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Leitura e escrita no ensino superior Cleuza Cecato Código Logístico 59065 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6565-3 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 6 5 3 Leitura e escrita no ensino superior Cleuza Cecato IESDE BRASIL 2021 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2021 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: primiaou/JosepPerianes/Shutterstock/EnvatoElements CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C382L Cecato, Cleuza Leitura e escrita no ensino superior / Cleuza Cecato. - 1. ed. - Curiti- ba [PR] : IESDE Brasil, 2021. 114 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6565-3 1. Leitura - Estudo e ensino (Superior). 2. Redação acadêmica. 3. Lín- gua portuguesa - Composição e exercícios. I. Título. 20-62435 CDD: 469.8 CDU: 811.134.3 Cleuza Cecato Doutoranda em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra em Linguística e graduada em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Tem experiência nos segmentos da educação básica, com especial dedicação ao ensino médio, além de ministrar aulas relacionadas à área de linguística em cursos de graduação e pós-graduação presenciais e na modalidade EaD. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Tópicos de linguagem 9 1.1 Oralidade e escrita 10 1.2 Estrutura de sentença 24 2 Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 29 2.1 Escrita no cotidiano 30 2.2 Norma culta e preconceito linguístico 35 2.3 Variação linguística 38 3 Estratégias para elaboração de textos 46 3.1 Tipos e gêneros textuais 47 3.2 Fatores de textualidade 53 3.3 Coesão e coerência 62 4 Argumentação oral e escrita 67 4.1 O que é argumentação? 68 4.2 Textos argumentativos orais 71 4.3 Textos argumentativos escritos 78 4.4 Principais problemas de argumentação 82 5 Gêneros de escrita acadêmica 91 5.1 Tópicos de escrita acadêmica 91 5.2 Resenha 94 5.3 Relatório 97 5.4 Resumo 103 5.5 Artigo 108 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Este livro foi elaborado com a intenção de oferecer aos estu- dantes de ensino superior mais uma possibilidade de conhecer, compreender e escrever textos solicitados ao longo da formação acadêmica. Além disso, busca melhorar as nossas estratégias de comunicação no mercado de trabalho e em outras situações do decorrer de nossas vidas. Para tanto, esta obra foi dividida em capítulos que se propõem a estabelecer uma ligação entre o que se deve ter em mente com relação à produção de textos ao final da educação básica e o que se espera progredir nesse sentido nessa nova fase de aprendizado. O Capítulo 1 cumpre a função de oferecer uma revisão sobre algumas diferenças e semelhanças entre língua oral e escrita, além de abordar tópicos específicos de sinais de pontuação – sua utilização normativa e expressiva –, concordância, regência, estruturação de frases e parágrafos. No Capítulo 2, a atenção está voltada para as diferentes ma- nifestações da língua que geram os diversos tipos de variação linguística. O distanciamento entre cada variação e a norma- -padrão pode dar origem a manifestações de preconceito com quem fala de diferentes maneiras, e não deixamos de conside- rar como isso aparece em questões de avaliações oficiais ou no nosso dia a dia. O Capítulo 3 contém análises e exemplos de diferentes gê- neros de texto e das maneiras de elaborá-los, considerando fatores como situacionalidade, informatividade e intertextuali- dade, bem como passando por análises de coesão e coerência com base em exemplos clássicos, na atualização das discussões e no diálogo que podemos estabelecer entre eles. No Capítulo 4, nosso enfoque são os textos argumentati- vos em sua realização oral ou escrita. A ideia é exemplificar e oferecer análises relacionadas a estratégias de elaboração com escolha de estrutura e conteúdo para textos que se propõem a expor e defender um ponto de vista. Para alcançar esses obje- tivos, a abordagem da argumentação se dá pela leitura de pis- tas e sinais, como nas narrativas de detetive, o que facilita as APRESENTAÇÃOVídeo analogias necessárias para a leitura e a produção de textos que demandam interpretação de perspectivas. O Capítulo 5 é destinado a discutir métodos de leitura e escrita de diferen- tes textos acadêmicos. Resumo, resenha, relatório e artigo são gêneros muito solicitados ao longo do ensino superior e por isso mereceram uma atenção especial nesta obra, sempre com aspectos práticos e exemplos para elabora- ção desses textos. Com base nessas propostas de leitura e escrita de textos, esperamos apre- sentar e/ou consolidar estratégias de escolha de vocabulário e organização de ideias, com a finalidade de comunicar melhor, despertando a curiosidade para pesquisar outras obras e desenvolver suas próprias estratégias de autoria e compreensão de textos diversos. Boa leitura e bons estudos! Tópicos de linguagem 9 O ensino superior é uma etapa de formação em nossos estu- dos que exige um passo a mais no entendimento sobre a língua escrita e falada. Até a entrada na faculdade, nossa preocupação está mais relacionada a fazer boas redações escritas que serão exigidas nos vestibulares e no Enem. Agora, nessa nova etapa, precisamos exercitar mais e melhorar a utilização oral e escrita da língua, pois seremos exigidos e estimulados a fazer isso em dife- rentes ocasiões ao longo de nossa formação. Por isso, no ensino superior, é fundamental fazermos algumas perguntas, como: o que sabemos sobre língua escrita e falada? Quais são nossas principais dúvidas? Onde podemos nos orientar melhor a respeito de fala e escrita? Como melhorar nossa rela- ção com a leitura, a fala e a escrita? Todas essas e outras tantas questões podem nortear nossa curiosidade e nosso aprendizado, melhorando nossas estratégias de comunicação. Perguntar sobre como podemos utilizar nosso idioma em favor de nosso aprendi- zado, em qualquer momento de nossa formação como estudan- tes, deve ser uma ação constante, que nos ajude a melhorar nosso entendimento sobre o mundo à nossa volta. Nossa intenção é começar por tópicos que frequentemente ge- ram medo de escrever, ou até informações incorretas sobre como devemos utilizá-los. Nosso ponto de partida é trabalhar com algu- mas reflexões sobre a escrita, que é uma ação mais complexa que a fala, e sobre elementos essenciais à comunicação pelo registro escrito: pontuação e organização de palavras em frases. Contudo, primeiro apresentamos uma breve discussão sobre a oralidade, que precede a escrita. Assim, passo a passo, conseguimos enten- der e utilizar a escrita nas situações em que mais precisamos dela, inclusive compartilhando nossos desafios, receios e sucessos. Tópicos de linguagem 1 10 Leitura e escrita no ensino superior 1.1 Oralidade e escrita Vídeo Ao elaborarem, no final dos anos 1990, um manual para ensino de língua portuguesa e escrita no ensino superior,Faraco e Tezza (2003) didatizaram e trouxeram uma proposta de reconhecimento de regis- tros de língua muito importante para o cotidiano de estudantes de graduação. Nesse manual, eles reafirmaram o que Bakhtin já havia consolidado em seu livro Estética da criação verbal (2011): a escrita foi criada pelo ser humano como uma maneira de continuar a oralidade, ou seja, de completar o processo de comunicação em circunstâncias em que a oralidade somente já não conseguia mais fazê-lo (FARACO; TEZZA, 2003). As menções à escrita e à oralidade são muitas, e poderíamos ex- plorar de várias maneiras essa dualidade no processo de registro e utilização de uma língua. No entanto, o que não devemos deixar de considerar é que, muitas vezes e há até bem pouco tempo, a orali- dade era considerada um registro de menor importância ou que dis- torcia a realidade da língua. Isso mudou bastante quando, no início do século XX, a linguística passou a dar uma atenção mais cuidadosa às possibilidades de explicar fenômenos de linguagem com base em registros da fala. Outro processo muito importante a ser compreendido nessa con- tinuidade – ou complementaridade – da fala e da escrita é que a fala é adquirida e desenvolvida por nós em situações simples do dia a dia, enquanto a escrita geralmente só é adquirida de maneira mais formal, em ambientes como a escola, no processo de alfabetização. Podemos explorar um pouco mais essa concepção de aprendizado natural e não natural lendo um trecho do livro Guia de escrita, escrito pelo linguista Steven Pinker (2016, p. 41): A fala e a escrita diferem em seus mecanismos, é claro, e essa é uma das razões pelas quais as crianças precisam lutar com a escrita: reproduzir os sons da língua com um lápis ou com o teclado requer prática. Mas a fala e a escrita diferem também de outra maneira, o que faz da aquisição da escrita um desafio para toda uma vida, mesmo depois que seu funcionamento foi dominado. Falar e escrever envolvem tipos diferentes de rela- cionamentos humanos, e somente o que diz respeito à fala nos chega naturalmente. A conversação falada é instintiva porque Oficina de texto é o nome de um manual, elaborado por Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza, que já passou por diversas reedições desde seu lançamento, no final dos anos 1990. As propostas de exercícios são feitas com base em diferentes gêneros de leitura e escrita, contemplando as dúvidas e dificuldades mais significativas dos estudantes, principalmente naquele pe- ríodo, quando a internet ainda não era popularizada como fonte de produção e divulgação de conteúdo sobre ensino de língua e escrita. Em Estética da criação verbal, traduzido e publicado no Brasil no final da década de 1990, Bakhtin trabalha com as definições relacionadas à teoria literária, como as relações entre as personagens e o papel do autor. Para tanto, empregou muitas concepções e aborda- gens relacionadas à escrita e à oralidade, que foram depois utilizadas em vários materiais para ensino de habilidades de comunicação. Leitura Tópicos de linguagem 11 a interação social é instintiva: falamos às pessoas “com quem temos diálogo”. Quando começamos um diálogo com nossos interlocutores, temos uma suposição de que já sabem e do que poderiam estar interessados em aprender, e durante a conver- sa monitoramos seus olhares, expressões faciais e atitudes. Se eles precisam de esclarecimentos, ou não conseguem aceitar uma afirmação, ou têm algo a acrescentar, podem interromper ou replicar. Neste trecho, Pinker (2016) evidencia a naturalidade da fala, e a escrita como invenção. Além disso, o autor antecipa a ideia de como ambas mobilizam diferentes habilidades a serem realizadas em nosso processo de comunicação. Por essa razão, é importante destacar o va- lor da fala para a inserção social e a possibilidade de reelaboração que ela permite ao longo das interações de comunicação. Podemos cons- tatar, desse modo, que escrever é uma ação artificial, uma maneira de “fazer de conta”, já que não recebe os retornos imediatos dos interlocu- tores, como acontece com a fala. Para entender melhor as relações entre oralidade e escrita, é preci- so, dentre outras ações, mudar a perspectiva de análise: não se pode apenas observar a língua (o código) para termos uma percepção com- pleta dos dois registros, mas também é necessário ver seu uso no coti- diano, em nossas práticas sociais. Podemos nos perguntar: por que às vezes a fala é suficiente e, em outras ocasiões, é imprescindível utilizar a escrita? A resposta a essa pergunta passa pelas práticas sociais es- tabelecidas pelo uso da língua. Por exemplo, quando precisamos que determinada informação seja documentada e arquivada como com- provação de uma transação (como a compra e venda de uma casa), utilizamos a escrita. Porém, quando precisamos de alguma informação rápida, que não precisa ser armazenada como comprovação (como perguntar onde é certo lugar), preferimos utilizar a fala. Em situações de maior informalidade, nas quais podemos ficar mais descontraídos, além de a fala ser o veículo de comunicação, utilizamos também palavras mais simples e gírias, fazemos brincadeiras com a linguagem e não nos preocupamos tanto com as formalidades mais es- pecíficas da comunicação. Costumamos chamar esse processo de fle- xibilização dos usos da língua de adequação linguística. Isso quer dizer que, quando falamos – ou mesmo escrevemos – em contextos mais ou menos familiares, podemos escolher o grau de formalidade com que O cenário do filme Nar- radores de Javé é a cidade de Gameleiro da Lapa, no interior da Bahia. O enredo está centrado na necessi- dade que surge de os mo- radores de uma localidade chamada Javé contarem sua história, já que o lugar está ameaçado por cau- sa da construção de uma usina hidrelétrica e não há registro da existência des- sa comunidade. O conflito começa a se desenrolar quando os moradores se dão conta de que quase todos são analfabetos. A função de contar a histó- ria concentra-se no per- sonagem Biá (o único que sabe ler), vivido por José Dumont. Para contar a história, ele começa a pere- grinar pelas casas e colher informações dos morado- res. É aí que nossa atenção precisa ficar mais aguçada: nessas entrevistas, a cul- tura, os costumes, a iden- tidade e a relação com a construção do idioma se revelam e intensificam Direção: Elaine Caffé. Brasil, França: RioFilme, 2004. Filme 12 Leitura e escrita no ensino superior vamos nos comunicar. Para exemplificar esses movimentos de adequa- ção, podemos fazer comparações com as vestimentas que usamos: ir à praia de paletó não é adequado, assim como ir apresentar um seminá- rio não condiz com chinelos e calção de praia. Esses estereótipos exa- gerados são empregados justamente para que possamos mobilizar a imagem de adequação ou inadequação de usos da linguagem, conside- rando a formalidade e a informalidade, tanto na escrita quanto na fala. Será que a fala sempre teve lugar de destaque na representação e na reflexão sobre a língua? No Brasil, por exemplo, a fala começou a ter lugar de discussão, inclusive nas artes, somente a partir do início do século XX, no movimento modernista. Assim como a escrita, a fala faz parte da construção da identidade nacional, e foi o Modernismo que conseguiu introduzir registros de oralidade na representação do que é a identidade brasileira. Um exemplo de registro de que não só a fala é diferente da escrita, como também existem variações dependendo da situação de comuni- cação (e de outras características que envolvem o universo dos falan- tes), foi feito por Oswald de Andrade no poema Pronominais 1 . Nele, o poeta relata como as regras estabelecidas pela gramática tradicional prescrevem um simples pedido de cigarro, com o verso “Dê-me um ci- garro”, e como as pessoas, no cotidiano, pedem dizendo “Me dá um cigarro”. Essa simples variação de colocação do pronome oblíquo me antes ou depois do verbo ainda hojeé tratada de maneira diferente em diversas ocasiões, quando se obedece ou não à prescrição gramatical. É possível constatarmos que, se hoje a oralidade é objeto de es- tudos e análises linguísticas, isso foi acontecendo com o passar do tempo, principalmente com a identificação de que a fala é parte fun- damental de nossa relação com o mundo e de que a escrita é im- prescindível para que isso ocorra (quando a fala não consegue). Por exemplo, neste livro, utilizamos a escrita para registrar e organizar uma série de informações e orientações a respeito dos estudos da linguagem. Isso ocorre porque o registro escrito nos permite procurar alguma informação especificamente em páginas e parágrafos, e não contamos apenas com a memória para armazenar o que ouvimos ou falamos. A escrita é, desse modo, responsável por transmitir informa- ções padronizadas para um maior número de pessoas e deixarmos isso registrado para consulta. Atividade 1 É importante entender a orali- dade e a escrita como registros que se complementam em uma língua? Por quê? Caso a resposta seja afirmativa, como podemos fazer isso? Para a leitura do poema Pronominais, acesse o link: https://www.escritas.org/ pt/t/7793/pronominais. Acesso em: 20 jan. 2020. 1 Prescrição gramatical é a orientação ou determinação de uso feita pela gramática tradicional para que se obedeça ao padrão formulado a partir de usos considerados corretos da língua. É importante destacar que a prescrição gramatical não se altera de maneira tão rápida, por exemplo, quanto a fala, pois ela segue estruturas já cristalizadas e estabelecidas na língua. Isso nos leva a perceber uma grande diferença entre o que a gramática determina e o que utilizamos em diferentes ocasiões de comunicação (faladas ou escritas). Saiba mais+ https://www.escritas.org/pt/t/7793/pronominais https://www.escritas.org/pt/t/7793/pronominais Tópicos de linguagem 13 Uma das características essenciais para diferenciar a escrita em re- lação a qualquer outro tipo de manifestação de linguagem é o uso dos sinais de pontuação. Por isso, vamos começar conversando um pouco sobre as principais ocorrências desses sinais e como podemos inter- pretá-los e utilizá-los em textos escritos. É importante destacar que não pretendemos listar, como se faz em uma gramática, todo e qualquer uso da pontuação. Como nossa ideia é oferecer a você um manual que interprete e explore as ocorrências mais significativas e estratégicas, é delas que vamos nos valer, inclusive para os exemplos. Vamos analisar juntos? 1.1.1 Pontuação Você já ouviu ou disse que a vírgula aparece no texto escrito para que se possa respirar ao longo da leitura? Pois é, esse e outros mitos sobre a pontuação utilizada na escrita passam de geração para geração e é preciso muita leitura, maturidade e reflexão para que possamos abandoná-los e entender que a relação entre pontuação e escrita tem outras origens e funcionalidades. Para começar esta análise, vamos logo compreender que a vírgula não é sinal de respiração por um simples motivo: a fala veio antes da escrita. O sinal gráfico não comanda a fala, mas procura representá-la, mostrando como ela se realiza; com relação à pontuação, é a fala que orienta como se organiza a escrita. Vamos tratar, desse modo, dos sinais de pontuação em português e das principais funções que eles exercem. É importante lembrar que, para as situações em que vamos utilizar a escrita no ensino superior, saber utilizar adequadamente a pontuação é um passo muito importante para que não haja distorção ou interpretação inadequada do que desejamos comunicar. A organização sintática é a forma ou a ordem em que as palavras são empregadas na língua para que as informações façam sentido. A organização mais comum das frases em português é sujeito, verbo e objeto (então, são colocados outros elementos). Os manuais de língua portuguesa que tratam da sintaxe geralmente chamam essa sequência de ordem canônica, ou seja, é a ordem tradicional e mais utilizada. Saiba mais+ Agora, vamos aproveitar para revisar e, quem sabe, conhecer algum novo emprego dos sinais de pontuação que vemos em textos escritos e que podemos utilizar em nossos textos? O documentário Língua: Vidas em português é uma narrativa muito importan- te, poética e emocionante sobre como, todos os dias, mais de 200 milhões de pessoas pensam, falam, escrevem, sofrem, ficam felizes, declaram seus amo- res e revelam suas tristezas em língua portuguesa. A mistura do português com as línguas locais e de fron- teiras nas ex-colônias por- tuguesas é celebrada nes- sa obra-prima, que conta com depoimentos de José Saramago, Mia Couto, Mar- tinho da Vila, João Ubaldo Ribeiro e outros tantos representantes anônimos e famosos do uso cotidia- no e da reinvenção desse idioma. Diretor: Victor Lopes. Portugal, Brasil: TV Zero, 2001. Documentário Atividade 2 Por que usamos os sinais de pontuação na escrita de textos? Justifique sua resposta. Justifique sua resposta. 14 Leitura e escrita no ensino superior É empregado para fechar os períodos, sinalizando a fi- nalização de um raciocínio, ou em final de abreviações. • Exemplo de finalização de período: “Fui à biblioteca e encontrei três livros que podem ajudar a compor a parte teórica do trabalho de conclusão de curso”. • Exemplo de abreviação: rev. (em vez de revisão), org. (em vez de organizado ou organização). Ponto-final . Vírgula É utilizada para separar itens com mesmo valor em uma sequência ou para indicar o deslocamento de um trecho da frase, de uma oração inteira ou de uma expressão. Há vá- rias outras ocorrências, mas vamos lembrar que não esta- mos listando todas as funções do emprego de pontuação. • Exemplo de enumeração: “Estivemos no ambiente de pesquisa e lá conseguimos colher dados, informar as pessoas e aplicar a metodologia”. A vírgula separa e, ao mesmo tempo, une os itens, uma vez que todos os itens (colher dados, informar as pessoas e aplicar a metodologia) estão ligados ao verbo conseguimos. Repare também que o último item da sequência é introdu- zido por e, e não por vírgulas, pois é a última ação listada. • Exemplo de deslocamento: “Testei, no decor- rer da pesquisa, várias possibilidades de aplicação metodológica”. Note que a expressão no decorrer da pesquisa está en- tre vírgulas justamente porque está deslocada. O lugar a ela destinado, de acordo com a ordem sintática tradicio- nal, é o final da frase, o que dispensaria a vírgula: “Testei várias possibilidades de aplicação metodológica no decor- rer da pesquisa”. (Continua) , Tópicos de linguagem 15 Há situações em que o emprego da vírgula altera o sentido da informação, como em: a. Liguei para minha irmã que tem dois cachorros para perguntar o que fazer com meu gato. b. Liguei para a minha irmã, que tem dois cachorros, para perguntar o que fazer com meu gato. Enquanto a ausência das vírgulas em A marca uma res- trição para a informação (tenho várias irmãs e liguei espe- cificamente para aquela que tem dois cachorros), em B, a inserção das vírgulas indica uma explicação sobre minha irmã (tenho uma irmã e, por acaso, ela tem cachorros). Essa diferença específica na informação revelada pela presença (explicação) ou ausência (restrição) de vírgulas deve ser pensada sempre por nós na elaboração de nossos textos. Guarde esse exemplo e essa informação e utilize como com- paração na hora de elaborar seus textos. Com o passar do tempo, essa percepção da necessidade ou não da vírgula fica mais fácil e você passa a empregá-la automaticamente. Pode separar informações de períodos que se equili- bram em valor de importância ou ser empregada em uma sequência de itens. • Exemplo de informações que se equilibram: “De um lado, as informações foram colhidas; de outro, ainda não sabemos o que fazer com elas”. • Exemplo de sequência de itens: “Para a realização da pesquisa, precisamos considerar: ambiente dispo- nível; esfera de circulaçãode informações; aplicação da metodologia e outras contingências”. Ponto e vírgula ; 16 Leitura e escrita no ensino superior Dois-pontos Em geral, são utilizados para indicar uma sequência de informações ou uma explicação. • Exemplo de sequência de itens: “Para a realização da pesquisa, precisamos considerar: ambiente dis- ponível; esfera de circulação de informações; aplica- ção da metodologia e outras contingências”. • Exemplo de explicação: O dado é muito significa- tivo: cem milhões de brasileiros, quase metade da população, não têm acesso a saneamento básico. : Em geral, aparecem para indicar que há uma informação ou um raciocínio subentendido ou um trecho de texto proposital- mente retirado. Nesse último caso, pode-se empregar o sinal de reticências entre parênteses ou colchetes. • Exemplo de raciocínio subentendido: “Eu gostaria de ter feito a pesquisa, o relatório e todo o texto do traba- lho de conclusão, mas...” • Exemplo de trecho de texto retirado: [...] agora habitamos, de modo sem precedentes, dois mundos diferentes – o “on-line” e o “off-line” –, ainda que sejamos capazes de passar de um para outro de forma tão suave, a ponto de isso ser, na maioria dos casos, imperceptível, de vez que não há nem frontei- ras demarcadas ou controles de imigração entre elas, nem agentes de segurança para verificar nossa ino- cência ou funcionários da imigração checando nossos vistos e passaportes. Com muita frequência conse- guimos estar nos dois mundos ao mesmo tempo [...]. Pode-se fazer uma longa lista de diferenças entre os dois mundos, mas uma delas parece ter mais peso sobre nossas reações aos desafios da “crise migrató- ria’. (BAUMAN, 2017, p. 101) Reticências ... Tópicos de linguagem 17 Travessão Pode ser empregado para indicar falas em um diálogo ou para conter uma informação secundária ou explicativa. • Exemplo de diálogo: “— Quem saiu mais cedo ontem? — Eu saí para fazer as pesquisas do projeto”. • Exemplo de informações extras: “Cem milhões de brasileiros — quase metade da população, portanto —não têm acesso à coleta de esgoto”. A constatação de que 100 milhões de brasileiros perfazem quase metade da população total do país não é necessária para a informação principal. Além do uso de travessões para separá-la do restante do conteúdo, poderiam ser emprega- dos parênteses ou vírgulas sem que houvesse alteração de sentido. Nesses casos, a escolha depende mais do estilo de escrita ou das estratégias de pontuação do autor do texto. — São empregados, em geral, para conter informações secun- dárias ou explicativas sobre o que está escrito fora dos parên- teses. Podem ser substituídos por vírgulas ou travessões. Além disso, como tratamos aqui de escrita, principalmente no ensi- no superior, é importante destacar o uso de parênteses para inserir autor e ano em citações na elaboração de trabalhos acadêmicos. • Exemplo de informações extras: “Cem milhões de bra- sileiros (quase metade da população portanto) não têm acesso à coleta de esgoto”. Note que o exemplo é o mesmo utilizado para ilustrar o uso de travessões. • Exemplo de uso em citação: A tarefa do professor de redação começa a partir do texto escrito pelo aluno e [...] essa tarefa é a orientação da reescrita desse texto para ajudar seu autor a des- cobrir o que ele queria dizer e a reescrever a primeira versão para fazê-la dizer isso. (GUEDES, 2009, p. 13-14) Parênteses ( ) 18 Leitura e escrita no ensino superior Ponto de interrogação Utilizado para fazer perguntas diretas. • Exemplo: “Quanto precisamos ler para ter repertó- rio suficiente para escrever bem? Onde encontra- mos as melhores informações sobre fala e escrita?”. ? Utilizado em frases exclamativas para indicar sen- timentos como surpresa, alegria ou espanto. Tudo isso também pode ser revelado por meio do uso de frases imperativas ou interjeições acompanhadas do ponto de exclamação. • Exemplo: “Capaz que é possível escrever bem sem fazer muita leitura!”. Nesse caso, inclusive, a surpresa é reforçada pelo emprego da palavra capaz, que faz a função de interjei- ção – classe utilizada para indicar surpresa ou quebra de expectativa. Ponto de exclamação ! Aspas Podem ser empregadas para indicar fala em diálogos, citações diretas, mudança de sentido em palavras ou expressões e nomes de obras. • Exemplo de diálogo: “Quem saiu mais cedo ontem?” “Eu saí para fazer as pesquisas do projeto.” Note que o exemplo de diálogo empregado é o mesmo utilizado para ilustrar o uso de traves- são indicando essa ação. • Exemplo de citação: “É mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito” (Albert Einstein). • Exemplo de mudança de sentido: “Na aula seguinte, os estudantes foram ‘infor- mados’ sobre os direitos e deveres”. (Continua) “ ” Tópicos de linguagem 19 Observe que o uso de aspas na palavra infor- mados indica que deve ser feita uma interpreta- ção diferente da usual. Pode ser, inclusive, que a maneira como eles foram informados não tenha sido a mais adequada (o uso das aspas permite essa e outras interpretações). Trata-se, aqui, de uma figura de linguagem (ironia), que consiste em dizer exatamente o contrário do que a pala- vra escolhida deveria indicar. • Exemplo de citação de obra: “Com a pu- blicação de ‘Modernidade líquida’, o filó- sofo polonês Zygmunt Bauman explica o comportamento da população ocidental contemporânea”. Como é possível perceber com essa sequência de informações so- bre os sinais de pontuação, eles podem ser empregados em diferentes contextos e indicar diversas interpretações. 1.1.2 Concordância Algumas relações entre as expressões dentro das frases são mais evidentes em algumas línguas. Por exemplo, em português, as relações de concordância e regência são muito produtivas e alteram o sentido das mensagens faladas ou escritas. Vamos iniciar nossa exploração pe- las relações de concordância. Para começar, em uma afirmação como “Os trabalhos de conclu- são de curso foram entregues no prazo”, as palavras em negrito estão todas no plural por causa das regras de concordância verbal e nominal. Podemos definir concordância como a relação entre uma palavra e outra dentro de uma frase, que promove a influência entre elas para que fiquem todas no singular ou no plural, no masculino ou no fe- minino. No caso dos verbos, a concordância de número e de pessoa surge no lugar do gênero. Nesses casos, há palavras específicas que se relacionam entre si – por exemplo, em “os trabalhos”, o artigo os (masculino plural) é chamado de determinante e acompanha a forma do substantivo trabalhos (masculino plural). Nas relações de concor- determinante: é o nome dado a palavras que acompanham os substantivos. Assim, ao lermos ou falarmos o determinante em uma frase (antes do substanti- vo), já sabemos as informações sobre singular ou plural e feminino ou masculino. Glossário 20 Leitura e escrita no ensino superior dância nominal, quem define o número e o gênero é o substantivo. Na concordância verbal, é o verbo, como núcleo da frase, quem selecio- na e define número e pessoa. No caso da concordância verbal, a relação deve se estabelecer entre o verbo e o sujeito a ele relacionado. Em “Os trabalhos foram entre- gues”, é o substantivo trabalhos (plural) que determina a forma verbal plural foram (terceira pessoa do plural). Até esse ponto, parece muito simples e basta obedecer à lógica da língua para não cometer deslizes de concordância. No entanto, existem algumas situações em que as dúvidas podem ser mais difíceis de solucionar. É possível, por exemplo, que você já tenha ficado em dúvida em relação a uma frase como “faz/fazem dez anos que trabalho aqui” ou ainda “haverá/haverão dias melhores”. Nos dois casos, a escolha ade- quada é pela forma singular: “faz dez anos” e “haverá dias melhores”, considerando que “dez anos” e “dias melhores” não são expressões que se tornam sujeito das orações. Também é uma relação de lógica,como nas outras situações de concordância, mas é preciso identificar a lógica das orações sem sujeito e o uso de verbos impessoais, como ocorre nesses dois casos. Em outras situações como em “O grupo de mulheres foi/foram levado/ levadas ao escritório”, o verbo precisa concordar com “o grupo” ou “mulhe- res”? As duas formulações são aceitas, mas a mais comum é “O grupo de mulheres foi levado ao escritório.” Em outras situações, como quando se emprega o verbo ter, o singular ou o plural de terceira pessoa é identifica- do apenas por um acento: “A pesquisa tem chance de publicação” (terceira pessoa do singular) ou “As pesquisas têm chance de publicação” (terceira pessoa do plural). Como você já deve ter percebido, não estamos fazendo uma se- quência de regras sobre os tópicos de que tratamos neste capítulo, mas abordando as principais dúvidas e exigências que podem apare- cer pelo caminho, ao longo de sua experiência na graduação. Como os problemas e dúvidas em relação à concordância verbal são sempre em maior número e mais expressivos, a maioria de nossos exemplos aqui é sobre esse tipo de concordância. Você pode considerar os exemplos aqui empregados como pontos de partida para explicar e entender me- lhor as relações de concordância que definem os usos do português padrão na contemporaneidade. Objeto direto é um complemento que se liga a verbos transitivos diretos. É assim denominado porque a ligação entre o verbo e esse complemento não é interme- diada por preposição. Ex.: “Comi arroz e feijão ontem” (não há preposição entre a forma verbal comi e o complemento arroz e feijão). Já objeto indireto é um complemento que se liga a verbos transitivos indiretos. É assim denominado porque a ligação entre o verbo e esse complemento é intermediada por preposição. Ex.: “Cheguei ao consultório mais cedo” (há preposição entre a forma verbal cheguei e o complemento consultório). Saiba mais+ Tópicos de linguagem 21 1.1.3 Regência Você já percebeu que, em alguns casos, o à se escreve assim, com acento grave? E será que existe diferença entre “Você assistiu ao filme” e “Você assistiu os doentes”? As duas situações, tanto do à quanto do uso do verbo assistir, são exemplos de regência, que é uma espécie de relação de comando estabelecida entre nomes (substantivos, adjetivos e advérbios) ou verbos e seus complemen- tos (objetos diretos e indiretos). Assim como no caso da concordância, os exemplos de regência de que vamos tratar aqui são os que mais geram dúvidas quando preci- samos utilizá-los na fala ou na escrita. Por isso, não é necessário se as- sustar com termos como objeto direto e indireto, ou outros que vamos encontrar nos exemplos; basta entender, mais uma vez, que a língua não é um objeto ou um instrumento estático e que questões de regên- cia também estão em constante transformação. As duas perguntas sobre o verbo assistir que iniciam este tópico es- tão relacionadas à diferença de sentido atribuída às ocorrências desse verbo quando se afirma ter assistido a algo (em que alguém viu algo) ou ter assistido algo (em que alguém ajudou). Caso você não perceba mais essa diferença na fala ou mesmo encontre muitos textos escritos sem que haja essa diferenciação de regência, fique tranquilo: você não é o único, e o verbo assistir é nosso tema justamente por isso. O que precisamos compreender é que há uma mudança em curso. E o que isso quer dizer exatamente? Quer dizer que as regras gramati- cais não controlam o uso da língua e, por isso, os falantes promovem alterações que, às vezes, passam a ser incorporadas na escrita. Esse é o caso, por exemplo, desse verbo. Com o passar do tempo, a diferença entre assistir e assistir a vem sendo apagada pelos falantes, e a regên- cia predominante, inclusive em textos escritos, tem sido a regência de verbo transitivo direto (sem o a). Isso quer dizer que, quando alguém afirma “Assisti o debate para realizar a pesquisa”, não está se referindo a ter ajudado o debate a acontecer, mas a ter visto o debate, mesmo não utilizando a preposi- ção. Nesse ponto, você pode se perguntar: o que está certo e o que está errado? Vamos lá: para estar em conformidade com a norma-padrão, ou seja, se você vai escrever um texto para submetê-lo a uma avaliação Como as línguas mudam com o tempo, quando há uma trans- formação acontecendo (que passamos a perceber na fala ou na escrita), afirmamos que há uma mudança em curso, ou seja, que estamos presenciando uma mudança acontecer em relação à língua. Saiba mais+ norma-padrão: conjunto de regras prescritas para o uso da língua falada e escrita em situa- ções formais de comunicação. Glossário 22 Leitura e escrita no ensino superior ou publicá-lo em algum lugar, é importante manter a diferença entre as duas regências (com ou sem a), deixando claro, por exemplo, que “Todos os alunos assistiram ao debate para realizar a pesquisa”. Há vários outros verbos que passam pelo mesmo processo e apre- sentam, inicialmente, sentidos diferentes devido à regência, como visar: a. “A pesquisa visa a responder a uma questão muito importante” (visar a = ter o objetivo de). b. “O jogador visou o gol e chutou com efeito” (visar = mirar). E aspirar: a. “O pesquisador aspira a uma publicação acadêmica” (aspirar a = desejar, querer, almejar). b. “Depois de escrever o relatório, precisava aspirar o ar fresco da manhã” (aspirar = cheirar, inalar). O que é importante guardar e compreender quanto à regência em geral é o que estamos explorando aqui: às vezes, há mudança de sen- tido quando um verbo é empregado com objeto direto ou indireto. En- fim, a melhor estratégia para saber qual é a regência adequada para um verbo é ver como ele já foi utilizado em outros textos, em situações e contextos parecidos com aquele em que você deseja empregá-lo. No entanto, um caso de regência merece atenção especial. No come- ço desta subseção, uma das questões que levantamos é sobre o a escrito com acento grave. Nesse caso, o acento indica que houve a soma entre dois a (o artigo e a preposição), ou seja, uma crase. É uma questão que merece cuidado, principalmente porque, em um texto, uma crase em local inapropriado fica bastante visível e pode sugerir falta de compreen- são sobre os mecanismos que regem a organização da língua. Vamos à compreensão do processo que gera a crase em português. São sempre dois a somados. Mesmo quando temos pronomes como àquela, àquele ou àquilo, o que se soma são os dois a. Isso quer dizer que o ambiente linguístico precisa proporcionar essa ocorrência, ou seja, é preciso que um verbo exija a preposição a, que será contraída com o artigo a que antecede um substantivo feminino, nome de loca- lidade ou expressão de modo ou circunstância (vamos tratar de cada item a seu tempo). Assim, temos “Vou à escola hoje”, pois: Tópicos de linguagem 23 a. Quem vai, vai a algum lugar (o verbo ir exige a preposição a para se ligar a seu complemento, pois é transitivo indireto). b. Escola é substantivo feminino, antecedido pelo artigo a. Mas qual é a diferença entre as duas frases a seguir? a. Precisamos chegar à configuração adequada para o programa (chegar a + a configuração). b. Precisamos chegar a configurações adequadas para o programa (chegar a + configurações). É preciso perceber, nesse caso, que o substantivo configuração está no singular em (a) e no plural sem artigo precedendo-o em (b). Caso houvesse esse artigo em (b), ele precisaria estar no plural e, então, te- ríamos ocorrência de crase. Como temos apenas a preposição, o acen- to grave não deve ser colocado. Há outros casos de ocorrência de crase que precisam ser observa- dos: ela ocorre em expressões adverbiais formadas a partir de substan- tivos femininos, como à toa, à beira e à vista. Mas cuidado: por causa de expressões como à vista, é comum que as pessoas escrevam a prazo ou a partir também com acento grave. O raciocínio pode parecer adequa- do: se à vista tem acento grave, as outras expressõestambém teriam. No entanto, prazo é palavra masculina (que não pode ser antecedida pelo artigo feminino a) e partir é verbo. Nesse ponto, chegamos a mais uma descoberta: verbos e substanti- vos masculinos não podem ser antecedidos por artigo feminino. Assim, com relação à crase, procure sempre observar se: a. a antecede um substantivo feminino; b. a e o substantivo estão no singular ou no plural. Se ainda ficar difícil identificar a ocorrência ou não de acento grave, substitua a palavra depois do a por um substantivo masculino. Assim: a. Vamos à escola hoje Caso você não saiba se deve colocar acento grave ou não nesse caso, troque escola por colégio. b. Vamos ao colégio hoje Como a estrutura ficou ao colégio, significa que temos a preposição a (exigida pelo verbo ir) e o artigo o (a + o = ao). Isso quer dizer que, no feminino, teremos também a preposição a e o artigo a (a + a = à). Há vários materiais on-line que indicam os usos de pontuação, concordância verbal e nominal e regência em português. Quando as dúvidas surgirem, você pode consultar qualquer manual e utilizá-lo da melhor maneira possível! Uma sugestão é o Manual de Editoração da Embrapa, que apresenta a explicação e alguns exemplos dos usos dessas normas e está disponível para consulta. Disponível em: https://www. embrapa.br/manual-de-editoracao/ gramatica-e-ortografia/normas- gramaticais. Acesso em: 20 jan. 2020. Site https://www.embrapa.br/manual-de-editoracao/gramatica-e-ortografia/normas-gramaticais https://www.embrapa.br/manual-de-editoracao/gramatica-e-ortografia/normas-gramaticais https://www.embrapa.br/manual-de-editoracao/gramatica-e-ortografia/normas-gramaticais https://www.embrapa.br/manual-de-editoracao/gramatica-e-ortografia/normas-gramaticais 24 Leitura e escrita no ensino superior Outra sugestão: quando ficar difícil entender se uma estrutura de regência exige ou não acento grave indicando crase, releia as orienta- ções, organize um esquema de estudos para você do jeito que julgar mais adequado e consulte-o sempre que necessário. O mais importan- te é que você não se esqueça de que, com relação à língua falada ou escrita, estamos sempre aprendendo e precisamos estar dispostos a fazê-lo. 1.2 Estrutura de sentença Vídeo Existe uma organização das frases na fala ou escrita? Quem determi- na essa organização e como isso acontece? O professor Sírio Possenti (1996) já comparou o funcionamento da língua com a astronomia, ex- plicando que entender as regras de fala e escrita como sendo inventa- das pelas gramáticas e impostas a quem fala e escreve é o mesmo que imaginar os astrônomos definindo a órbita dos astros. Esse é um exem- plo bastante visível de como podemos nos relacionar com a língua que utilizamos para nos comunicar: ou aceitamos que ela faz parte de nos- sa cultura e está sujeita a mudanças, ou ficamos restritos a uma sim- ples classificação em certo e errado, de acordo com a norma-padrão. Neste ponto de nossos estudos, quando já tratamos da pontuação como marca importante da comunicação escrita e de segmentos me- nores orientados pela regência e pela concordância, vamos dar mais um passo no sentido da organização de nossa comunicação. Trata-se da organização das palavras em uma frase ou sentença. Em português, assim como em outras línguas que obedecem a uma organização sin- tática, a ordem em que as palavras são colocadas é fundamental para determinar o que é mais importante ou evitar duplo sentido. Para que possamos ser entendidos quando falamos ou escrevemos, precisamos organizar a mensagem que desejamos transmitir em uma estrutura que seja reconhecida por falantes e leitores de nosso idioma como uma informação interpretável. É muito comum, quando se explica essa necessidade, a utilização de exemplos como “Fechou porta João a” justamente para deixar claro que se trata de uma sentença não reconhecível em língua portuguesa. Entretanto, nenhum falante ou autor de texto elabora uma sentença Atividade 3 Como a regência e a concordân- cia ajudam a explicar o funcio- namento da língua portuguesa? Justifique sua resposta. Tópicos de linguagem 25 assim, pois ela não faz parte das possibilidades de distorção de estrutu- ra de frases em português. No entanto, observe as estruturas a seguir: a. Acreditam que a relação dos gestores e professores, um diálogo fará os estudantes entenderem. b. Muitas pessoas atualmente estão sendo prejudicadas de tal forma em que alergias estão bem comuns na nossa comunidade. Com relação a esses dois exemplos, podemos, com algum esforço, entender as informações mais importantes, porque as palavras-cha- ves estão evidentes. Porém, a estrutura inadequada impede uma lei- tura sem obstáculos ou margem para outras interpretações. Quando isso acontece, um bom exercício é tentar elaborar uma reescrita apro- priada que informe o leitor adequadamente. Para (a), por exemplo, podemos propor: a1)Acredita-se que um diálogo dos gestores e professores fará os estudantes entenderem. a2) Acredita-se que, por meio de diálogo, gestores e professores farão os alunos entenderem. E para (b): b1) Atualmente, muitas pessoas estão sofrendo com a ocorrência de alergias em nossa comunidade. b2) A ocorrência de alergias tem afetado muitas pessoas atualmente em nossa comunidade. Quando falamos, é mais fácil refazer o raciocínio, se necessário, para que as pessoas que nos ouvem compreendam nossa mensagem. Mas, quando escrevemos, como saber se as sentenças que elaboramos estão de acordo com o que é necessário para que outros possam ler e entender? Primeiro, procure sempre perceber se as frases que você elaborou têm início, meio e fim (sujeito, verbo e objeto). Isso já ajuda bastante. Outra ação importante é se perguntar: se não fosse você que tivesse escrito a frase, conseguiria se sentir informado completamente pelo que ela contém? Quando escrevemos, fica nítida a necessidade de colocarmos uma frase após a outra. Essa sequência precisa ser encadeada de maneira adequada, e cada frase precisa ter uma relação evidente com o que veio antes e com o que ainda virá. Precisamos, então, cuidar da estrutu- O livro Por que a esco- la não ensina gramática assim? se concentra em explicar e promover dis- cussões sobre análises linguísticas a partir de si- tuações usuais no cotidia- no. É uma importante lei- tura, principalmente para conseguirmos comparar as maneiras como pode- mos entender a língua portuguesa mais didati- camente, com gêneros de texto, exemplos e outros elementos que ajudam a perceber a língua como nossa interface com a realidade. BORTONI-RICARDO, S. M. et al. São Paulo: Parábola, 2014. Livro 26 Leitura e escrita no ensino superior ra de cada sentença internamente, e ela deve poder fazer parte de um todo maior que é o parágrafo. Se você já teve dúvida sobre o que era para fazer quando alguma proposta de escrita solicitava a elaboração de um texto em prosa, saiba que você não é o único a se questionar sobre isso. Na verdade, essa dúvida é mais comum do que pode parecer. Talvez isso se deva às pos- sibilidades de entendimento da palavra prosa. No dicionário, entre os significados encontrados para prosa, estão: 1. expressão natural da linguagem escrita ou falada, sem metrifi- cação intencional e não sujeita a ritmos regulares. 2. aquilo que é material, cotidiano, sem poesia. Ex: a p. da realidade 3. conversa informal. Ex: tive dois dedos de p. com o compadre (HOUAISS, 2009, grifos do original) E o que se quer, de fato, ao indicar a elaboração de um texto em prosa? Espera-se um texto em parágrafos, sem versos, composto de uma frase após outra, escrito de uma margem à outra da página (exata- mente como este texto que você está lendo agora). Em geral, entende- mos que cada parágrafo de um texto deve encerrar em si um raciocínio completo sobre o tema abordado no conjunto e se ligar aos demais parágrafos por conectores específicos e pela visibilidade da progressão de conteúdo. Vamos utilizar um parágrafode texto introdutório de divulgação de uma pesquisa como exemplo: A compreensão dos significados da arte como recurso tera- pêutico para usuários de um Centro de Atenção Psicossocial motivou a mestranda Patrícia Rodriguez Braz a desenvolver a sua dissertação no Programa de Pós-Graduação em Enferma- gem, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A acadê- mica analisou a visão e os sentidos das pessoas nas oficinas expressivas de arte, oferecidas no ambiente pesquisado. Sete usuários participaram de uma entrevista qualitativa, que bus- cou conhecer a relação deles com a arte. (PESQUISA, 2017) a motivação para realizar a pesquisa a pesquisadora, a instituição à qual a pesquisadora está vinculada, o tema da pesquisa a metodologia da pesquisa resumida. Atenção Fazendo uma reflexão sobre o texto deste capítulo que você leu até aqui, observe que todas as frases, uma após a outra, estabelecem relações de sentido entre si e que, parágrafo após parágrafo, o texto se constrói procurando oferecer ao leitor um entendimento global sobre o tema tratado. Tópicos de linguagem 27 Note que todas as frases têm relação de sentido entre si (todas falam sobre a pesquisa de Patrícia Braz) e que a ordem em que elas aparecem também tem motivo para garantir a progressão das informações (afinal, seria difícil entender o texto se ele começasse pela última frase). O tamanho dos parágrafos é muito variável, mas, em geral, enten- de-se que um parágrafo deve terminar quando um raciocínio sobre o tema em questão foi concluído. Às vezes, pode ser uma afirmação e uma justificativa, um exemplo, uma descrição de prova concreta; en- fim, são várias as possibilidades para se compor um parágrafo. Além disso, em textos com número fixo de caracteres – como jornais ou re- vistas impressos –, o número de parágrafos acaba seguindo a necessi- dade de preenchimento do espaço destinado ao texto. Nosso contato com essas estratégias de organizar as sequências de palavras e frases é constante, acontece quando lemos e também quando escrevemos. As dúvidas são frequentes e nunca chegamos ao ponto de saber tudo sobre a linguagem ou mesmo sobre uma parte dela, como os sinais de pontuação. O importante é utilizar as dúvidas como ponto de partida para melhorar nossa relação com a linguagem, ter curiosidade e entender como as diferentes estratégias podem nos ajudar a melhorar sempre nosso processo de comunicação. Os jornais de maior circula- ção nacional, como o Esta- dão e a Folha de S. Paulo, têm seus próprios manuais de escrita e redação. Es- ses materiais apresentam prescrições quanto a diver- sas normas gramaticais e ortográficas. O Manual de redação do Estadão pode ser consultado on-line e apresenta, inclusive, os erros mais comuns e os mais graves cometidos em língua portuguesa. Disponível em: https://www. estadao.com.br/manualredacao/. Acesso em: 20 jan. 2020. Site CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste ponto da abordagem e da reflexão sobre os aspectos tratados neste capítulo, é possível que muitas das ideias que você nutria a respeito do quanto é fácil ou difícil, certo ou errado, simples ou complicado asso- ciar oralidade e escrita estejam mais fortes ou tenham mudado, justa- mente porque procuramos explicar alguns problemas que aparecem com muita frequência em nosso uso cotidiano da língua. Pontuação, concordância, regência, estrutura de sentenças e paragra- fação são os principais tópicos que permitem chegarmos a um texto com- pleto, que possibilite aos nossos interlocutores a leitura e a compreensão adequadas. Essas e outras habilidades contribuem para que, nesta etapa dos nossos estudos, possamos dar mais atenção ao processo de comu- nicação formal falado e escrito que devemos estabelecer como ponto de partida e também como meta em nosso percurso de formação intelectual. https://www.estadao.com.br/manualredacao/ https://www.estadao.com.br/manualredacao/ 28 Leitura e escrita no ensino superior REFERÊNCIAS BAKTHIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. BAUMAN, Z. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: Zahar, 2017. FARACO, C. A.; TEZZA, C. Oficina de texto. Petrópolis: Vozes, 2003. GUEDES, P. C. Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. PINKER, S. Guia de escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância. São Paulo: Contexto, 2016. POSSENTI, S. Por que (não) estudar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996. HOUAISS, A. Houaiss Eletrônico. Versão monousuário 3.0. São Paulo: Objetiva, 2009. PESQUISA aborda importância da arte no cotidiano de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial. UFJF Notícias. 19 set. 2017. Disponível em: https://www2.ufjf.br/ noticias/2017/09/19/estudo-aborda-importancia-da-arte-no-cotidiano-de-usuarios-de- um-centro-de-atencao-psicossocial/. Acesso em: 20 jan. 2020. GABARITO 1. As diversas abordagens e análises sobre língua já elaboradas consideram a fala e a es- crita como registros complementares. Isso pode ser comprovado, por exemplo, tanto pela explicação feita por Bakhtin (2011) quanto por Faraco e Tezza (2003), que aponta o surgimento da escrita como algo necessário para circunstâncias em que a fala já não era suficiente. Pinker (2016) também explica a concepção não natural da habilidade da escrita. Para compreendermos os registros de fala e escrita como complementares, é preciso sempre refletir sobre as fronteiras de uso entre uma e outra e as situações em que elas podem ser empregadas. 2. Ao contrário do que se possa imaginar às vezes, não é a escrita que determina como se fala ou lê, mas é a entonação empregada na fala que determina a maneira como precisamos escrever um texto e, consequentemente, utilizar os sinais de pontuação. 3. O português é uma língua sintática. Isso quer dizer que o significado do que se fala ou escreve muda de acordo com a ordem das palavras e expressões empregadas. Nesse contexto, a regência e a concordância ajudam a orientar o funcionamento de trechos menores dentro de cada frase. A concordância nominal estabelece a relação entre os artigos, numerais, pronomes e nomes, e a concordância verbal, entre os nomes e verbos. Já a regência nominal estabelece uma relação de complementação entre nomes e adjetivos, e a verbal, entre verbos e seus complementos. Ambas as regências podem fazer com que o sentido do que se pretende informar mude completamente de acordo com a forma com que as utilizamos. https://www2.ufjf.br/noticias/2017/09/19/estudo-aborda-importancia-da-arte-no-cotidiano-de-usuarios-de-um-centro-de-atencao-psicossocial/ https://www2.ufjf.br/noticias/2017/09/19/estudo-aborda-importancia-da-arte-no-cotidiano-de-usuarios-de-um-centro-de-atencao-psicossocial/ https://www2.ufjf.br/noticias/2017/09/19/estudo-aborda-importancia-da-arte-no-cotidiano-de-usuarios-de-um-centro-de-atencao-psicossocial/ Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 29 2 Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças Ter curiosidade sobre nossas origens e a língua que falamos é um passo importante para nosso aprendizado como indivíduos e sociedade. Afinal, o idioma utilizado por nós é fruto e componente de nossa cultura. Mas qual é o tipo de curiosidade que geralmente nutrimos com relação à língua a qual utilizamos para nos comu- nicar? Quais são as estratégias de estudo para compreendermos melhor como funciona a língua? Nos diversos ambientes e etapas de estudo, ao longo da nossa vida escolar, falamos do mesmo jei- to como falamos em casa? Há diferença entre a língua escrita e a língua falada? Se sim, como saber quando empregar cada jeito de falar? Por qual motivo existem tantas maneiras de escrever os porquês se a pronúncia é a mesma? E por que colocamos um h inicial em palavras como homem e horta se ele não tem valor algum de pronúncia? Vale fazer piada com o jeito como os outros falam? São mesmo muitas as perguntas possíveis de nos fazermos quandoprocuramos entender a dinâmica da língua que usamos para nos comunicar. E é por conta dessas e de outras questões que refletiremos a respeito da língua ao longo deste capítulo, até que, ao final, possamos confirmar ou rever várias interpretações que nos acompanharam até agora. 30 Leitura e escrita no ensino superior 2.1 Escrita no cotidiano Vídeo Será que a nossa língua é um patrimônio? Observe o trecho a seguir. “Valorizar a diversidade da língua portuguesa, celebrá-la como elemento fundamental e fun- dador da cultura e aproximá-la dos falantes do idioma em todo o mundo. Foi com esses objeti- vos que nasceu o Museu da Língua Portuguesa” (O MUSEU, 2020). Fr am e Ar t/ Sh ut te rs to ck Podemos ler essa descrição de objetivos na página oficial do Museu da Língua Portuguesa, o qual guarda informações importantes sobre a história da nossa língua escrita e falada. Isso nos leva a considerar que, se a língua pode ser colocada em um museu ou se há um museu específico para preservar a língua como memória, então a resposta à pergunta inicial é sim, ela é um patrimônio (imaterial). Localizado na cidade de São Paulo, no histórico edifício Estação da Luz, região central da cidade, o Museu da Língua Portuguesa foi inaugurado no ano de 2006. W ilf re do r/ W ik im ed ia C om m on s Mas o jeito como costumamos nos relacionar com o nosso idioma não está em geral sob essa perspectiva; está mais próximo de querer- No final de 2015, um incêndio de grandes proporções atingiu o Museu da Língua Portuguesa. Desde então, o prédio tem passado por um processo de reconstrução, com previsão de reabertura para visitação pública em 2020. O museu conta com um acervo permanente de registros de língua falada e escrita de diferentes lugares do mundo, além de abrigar, temporariamente, exposições que homenageiam grandes escritores de língua portuguesa, como Clarice Lispector, Gilberto Freyre, Oswald de Andrade e Machado de Assis. Saiba mais Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 31 mos saber o que está certo e o que está errado. Sempre que vamos ver ou rever análises de língua portuguesa, em qualquer tempo de nossa vida como estudantes, fazermos perguntas como: se as on in g_ 17 /S hu tte rs to ck Está certo ou errado? É verdade que em tal lugar se fala o melhor português do mundo? A gente escreve do mesmo jeito que fala? A língua muda ou não com o passar do tempo? Nesse começo de discussão, você já percebeu que há mais pergun- tas do que respostas. Mas não se aflija! As perguntas servem para nos lembrar da maioria das dúvidas que temos a respeito do nosso idioma e oferecer um caminho para procurarmos juntos estabelecer respostas e compreender os fenômenos que unem ou separam a oralidade da escrita, por exemplo. Se refletimos aqui sobre a possibilidade de a língua ser objeto de museu – não como objeto estático, mas como elemento a ser preser- vado –, isso significa que ela é um componente muito importante para nossas relações sociais, as quais são feitas basicamente pela fala e pela escrita, quanto à comunicação. Além disso, quando pretendemos olhar a língua como um código que pode ser empregado de diversas manei- ras, precisamos estar atentos à sua história, à sua atualidade e à sua constante transformação. Neste momento, conseguimos escolher de que maneira abordar o tema: vamos buscar elementos etimológicos, ou seja, da origem das palavras ou vamos nos deter às regras prescritas em manuais que balizam o bom uso da língua escrita? Vamos buscar informação em resultados de pesquisas sobre os diferentes falares em língua portu- guesa? Na verdade, os pontos que podem originar um processo de ensino-aprendizagem sobre a nossa língua são variados e pretende- mos aqui extrair o melhor deles. Vamos exemplificar, a seguir, nossa proposição de raciocínio sobre o tipo de escrita valorizado pelas reda- ções do Enem. O que significa afirmar que a língua é objeto de museu? Discorra. Atividade 1 O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi aplicado pela primeira vez no Brasil em 1998. Ele é uma das etapas de avaliação do ensino previstas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) que entrou em vigor em 1996. Em 2009, o Enem ganhou um novo formato e se tornou mais relevante: passou a valer como processo seletivo para diferentes univer- sidades brasileiras, fazendo com que se tornasse também mais visado, inclusive no que se refere à redação. Curiosidade 32 Leitura e escrita no ensino superior 2.1.1 A língua usada no Enem Dentre as tantas análises que a redação do Enem gera todos os anos, destacamos a de Sérgio Rodrigues, escritor e jornalista. Ele fez uma coluna para a Folha de São Paulo em 2019, discutindo as escolhas de palavras feitas por estudantes na elaboração de seus textos para responder às propostas de redação do Enem. Consideramos vários as- pectos levantados pelo colunista para nossa reflexão sobre como es- crevemos no final da educação básica (ensino médio), quando estamos formalmente aptos a ingressar na universidade. A coluna se chama “No país do outrossim”. Por esse título, já é pos- sível antecipar uma crítica às escolhas vocabulares presentes nos tex- tos produzidos pelos estudantes, já que outrossim não faz parte de um vocabulário adequado para o português do século XXI e não parece fazer parte do repertório de estudantes que, em sua maioria, ainda não chegaram aos 25 anos de idade 1 . Alguns trechos, além do título do texto, são muito significativos para acompanharmos o raciocínio proposto pelo autor e chegarmos a algu- mas constatações. Vamos analisá-los juntos! Zeloso de um prestígio fundado em parte em sua incompreen- sibilidade pelos mortais comuns, o juridiquês nunca aceitou bem o banho de soda cáustica que nossa norma culta tomou no século 20. Só que os estudantes premiados por suas bacharelices são can- didatos a cursos variados, não só aos de direito. E nasceram na virada do milênio, quando a lição textual dos mo- dernistas já havia sido atualizada e multiplicada por várias gera- ções de autores de bom texto. O que é isso? (RODRIGUES, 2019) Ao afirmar que nossa norma culta “tomou um banho de soda cáus- tica” no século XX, o autor nos leva a interpretar que houve uma pro- funda transformação, na verdade, uma mudança radical entre o que era aceito como norma culta e o que passou a ser incorporado por ela, ainda que a escrita seja sempre mais conservadora em vista da fala. Ao mencionar o “juridiquês”, ele engloba a noção de um uso excessivo de termos técnicos relacionados ao âmbito jurídico. Na prática, isso signifi- ca escolher um vocabulário que gera dificuldade de compreensão para quem lê. No parágrafo seguinte, ao afirmar que estudantes candida- outrossim: do mesmo modo, igualmente. Glossário Vamos guardar essa informação sobre escolha de vocabulário e faixa etária para a seção em que estudaremos a variação linguística. 1 Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 33 tos a cursos variados, não apenas a de direito, cometem “bacharelices”, Rodrigues (2019) enfatiza a quantidade de palavras e expressões crista- lizadas nas sentenças jurídicas pelo uso, mas que são reproduzidas por estudantes na escrita dos textos produzidos como resposta à proposta do Enem. O que há de mais espantoso nisso tudo? De acordo com Rodrigues (2019), no último parágrafo do trecho citado, são pessoas muito jovens que fazem isso: nasceram depois do movimento modernista, ou seja, temporalmente, deveriam inclusive estar mais acostumadas às trans- formações incorporadas pelo nosso idioma a partir da Semana de Arte Moderna de 1922. Em outro trecho da coluna, o autor faz outras constatações importantes: Trata-se de um sistema. Um sistema que confunde o registro formal da língua com platitudes balofas e distantes da realidade dos estudantes – gerador, portanto, de dissociação entre lingua- gem e pensamento. Segundo o Indicador de AlfabetismoFuncional (Inaf) de 2018, apenas 12% dos brasileiros de 15 a 64 anos são plenamente alfa- betizados. (RODRIGUES, 2019) A primeira parte – de que existe uma confusão entre uso formal da língua e dissociação entre pensamento e linguagem – merece um cuidado especial. A densidade dessa afirmação remonta a uma tradi- ção escolar com relação ao ensino e aos usos da língua portuguesa. A própria escola ainda não reconhece integralmente que a norma culta é apenas uma das tantas variantes do idioma. Além disso, não reconhe- ce que as realizações da norma culta também são muito variadas em escolha vocabular, estrutura sintática e estilo. Aliás, a noção de estilo merece aqui um desdobramento a fim de evitar afirmações de senso comum a seu respeito. Ao longo de nos- sa vida, mesmo quando não estamos estudando algo relacionado à linguagem, é possível que já tenhamos ouvido, ou ainda vamos ouvir, que o emprego de uma palavra ou a maneira de escrever seja estilo do autor ou licença poética. Sobre isso, é importante saber que não é qualquer deslize de linguagem que pode se encaixar como estilo. No caso da licença poética, é bem comum que isso aconteça em poemas ou letras de canções, devido à manutenção da rima ou à versificação ou mesmo para manter um registro informal ou regional da língua. A Semana de Arte Moderna foi realizada em São Paulo em feve- reiro de 1922. Ela foi um marco do movimento modernista no Brasil, que pretendia representar o que o brasileiro é de fato nas artes, sem copiar padrões europeus. Ou seja, foi o primeiro movimento artístico e cultural que procurou dar um registro de identidade real à população e à cultura local. Ao utilizar o modernismo como referência para linguagem dos jovens que participam do Enem ou de outros processos seletivos, Rodrigues (2019) faz uma ligação direta entre a renovação pela qual passaram os registros de língua a partir desse movi- mento e a não utilização dessa renovação pelos jovens que, inclusive, estudam modernismo na escola. Saiba mais 34 Leitura e escrita no ensino superior Em casos como nos versos da canção Sentado à beira do caminho, de Erasmo Carlos e Roberto Carlos (1969) – “Meu olhar se perde na poeira dessa estrada triste/ Onde a tristeza e a saudade de você ainda existe” –, a falta de concordância do verbo existe com o sujeito composto a tristeza e a saudade se deve à relação de rima com a palavra triste. Há várias versões dessa canção em que os intérpretes fazem a concor- dância com existem, mas, no original e para manter a rima e a versificação, a forma precisa ficar no singular. Em casos assim, temos uma licença poética, que é essa liberação para transgredir a norma-padrão por um motivo específico. Há outros casos clássicos e exemplos de estilo e licença poética, como a composição Tiro ao Álvaro, de Osvaldo Molles e Adoniran Barbosa (1980), em que se leem versos como “De tanto levar frechada do teu olhar [...]/ Tauba de tiro ao Álvaro”. Nesse caso, as transgressões não são de concordância, mas de grafia, para representar exatamente a maneira de falar essas palavras em um determinado grupo social. No entanto, é preciso lembrar que os falantes de uma língua, mesmo quando transgridem a norma, o fazem aplicando outras regras e regularidades que o idioma permite. Por exemplo, ao falar frecha ou frechada, o falante faz uma combinação de sons (fr) que o idioma permite e que existe em outras palavras. Ao falar tauba ou táubua, também existe uma regularização pelo encontro de vogais au, assim como, em vez de alvo, surge o nome Álvaro, que pode ser explicado inclusive pela maior recorrência na língua que falamos. Estudo de caso Depois de analisarmos esses versos, você pode se perguntar: mas por que isso ocorre? Vale tudo na língua escrita ou falada? Não vale tudo. Como você pôde ver, as licenças poéticas acontecem para que se registre, com alguma finalidade específica, formas de falar diversi- ficadas, ocasionadas por outros componentes culturais além do que permite a própria língua. Armazenar e fazer com que essas análises e informações sejam transmitidas de geração em geração é cuidar, com diligência, do patrimônio imaterial que a língua de um povo representa. Isso nos leva a refletir também sobre a segunda constatação feita por Rodrigues (2019) no trecho que mencionamos anteriormente. Se apenas 12% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são considerados plenamente alfabetizados, 88% estão em outros graus de alfabeti- zação, o que implica diferentes domínios, contatos e usos da língua para se comunicar, além de diferentes associações entre pensamen- to e linguagem. Quando começamos a identificar os enquadramentos diversos da população em níveis também diversos de alfabetização, nos damos conta de que existem muitos grupos caracterizados por índice de alfabetização/escolarização, faixa etária, classe social, região do país e até região ou bairro dentro de uma mesma metrópole. Isso quer dizer que o uso da língua feito por esses diversos grupos é fruto da construção de identidades linguísticas particulares e gera efeitos de compreensão Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 35 ou marcas sociais singulares. Essas marcas estão intimamente ligadas a maior aproximação ou distanciamento do uso da língua feito pelo falante em relação à norma ou à variedade culta da língua. E isso implica diferenças na maneira como as pessoas são tratadas socialmente? Com certeza! Isso acontece de um jeito tão significativo que o preconceito linguístico se tornou, inclusive, tópico de análise na área de estudos da linguagem. Esse é o tema da nossa próxima seção, porque é muito importante saber se, em algum momento, vivenciamos ou presenciamos algum caso de discriminação ou exclusão em virtude dos registros de língua utilizados por alguém. 2.2 Norma culta e preconceito linguístico Vídeo Se a língua faz parte da cultura de um povo e, por isso mesmo, ajuda a compor uma identidade nacional, então ela também está sujeita a transformações, assim como ocorre com qualquer cultura, por elemen- tos internos e externos ao idioma. Mas isso pode gerar preconceito? Talvez a melhor pergunta não seja essa, mas aquela que coloca em evi- dência as maneiras pelas quais a relação dos indivíduos com a língua pode gerar preconceito linguístico. Dá-se o nome de preconceito linguístico às formas de discriminação feitas contra um indivíduo pela maneira como ele escreve ou fala. Assim, como em qualquer outra forma de preconceito, para que aconteça, existe um parâmetro ou padrão de referên- cia. No caso da língua, o distanciamento do indivíduo do conhecimento da norma culta é o que acaba sendo determinante para o estabelecimento de juízos de valor negativos. Geralmente, as ocorrências de preconceito linguístico estão também rela- cionadas a fatores sociais e econômicos. A norma culta é a variante de prestígio do idioma (falado ou escrito), que gera parâmetros, no sentido negativo, para a existência e a reali- zação de preconceito linguístico. Contudo, ela é um registro necessário justamente para que haja um parâmetro (positivo) de comunicação, com o qual as pessoas em qualquer lugar do país consigam se enten- der sem maiores obstáculos. É ela que deve constar principalmente nos registros escritos de documentos, nos livros didáticos e nas rela- ções diplomáticas para que todos entendam. Ou seja, teoricamente, trata-se da realização mais neutra do idioma, sem marcas de região, faixa etária ou segmento social. 36 Leitura e escrita no ensino superior Até este ponto, parece que tudo pode funcionar muito bem quan- do percebemos exatamente como proceder quanto à norma culta e como descrevê-la: ela é o parâmetro de prestígio e de documentação, e é preciso tomar cuidado para não fazer com que seja geradora de preconceito, por exemplo, com relação a pessoas menos escolarizadas. No entanto, é imprescindível fazer uma ressalva: na seção anterior, já ilustramos um pouco do que podeaparecer, principalmente como re- gistro falado, na língua e deixamos claro que descrever e analisar as transformações e ocorrências não se trata de dizer que vale tudo ou que tudo está certo ou adequado. Para podermos entender um pouco melhor essa ideia de que não é porque estudamos as possibilidades de transformação e variação da língua que vale tudo, vamos utilizar como exemplo uma questão da prova de linguagens de uma das edições do Enem 2 Você vai observar que faremos menção a questões que aparecem em processos seletivos como o Enem ou o Enade. Fazemos essa escolha justamente porque elas fazem com que o estudante tenha de mostrar que sabe reconhecer e analisar os diferentes processos de variação pelos quais a língua pode passar. 2 . Vamos analisá-la juntos. Só há uma saída para a escola se ela quiser ser mais bem-sucedida: aceitar a mudança da língua como um fato. Isso deve significar que a escola deve aceitar qualquer forma da língua em suas atividades escritas? Não deve mais corrigir? Não! Há outra dimensão a ser considerada: de fato, no mundo real da escrita, não existe ape- nas um português correto, que valeria para todas as ocasiões: o estilo dos contratos não é o mesmo do dos manuais de instrução; o dos juízes do Supremo não é o mesmo do dos cordelistas; o dos editoriais dos jornais não é o mesmo do dos cadernos de cultura dos mesmos jornais. Ou do de seus colunistas. POSSENTI, S. Gramática na cabeça. Língua Portuguesa, ano 5, n. 67, maio 2011 (adaptado). Sírio Possenti defende a tese de que não existe um único “português correto”. Assim sendo, o domínio da língua portuguesa implica, entre outras coisas, saber a) descartar as marcas de informalidade do texto. b) reservar o emprego da norma-padrão aos textos de circulação ampla. c) moldar a norma-padrão do português pela linguagem do discurso jornalístico. d) adequar as formas da língua a diferentes tipos de texto e contexto. e) desprezar as formas da língua previstas pelas gramáticas e manuais divulgados pela escola. Fonte: Brasil, 2014. O comando solicita que o estudante selecione, dentre as alternati- vas, aquela que é uma ação realizada por quem dispõe de domínio ou Podemos caracterizar a norma-padrão como a realização da língua que segue as regras prescritas (orientadas) grama- ticalmente. Já a norma culta, que muitas vezes é empregada como sinônimo de norma-padrão, é a realização mais próxima das prescrições gramaticais, mas com as características de determinado tempo. Por isso, quando dizemos norma culta contemporânea, essa expressão significa um uso que segue as regras, mas que tem características sintáticas e de vocabulário diferentes daquelas do século XIX, por exemplo. Saiba mais Registros da língua portuguesa: diferenças e semelhanças 37 proficiência em língua portuguesa 3 . A alternativa correta é a sublinha- da (isto é, a letra d) pois as palavras texto e contexto compõem a esfera de comunicação, elemento central do ponto de vista de Possenti. Ele emprega vários exemplos de ocorrências em que se deve mobilizar as normas gramaticais, a norma-padrão e a norma culta para atingir o pú- blico-alvo nas diferentes circunstâncias de comunicação. Isso promove a reflexão de que é preciso conhecer a gramática ou a norma-padrão, inclusive para abrir mão de alguma regra. Todas as demais afirmações vão de encontro ao que o texto-fonte da questão defende. Ao ler o texto do professor e linguista Sírio Possenti, precisamos ficar atentos a alguns aspectos muito importantes: A escola precisa, e deve, ser a instituição responsável por ensinar a língua em sua ocorrência de norma-padrão ou culta, o que não significa que ela não deva ensinar os estudantes a se familiarizarem com outras variantes, bem como analisá-las. Mesmo dentro do que caracterizamos como norma-padrão ou culta, há variações de estilo que o professor deve ilustrar por meio de exemplos de diferentes usos de comunicação no mundo real. Neste ponto da análise, é importante chegarmos à constatação de que, se a língua varia, inclusive dentro do que se chama norma-padrão ou nas realizações de norma culta – que tem maior prestígio e deve ser empregada em situações formais de comunicação –, o fato de ela variar em outras situações não deveria ser motivo para tratar os falantes de maneira depreciativa. Não estamos afirmando que as variações devem ser aceitas ou ignoradas em todas as situações. Vamos supor, por exemplo, que alguém, em uma apresentação de trabalho acadêmico, tenha pronun- ciando palavras como pobrema ou empregue constantemente, para ligar uma ideia à outra, a expressão tipo (“Tipo as engrenagens, tipo como funcionam, tipo precisam ser verificadas, tipo uma vez por mês”). Existem meios cuidadosos de se dizer a essa pessoa que, em determi- nados ambientes, é melhor fazer outras escolhas para que a pronúncia ou o vocabulário não causem incômodos. Repare que essas situações acontecem em geral na fala, e por isso também é importante procurar- mos o melhor jeito de dizer como a pessoa pode se comunicar melhor, sem desconfortos na produção e na recepção das informações. O uso da palavra domínio, empregada no comando (enun- ciado), está nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997), embora alguns profes- sores não aprovem a utilização desse conceito como sinônimo de proficiência, por exemplo. 3 O livro Preconceito linguís- tico: o que é, como se faz passou a ser muito utili- zado nas graduações dos cursos de Letras a partir dos anos 1990. Foi um marco para os estudos de variação linguística e ocorrências de precon- ceitos relacionados à fala de pessoas menos escolarizadas e que ocupam uma condição social menos privilegiada. O livro didatiza a teoria desse tipo de situação colocando exemplos bem concretos e fazendo com que o leitor compreen- da os valores sociais e culturais implicados na análise da situação. Vale a leitura para começar a compreender ou para aprofundar o entendi- mento que temos de como o pouco acesso à escola ou a uma variante de fala com maior prestí- gio social são capazes de gerar abismos. BAGNO, M. 15. ed. São Paulo: Loyola, 2002. Livro Que tipos de situação podem levar ao preconceito linguístico? Discorra. Atividade 2 38 Leitura e escrita no ensino superior Assim como vimos que a escola não deve se abster de fazer seu trabalho, apresentando o registro formal da língua e orientando as pessoas a empregarem-no nas situações adequadas, nós também po- demos orientar as pessoas a escolherem as palavras e o jeito de falar adequados – mas com delicadeza. Isso quer dizer também que nin- guém pode rir de ninguém quanto ao uso da língua a qual falamos, porque a variação está em todos os grupos de falantes. Quando a variação já faz parte do nosso cotidiano, possivelmente nem percebemos. Esse é o caso dos usos de infinitivo sem o r final na pronúncia: em frases como “você pode me emprestar suas anotações?”, a pronúncia de emprestar possivelmente acontecerá como “emprestá” e isso não será visto como um problema, porque esse uso faz parte da fala de maior prestígio social, como a empregada nas apresentações de telejornal. Na próxima seção, vamos estudar um pouco melhor alguns pro- cessos de variação, justamente porque, como estudamos, eles são diversos e frequentes, além de poderem provocar tratamentos discri- minatórios a algumas pessoas. 2.3 Variação linguística Vídeo Na seção anterior, nosso raciocínio se estabeleceu com base em como a norma culta é importante, mas também em como ela pode gerar preconceito e alimentar barreiras sociais para todos quando sua função é mal interpretada. Logo, se a norma é uma das formas de uti- lizar a língua, as demais formas existem e são empregadas pelos fa- lantes de diferentes grupos e em diversos meios. Como estudante de curso superior, é muito importante conhecer e saber escolher e indicar as palavras mais adequadas para os diferentes
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