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A CRISE BRASILEIRA 1999

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Textos para Discussão
77
A CRISE BRASILEIRA
DE 1998/1999 - ORIGENS
E CONSEQÜÊNCIAS
André Averbug
Fabio Giambiagi
*Economistas do Convênio BNDES/Pnud
e do BNDES, respectivamente.
Os autores agradecem os comentários de
Maurício Mesquita Moreira e Armando Castelar Pinheiro
a uma versão preliminar, eximindo-os, no entanto,
de qualquer responsabilidade por eventuais imprecisões.
Rio de Janeiro, maio - 2000
*
Sumário
Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Abstract . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2. Por Que o Brasil Não Era a Tailândia. (Ou Era?) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
3. Cronologia da Crise. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
4. O Fim do Gradualismo: O Que Aconteceu em 1999? . . . . . . . . . . . . . . . . 19
5. Do Déficit de Metas às Metas de Déficit: Um Novo Regime (Temporário
 ou Permanente?) de Política Econômica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
6. Por Que o Brasil Não Teve uma Crise Financeira? . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
7. Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
 
Resumo
Este artigo apresenta a evolução dos fatos mais importan-
tes que caracterizaram a evolução da economia brasileira antes,
durante e depois da crise cambial do início de 1999. Mostra-se o
agravamento dos desequilíbrios macroeconômicos até 1998; ex-
põe-se a cronologia da crise; e procuram-se identificar as razões
pelas quais a economia brasileira saiu relativamente incólume da
desvalorização de sua moeda. O artigo conclui com uma avaliação
cautelosamente otimista acerca das perspectivas da economia
brasileira no novo regime econômico.
Abstract
This article presents the most relevant facts that charac-
terised the evolution of the Brazilian economy before, during and
after the currency crisis of the beginning of 1999. It presents the
aggravating macroeconomic unbalances that developed until
1998, the crisis chronology, and tries to identify the reasons why
the Brazilian economy reacted with relative success to the deva-
luation of its currency. The article wraps up with a cautiously
optimistic evaluation of the perspectives of the Brazilian economy
in its new policy regime.
 
Texto para Discussão nº 77 5
 
6 Texto para Discussão nº 77
1. Introdução
Em dezembro de 1994, o México desvalorizou sua moeda
em mais de 50% e as conseqüências foram desastrosas, pelo
menos no ano seguinte. A inflação atingiu mais de 50%; o PIB
teve uma queda de mais de 5%; e o país mergulhou em uma crise
financeira. Quando a Coréia do Sul foi levada a fazer uma opção
similar, em 1997, a inflação se comportou muito melhor – ficou
abaixo de 10% –, mas o PIB sofreu uma redução similar à do caso
mexicano. A crise financeira atingiu também proporções dramá-
ticas, deixando como herança a necessidade de promover uma
reestruturação financeira ainda não completada. Em contraste
com essas experiências, em 1999, quando chegou a vez de a
economia brasileira desvalorizar o Real (R$), a inflação seguiu
uma trajetória similar à coreana; o PIB teve um crescimento
ligeiramente positivo; e não houve nada minimamente parecido
com uma crise financeira.
O que aconteceu com o Brasil não foi absorvido de maneira
positiva pela população em um primeiro momento pelo fato de
esse processo ter sido conduzido pelo presidente da República
recém-eleito e pelo seu ministro da Fazenda que, nos anos
anteriores, tinham sido os grandes defensores da estabilidade
cambial. Ao mudar bruscamente a política cambial, a populari-
dade do Governo caiu na razão inversa da alta do dólar, o que é
compreensível, dado o caráter emblemático que a previsibilidade
do câmbio assumira no passado. O fato, porém, é que, à luz do
que foi dito e comparando a situação brasileira com a de outros
países que abandonaram seus esquemas cambiais mais ou me-
nos rígidos entre 1994 – quando, com o “efeito tequila”, ocorreu
“a primeira crise financeira do século XXI”, no dizer de M.
Camdessus – e 1999, o Brasil promoveu a mudança de regime
cambial mais bem-sucedida entre todos os países emergentes, com
uma desvalorização real substancial e um custo relativamente
modesto em termos de nível de atividade e de inflação.
Como se deu esse processo? O que caracterizou a deterio-
ração da situação da economia brasileira ao longo do primeiro
Governo do presidente Fernando Henrique Cardoso? Como o país
saiu da crise em 1999? O que se pode esperar na nova situação?
São essas e outras questões a elas associadas que este trabalho
procura abordar.
O artigo está dividido em sete seções, incluindo esta breve
introdução. A seguir, descrevem-se os argumentos utilizados em
1997/1998, pelos defensores da estratégia de uma taxa de câm-
bio fixa. A idéia principal era a de que o Brasil era um caso
diferente e que, portanto, poderia manter a sua política cambial.
Posteriormente, faz-se uma cronologia da crise brasileira, desde
a crise asiática em 1997, até a eclosão da crise cambial em janeiro
de 1999. A quarta seção explica o que aconteceu ao longo de
 
Texto para Discussão nº 77 7
1999/2000. Após isso, incluem-se duas seções que constituem o
foco analítico do trabalho: uma, chamando a atenção para a
mudança de regime que ocorreu na política econômica do Brasil
a partir de 1999, sob a proteção do acordo com o Fundo Monetário
Internacional (FMI), e frisando que o grande teste do novo regime
terá lugar em 2002, quando expira o acordo; e a outra, procuran-
do explicar por que o Brasil não teve uma crise financeira.
Finalmente, apresentam-se os comentários finais do texto.
2. Por Que o Brasil Não Era a Tailândia. (Ou Era?)
Embora a crise das economias asiáticas de 1997/1998 seja
ainda um fenômeno recente e que, portanto, ainda deverá gerar
uma exaustiva reflexão acadêmica, a maioria das análises feitas
sobre os episódios que abalaram sucessivamente as economias
da Tailândia, Coréia do Sul, Indonésia e Malásia coincide em
apontar para a fragilidade do sistema financeiro como um dos
fatores explicativos mais importantes da crise. A isso esteve
associado, por sua vez, o boom anterior, que pode ser qualificado
como a origem de uma “crise de empréstimos excessivos”.
Sem negar a influência das particularidades locais de cada
país, o denominador comum, em linhas gerais, desses processos,
foi a combinação de:
a) um boom de investimento alimentado pelo endivida-
mento crescente das famílias, das empresas e do país;
b) elevada alavancagem dos bancos;
c) ausência de uma supervisão bancária apropriada;
d) taxas de câmbio fixas ou relativamente fixas, em um
contexto de déficits crescentes da conta corrente.
Em tais circunstâncias, como frisou um analista local a
propósito da Coréia do Sul, mas cuja observação se poderia
aplicar a outros países envolvidos, a crise foi a combinação de
“uma crise monetária e uma crise financeira” [Shin e Hahm,
(1998, p. 1)].
Dois dados ilustram a dimensão do problema: a) segundo
o BIS, em junho de 1997, a dívida externa do sistema bancário,
como percentagem das reservas internacionais, era de 216% na
Coréia, de 157% na Indonésia e de 141% na Tailândia [IDEA
(1998)];1 b) o crédito ao setor privado, em 1996, tinha atingido
170% do PIB na Coréia, 130% do PIB na Tailândia, 120% do PIB
 
8 Texto para Discussão nº 77
1 Para efeitos comparativos, com base na mesma tabela, a proporção no caso do Brasil era de 78%.
na Malásia e 80% do PIB na Indonésia [IDEA (1998)]. O sucesso
dessas economias, nessas circunstâncias, dependia de um cres-
cimento contínuo que permitisse alavancar novos investimentos
e assim sucessivamente. Em contrapartida, uma estagnação da
economiapoderia ter efeitos muito negativos sobre a capacidade
de pagamento dos diversos agentes econômicos, gerando uma
série de falências sucessivas, em um caso típico de “efeito-domi-
nó”, em que a incapacidade de pagamento de um agente impede
seu credor de pagar a própria dívida com terceiros. Daí para uma
crise financeira haveria apenas um passo.
A deterioração dos termos de troca dos países asiáticos,
causada pela queda dos preços de alguns dos produtos mais
importantes à expansão dos anos anteriores, é entendida por
alguns analistas como o estopim dessa crise. A rigidez da taxa de
câmbio, combinada com a baixa maturidade da dívida, eram os
dois ingredientes que faltavam para gerar uma crise séria: com
câmbio relativamente fixo e dificuldades de se sustentar, a ten-
tação de comprar divisas, face à crise que se avizinhava (e que
era previsível), era grande. O que ocorreu foi então uma sucessão
de casos de “profecias auto-realizáveis”.
Quando a Tailândia, em 1997, deu início à seqüência de
crises que marcaram a Ásia naquele ano, as autoridades do Brasil
se empenharam em diferenciar o caso brasileiro daquele dos
países asiáticos que, um após o outro, começavam a apresentar
os mesmos sintomas de crise que a Tailândia já havia experimen-
tado. Um esforço similar fora feito – e coroado de êxito – em 1995,
para mostrar que “o Brasil não era o México”.
Quais eram os principais argumentos em defesa da natu-
reza distinta do caso brasileiro? Resumidamente, argumentava-
se que:
1) O déficit em conta corrente da Tailândia, por coincidên-
cia, em 1996, fora praticamente igual ao do México em 1994 – da
ordem de 8% do PIB – e mais do dobro, como percentagem do PIB,
que o do Brasil na época;
2) Contrariamente ao que acontecera naqueles países e nos
demais países da Ásia, o Brasil estava iniciando um processo de
desvalorização real gradual da taxa de câmbio, a medida em que
mantinha a desvalorização nominal em torno de 8% anuais, em
um contexto de inflação declinante;
3) No período 1997/1999, o Brasil contava com a pers-
pectiva de receber uma quantia expressiva de recursos externos
oriundos da privatização de empresas estatais: em maio de 1997,
os economistas Edmar Bacha e John Welch (1997) estimavam
que o potencial de privatização era de US$ 56 bilhões para o
período 1997/1999. Se dois terços desses recursos tivessem
origem externa – o que era uma perspectiva realista –, ter-se-ia
 
Texto para Discussão nº 77 9
um fluxo anual da ordem de US$ 12 bilhões, suficiente para
financiar, per se, mais de um terço do déficit em conta corrente
esperado para 1997, superior a US$ 30 bilhões;
4) Mesmo sem considerar as privatizações, os investi-
mentos diretos estavam aumentando celeremente no Brasil: ex-
cluindo os ingressos de privatização, mas incluindo os recursos
de portfolio, as entradas líquidas de investimento estrangeiro
tinham sido de US$ 5 bilhões em 1995; US$ 13 bilhões em 1996;
e acabaram sendo de US$ 16 bilhões em 1997; parecia razoável,
portanto, imaginar que a soma de investimento direto “puro” mais
privatizações seria suficiente para financiar parte substancial do
déficit em conta corrente dos anos seguintes, enquanto o país
“comprava tempo” para promover uma desvalorização real gra-
dual do câmbio e incentivar as exportações por meio de mecanis-
mos não-cambiais, em um contexto de financiamento
internacional não restrito;
5) O Brasil tinha uma perspectiva de continuidade da
política econômica, sem perspectivas de mudança imediata das
autoridades, com o presidente da República favorito às eleições
de 1998, em que disputaria a reeleição, e sem fraturas na equipe
econômica, não havendo espaço para as dúvidas sobre a con-
dução econômica futura que surgiram, em função das circuns-
tâncias políticas locais na época, na Tailândia e na Coréia do Sul;
e, por último mas não menos importante,
6) Os indicadores de expansão de crédito no Brasil eram
substancialmente diferentes dos exibidos pela Ásia, com um
montante total de empréstimos concedidos pelos sistemas finan-
ceiros público e privado de apenas 30% do PIB, em claro contraste
com os números antes mostrados sobre os países do Leste
Asiático (Gráfico 1).
Analisando retrospectivamente os argumentos, não se
pode dizer que eles não tenham se revelado corretos. De fato, o
25
30
35
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Fonte: Banco Central.
Gráfico 1
Brasil: Crédito (% PIB)
 
10 Texto para Discussão nº 77
déficit externo brasileiro não chegou a atingir a mesma dimensão
relativa que em outros países; a taxa de câmbio real sofreu uma
desvalorização da ordem de 8% em 1998; a privatização foi muito
expressiva em 1997 e 1998; o investimento externo continuou
aumentando; o presidente da República foi reeleito e o ministro
da Fazenda continuou no cargo; e o crédito doméstico continuou
limitado.
Por que, então, contrariamente ao que o Governo dizia,
acabou chegando a vez de também o Brasil desvalorizar sua
moeda? O que falhou? Dois fatores fundamentais explicam a
mudança de situação. O primeiro foi o choque adverso dos preços
relativos: entre os meses de janeiro de 1997 e janeiro de 1999 –
quando ocorreu a desvalorização –, o índice de preços dos produ-
tos básicos e semimanufaturados exportados pelo Brasil caiu
15% e 17%, respectivamente. O segundo foi o fechamento dos
mercados internacionais de crédito, após a crise da Rússia, em
agosto de 1998. A estratégia brasileira pressupunha que o país
teria tempo para fazer os ajustes necessários, enquanto o resto
do mundo financiava um desequilíbrio temporariamente elevado
do Balanço de Pagamentos. O choque de preços fez esse desequi-
líbrio se tornar ainda maior. A crise russa, por sua vez, significava
que o tempo havia se esgotado.2
3. Cronologia da Crise3
Desde a crise dos países asiáticos de 1997, tinha ficado
claro para todos, inclusive para o Governo, que o Brasil tinha que
mudar o rumo da sua política econômica, corrigindo os dois
grandes desequilíbrios que haviam se agravado acentuadamente
no período 1995/1997: o das contas públicas e o do setor externo.
O primeiro se traduzia na deterioração sistemática dos resultados
primários – isto é, excluindo juros – do setor público consolidado,
gerando um aumento do endividamento público (Tabela 1), e o
segundo, no aumento – também sistemático – da relação Déficit
em conta corrente/PIB (Tabela 2). A solução disso requeria uma
combinação de corte de gastos e aumento de receitas, por um
lado, e o aumento da competitividade dos produtos brasileiros –
 
Texto para Discussão nº 77 11
2 É válido registrar que esses dois efeitos também atingiram a Argentina, que, entretanto, conseguiu
manter a paridade da sua moeda. Há algumas razões, porém, que explicam essa diferença. Primeiro,
os indicadores fiscais argentinos em 1997 e 1998 foram substancialmente melhores que os
brasileiros, gerando uma maior boa vontade dos mercados em relação à situação do país. Segundo,
havia a percepção de que o país resistiria muito mais à desvalorização, o que praticamente eliminava
a possibilidade de que esta viesse a ser uma opção do Governo e diminuía a demanda especulativa
por divisas, associada ao temor de que o Governo mudasse de opinião. Terceiro, a Argentina manteve
a paridade à custa de uma contração do PIB de 4% em 1999, em contraste com o pequeno
crescimento positivo do Brasil. E quarto, a estratégia de alongamento da dívida externa perseguida
nos anos anteriores pelas autoridades argentinas se mostrou eficiente, gerando uma necessidade
relativa de pagamento de amortizações menor que no Brasil, em 1998 e 1999.
3 Sobre os pontos desta seção, ver Giambiagi (1998) e Franco (1999a).
Tabela 1
Dívida Líquida do Setor Público (% PIB)
Composição 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Dívida Interna 17,6 21,8 27,0 26,7 31,8 32,7 
Governo Federal 3,0 6,6 12,0 13,3 16,8 16,8 
 Obrigações 11,6 15,5 21,4 28,3 35,5 37,7 
 Ativos -8,6 -8,9 -9,4 -15,0 -18,7 -20,9 
Estados e Municípios 9,5 10,3 11,1 12,5 13,7 14,7 
Empresas Estatais 5,1 4,9 3,9 0,9 1,3 1,2 
Dívida Externa 8,4 5,5 3,94,3 6,3 9,9 
Governo Federal 6,2 3,5 1,6 1,9 4,3 7,6 
Estados e Municípios 0,3 0,3 0,4 0,5 0,7 0,9 
Empresas Estatais 1,9 1,7 1,9 1,9 1,3 1,4 
Dívida Total /a 26,0 27,3 30,9 31,0 38,1 42,6 
Governo Federal 9,2 10,1 13,6 15,2 21,1 24,4 
Estados e Municípios 9,8 10,6 11,5 13,0 14,4 15,6 
Empresas Estatais 7,0 6,6 5,8 2,8 2,6 2,6 
n.d. (=) não disponível.
a/ Exceto a base monetária.
Fonte: Banco Central.
Tabela 2
Brasil – Balança Comercial e Investimento Estrangeiro Direto – US$ Bilhões
 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000/a
1- Balanço Comercial 10752 10579 15239 13117 10843 -3353 -5556 -8365 -6591 -1198 2000
 Exportações 31414 31620 35793 38597 43544 46506 47747 52989 51140 48011 55000
 Importações 20661 21041 20554 25480 32701 49859 53303 61354 57731 49209 53000
2- Serviços -15369 -13542 -11539 -15215 -14743 -18600 -21044 -27289 -28799 -25211 -29500
 2.1- Juros -9748 -8621 -7253 -8280 -6337 -8158 -9173 -10390 -11948 -15170 -15500
 2.2- Lucros e Remessas -1865 -1030 -949 -1931 -2566 -2790 -2821 -5749 -7305 -4058 -6000
 2.3- Outros Serviços -3756 -3891 -3337 -5004 -5839 -7652 -9050 -11150 -9546 -5983 -8000
 2.3.1- Viagens -121 -211 -319 -799 -1181 -2420 -3594 -4377 -4146 -1436 -2000
 2.3.2- Transportes -1644 -1656 -1359 -1700 -2441 -3200 -3480 -4514 -3259 -2802 -3500
 2.3.3- Seguros -68 -133 -58 -65 -132 -122 -64 74 81 -127 0
 2.3.4- Governo -328 -370 -166 -345 -327 -339 -275 -350 -385 -494 -500
 2.3.5- Outros -1595 -1521 -1436 -2095 -1759 -1572 -1637 -1983 -1837 -1124 -2000
3- Transferências Unilaterais 834 1556 2243 1653 2588 3974 2899 2216 1778 2035 2000
Conta Corrente -3782 -1407 5943 -444 -1312 -17979 -23701 -33438 -33612 -24374 -25500
Memo: IED Líquido /b 169 -43 1443 -380 934 2569 9966 15516 22619 28608 25000
/a Previsão dos autores.
/b Exceto portfólio.
Fonte: Banco Central.
 
12 Texto para Discussão nº 77
fundamentalmente associado a uma melhora da taxa de câmbio
real – por outro.
O caminho escolhido foi o do gradualismo. Quando se
comparam os dados de 1998 com os de 1997, nota-se que houve
tanto uma melhora do resultado fiscal primário, como uma
desvalorização real do R$. Os ajustes, porém, ficaram muito
aquém do que depois se viu que teriam sido requeridos, à luz das
circunstâncias efetivas que vigoraram, especialmente no segundo
semestre de 1998. Utilizando uma metáfora mencionada freqüen-
temente, pode-se dizer que o Brasil mudou a rota do Titanic, mas
que essa mudança, tendo sido lenta e tardia, não foi suficiente
para evitar que o “navio” colidisse com o iceberg – no caso, a crise
externa. A opção pelo gradualismo e não por uma estratégia de
choque é uma questão em aberto, mas cuja resposta envolve
certamente a combinação de três elementos: i) uma certa dose de
confiança das autoridades na reversão dos efeitos da crise asiá-
tica, de forma similar ao que acontecera em 1995 após a crise
mexicana, prontamente esquecida pelo mercado internacional; ii)
o medo de um desastre que uma eventual desvalorização mais
intensa poderia causar no plano de estabilização – o caso mexi-
cano de 1995, quando a inflação deu um salto para 50%, dava
certo fundamento a este temor –; e iii) a realização de eleições
gerais em outubro de 1998: Governo nenhum, em lugar nenhum,
gosta de adotar um tratamento de choque em ano eleitoral.
A evolução dos acontecimentos no primeiro semestre de
1998 parecia dar alguma razão ao otimismo oficial. Os indica-
dores de risco-país, depois do salto de outubro de 1997, cediam;
as reservas recuperavam-se; e, nesse contexto, as taxas de juros,
que chegaram a aumentar até quase 40% no final de 1997, caíram
para menos de 20% em meados do ano. Em julho, o Governo
realizou com grande sucesso a privatização da Telebrás – uma
das “jóias da Coroa” do Governo brasileiro – e, com a perspectiva
de reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso – algo que
o mercado já havia previsto –, havia uma expectativa favorável no
ambiente econômico de que este, uma vez confirmado nas urnas,
faria “algo” – ainda indefinido – para melhorar as contas fiscais e
para que o país tivesse uma perspectiva de melhora gradual das
contas externas a partir de 1999, em um ambiente de inflação
similar à internacional.
Foi nesse contexto que a Rússia aplicou um default na sua
dívida, em agosto. Contrariamente ao que acontecera com o
México ou mesmo com a Ásia, desta vez o mercado fechou-se
quase que por completo – e por bastante tempo – para os países
emergentes, particularmente para aqueles vistos como problemas
crônicos – e o histórico negativo do país explica, de algum modo,
esse tipo de reação extrema.
Os efeitos sobre o Brasil foram devastadores, e no terceiro
trimestre de 1998 alguns cálculos elementares mostravam que
 
Texto para Discussão nº 77 13
as contas externas do Brasil para 1999 simplesmente “não fecha-
vam”, gerando todo tipo de especulação na imprensa de que, por
isso, o Brasil poderia adotar alguma forma de controle da saída
de capitais. O Brasil, no entanto, que tinha um problema de fluxos
para 1999 – no sentido de que o déficit previsto em conta corrente
seria maior do que a entrada realista de capitais que se poderia
esperar –, passou a enfrentar um problema de realocação de
carteira dos agentes econômicos em geral, os quais, seja pela
necessidade de recompor perdas sofridas com a Rússia, por medo
de um inadimplemento externo brasileiro ou apenas temendo a
desvalorização, promoveram uma fuga em massa de capitais. De
fato, considera-se que na primeira semana de agosto, logo após
a liquidação financeira do pagamento da primeira parcela da
Telebrás, as reservas internacionais tinham chegado a quase US$
75 bilhões. Em apenas 50 dias, porém, até o final de setembro –
no que veio a ser conhecido como “setembro negro” –, o Brasil
perdeu US$ 30 bilhões de reservas (Gráfico 2).
Foi nesse contexto que, a poucas semanas das eleições
presidenciais, o Governo anunciou oficialmente que estava nego-
ciando com o FMI um acordo para enfrentar a situação, envolvendo
quatro pilares: i) um forte ajuste fiscal; ii) uma política monetária
dura – as taxas de juros aumentaram novamente para aproxima-
damente 40% em meados de setembro –; iii) um pacote de ajuda
externa – do FMI, organizações multilaterais e dos Tesouros dos
países centrais – de US$ 42 bilhões; e iv) a manutenção da política
cambial, tema esse considerado “tabu” pelas autoridades.
O anúncio do apoio externo – ainda que os detalhes não
tivessem sido divulgados –, o lançamento das primeiras medidas
de ajuste e a confirmação da vitória do presidente Fernando
Henrique Cardoso no primeiro turno das eleições, permitiram ao
Governo respirar. Os níveis de risco-país voltaram a cair, as taxas
de juros percorreram outra vez um caminho descendente, – até
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
Ja
n/
97
M
ar
/9
7
M
ai
o/
9
7
Ju
l/9
7
S
et
/9
7
N
ov
/9
7
Ja
n/
98
M
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8
M
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8
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8
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8
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99
M
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9
M
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9
9
Ju
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9
S
et
/9
9
N
ov
/9
9
Ja
n/
00
M
ar
/0
0
Fonte: Banco Central.
Gráfico 2
Reservas Internacionais – US$ Bilhões – Conceito de
Liquidez Internacional
 
14 Texto para Discussão nº 77
algo em torno de 30% (Gráfico 3) – e o Governo preparava-se para
começar a receber a ajuda externa prometida. As autoridades,
embora com a credibilidade desgastada pela sucessão de mudan-
ças bruscas e traumáticas de política, confiavam que poderia se
repetir a história das outras oportunidades, em que as taxas de
juros, após as crises do México e da própria Ásia, caíam, e a
economia retomava seu ritmo normal. A proporção de pessoas
que acreditava que tudo isso seria estéril e que, no final, o Brasil
não conseguiria evitar uma desvalorização era, sem dúvida,
crescente. De qualquer forma, o Governo ainda conservava es-
peranças de uma melhora gradual da situação.
O golpe de misericórdia na estratégia oficial foi dado pela
combinação de dois fatos. Em dezembro, praticamente ao mesmo
tempo em que o FMI aprovava o pacote de ajudaao país, o
Congresso rejeitou uma das medidas de ajuste mais importantes.
Poucas semanas depois, no início de janeiro de 1999, o Governo
do Estado de Minas Gerais, que havia assumido poucos dias
antes, decretou um default temporário da sua dívida com o
Governo Federal. Embora o efeito fiscal dessa última medida fosse
praticamente neutro – porque o Governo Federal dispunha de
mecanismos para se ressarcir mediante o corte das transferências
legais feitas regularmente para o Estado –, o impacto conjugado
das duas medidas foi drástico. Por um lado, a possibilidade de
que o Brasil começasse a receber os recursos do FMI e não
cumprisse as metas fiscais reacendeu os velhos preconceitos
contra o país nos mercados financeiros internacionais – e as sete
cartas de intenção assinadas e não cumpridas nos anos 80
voltaram a ser lembradas com insistência. Por outro, a palavra
fatídica – “default” – fora reintroduzida no cenário, em um mundo
onde as transferências de recursos de um lugar do mundo para
outro se processava com muito mais facilidade, muito mais
rapidez e em uma escala muito mais intensa que na década de
1980.
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Fonte: Banco Central.
Gráfico 3
Taxa de Juros Nominais – Overnight (%)
 
Texto para Discussão nº 77 15
O Governo reagiu a essas circunstâncias, no início de
1999, com o mix habitual, renovando as promessas de aus-
teridade fiscal e monetária. A essa altura, porém, a proporção de
cépticos havia se tornado claramente dominante. Adicionalmen-
te, a própria austeridade monetária criava dois problemas. Por
um lado, praticar taxas de juros de mais de 30% quando não havia
inflação, implicava aumentar em quase um terço a dívida pública
em um ano, algo inimaginável, considerando que ela já tinha
aumentado de 26% para 38% do PIB entre 1994 e 1998. Por outro,
como as metas fiscais do acordo com o FMI estavam expressas
em termos do comportamento esperado das Public Sector Bor-
rowing Requirements (PSBR – Requisitos de Empréstimo do Setor
Público), ou os juros adicionais eram compensados por ajustes
primários equivalentes – algo virtualmente impossível dada a
dimensão dos juros –, ou as metas fiscais do acordo não seriam
cumpridas no primeiro trimestre do ano.
Em meados de janeiro, a credibilidade brasileira atingiu
níveis extremamente baixos. Os agentes econômicos estavam
convencidos, dia após dia, de que uma desvalorização era inevi-
tável. Os fatos fazem lembrar as advertências de Drazen e Masson
acerca da inutilidade de certas “mensagens austeras” quando o
mercado simplesmente não acredita que isso seja viável:
“Our results may be illustrated by a simple story. One afternoon, a
colleague announces to you that he is serious about losing weight and
plans to skip dinner. He adds that he has not eaten for two days. Does
this information make it more or less credible that he really will skip
dinner? [Some model implies] that with each meal he skips, the ‘tough
policy’ of skipping the next meal becomes more credible, as each obser-
vation of playing tough raises the probability we assign to his being a
fanatic dieter. Once we realize that his skipping one meal makes him
hungrier at the next mealtime (i.e., that policy has persistente effects),
we are led to the opposite conclusion, namely, that it becomes less likely
he will stick to his diet the more meals he has skipped” (Drazen e Masson,
1994, p. 736).
No caso brasileiro, a idéia de que o Governo estava perden-
do autonomia decisória em relação à manutenção da política
cambial era ressaltada pelo fato de que o acordo original com o
FMI, assinado ainda na vigência do câmbio controlado, estabe-
lecia que as “reservas internacionais líquidas ajustadas” – defini-
das como as reservas brutas menos as obrigações oficiais brutas
– não podiam ser inferiores a US$ 20 bilhões. Cabe lembrar que
as reservas brutas estavam em aproximadamente US$ 40 bilhões
quando foi aprovado o acordo com o FMI. Por definição, os
recursos do empréstimo externo não afetavam o conceito de
reservas líquidas, pois aumentavam não apenas as reservas
brutas, mas também as obrigações. Na prática, portanto, o acordo
com o FMI limitava a margem de intervenção do Banco Central em
defesa da política cambial. Mais claramente, com essa cláusula,
o acordo com o FMI tornou-se de certa forma estéril. Pior: na
prática, pode ter estimulado a demanda por divisas, já que minou
a capacidade de manobra das autoridades para reagir ao que
estava se configurando como um caso de ataque especulativo.
 
16 Texto para Discussão nº 77
No início de janeiro de 1999, a perda de reservas acentuou-
se. No final da experiência de câmbio controlado, a perda de
reservas era da ordem de US$ 1 bilhão/dia. No dia 13 de janeiro,
anunciou-se a substituição do presidente do Banco Central e a
adoção de um sistema de banda, que na prática, implicava uma
desvalorização de 9%. Isso poderia ter sido uma idéia interessante
em outras circunstâncias, mas não poderia dar certo naqueles
dias. Como era previsível, a perda de reservas manteve-se e, no
primeiro dia de funcionamento da banda, a cotação chegou
imediatamente ao teto.
Repetia-se assim o script de tantas crises cambiais de
outros países, em que, depois de o Governo haver “piscado”,
ninguém acredita nas suas promessas de que “agora sim” o novo
limite será respeitado. O novo sistema durou exatas 48 horas. Por
fim, diante da absoluta falta de alternativas, o Banco Central
deixou o câmbio flutuar no dia 15 de janeiro.4 O Brasil assistiu
então a um caso de overshooting digno de livro-texto. Antes da
mudança cambial, a taxa era de R$/US$ 1,21. No dia 14 de
janeiro, estava no teto da banda: R$/US$ 1,32. No final de janeiro,
atingiu R$/US$ 1,985 e no início de março – auge da desvalori-
zação – chegou a R$/US$ 2,16.
É conhecida a terminologia de Krugman para se referir às
gêneses das crises cambiais, lembradas por ele na reflexão acerca
das sucessivas crises asiáticas de 1997/1998, que não se enqua-
dravam nos modelos acadêmicos até então mais populares [Krug-
man (1998)]. Nos modelos de “primeira geração” [Krugman
(1979)], um governo com sucessivos déficits fiscais procura man-
ter uma certa paridade cambial, que os agentes percebem ser
insustentável no tempo, o que promove um ataque especulativo
contra a moeda. Nos modelos de “segunda geração” [Obstfeld
(1994)], o mecanismo de propagação da crise é diferente, pois
embora a taxa de câmbio seja defensável, a política cambial tem
um custo para o Governo, representado pela taxa de juros reque-
 
Texto para Discussão nº 77 17
4 Segundo um ex-presidente do Banco Central, Afonso Celso Pastore, o abandono da política de câmbio
controlado seguida entre 1994 e início de 1999, nas circunstâncias em que ocorreu, representou
um alívio inicial similar ao que se sente ao fazer uma punção. Retirada a “infecção” que estava
causando uma verdadeira sangria das reservas, era necessário cuidar de todo um extenso elenco
de medidas para que o país pudesse sair da crise, mas naquele momento a sensação era de que ou
o regime anterior era abandonado, ou o país ficava sem reservas, ou uma moratória externa acabaria
por tornar-se inevitável.
5 No último dia de janeiro, diante do sério risco de perder o controle do processo inflacionário, com
conflitos internos na equipe econômica e em meio a desavenças entre o presidente do Banco Central
e a missão do FMI, o presidente da República demitiu o presidente do Banco Central, nomeando
Armínio Fraga como substituto. Por um período de cerca de 40 dias, o Brasil, em meio a uma crise
cambial verdadeiramente dramática, ficou na situação bizarra de ter simultâneamente quatro
presidentes do Banco Central: Gustavo Franco, que saíra em 13 de janeiro, mas que ainda não tinha
passado formalmente o cargo ao seu sucessor;Francisco Lopes, aprovado pelo Senado mas demitido
antes da cerimônia formal de transmissão de cargo; o Diretor da Área Externa, que passou a
acumular interinamente a Presidência e o novo presidente, Armínio Fraga, que só poderia assumir
depois de sabatinado pelo Senado e que só foi efetivado no cargo em março. Duas trocas de comando
da máxima autoridade monetária em 20 dias, falta de presidente do Banco Central no exercício do
cargo e ausência de diretores do Banco Central, pois os novos ainda não tinham sequer sido
indicados: é difícil pensar em circunstâncias piores para implementar uma mudança de regime
cambial!
rida para vencer a desconfiança dos agentes econômicos na
permanência da política. A crise externa brasileira teve alguns
componentes destes modelos de segunda geração, em que as
profecias auto-realizáveis desempenham um papel importante.
Ela foi, ao mesmo tempo, uma crise de certa forma clássica, de
livro-texto – isto é, de primeira geração –, em que desequilíbrios
fiscais e da conta corrente, em um regime de câmbio rígido,
resultam em uma sucessão de perda gradual de reservas, ataque
especulativo e – finalmente, sempre ela – desvalorização. A crise
dos países da Ásia pode ter colhido os analistas de surpresa e
deixado muitos deles perplexos. No caso da crise brasileira,
porém, foi um desfecho esperado por muitos dos – cada vez mais
numerosos – críticos e que o próprio Governo sabia perfeitamente
que poderia ocorrer – não só desde a crise da Ásia, mas desde a
do México em 1995.
Algumas semanas depois, com a economia em processo de
normalização, o dólar voltaria a cair até 1,65. Na fase de overs-
hooting da taxa de câmbio, porém, instalou-se uma situação
próxima do pânico, em relação ao que poderia acontecer com a
dívida pública.6 Esta havia fechado 1998 em 38% do PIB. Contu-
do, a dívida afetada pela desvalorização – dívida externa e dívida
interna em títulos indexados à taxa de câmbio –, antes desta, era
de aproximadamente 15% do PIB. Com os elevados juros nomi-
nais de janeiro e a desvalorização nominal de 64% ocorrida entre
o final dos meses de janeiro e dezembro e antes da queda nominal
do câmbio e do aumento de preços que se seguiu à mudança
cambial – e que, na prática, inflacionou o PIB –, a dívida pública
em janeiro atingiu 48% do PIB: um salto de 10 pontos do PIB em
apenas 30 dias!
As análises de que a dívida encontrava-se em trajetória
explosiva e a ameaça de um default da dívida interna fizeram
ressurgir antigos fantasmas e rememorar o trauma de março de
1990, quando o presidente Fernando Collor bloqueou parte subs-
tancial das poupanças financeiras do país. No último dia útil de
janeiro, especificamente, houve uma corrida aos bancos em todo
o país e uma boataria generalizada – ainda que, como se viu
depois, infundada –, nas ruas, de que o Governo decretaria feriado
bancário e o presidente Fernando Henrique Cardoso decretaria o
default da dívida interna, de modo semelhante ao que o presidente
Collor havia feito.7 Nesse contexto, o acordo original com o FMI
tinha virado letra morta apenas um mês depois de ter sido
formalmente aprovado pelo board da instituição, em dezembro de
1998.
 
18 Texto para Discussão nº 77
6 O conceito de dívida pública utilizado neste trabalho refere-se à dívida líquida do setor público
consolidado, mas sem incluir a base monetária, que é computada como dívida nas estatísticas
oficiais. Para efeitos comparativos, cabe lembrar que a base monetária no Brasil tem sido da ordem
de 3 a 4% do PIB nos últimos anos.
7 Foi nesse dia, em um quadro de completa apatia do Banco Central, por outro lado paralisado pelo
impasse nas negociações com o FMI, que o presidente da República decidiu promover a segunda
troca consecutiva na presidência do Banco Central.
4. O Fim do Gradualismo: O Que Aconteceu em 1999?
À luz do que havia acontecido no início do ano, uma
trajetória das diversas variáveis macroeconômicas, como a que
efetivamente se verificou na economia brasileira nos meses pos-
teriores à desvalorização, era simplesmente inimaginável. Nin-
guém conseguiria imaginar, em meio à alta do câmbio que se
verificou até março, que o ano acabaria com uma inflação – em
termos de preços ao consumidor – de menos de 10% e um
crescimento ligeiramente positivo do PIB.
O ponto de inflexão foi, sem dúvida, a posse de Armínio
Fraga na presidência do Banco Central em março e as decisões
tomadas em seguida.. A equipe econômica, depois de algumas
semanas de absoluto mutismo, agiu em várias frentes. Em pri-
meiro lugar, tomou a decisão – que viria a se revelar crucial – de,
em que pesem as críticas, elevar novamente a taxa de juros
nominal, algo essencial para evitar que, no rasto da inflação que
estava se verificando, as taxas reais se tornassem negativas e se
repetisse o mesmo erro que pusera a perder outros planos de
estabilização no passado. Em segundo lugar, articulou-se com
líderes políticos visando à pronta aprovação das medidas de
ajuste restantes. Finalmente, programou uma série de road
shows no exterior, com o intuito, principalmente, de reabrir as
linhas de crédito de longo prazo, cujo fechamento estava emper-
rando a normalização das relações comerciais do país. Foi esse
conjunto de iniciativas que gerou uma apreciação cambial nomi-
nal expressiva já em março (Gráfico 4). No final do ano, tomando
como referência os indicadores de preço por atacado, a desvalo-
rização real dezembro/dezembro acabou ficando limitada a 22%
– no caso de os indicadores de preço serem os IPCs, ela foi
substancialmente maior: exatamente o dobro, 44% (Gráfico 5).
1,2
1,5
1,8
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Fonte: Banco Central.
Gráfico 4
Taxa de Câmbio – R$/US$ – Final do Período
 
Texto para Discussão nº 77 19
A inflação, se medida pelo Índice de Preços ao Consumidor
(IPC), teve uma trajetória surpreendentemente moderada, tendo
ficado pouco abaixo abaixo de 9,0% no período janeiro/dezembro,
o que, dada a desvalorização nominal de 48%, implicou um
pass-through de apenas 0,19, algo que nem o mais otimistas dos
defensores da desvalorização poderia prever. Em apenas quatro
dos 12 meses do ano, a inflação mensal do IPC foi superior a 1%
(Gráfico 6). Isso inclusive se deveu em parte ao boom dos preços
do petróleo no mercado externo – que começou o ano em aproxi-
madamente US$ 15/barril e chegou a US$ 30 –, o qual gerou
pressões insuportáveis que levaram o Governo a praticar suces-
sivos reajustes da gasolina e dos derivados de petróleo em meados
do ano.
No que diz respeito ao comportamento do nível de ativida-
de, a maioria dos analistas estrangeiros cometeu erros grosseiros
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Ex IPP/IPA
Ex CPI/IPCA
Gráfico 5
Taxa de Câmbio Real (Junho 1994 = 100)
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Gráfico 6
Inflação Mensal – IPC (%)
 
20 Texto para Discussão nº 77
de previsão a respeito do que poderia acontecer com o PIB após
a desvalorização. Havia motivos para temer uma alta forte da
inflação, que acabou não ocorrendo, mas as previsões de queda
do PIB foram claramente exageradas. Alguns bancos de inves-
timento estrangeiros, nas suas análises sobre o Brasil, firmaram
a convicção de que a queda do PIB poderia chegar a 7%, similar
à que se verificara no México e na Coréia por ocasião das
respectivas crises. Três motivos, porém, permitiam supor que isso
dificilmente ocorreria:
x contrariamente àqueles países, o Brasil já tinha sofrido
uma recessãono ano anterior, sendo difícil imaginar
uma nova e profunda queda do nível de atividade, em
uma situação de demanda já baixa;
x historicamente, o Brasil atravessara duas crises muito
graves nos últimos 50 anos: a crise da dívida externa,
no início dos anos 80; e a contração provocada pelo
bloqueio dos ativos financeiros em 1990, no Plano Col-
lor, quando durante um mês diversos setores simples-
mente deixaram de produzir, afetando o resultado
anual; entretanto, em nenhum desses casos a queda do
PIB foi muito superior a 4%; e
x no Brasil, não houve nada parecido com uma crise
financeira e seu típico “efeito-dominó”, como ocorreu no
México e na Coréia.
De qualquer forma, em função da queda do salário real e
das altas taxas de juros observadas no início do ano, era razoável
imaginar alguma queda do PIB. O Governo, porém, temendo ser
considerado excessivamente otimista – pecado que já havia co-
metido no passado e que o levara a perder credibilidade –, optou
por ser conservador e assumir oficialmente que o PIB cairia entre
3% e 4% em 1999.
A trajetória observada, porém, foi completamente diferen-
te. A rigor, em termos dessazonalizados, o PIB começou a crescer
já a partir do primeiro trimestre do ano, em relação ao trimestre
imediatamente anterior (Gráfico 7). As razões disso estiveram
ligadas a dois fatores: i) um movimento de substituição de impor-
tações na indústria, com o aumento da produção em setores nos
quais a demanda por importações caiu mais; e ii) a queda das
taxas de juros reais.8 Por outro lado, a contração do salário real
inicialmente prevista não ocorreu na magnitude esperada, devido
 
Texto para Discussão nº 77 21
8 Medir taxas de juros reais em situação de mudança de preços relativos é sempre algo difícil. O fato,
porém, é que no final das contas a taxa overnight do ano ficou em 25,6% em 1999, contra uma
variação dos preços industriais janeiro/dezembro de 28,3%. Portanto, a realidade em termos de
taxas de juros reais acabou sendo bastante diferente da que inicialmente se temia, quando os preços
ainda não tinham aumentado e os juros eram estratosféricos. Para que se tenha uma idéia do
contraste com a situação anterior, em 1998 a taxa overnight fora de 28,8% e os preços industrais
caíram 0,2% no ano.
à própria moderação da inflação. Conseqüentemente, não houve
uma contração forte do consumo. Com tudo isso, o PIB acabou
tendo um crescimento ligeiramente positivo, da ordem de 1% no
ano, fruto basicamente do carry over negativo herdado da traje-
tória do nível de atividade durante 1998. Se compararmos o
produto do último trimestre de 1999 com o mesmo trimestre de
1998, porém, houve um crescimento de 3,6%. Nesse contexto, o
desemprego se manteve estável em aproximadamente 7,5%, pois,
embora o emprego não tenha crescido, registrou-se um compor-
tamento atípico da População Economicamente Ativa (PEA) – que
se manteve estagnada – ocorrido como resultado do aumento do
número de pessoas que desistiam de buscar empregos.
Em linhas gerais, janeiro de 1999 marcou o fim da es-
tratégia gradualista de enfrentamento da crise. Como já dis-
semos, o resultado primário tinha melhorado em 1998 em relação
a 1997, ao mesmo tempo em que a taxa de câmbio real já vinha
se desvalorizando em termos reais antes da crise. Esta, porém,
precipitou os acontecimentos e obrigou o Governo a ser muito
mais rápido no duplo processo de ajuste – externo e fiscal. Além
de ter deixado o câmbio flutuar, ele adotou metas para as contas
públicas, no contexto da vigência do acordo com o FMI, extrema-
mente ambiciosas. Já no acordo negociado no final de 1998, antes
da desvalorização, a meta era atingir um superávit primário
consolidado de 2,6%; 2,8% e 3,0% do PIB, para os anos de 1999,
2000 e 2001, respectivamente. Ao ser revisto o acordo, após a
desvalorização – que obrigou, naturalmente, a modificar boa parte
dos parâmetros –, houve duas modificações importantes na área
fiscal.
A primeira delas foi a troca das Necessidades de Financia-
mento do Setor Público (NFSP) pelo superávit primário como
critério de desempenho para avaliar o acordo. Na versão de final
de 1998, o superávit primário estava embutido nos cálculos que
100
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 IIII II
I
III III II
I III III
Fonte: IBGE.
Gráfico 7
PIB Trimestral, Ajustado Sazonalmente (1999 = 100)
 
22 Texto para Discussão nº 77
geraram o acordo, mas a meta formal era representada pela NFSP,
o que deixava o acordo muito vulnerável diante da eventual
necessidade de apertar a política monetária. O Brasil argumentou
– com razão – que, no contexto de incerteza acerca das taxas de
juros futuras que se vivia no início de 1999, era temerário assumir
metas de PSBR e conseguiu a aquiescência das autoridades do
FMI em aceitar a troca de “termômetro”.
A segunda modificação foi um aumento dos requisitos de
esforço primário, para 3,10%; 3,25% e 3,35% do PIB nos anos
1999, 2000 e 2001 repectivamente (Tabela 3). O movimento se
justificava porque, tendo aumentado a dívida pública devido à
própria desvalorização, era natural que o superávit primário
necessário para respeitar (no final do programa trienal) uma certa
meta de relação dívida/PIB, fosse maior, para compensar a alta
da dívida. Para um país com o record fiscal negativo do Brasil e
com perspectivas de queda da renda per capita pelo segundo ano
consecutivo, passar de um equilíbrio no resultado primário para
um superávit de 3,1% do PIB era um desafio maiúsculo, politica-
mente só viabilizado pelo “sentimento de estar à beira do abismo”
que tomou conta dos líderes do país em tais circunstâncias.9
Contrariamente às expectativas de boa parte dos analistas
e à antiga tradição brasileira de não cumprir as metas acertadas
em outros acordos com o FMI, em 1999 a meta fiscal foi cumprida,
até mesmo com uma pequena folga (Tabela 4). Para isso também
contribuiu a própria inflação, que, embora tenha se mantido
dentro dos parâmetros desejados pelo Governo, “facilitou”, de
certa forma, a queda real do gasto.
A combinação de: i) apreciação cambial, em relação ao
overshooting do início do ano; ii) queda dos juros nominais depois
de março; iii) inflação, que acabou fazendo os juros reais – que
determinam a dinâmica da relação dívida/PIB – caírem subs-
tancialmente, ao longo do ano, em relação a 1998; e iv) cresci-
mento real da economia durante o ano, fez cair a relação
dívida/PIB, de um máximo de 48% do PIB em fevereiro, para 43%
do PIB no final do ano.
Tabela 3
Superávit Primário – Acordo FMI (% PIB)
 1999 2000 2001
Governo Federal 2,50 2,65 2,60
Estados e Municípios 0,30 0,50 0,65
Empresas Estatais 0,30 0,10 0,10
Total 3,10 3,25 3,35
 
Texto para Discussão nº 77 23
9 Para uma descrição das mazelas históricas do setor público brasileiro, ver Giambiagi e Além (1999).
Por outro lado, o grande fator de decepção em 1999 foi,
sem dúvida, o resultado da Balança Comercial, que acabou tendo
um novo déficit. À luz dos dados, porém, não é difícil explicar o
que aconteceu. Há quatro razões, fundamentalmente, que permi-
tem entender o resultado e o contraste com a dimensão do ajuste
pelo qual, anteriormente, tinham passado o México e a Coréia por
ocasião das suas respectivas crises:
a) o colapso dos preços das commodities no mercado
internacional afetou duramente o Brasil: o índice de preços médio
dos produtos básicos caiu 15% em relação ao de 1998, e o dos
semimanufaturados, 17%, causando uma queda expressiva no
índice total das exportações (Gráfico 8);
b) uma parte importante das exportações brasileiras é
composta de manufaturados e, entre eles, há uma certa concen-
tração em países da América Latina. Como em 1999 toda a
América Latina – com exceção do México, com quem o comércio
brasileiro é escasso, e do Peru, um país muito pequeno – esteve
em recessão, as exportações de manufaturados para a região
sofreram uma redução substancial, afetando as vendas totais do
país;c) em vez de sofrer uma grande queda, como muitos
previam inicialmente e como ocorrera no México e na Coréia, o
PIB brasileiro cresceu em 1999, o que significa que não houve
uma contração da demanda global na economia; e
Tabela 4
Requisitos de Empréstimo do Setor Público – PSBR (% PIB)
 1998 1999 2000/a
PSBR /b 7,58 5,57 4,00 
Governo Federal /b 5,00 2,60 1,55 
Estados e Municípios 2,05 3,03 2,50 
Empresas Estatais 0,53 -0,06 -0,05 
Déficit Primário /c -0,01 -3,08 -3,25 
Governo Federal /c -0,56 -2,25 -2,65 
 Governo Federal e BC /c -1,36 -3,17 3,45 
 INSS /c 0,80 0,92 0,80 
Estados e Municípios /c 0,19 -0,21 -0,30 
Empresas Estatais /c 0,36 -0,62 -0,30 
Juros /b 7,59 8,65 7,25 
Governo Federal /b 5,56 4,85 4,20 
Estados e Municípios 1,86 3,24 2,80 
Empresas Estatais 0,17 0,56 0,25 
a/ Previsão dos autores.
b/ Não inclui os efeitos da desvalorização.
c/ (-) = Superávit.
Fonte: Banco Central.
 
24 Texto para Discussão nº 77
d) o preço do petróleo teve uma alta comparável à dos
shocks de 1973 e 1979, prejudicando o país, que importa algo
como um terço do petróleo que consome.
Nesse contexto, o quantum das exportações experimentou
uma melhora progressiva após a desvalorização e algum lag de
tempo, como era de se esperar (Gráfico 9). A demanda por
importações ainda alta e a queda dos preços, contudo, impediram
uma melhora mais acentuada da balança comercial. No balanço
do ano, as exportações caíram 6% e as importações 15%, mas o
país fechou 1999 com um déficit comercial de cerca de US$ 1
bilhão – muito abaixo, porém, dos US$ 7 bilhões de 1998.
75
80
85
90
95
100
105
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F
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Ju
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Ju
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N
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D
ez
1998
1999
2000
Fonte: FUNCEX.
Gráfico 8
Índice de Preços de Exportação – Média 1996 = 100
90,0
110,0
130,0
Ja
n/
94
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99
A
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9
Ju
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9
O
ut
/9
9
Ja
n/
00
Fonte: FUNCEX.
Gráfico 9
Exportações: Bens Manufaturados – Índice Quantum –
Média Móvel 12 meses (1996 = 100)
 
Texto para Discussão nº 77 25
A conta corrente, por sua vez, experimentou uma melhora
importante. Além da queda do déficit comercial, o câmbio impac-
tou favoravelmente outras duas rubricas importantes de desequi-
líbrio real: as contas de transporte – ligadas ao movimento de
comércio – e de viagens – viajar ao exterior ficou muito mais caro!
Ao mesmo tempo, após a desvalorização, as pesadas remessas de
lucros e dividendos de 1998 – obviamente alimentadas pelo receio
de uma mudança cambial – não se repetiram. Em conjunto, esses
fatores diminuíram o desequilíbrio em conta corrente, de US$ 34
bilhões em 1998, para US$ 24 bilhões em 1999. Isso não se
traduziu em uma melhora da mesma proporção no indicador
Déficit em conta corrente/PIB, pelo simples motivo de que a
desvalorização diminuiu o valor do PIB medido em US$, mas
deverá permitir uma queda do indicador, se, como se espera, com
o crescimento da economia – e mesmo se a taxa de câmbio real
for mantida –, o valor do PIB aumentar no futuro.
No rasto da melhora fiscal e da percepção de que a mu-
dança da situação externa, ainda que tardiamente, estava come-
çando a ocorrer, os investidores foram ganhando mais confiança
nas perspectivas futuras da economia e o risco-país, medido pelo
rendimento dos Par Bonds de 30 anos, em basis points sobre o
bônus do Tesouro dos EUA de características semelhantes, que
tinha chegado a ultrapassar os 2300 pontos nos momentos mais
crítico de janeiro de 1999, passou a ceder (Gráfico 10).
800
1000
1200
1400
1600
1800
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0
A
br
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0
Fonte: JP Morgan. Par bond: basis points sobre Bônus Tesouro EUA (30 anos)
Gráfico 10
Risco-país (Basis Points)
 
26 Texto para Discussão nº 77
5. Do Déficit de Metas às Metas de Déficit: Um Novo
5. Regime (Temporário ou Permanente?) de Política
5. Econômica
Nos anos em que a situação fiscal estava se deteriorando,
em mais de uma oportunidade e provindo de mais de um analista,
no debate econômico surgiu a proposta de que o Governo se
comprometesse com metas de déficit público, isto é, tetos fiscais
“à la” Maastricht, que limitassem a ação do Governo e balizassem
a evolução da dívida pública. Na prática, porém, tais propostas
caíram no vazio e o Governo não as adotou. Em vez de metas de
déficit, tivemos déficit de metas...
Em 1999, no contexto da vigência do acordo com o FMI, a
situação mudou radicalmente e o Governo foi levado pelas cir-
cunstâncias a adotar uma regra fiscal, correspondente a um
princípio de comportamento, na forma de uma variante da defi-
nição de Kopits e Symansky: “A fiscal policy rule may consist of
a limit on, or a target for, the stock of public debt as a proportion
of GDP” [Kopits e Symansky (1998, p. 26)]. Embora a dificuldade
de adivinhar com certa precisão o comportamento futuro dos
juros tenha levado o Brasil a adotar uma meta de superávit
primário em lugar de uma meta de déficit nominal, na prática –
e desde que os juros não excedessem as premissas do exercício
em que se baseou o cálculo do requerimento de esforço primário
– o que se procurava era justamente reverter a trajetória da dívida
pública. Buscava-se, com isso, “reduzir paulatinamente a propor-
ção entre a dívida pública e o PIB”, ao longo de 1999 – depois da
alta associada à desvalorização – e continuando essa trajetória
em 2000 e 2001, conforme consta no memorando de política
econômica do acordo aprovado pelo board do FMI em março de
1999, após a revisão do acordo original de 1998.
O regime de política econômica adotado em 1999 as-
sentou-se então sobre quatro pilares:
a) austeridade fiscal, na forma de metas de resultado
primário bastante estritas para o triênio 1999/2001;
b) aprovação das chamadas “reformas”;
c) adoção de metas de inflação (“inflation target”);10 e
d) livre-flutuação cambial.
As metas estabelecidas no acordo com o FMI já foram
mencionadas anteriormente. De qualquer forma, é válido compa-
 
Texto para Discussão nº 77 27
10 Sobre a lógica de se adotar o regime de metas de inflação, ver Mishkin (1999).
rar essas metas com o superávit que seria requerido, em uma
situação de estabilidade, para conservar a dívida estável em 45%
do PIB, com um seignorage de 0,2% do PIB. Observe-se que, para
uma situação de relativa normalidade – inflação de 2%, taxas de
juros nominais de 10% a 12% e crescimento real da economia de
4% a 5% –, seria preciso que o setor público gerasse um superávit
primário de 1,0% a 2,3% do PIB (Tabela 5). Cabe lembrar que, no
triênio 1999/2001, a taxa de juros está sendo maior do que esses
números e o crescimento menor. É justamente por isso que o
superávit primário deve ser tão expressivo. No futuro, com taxas
de juros inferiores e a perspectiva de um crescimento maior, o
superávit primário requerido poderá ceder até níveis como os
acima mencionados.
Vamos agora nos deter nos demais elementos. Em 1999,
o Governo continuou a procurar criar as bases para uma mudan-
ça permanente da situação fiscal do país. Duas medidas foram
relevantes nesse sentido. A primeira foi a aprovação de novas
regras para aposentadoria, limitando seriamente os rendimentos
de quem se aposentasse muito cedo. Embora as aposentadorias
precoces continuem sendo possíveis, quem se retirar muito cedo
terá um teto baixo de rendimentos, que vai aumentando à medida
que o indivíduo posterga a sua aposentadoria. Isso modificou
substancialmente para melhor as perspectivas de um agrava-
mento do déficit previdenciário nos próximos anos. A segunda
medida foi o envio de uma proposta de Emenda Constitucional–
discutida durante o ano 2000 – desvinculando até 2006 uma
parte dos recursos anteriormente vinculados, o que amplia um
pouco a margem de manobra do Governo na contenção do gasto
público.
No que diz respeito às metas de inflação, o Brasil passou
desde 1999 a fazer parte do grupo de cerca de 10 países que, como
a Nova Zelândia, a Inglaterra ou o Canadá, adotam esse regime.
As autoridades definiram uma meta de inflação de 8% para 1999,
6% em 2000 e 4% em 2001, com um intervalo de tolerância de
dois pontos percentuais para cima ou para baixo em todos os
Tabela 5
Superávit Primário Requerido para Estabilizar a Dívida em
45% do PIB (% PIB)
Senhoriagem = 0,2% PIB
Inflação = 2%
Taxa de Juros 
Nominais Bruta (%)
Taxa de Crescimento Real do PIB (%)
3,0 4,0 5,0 6,0
 8,0 1,06 0,61 0,18 -0,25
10,0 1,92 1,46 1,02 0,58
12,0 2,77 2,31 1,86 1,41
14,0 3,63 3,16 2,70 2,25
16,0 4,49 4,01 3,54 3,08
 
28 Texto para Discussão nº 77
casos. No primeiro ano, a inflação (IPC) ficou em 8,9%, dentro do
intervalo aceitável, esperando-se que em 2000 fique entre 6% e
7%. Com isso, o Governo comprometeu-se formal e explicitamente
a atingir a estabilidade de preços, o que representa uma expe-
riência inédita no Brasil. Se essas metas forem atingidas, chegan-
do-se à convergência com a inflação internacional (2,0% a 2,5%),
em 2003 ou 2004, tal fato certamente moldará o comportamento
dos futuros Governos, pois corresponderia a uma verdadeira
revolução cultural, no contexto brasileiro, onde parte dos dirigen-
tes políticos do país, no passado, sempre esteve disposta a trocar
mais crescimento por “um pouco mais” de inflação.
A livre flutuação cambial, finalmente, completa o quadro
do instrumental da política econômica vigente. No regime de
câmbio controlado, o fato de se praticar uma desvalorização
nominal de 7% a 8% a.a., em um contexto de inflação pratica-
mente nula, representava uma fonte de pressão sobre as taxas
de juros domésticas, as quais, embora pudessem não ser parti-
cularmente atraentes quando medidas em dólares, resultavam
elevadíssimas quando deflacionadas por um índice de preços
doméstico. Com a desvalorização e a taxa de câmbio flutuante, a
autoridade monetária ganha graus de liberdade. Por isso, as
taxas, em termos reais, caíram significativamente em 1999,
refletindo essas novas circunstâncias.
As dúvidas remanescentes acerca do regime de política
econômica brasileira dizem respeito à sua sustentação no tempo.
Embora o esforço de ajuste seja inegável, uma parte substancial
do superávit vem sendo obtida às custas de medidas temporárias
e emergenciais para aumentar a receita e/ou contração da des-
pesa (Tabela 6). O exemplo mais notório é a cobrança da Contri-
buição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), que
se prevê que arrecade em 2000 mais de 1,5% do PIB, mas que
deverá ser extinta em junho de 2002.
O desafio que o Governo tem pela frente – e isto é válido
não tanto para o atual e mais para o próximo, a se iniciar em 2003
Tabela 6
Fatores Extraordinários de Ajuste Fiscal (% PIB)
Composição 1998 1999 2000
CPMF 0,9 0,9 1,6
Receita de Concessões 1,0 1,0 0,5
Imposto de Renda Excedente 0,1 0,1 0,1
Imposto de Renda: Bens Financeiros 0,3 0,0 0,0
Eliminação de Deduções (Cofins) 0,0 0,3 0,3
FEF/DRU 0,3 0,3 0,1
Pagamento de Dívidas 0,0 0,6 0,0
Total 2,6 3,2 2,6
 
Texto para Discussão nº 77 29
e que já não contará com as fontes de receita previstas atualmente
– é então o de preservar o esforço de ajuste – ainda que talvez com
uma meta primária menos ambiciosa. No entanto, isto terá de
ocorrer i) sem a ajuda dessas fontes temporárias de ajuste; e ii)
sem a proteção do FMI, hoje convertido em um cômodo scapegoat
para as autoridades.
6. Por Que o Brasil Não Teve uma Crise Financeira?11
Até aqui, analisamos os desenvolvimentos da crise do
Brasil e a comparamos com algumas das outras crises que
ocorreram na segunda metade dos anos 1990. Como mencionado,
embora o Brasil tenha sofrido uma desvalorização cambial trau-
mática em 1999 – apesar do resultado relativamente positivo – o
país não atravessou uma crise financeira per se, como a enfren-
tada pelos países asiáticos. No entanto, por que não ocorreu uma
crise financeira no Brasil? O que diferenciou o sistema financeiro
brasileiro do asiático?
Uma característica importante do sistema financeiro bra-
sileiro, que o diferencia, por exemplo, do caso asiático, é seu baixo
nível de financial depth. Em 1996, por exemplo, o crédito total do
setor privado em relação ao PIB no Brasil representava 31%,
muito abaixo dos números muitas vezes superiores a 100% do
PIB de vários países asiáticos (ver dados na p. 3). Esses números
indicam que o Brasil, quando comparado aos países asiáticos,
tem um sistema financeiro muito menos vulnerável, garantindo
mais estabilidade e confiança ao mercado e diminuindo as chan-
ces de um colapso de “efeito-dominó” no sistema devido a uma
possível série de defaults, como a que ocorreu na Ásia em
conseqüência dos altos níveis de alavancagem.
Após o Plano Real (1994), ocorreram muitas mudanças no
sistema financeiro brasileiro resultantes, principalmente, da per-
da significativa por parte dos bancos de receita relativa ao término
das transferências inflacionárias, i.e, floating. Nessa ocasião,
muitas instituições financeiras expandiram significativamente
suas linhas de crédito – favorecidas pelo crescimento econômico
que se seguiu à estabilização –, e aumentaram sua alavancagem
e exposição. Mais tarde, com o impacto da crise do México em
1995, houve um aumento significativo nos empréstimos venci-
dos. Isto deveu-se em parte aos aumentos das taxas de juros –
que também tiveram um impacto negativo direto sobre o lucro
dos bancos, e à queda no nível de atividade. Muitos bancos não
resistiram e decretaram falência.
 
30 Texto para Discussão nº 77
11 A maior parte dos dados apresentados nesta seção – exceto se afirmado diferentemente, foi extraída
de Puga (1999) e do Banco Central do Brasil.
Essa crise financeira ocorreu em 1995 e forçou o governo
brasileiro a agir para resolver o problema e fortalecer o sistema
financeiro, sob os padrões da Basiléia. Essas mudanças tornaram-
se vitais mais tarde, em 1999, para evitar que a crise cambial se
transformasse em uma crise financeira. O ajuste foi feito principal-
mente por meio de uma série de mudanças na legislação, como:
– o estabelecimento de requisitos mínimos de capital para
a constituição de um banco;
– o estabelecimento de um nível mínimo para o patrimônio
líquido ajustado das instituições financeiras de 11% de
seu ativo ponderado em termos de risco (este limite
começou em 8% e passou para 10% antes de atingir o
nível final);12
– incentivos fiscais para a incorporação de instituições
financeiras;
– mais poder para permitir ao Banco Central tomar medi-
das preventivas para fortalecer o sistema financeiro;
– a obrigação dos bancos que têm participação acionária em
instituições financeiras internacionais, ou delas depen-
dem, de operar dentro dos limites operacionais acordados;
– a permissão de instituições financeiras cobrarem por
uma série de serviços que não eram cobrados na época
de inflação alta;
– a obrigação das instituições financeiras de identificar e
informar o Banco Central sobre todos os clientes com
limite de crédito acima de R$ 50.000;
– a obrigação das instituições financeiras de apresentar
ao Banco Central um programa de controle de sistema
interno, de acordo com o Comitê da Basiléia;
– a criação do programa Proer, com o objetivo de garantir
a liquidez e a solvência do sistema; e
– a criação do programa Proes, com o objetivo de fortalecer
o sistema financeiro público em nível estadual.
Uma das medidas mais importantes tomadas pelo governo
brasileiro na reestruturação de seu sistema financeiro foi o
esforço feito em relação às fusões, aquisições, incorporações e
transferência de controle acionário, intensificado com o programa
Proer instituído em novembro de 1995. Este programa consiste
na criação de uma linha especial de auxíliofinanceiro para a
reorganização administrativa, operacional e acionária das ins-
 
Texto para Discussão nº 77 31
12 A proporção de 11% é ainda mais conservadora do que os requisitos da Basiléia.
tituições financeiras. Esse processo amadureceu nos anos se-
guintes e, como conseqüência, aumentou a concentração no setor
bancário. Em dezembro de 1994, os dez maiores bancos do país
respondiam por 63% dos ativos totais do sistema e os 20 maiores,
por 76%, enquanto em dezembro de 1998, esses números aumen-
taram para 68% e 81%, respectivamente. Outra tendência foi o
aumento na participação de instituições com controle acionário
privado no sistema bancário, aumentando de 49% em dezembro
de 1994 para 54% em dezembro de 1998. Essas duas tendências
vêm exercendo um papel importante no aumento da solidez e da
confiabilidade do sistema.
Outro passo importante na transformação do sistema
financeiro do Brasil foi a implementação do programa Proes, em
agosto de 1996. O plano consistia tanto na privatização, liquida-
ção ou modificação do papel dos bancos públicos estaduais. No
início do programa, o sistema financeiro do setor público era
composto de 35 instituições e, ao final de todo o processo,
estima-se que restarão apenas nove bancos estatais. Até o mo-
mento, das 26 instituições incluídas no programa, dez foram
privatizadas, cinco foram extintas e 11 se transformaram em
órgãos de fomento. O ponto alto do programa foi provavelmente
a aquisição do Banerj (o Banco do Rio de Janeiro) pelo Banco Itaú,
o segundo maior banco privado do país. O Proes teve um papel
predominante tornando o sistema mais sólido e saudável, dimi-
nuindo o índice de alavancagem dos bancos estatais de nível
múltiplo e comercial (créditos/ativos líquidos) – de 15% em junho
para 9% em dezembro de 1996 –, e aumentando a fatia de
provisões relativas a créditos atrasados e créditos em liquidação.
A participação crescente dos bancos estrangeiros no cená-
rio brasileiro também é um fenômeno que contribuiu para a
melhora do sistema financeiro do país. O número de bancos
estrangeiros no Brasil, de junho de 1995 a dezembro de 1998,
aumentou de 37 para 52 (o número de bancos nacionais com
controle acionário estrangeiro aumentou de 20 para 36), au-
mentando a participação dos bancos estrangeiros no número
total de bancos comerciais e universais de 15% para 26% no
período. Se considerarmos as subsidiárias dos bancos estran-
geiros e os bancos com controle acionário estrangeiro, as ins-
tituições estrangeiras eram proprietárias de 21% dos ativos totais
dos bancos múltiplos e comerciais no final de 1998 contra 12%
em junho de 1994, e os bancos com participação estrangeira
aumentaram de 6% para 10% no mesmo período. Nesse contexto,
um passo importante foi tomado quando o Banco Real juntou
forças com o ABN Amro Bank, tornando-se o quarto maior grupo
financeiro privado do país.13 A importância da participação es-
trangeira no sistema financeiro é relacionada principalmente a
 
32 Texto para Discussão nº 77
13 Alguns dos outros principais participantes internacionais no sistema financeiro brasileiro são o
BankBoston, HSBC Bank, Citibank, Creditanstalt, Santander, Bilbao Vizcaya, Lloyds, Chase
Manhattan e JP Morgan.
melhorias na qualidade dos serviços, transferência de tecnologia,
redução do spread (embora resultados melhores ainda sejam
esperados), eficiência operacional, melhor capacidade para ab-
sorver turbulências macroeconômicas e mais facilidade para
proteger o sistema da volatilidade da taxa de câmbio (hedge).14
A atualização tecnológica do setor bancário brasileiro veio
com a necessidade constante de mudanças e ajustes ligados às
condições de turbulência macroeconômica do passado, às refor-
mas mencionadas acima e à entrada de know-how estrangeiro,
fortalecendo ainda mais o sistema financeiro. Como mencionado
por Standard & Poor (1999), “a necessidade de se processar
transações em diferentes denominações locais de moeda... e/ou
a referência a um conjunto diverso de índices múltiplos, incluindo
taxas de inflação durante a era de hiperinflação, forçou os bancos
a atualizarem constantemente seus sistemas” (p. 8). As ins-
tituições financeiras no Brasil investiram pesadamente em tec-
nologia não apenas para melhorar as áreas de processamento,
pagamento e telecomunicações, mas também para desenvolver
canais de distribuição alternativos. A tecnologia do sistema finan-
ceiro brasileiro corresponde aos padrões internacionais mais
modernos comprovados pela bem-sucedida passagem pelo “bug
do milênio”, pelos modernos serviços prestados pelos bancos e
corretoras on-line (via Internet), pelo alto nível de automação da
Bolsa de Valores de São Paulo e outros.
Todos os fatores mencionados acima impediram que o
Brasil mergulhasse em uma crise financeira após a desvaloriza-
ção de 1999. O sistema financeiro do Brasil é, provavelmente, o
mais sólido da América Latina por sua diversidade, pela presença
de instituições internacionais fortes, sua boa automação, nível de
capitalização e seus baixos índices de alavancagem; tudo isso
apoiado pelo ambiente econômico relativamente estável estabe-
lecido pelo plano Real. Em resumo, as principais razões para a
boa forma atual do sistema financeiro nacional são:
– as medidas corretivas tomadas após a crise de 1995,
incluindo os programas Proer e Proes;
– o aumento da participação estrangeira;
– os baixos níveis de diversificação financeira e emprés-
timos vencidos; e
– o aumento da eficiência resultante, entre outros, da
melhora da tecnologia e da competição.
 
Texto para Discussão nº 77 33
14 Por volta do final de 1998, as obrigações externas do sistema bancário dos bancos múltiplos e
comerciais chegaram a US$ 50,3 bilhões. Não obstante, apenas 28,7% correspondiam às obrigações
dos bancos nacionais privados enquanto 40,3% pertenciam aos bancos estrangeiros, que têm mais
facilidade para honrar estas dívidas porque eles sempre podem recorrer a suas matrizes no exterior,
o que diminui sua vulnerabilidade à volatilidade.
7. Conclusões
Ao contrário da Argentina, onde a defesa de uma paridade
nominal peso/dólar tem sido o denominador comum entre a
maioria dos economistas, no caso brasileiro, se uma unanimidade
passou a haver entre os economistas do país depois da crise da
Ásia, era de que a taxa de câmbio deveria ser desvalorizada. A
razão da controvérsia dizia respeito à velocidade do processo. O
governo – e os que apoiavam a sua política – alegava que, à medida
que a desvalorização nominal ia se mantendo no ritmo da época
– ou até declinando gradualmente –, em um contexto de inflação
praticamente nula, a apreciação cambial iria desaparecendo. Já
os críticos, por outro lado, estavam a favor de uma descontinui-
dade.
A linha de argumentação oficial antes da desvalorização
pode ser resumida nas seguintes palavras de um dos autores
deste trabalho: “O Brasil,..., em contraste com a Inglaterra de
1992, não está comprometido com uma taxa de câmbio fixa, mas
com uma política de desvalorização real gradual – ainda que
bastante intensa – da taxa de câmbio, que vem se depreciando ao
ritmo de 7% a 8% ao ano, em um contexto de inflação próxima
de zero. (Então), à medida que o tempo for passando, a taxa de
câmbio ficará mais próxima desse ponto ‘ideal’” [Giambiagi (1999)].
A estratégia tinha dois problemas. Primeiro, baseava-se na
premissa de que o restante do mundo continuaria a financiar o
país, o que de fato se revelou errado. E segundo, o custo interno
dessa política, representado pelo efeito que a desvalorização real
gradual anunciada implicava sobre a taxa de juros, pressionando
a dívida pública e limitando a capacidade de crescimento do país.
Por outro lado, o benefício alegado na manutenção da política era
óbvio: conservar a estabilização, que o governo julgava ameaçada
em caso de descontinuidade da política cambial.
É válido registrar que, retórica aparte, o temor dos efeitos
inflacionários de uma eventual desvalorização não era monopólio
dos defensores da política. Como declara, com sinceridade, à luz
dasurpreendentemente baixa inflação de 1999, um dos críticos
mais notórios da política seguida até janeiro de 1999, “mesmo
aqueles economistas que eram mais otimistas quanto à pos-
sibilidade de realizar uma desvalorização cambial sem destruir o
programa de estabilização, entre eles eu mesmo, não teriam
acreditado nessa combinação de câmbio nominal e taxa de infla-
ção para 1999” [Batista (1999)].
Entender por que, após a desvalorização, a inflação anual
(IPC) foi de mais de 50% no México e de menos de 10% no Brasil,
apesar de o PIB do México ter sofrido uma queda histórica e o do
Brasil ter crescido modestamente, será certamente objeto de
pesquisa nos ambientes acadêmicos brasileiros nos próximos
 
34 Texto para Discussão nº 77
anos. Não há uma resposta categórica para essa questão. Algu-
mas linhas de raciocínio, porém, fornecem pistas para o que
poderia ser uma interpretação correta dos fatos.
Em primeiro lugar, o Brasil não chegou a sofrer uma erosão
absoluta das suas reservas. A flutuação cambial no México foi
decidida quando era impossível ter outra alternativa e sem que o
Banco Central tivesse qualquer margem de manobra. No Brasil,
a flutuação também era a única saída, mas no momento em que
se optou por ela o país contava ainda com US$ 40 bilhões de
reservas, que representavam, mal ou bem, um certo poder de
dissuasão caso a taxa viesse a subir muito. Esse poder que foi
usado, sem exageros mas com resultados favoráveis, em certos
momentos mais críticos.
Em segundo lugar, embora o PIB em 1999 tenha crescido
no Brasil, a desvalorização encontrou o país no meio de um “vale”
do seu nível de atividade.15 Portanto, no momento da desvaloriza-
ção, as condições para praticar um repasse generalizado de
preços eram muito piores para as empresas do que haviam sido,
na época, para as empresas do México ou da Coréia, que estavam
em plena fase de crescimento.
Em terceiro lugar, após a desvalorização, a política mone-
tária desempenhou um papel preponderante para desarmar as
expectativas inflacionárias. Embora ela tenha se revelado estéril
para evitar a crise externa, uma vez que a desvalorização ocorreu,
o custo de oportunidade de continuar com a especulação reve-
lou-se alto. E o fato de o Banco Central ter elevado as taxas de
juros a 45% nominais, em um momento em que todas as pressões
políticas eram exercidas no sentido de diminuir essa taxa, repre-
sentou uma indicação clara de que o “antiinflacionismo” que
tinha caracterizado o comportamento do Banco Central nos anos
anteriores seria mantido.
Em quarto lugar, apesar de todos os temores em contrário
existentes antes da desvalorização, o processo de desindexação
da economia provou ser mais avançado no Brasil do que no
México. Nesse sentido, a decisão de anunciar um reajuste nomi-
nal do salário mínimo de menos de 5% em abril, para vigorar em
maio, ainda na fase dos efeitos da perturbação dos preços relati-
vos associada à desvalorização, foi também um marco decisivo
na manutenção da estabilidade – entendida, neste caso, como a
manutenção da inflação anual abaixo de um dígito.
 
Texto para Discussão nº 77 35
15 Em dezembro de 1998, imediatamente antes da desvalorização, o nível industrial da produção
mensal com ajuste sasonal, de acordo com dados do IBGE, atingiu o mínimo do período 1997/1998,
permanecendo 8% abaixo do nível máximo antes da crise asiática de 1997, e 6% abaixo do nível
máximo registrado após a recuperação da crise asiática e antes da crise da Rússia. Para uma idéia
da intensidade do processo recessivo que precedeu a desvalorização no Brasil, vale a pena lembrar
que este mesmo nível em dezembro de 1998 estava 9% abaixo do ‘pico’ de dezembro de 1994 – quatro
anos antes! –, no centro do boom do plano Real, e nunca mais foi atingido até o ano 2000.
Por último, embora a decisão tenha sido anunciada quan-
do o pânico já havia arrefecido, a divulgação, em junho, das metas
de inflação do novo regime de “inflation target”, foi outro sinal em
favor de balizar as expectativas dos agentes econômicos por uma
inflação relativamente “bem-comportada”.
O fato, porém, é que a desvalorização parece ter sido muito
“barata” para o Brasil. Em outras palavras, se o Governo resistiu
tenazmente às pressões pela desvalorização durante anos, o fez
devido ao pressuposto de que o impacto inflacionário de mudar
a política cambial seria elevadíssimo. Após mais de um ano da
desvalorização, com o país tendo voltado a crescer, sem que a
inflação tenha atingido os dois dígitos e tendo ela reassumido uma
trajetória claramente declinante quando medida pelo indicador
de 12 meses, é válido reconhecer que o custo da desvalorização
foi relativamente baixo no Brasil.
Não há, nos parece, como fazer uma análise balanceada
do papel que o FMI teve para o êxito da política econômica do
período, sem concluir que, em linhas gerais, o acordo com o FMI
e a política econômica seguida ao amparo do mesmo foram bons
para o Brasil. O “colchão de liquidez” representado pelo emprés-
timo de US$ 42 bilhões permitiu ao Brasil superar circunstâncias
dramáticas; as taxas de juros foram elevadas no momento apro-
priado e reduzidas na intensidade e na velocidade certas; a
política de austeridade fiscal mudou radicalmente o contexto
econômico do país – tradicionalmente visto como perdulário em
matéria fiscal –; a inflação subiu relativamente pouco; e o país
voltou a crescer, em termos dessazonalizados, exatamente após
a desvalorização – embora o carry over negativo herdado de 1998
tenha impedido que esse crescimento se traduzisse em um nú-
mero melhor para 1999.
Por outro lado, o FMI também cometeu os seus erros, no
caso específico do Brasil. Três deles parecem ter sido, no seu
momento, importantes. O primeiro, a cláusula com o piso de
reservas estabelecida no primeiro acordo, que como frisamos
limitou a margem de manobra das autoridades na defesa da
paridade original, antes da desvalorização. Em que pese o reco-
nhecimento de que era difícil emprestar US$ 42 bilhões a um país
com o histórico negativo do Brasil, objetivamente essa limitação
acabou alimentando as especulações contra a continuidade da
política cambial praticada até janeiro de 1999.
O segundo erro do FMI foi ter contribuído para a paralisia
que tomou conta das autoridades nas primeiras semanas da
crise, após a desvalorização. Independentemente de eventuais
divergências entre o presidente do Banco Central na época e o
ministro da Fazenda, e da dificuldade de implementar um pro-
grama de estabilização, sem ter ainda votado o conjunto das
medidas fiscais de ajuste, tudo indica que ter ficado assistindo
passivamente ao aumento diário do dólar, em média, de mais de
 
36 Texto para Discussão nº 77
4,5% por dia útil, entre 14 e 29 de janeiro, foi um erro, para o qual
a demora do FMI em restabelecer rapidamente as negociações
com o país deu a sua cota de contribuição.
Finalmente, ter deixado o dólar atingir novamente R$ 2,00,
no segundo semestre – sem revisar a permissão de gastar parte
das reservas no mercado cambial – depois de ter caído a R$ 1,65,
logo após o overshooting inicial, foi um terceiro erro, que explica
em parte a alta espasmódica da inflação no final de 1999. Na
época, as autoridades escudavam-se no chavão de que “com
câmbio flutuante, o câmbio flutua”, quando na verdade, como
bem disse posteriormente o professor Ilan Goldfajn, da PUC/RJ,
para um país como o Brasil, “câmbio flutuante é bom quando não
flutua”. Era óbvio que um novo round de alta do dólar detonaria
uma nova série de aumentos de preços, e que portanto as
autoridades econômicas gostariam de evitar isso. Porém, elas
encontravam-se tolhidas, pois os termos da margem de interven-
ção no mercado cambial ainda não tinham sido renegociados com
o FMI. Uma maior presteza na aceitação dessa mudança de regras
pelo FMI – dando mais poder de manobra ao Banco Central – teria
sido desejável. Prova disso é o fato de que, apenas os termos desse
novo acordo foram anunciados, o simples anúncio contribuiu
para “furar” a cotação do dólar, que acabou fechando em

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