto grau de realização artística foram erguidas
nessas pequenas aldeias camponesas, especialmente na-
quelas que formavam as províncias de Chuquitos (tem-
porariamente parte do Alto Peru), Pacajas e Omasuyos.
O fato de muitos artistas do estilo Colla serem índios e
mestiços aponta também para uma crescente especiali-
zação do trabalho nessas .áreas, o que corrobora a idéia
de uma economia rural relativamente rica para permitir
que tais artistas pudessem se desenvolver. Em tomo da
49
11 11 "
50 Herbert S. Klein
segunda metade do século XVIII; quase todo O· Sul da
região andina era dominado por um estilo de arte mestiça
generalizado com sua ênfase em temas locais e até mesmo
motivos pré-colornbianos, expressos especialmente na
escultura.
Embora a extração e exportação de prata tenham
voltado a ascender duradouramente a partir de 1750, ja-
mais a produção do minério no final do período colonial
atingiu mais que 50% do que era produzido nos últimos
anos do século XVI. Por essa razão, o boom da prata
verificado na segunda metade do século XVIII foi insu-
ficiente para renovar a força de trabalho e as populações
urbanas. Além do mais, já no início da crise do século
XVII, o México havia assumido a condição de maior
produtor de prata da América, e essa tendência perdurou,
apesar do modesto reflorescimento das minas do Alto
Peru.
Embora Potosí e Oruro, mesmo com a produção re-
duzida, fossem ainda grandes produtoras de prata, já não
eram os centros dominantes da América. Ao contrário
do que ocorria no México, as minas peruanas geravam
impostos suficientes apenas para manter a burocracia
real da região Sul da América do Sul. Depois de 1700,
poucas barras de metal precioso saíram do Alto Peru para
a Espanha.
O boom do século XVIII foi, portanto, um aconte-
cimento relativamente frágil e limitado que não sobrevi-
151 I
!
I
Bolívia
veu a uma série de problemas estruturais, políticos e de
mercado que surgiriam no início do século XIX. Entre-
tanto, mesmo limitada, a mineração representava ainda
a indústria mais importante no Alto Peru. Assim, uma
luta pelo poder se desenrolou na segunda metade do sé-
culo XVIII pelo controle da Audiencia de Charcas, lan-
çando a antiga opulência mercantil de Lima e Cuzco con-
tra o .poderio crescente dos novos grupos de comerciantes
de Buenos Aires.
A incorporação ao Vice-Rei no do
Prata e as reformas dos Bourbon
Em 1776 a Coroa decidiu o conflito entre Lima e
Buenos Aires em favor da última. A Audiencia de Charcas
passou para o controle direto de Buenos Aires, que se
tomou então capital de um vice-reinado novo e inde-
pendente. Em 1778 esse controle foi reforçado com a
remoção da maior parte das restrições de comércio. A
concessão de autonomia e a suspensão de barreiras co-
merciais foram determinantes para alterar a direção do
comércio de Potosí, deslocando-a do rumo norte para o
de Buenos Aires. Desse modo, a reorganização do espaço
econômico do Alto Peru teve como conseqüência o de-
clínio de Lima.
Como parte das reformas gerais dos Bourbon,
no âmbito colonial, foram enviados ao novo vice-reino
lJ
52 Herbert S. Klein
administradores bem treinados. As reformas administra-
tivas completaram-se com a criação, em 1784, de quatro
lntendencias, cobrindo as regiões de La Paz, Cochabam-
ba, Potosí e Chuquisaca. As novas autoridades executa-
vam os planos de ação dos Bourbon visando estimular
a economia de exportação. Com a qualidade do minério
declinando, tomava-se necessário investir capital novo
na abertura de galerias mais profundas. A indústria de
mineração do Alto Peru era insuficiente para gerar esse
capital, e a Coroa forneceu apoio financeiro. Em 1736
reduziu sua parte nos impostos a 10% de toda a produção.
Prosseguiu com as convocações para o trabalho obriga-
tório, embora em menor escala. Em 1751 ajudou a criar
o Banco de San Carlos, para garantir crédito e mercado
para a produção local. Por fím.,a Coroa subsidiou os
preços do mercúrio e suprimentos europeus após o co-
lapso da produção de Huancavelica nos anos de 1770.
Enquanto a população de Potosí continuava a decli-
nar, indo de um número estimado em 70000 pessoas,
em 1750, para algo em tomode 35 000, em 1780, a
produção voltou a aumentar vagarosamente. Mas o cres-
cimento da economia rural durante o século XVII não
foi interrompido por essa nova expansão da atividade
mineradora. Perdendo a condição de principal centro mi-
nerador da América, Potosí teve sua importância reduzida
mesmo nas .regiões circunvizinhas, onde se verificou o
I~'I
I
I
53Bolívia
florescimento de um ativo e poderoso setor agrícola. Ain-
da que esse setor se limitasse aos mercados andinos re-
gionais, sua atividade movimentava o bastante para ga-
rantir à Coroa uma renda crescente na forma de impostos
comerciais e do imposto indígena. Esse tributo era, no
fim do século XVIII, a segunda maior fonte de renda da
Coroa na Audiencia de Charcas.
A importância desse tributo aumentou em 1734,
quando sua ampliação foi estendida a todos os índios do
sexo masculino, independentemente de terem ou não di-
reito à posse de terra. Isso, por sua vez, alterou a carga
da tributação. Embora mais dinheiro fosse recolhido pela
Coroa, a extensão do imposto a todos os trabalhadores
tendia a tomar mais estável a classe dos forasteros e
assim garantia às comunidades indígenas uma maior força
de trabalho entre a qual dividir o aumento da carga tri-
butária. Além disso, como o trabalho obrigatório nas mi-
nas não foi estendido a forasteros e yanaconas e permi-
tiu-se que o número total dos recrutados decaísse a uma
terça parte, a mita tomou-se muito menos onerosa. Por
último, houve pouca expansão das haciendas nos anos
imediatamente posteriores à extensão do imposto, o que
preservou as atividades agrícolas dos Índios. Embora a
reativação das minas tenha aumentado a demanda nos
. mercados urbanos, essa demanda extra foi suprida pelas
haciendas que antes não comercializavam seus produtos
e pela revitalização das melhores propriedades.
l.. _M 'J I' I <~J'll~
1/
754 Herbert S. KleilcWIívia 55
Porém, apesar do relativo relaxamento da explora-
ção, a população camponesa em crescimento manteve-se
duramente hostil aos seus senhores. As intermináveis co-
branças dos corregidores e hacendados, a imposição de
impostos nos moldes da corvéia, com freqüência visando
atender interesses particulares de espanhóis, e a severa
cobrança de impostos, que forçava todos os índios a ven-
der seus produtos nos mercados espanhóis, eram inten-
samente ressentidas. Os kurakas viam-se continuamente
ameaçados em seus próprios privilégios. Além disso, a
Igreja mais culta e letrada do século XVIII era tão con-
trária quanto os primeiros sacerdotes às atividades não-
cristãs e havia um ataque constante às crenças religiosas
indígenas.
I,:
I"
11
~
11,
A Grande Rebelião de 1780-1782
É esse conjunto de fatores que ajuda a explicar a
maciça rebelião indígena que ocorreu no Alto Peru e na
área de Cuzco em 1780. Insurreições na área rural, ou
insurreições de criollos e mestizos nas áreas urbanas, que
também ocorreram na Grande Rebelião de 1780-1782,
não eram novas no Alto Peru. Em geral respostas a causas
imediatas locais, essas rebeliões aconteciam nas comu-
nidades indígenas devido à taxação abusiva de algum
corregidor, a conflitos de terra ou, sobretudo, em razão
da interferência dos espanhóis na designação dos kura-
kas. Nas áreas urbanas as revoltas também eram comuns,
indo desde motins por motivos de subsistência em tempos
de crise e sonegação de alimentos, a protestos contra
li: impostos locais ou funcionários da Coroa. Vale lembrar
que movimentos e conspirações haviam ocorrido em Oru-
ro e Cochabamba no decorrer de 1730.
Mas todas essas revoltas- tiveram vida curta, eram
ligadas a questões de interesses local e expressavam um
I desejo de retomo ao passado. Foram, portanto, revoltas
de natureza conservadora, que funcionaram como vál-
I. vulas de escape previsíveis para protestos localizados,
!i mesmo quando envolveram um nível considerável de vio-
lência.
A rebelião de Túpac Amaru,* que durou de 1780 a
1782, no entanto, afastou-se profunda e decisivamente
II da norma. Foi maciça tanto em participação como em
extensão. Engajando provavelmente mais de 100000 tro-
tl pas rebeldes, a rebelião envolveu atividades relativamente
I, bem coordenadas desde os planaltos do Sul do que é
Il hoje o Peru, passando por todo o altiplano, até os planaltos
I' do Norte do que é atualmente a Argentina. A rebelião,
, liderada pelos kurakas, foi o último esforço político da
I nobreza indígena para se defender da extinção. Foi tam-
bém uma iniciativa dos Quechua e dos Aymara e incluiu
até mesmo alguns cholos dos centros urbanos regionais.
* Membro da nobreza indígena, Túpac Amaru foi o principal líder darebelião em sua- primeira fase. Depois de submeter ao comando de suas
tropas a maior parte da província de Cuzco, foi aprisionado e morto
pelas tropas espanholas. <l'tE.)
I~
lJJ
I-
-'
I"
'~-~I
Herbert S. Klein56
Extremamente bem conduzida, ela contou com a parti-
cipação de muitas classes e castas. Em última instância,
tinha como objetivo a criação de uma região autônoma
sob o controle das elites indígenas locais, com a exclusão
de todos os espanhóis. Foi, em resumo, um movimento de
independência.
No Alto Peru a rebelião se revestiu de algumas ca-
racterísticas especiais. O líder local Túpac Katari fugia
à regra por não ser um kuraka e se posicionar mais ra-
dicalmente contra brancos e mestiços que outros líderes.
Ele foi capaz de sustentar a rebelião por mais tempo e
conseguiu aliar índios e cholos contra a autoridade espa-
nhola, em Cochabamba.
No final de 1781, entretanto, a rebelião já estava
esmagada na maioria das zonas rurais, e todas as cidades
capturadas retomavam às mãos dos espanhóis. Os líderes
rebeldes foram executados, como de costume, de maneira
brutal, e houve um amplo confisco de propriedades. To-
dos os kurakas rebeldes foram removidos do cargo e,
dali por diante, a maioria das comunidades livres que se
destacaram na rebelião passou a ser controlada pelos es-
panhóis.
A rebelião de Túpac Amaru foi a última tentativa
de trazer justiça social e autonomia à região antes do' It
século XIX. Rebeliões posteriores e a conquista definitiva
de independência iriam partir dos criollos e teriam um
caráter nitidamente não-indígena.
\
I "J'
, "'(
j
I
I
•
57
~Il.\'.•.•
Bolívia
o Alto Peru ao final do século XIX
A vulnerahilidade da economia de Charcas tomou-se
evidente nas primeiras décadas do novo século. O começo
das guerras napoleônicas e uma disputa entre Espanha e
Inglaterra, que em 1796 levou os dois países a se en-
frentarem em guerra aberta, provocaram a ruptura das
rotas marítimas espanholas para a América. Isso signifi-
cou a interrupção das entregas de mercúrio e uma queda
no volume da fundição de minério. O súbito colapso das
rotas de comércio internacional provocou severa depres-
são. nos mercados comerciais e estrangulamento do cré-
dito nas colônias. Com os mineiros dispondo de pouco
capital para manter seus custosos empreendimentos, a
produção começou à declinar rapidamente.
Não bastasse a redução de suas exportações, o Alto
Peru foi atingido por uma série de epidemias e colheitas
fracassadas entre 1803 e 1805, as quais afetaram nega-
tivamente as populações rurais e os mercados regionais.
Em 1808, ano da invasão da Espanha pelos franceses, a
economia do Alto Peru estava num estado de depressão
generalizada. Essas condições criaram um clima extre-
mamente tenso tanto nas áreas rurais como nos centros
urbanos, armando o cenário para as revoltas de 1810 em
Chuquisaca e La Paz, que seriam os primeiros movimen-
tos de independência a ocorrer na América espanhola.
li
L••
1~
".
- -A REVOLUÇAO E A CRIAÇAO
DO ESTADO NACIONAL
(1809-1825)
o contexto internacional.
Como acabamos de ver, o século XIX iniciou-se no
Alto Peru com uma grave depressão. Ao mesmo tempo,
o governo imperial de Madri entrava em colapso. Em
fins de 1806, Napoleão invadiu a Espanha e em 1807
Ferdinando VII abdicou. Em maio, a população de Madri
revoltou-se contra o governo controlado pelos franceses,
que havia substituído o monarca. Grupos populares re-beldes organizaram a Junta Central e exigiram lealdade
por parte dos vice-reinos coloniais. Uma situação seme-
lhante de divisão no interior do governo espanhol já ocor-
rera um século antes, mas naquela época as colônias eram
Bolivia
passivas, e o destino da Espanha e de seu império foi
decidido na Europa.
Em 1808, entretanto, o cenário era diferente. Ao
conquistarem a independência, o Haiti e os Estados Uni-
I dos haviam transformado o pensamento I]a América co-
lonial. Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha garantiam-
~apõíõ a rebeldes potenciais e Já_nªo sobrevivia nenhuma
monarquia européia estável. A Revolução Francesa tinha
liberado uma nova ideologja gue atingira todos os países.-- - ~
De repente, um governo republicano passou a ser uma
ãIternãti;a viáveC - -- -- . -
. As colônias estavam cientes do novo contexto in-
II ternacional, ° que "fica claro pela proliferação de conspi-
. rações e revoltas nos primeiros anos do século XIX.
I Inicialmente, entretanto, a -burocracia real teve pouco
trabalho em sufocar esses movimentos, pois as eíítesco-,
.loniais negava-lhes apólô: temendo -que pudessem se
.1 transformar em sublevações populares. A ~angrenta re:
ir yo!uçã~~<:.~~~m ~l~.!!~tal!to _P~~.~_~~§ocied_ag.es
escra~ocratas como para aqueles que viviam da explora-~ --- -_.- .•.-. ....., '- _.--' ..... ..,.,- "..... -,~ -- -' ,,- -- .
ção da massa inc:!Jgena....._
- ;.. Õ colapso da monarquia espanhola e o conflito de
pretensões em tomo do domínio colonial envolvendo a
Junta, o novo regime francês sob o comando de Joseph
Napoleón em Madri, e mesmo a irmã de Fernando VII,
Carlota, esposa de João VI, criavam enormes problemas
para as elites coloniais. Uma atmosfera de crise e inde-
cisão espalhou-se pelas Américas nos meses de julho,
59
60 Herbert S. Klein
agosto e setembro de 1808. Na maioria dos casos, au-
diencias, governadores e bispos preferiram adotar uma
atitude de esperar para ver o que aconteceria. Alguns
convocaram encontros abertos (cabildos abiertos) para
sondar a opinião local. A maior parte, provavelmente,
era favorável à Junta; UIJS poucos decidiram apoiar os
franceses ou Carlota.
Em parte alguma as elites criollas e espanholas esta-
vam inteiramente satisfeitas com uma solução particular.
Tal situação levou a conflitos entre governantes, audien-
cias e bispos, e entre essas autoridades reais e os con-
selhos municipais. Isso explica os eventos que se desen-
rolaram no Alto Peru em 1808 e 1809. A região gerou
o primeiro movimento de independência na América
espanhola. Em parte devido ao seu isolamento do mar,
em-parte porque ainda constituía uma zona de poder eco-
nômico independente entre dois vice-reinos conflitantes
- o de Lima e o de Buenos Aires -, e também graças
à sua tradicional autonomia, o Alto Peru constituiu terreno
próprio para que as divergências fermentassem e se de-
senvolvessem antes de serem suprimidas.
A primeira onda de revoltas pela independência
Quando as notícias da crise espanhola chegaram ao
Alto Peru em setembro de 1808, desencadeou-se um con-
flito entre o arcebispo e o presidente da Audiencia, que
61Bolívia
apoiavam a Junta Central, é os juízes, que se negavam
a reconhecer a autoridade da Junta. No final de maio de
1809, o presidente da Audiencia, Leon Pizarro, foi preso
pelos juízes. O intendente de Potosí, Francisco Paula
Sanz, não ofereceu resistência imediata, de modo que os
juízes buscaram o apoio das outras cidades. Apesar de
algumas manifestações populares, a questão permaneceu
confinada ao âmbito da burocracia.
Não foi esse o caso da revolta ocorrida em La Paz.
Em julho de 1809, os vecinos' da cidade exigiram que
fosse realizada uma assembléia municipal para decidir
qual regime apoiar. O fato de a elite local reclamar o
direito de tomar suas próprias decisões, com inde-
pendência em relação à burocracia da Audiencia. refletia
o poderio crescente de La Paz. Então a maior e mais
próspera cidade do Alto Peru, ela estava relativamente
imune às crises econômicas que atingiam os centros mi-
neradores do Sul. Descontente com sua falta de autono-
mia, La Paz enxergou nos conflitos na Espanha e em
Chuquisaca uma oportunidade para esboçar sua própria
versão de independência.
Liderados pelo vecino Pedro Domingo Murillo, os
rebeldes capturaram o governador local e o bispo da ci-
dade, instauraram uma Junta Tuitiva, repudiaram o regi-
me da Junta espanhola e proclamaram um governo in-
* Na América espanhola, chamavam-se vecinos os habitantes comuns das
cidades. (N.E.)
62 Herbert S. Klein
dependente em nome de Ferdinando VII - um expe-
diente utilizado por todos os líderes rebeldes posteriores
para legitimar seus movimentos de independência.
Essa declaração de autonomia, embora tenha se re-
velado' de vida curta, deu início às guerras pela inde-
pendência, que duraram de 1809 até 1825. Mas o "grito"
dos rebeldes de La Paz ~ão encontrou eco imediato nem
entre os índios nem entre as elites dos centros urbanos.
O vice-rei de Lima ordenou represálias imediatas e enviou
uma tropa de 5 000 soldados a La Paz, sob o comando
de Goyeneche, presidente da Audiencia de Cuzco. Para
enfrentá-Ia, Murillo foi capaz de arrebanhar apenas 1 000
homens pobremente armados. Tentou negociar com 00-
yeneche, mas foi capturado juntamente com a maioria
dos rebeldes mais radicais. Em janeiro de 1810, Murillo
e oito de seus companheiros conspiradores foram exe-
cutados, enquanto mais de cem eram exilados.
Ao mesmo tempo, o vice-rei em Buenos Aires
nomeou um novo presidente para o Alto Peru, Marshal
Nieto, que também chegou com tropas. No começo de
dezembro ele tomou Chuquisaca e prendeu os juízes
rebeldes. Essas ações puseram um fim abrupto ao mo-
vimento de independência do Alto Peru.
Mas enquanto a liderança urbana da geração de 1809
era destruída, novos líderes rebeldes surgiram em seis
áreas rurais conhecidas como republiquetas. As cidades
mantiveram-se sob domínio monarquista, mas os rebeldes
controlavam uma parte importante do campo e aliaram-
63Bolívia
Mas o movimento pela independência escapara das
mãos dos habitantes do Alto Peru. Embora tenham sido
os primeiros hispano-americanos a se rebelar, foram os
últimos a conquistar a independência. O Alto Peru tor-
nou-se campo de batalha para vizinhos mais poderosos
ao norte e ao sul. A segunda etapa do movimento de
independência foi determinada a milhares de quilômetros
do altiplano. Com o estabelecimento, em 1810, de um
governo independente em Buenos Aires, que assumiu o
domínio do vice-reino, os liberais e os rebeldes do Alto
Peru viram ressurgir a esperança na figura dos republi-
canos portenhos, tidos como aliados na luta pela inde-
pendência.
A resposta dos monarquistas, liderados por Paula
Sanz e pelo presidente Nieto, foi romper com o vice-reino
e submeter-se novamente à autoridade de Lima. Mas o
movimento revolucionário começou a se espalhar. Em
setembro de 1810 Cochabamba levantou-se em apoio ao
regime de Buenos Aires e no mês seguinte um exército
argentino, sob o comando de Castelli, ingressou no Alto
Peru. Com um tremendo respaldo popular, apoderou-se
se às invasões republicanas vindas da Argentina. Até 1816
essas forças de oposição foram apoiadas por todas as
classes sociais, incluindo os camponeses.
A segunda etapa: as invasões das
tropas argentinas
64 Herbert S. Klein
da maioria das cidades importantes e em novembro con-
quistou Potosí. Paula Sanz e Nieto foram executados. O
presidente de Cuzco, Goyeneche, viu-se obrigado a bater
em retirada, e em abril de 1811 o exército argentino entrou
em Oruro e La Paz. Assim, toda a região do Alto Peru
tomou-se uma zona livre e independente.
I'
Os argentinos, entretanto, não permitiram que se
estabelecesse uma república independente, tampouco pro-
moveram os interesses do Alto Peru. Uma derrota das
tropas de Castelli diante dos monarquistas peruanos em
Guaqui, no Lago Titicaca, em junho de 1811, desenca-
deou a debandada do exército argentino. Seguiram-se
grande derramamento de sangue nos centros urbanos e
ataques dos habitantes do Alto Peru ao violento

Continue navegando