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Capítulo 3. CAUSAS DOS PADRÕES BIOGEOGRÁFICOS No século XVIII, o naturalista francês Georges Louis Leclerc de Buffon (1707-1788) chamou a atenção para dois aspectos biogeográficos importantes: a) “...um fato geral, que a princípio parece muito estranho e que não havíamos suspeitado antes, é que não há espécies da zona tórrida de um continente que se acham em outro” (1761, In: Nelson & Platnick, 1981:361). Esta constatação foi exposta pelo naturalista Alexander Von Humboldt (1769-1859) como a Lei de Buffon: regiões geográficas distantes, com condições ecológicas semelhantes, abrigam táxons diferentes; b) “...e quando, pelas revoluções do Globo ou pela ação do homem, os animais são forçados a abandonar seus lugares de origem – quando caçados ou relegados a climas distantes –, sua natureza sofre alterações tão grandes e profundas que não são reconhecíveis a primeira vista; para reconhecê-los faz-se necessário uma inspeção atenta, experimentação e analogia”. Em outras palavras: assumindo a existência de um centro de origem – um setor geográfico restrito no qual teriam surgido –, os animais tenderiam a dispersar deste local para áreas geográficas cada vez mais distantes, entrando em contato com condições climáticas e recursos ambientais diferentes. Nesse contexto, sofreriam mudanças adaptativas herdáveis. Buffon usou uma explicação histórica para o padrão biogeográfico levando em consideração a crença na existência de centro de origem ou de criação. Particularmente, acreditava que as espécies de mamíferos teriam se originado no Hemisfério Norte e dispersado para outros locais do planeta com condições ecológicas equivalentes ou compatíveis. Mas, ele achava que as espécies, à medida que iam se afastando de seus locais de origem – onde teriam sido criadas puras e perfeitas –, por hibridização e mudanças de hábitos, sofreriam degeneração. Seu ponto de vista refletia bastante um pensamento de época de superioridade racial europeia. Ele acreditava que a fauna da América Latina seria um exemplo de degeneração. Seria depauperada pela miscigenação. Foi combatido pelo naturalista baiano Emílio Joaquim da Silva Maia (1808–1859), do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que demonstrou que cada local de origem tem suas particularidades. Nada de degeneração ou superioridade. Ao contrário de Buffon, Silva Maia acreditava em mais de um centro de origem (i.e., poligenismo) em vários pontos da superfície terrestre (i.e., politopismo). Cada espécie seria a “impressão digital” de onde surgiu. E ser nativo tem seu real valor: a identidade. Buffon acertou quanto ao fato das mudanças das espécies ocorrerem ao longo do espaço geográfico ou devido ao isolamento, mas errou na crença da existência de um centro de origem e na degeneração das espécies ao longo do tempo e no espaço. Muito tempo depois, a sua ideia de um centro de origem no Hemisfério Norte e a dispersão centrífuga das espécies para latitudes mais baixas ficou conhecida como Efeito Sherwin-Williams, uma alusão à propaganda e ao logotipo da famosa indústria americana (Figura 1 C). Figura 1C. Propaganda da indústria americana Sherwin Williams de materiais de construção. Retirado de: http://ehscareers.com/company/the-sherwin-williams-company-550039 Então, pela Lei de Buffon, padrões de distribuição à longa distância fogem de uma explicação simples por determinismo ecológico. De fato, considere a vegetação de terras baixas tropicais da América do Sul, da África e do Sudeste Asiático (e.g., cerrado, na América do Sul, e savana, na África). Apesar de haver entre as áreas geográficas muitas semelhanças climáticas e fisiográficas, os táxons que ocupam nichos ecológicos similares (i.e., equivalentes ecológicos) não são os mesmos. Tomemos como exemplo o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), o porco-formigueiro (oricteropo ou aardvark, Orycteropus afer) e o escamoso pangolim javanês (e.g., Manis javanica) (Figura 2C). O primeiro é mamífero sul-americano, o segundo é africano e o último, do Sudeste Asiático. Todos eles possuem focinho, língua e patas com marcantes semelhanças morfológicas e funcionais. E entre os itens alimentares mais consumidos estão formigas e cupins. No entanto, não são dos mesmos grupos taxonômicos e tampouco intimamente relacionados filogeneticamente. O tamanduá-bandeira é um Edentata, o porco-formigueiro é um Tubulidentata e o pangolim, um Pholidota. Dentro do contexto evolutivo, todos foram moldados progressivamente pela ação da seleção natural adquirindo aspectos adaptativos convergentes. A lei de Buffon no contexto da teoria de evolução de Darwin passou a estar associada ao conceito de especiação geográfica ou alopátrica. Figura 2C. A. Tamanduá-bandeira (retirado de: https://pixabay.com/pt/tamandu%C3%A1- bandeira-animal selvagem-1200160/); B. Porco-formigueiro (oricteropo ou aardvark) (retirado de: http://www.oilproject.org/lezione/animali-insettivori-pipistrelli-vampiri- chirotteri-insetti-folidoti-pangolino-ricci-8326.html); C. Pangolim javanês (retirado de: http://wachidhyde.blogspot.com.br/2011/04/javan-trenggiling-pangolin-manis.html). Nota: veja também estes mamíferos em ação em: http://wachidhyde.blogspot.com.br/2011/04/javan-trenggiling-pangolin-manis.html https://pixabay.com/pt/tamandu%C3%A1-bandeira-animal https://pixabay.com/pt/tamandu%C3%A1-bandeira-animal a) tamanduá https://www.youtube.com/watch?v=C_u1H82nbls b) porco-formigueiro (oricteropo ou aardvark) https://www.youtube.com/watch?v=cIRGGG8bvQk c) pangolim javanês https://www.youtube.com/watch?v=b0ELeCULG5A Uma distribuição geográfica congruente sugere causas históricas, ligadas à história geológica da área: as espécies se originaram lá ou vieram de outro lugar e foram parar lá. No primeiro caso, houve especiação in situ, na própria “pátria” dos ancestrais. No segundo caso, houve dispersão e colonização de componentes vindos de outro lugar. As CAUSAS HISTÓRICAS podem ser: BIÓTICAS ABIÓTICAS As principais causas BIÓTICAS são: i) DISPERSÃO SALTATÓRIA – assume-se que uma (ou mais) espécie(s) ancestral(is) surge(m) numa área restrita da superfície terrestre (i.e., centro de origem) e passa(m) a exibir uma rota de dispersão (coincidente ou não com a de outras espécies) e, com a transposição de barreiras preexistentes (ecológicas, fisiográficas ou climáticas), alcança(m) a atual área e lá, podendo ou não se diferenciar em nova(s) espécie(s). A barreira é de idade mais antiga que a das áreas ocupadas pelas linhagens evolutivas separadas por ela. Sendo assim, uma biota seria o produto de histórias particulares e convergentes de suas espécies componentes (Figura 3C). Esta explicação racional e intuitiva era utilizada para padrões de distribuição em escala global até a década de 1960. Um dos motivos para tal seria a aceitação generalizada do conceito de espaço absoluto, ou seja, para os antigos cientistas, os continentes sempre estiveram nas mesmas posições, estáticos ao longo da história da Terra. O máximo admitido era que, em períodos em que o mar invadiu ou recuou dos continentes, formaram-se ou desfizeram-se pontes de terra, possibilitando ou não a dispersão. A hipótese da deriva dos continentes era somente uma especulação. Somente a partir da década de 1960, a teoria da deriva continental por tectônica de placas se assentou como o paradigma das geociências (Figura 4C). A dispersão saltatória é um evento aleatório e esporádico e, na maioria das vezes, pouco provável, já que exige uma combinação muito particular de fatores. Só é admitida em última instância (q.v.). https://www.youtube.com/watch?v=cIRGGG8bvQk Figura 3C. Dispersão saltatória assumida na história dos grandes grupos de peixes de água doce. Ela se sustenta bem dentro de um contexto de espaço absoluto, no qual os continentes se comportam de maneira estática ao longo do tempo geológico. Atualmente aimportância da dispersão saltatória foi minimizada em comparação com a geodispersão e a vicariância como causas de padrões à longa distância. (Mod. Darlington Jr., 1957). Figura 4C. Configuração dos continentes ao longo da história da Terra nos moldes da teoria da deriva continental por tectônica de placas. Ela está adequada ao contexto de espaço relativo, admitindo-se mudanças consideráveis de posição das massas continentais. Note a maior compactação continental na Pangea e a fragmentação progressiva dos blocos até alcançar a configuração atual que se vê nos mapas. O deslocamento dos blocos e a ocupação de diferentes latitudes e longitudes, está associada com mudanças climáticas, oceanográficas, atmosféricas, geomorfológicas e na própria composição das biotas. Nesse contexto, várias espécies surgiram adaptadas às novas circunstâncias e outras, mal-sucedidas, se extinguiram. ii) GEODISPERSÃO – na ausência de uma barreira (Figura 6C), seja ela ecológica, geográfica ou climática, uma linhagem evolutiva (i.e., população ou táxon) tende a se expandir progressivamente no espaço geográfico até alcançar uma barreira efetiva que lhe impede o avanço. Táxons pode então expandir em conjunto suas áreas de distribuição diante da ineficácia da barreira. É a forma de dispersão mais lógica e que melhor se enquadra no contexto de espaço relativo (Figura 6C), com quebras e junções de massas continentais, em oposição ao obsoleto espaço absoluto. A geodispersão pode levar a padrões de distribuição congruentes, invocando causa comum. Figura 5C. Grandes barreiras geográficas globais e circulação oceânica. Note a associação das cadeias de montanhas, ventos e correntes marinhas na formação de grandes desertos que, por sua vez, contribuem como limites entre a maioria das grandes regiões biogeográficas continentais. Modificado de O Mundo em que Vivemos (1974). iii) VICARIÂNCIA (do latim vicarius, aquele que substitui outro naquele lugar) – É a quebra na continuidade espacial de qualquer agrupamento de organismos (i.e., linhagem evolutiva, biota) pelo aparecimento de uma barreira eficiente. Note que a barreira é da mesma idade que os dois conjuntos de organismos separados por ela (Figuras 6C e 7C). Este processo está associado com a especiação geográfica (=alopátrica), uma vez que possibilita o isolamento geográfico e consequentemente, a diferenciação e divergência genética das populações separadas até formarem novas espécies. Por evento de vicariância entende-se toda e qualquer causa do rompimento da continuidade espacial. Constituem eventos de vicariância: a) um rio ou um lago; b) um cinturão climático; c) uma bacia oceânica; d) um braço de mar; e) uma cadeia de montanha Figura 6C. Geodispersão e vicariância. Note a expansão progressiva da área de distribuição de uma linhagem evolutiva (a-b) até um ponto em que se estabiliza no espaço geográfico. É a geodispersão. Neste contexto, vários componentes da biota (i.e., diferentes linhagens) podem ter história congruente devido às mesmas facilidades. Uma vez atingida uma barreira que lhes impedem o avanço, os componentes da biota ficam então a mercê de fatores que levam a fragmentação da área. É a vicariância. No caso da figura (c), nota-se o aparecimento de uma cadeia de montanhas promovendo a separação de uma linhagem evolutiva (A) em duas subunidades (A’ e A’’). Elevações ou abaixamentos do nível do mar podem gerar eventos de vicariância. Considere uma ilha não vulcânica próxima do continente, como no caso da Ilha Grande em relação à costa do Rio de Janeiro. Na atualidade, está isolada do continente e nos leva a crer que a sua biota poderia ser melhor explicada por dispersão saltatória e colonização a partir do continente (i.e., área fonte), transpondo o braço-de-mar. Mas, o que dizer se a geologia nos mostrasse que em passado remoto ela era uma extensão do próprio continente? Haveria outra forma de explicação. Durante o período de conexão houve geodispersão de componentes da biota. Com a elevação do nível do mar em passado recente houve a separação das biotas insular e continental. Houve vicariância. Se isto ocorreu não faria sentido explicar a colonização da ilha através de um modelo que pressupõe somente dispersão saltatória e que proíbe a vicariância. A dispersão saltatória (Figura 4C) pode ser invocada nos casos em que a divergência genética entre as populações de determinada espécie tanto no continente quanto na ilha forem mínimas. Mesmo assim, trata-se de história particular a determinado táxon e não história compartilhada. O que pode ser um evento de vicariância para uma linhagem evolutiva, pode não ser para outro. Uma barreira para determinado tipo de organismo pode ser uma “ponte” para outro e vice-versa, de modo que, os eventos que proporcionam geodispersão e vicariância estão interligados. Vide a história geológica das Antilhas e da América Central (Figura 8C). Durante o Paleógeno (=Terciário Inferior), faunas marinhas dos oceanos Atlântico e Pacífico estiveram em livre fluxo e o intercâmbio foi alto. Houve geodispersão de vários grupos de organismos. No entanto, a região foi uma barreira eficiente para elementos da fauna terrestre das Américas do Norte e Sul. Com o soerguimento do istmo do Panamá, no Plio-Pleistoceno, o fluxo de animais terrestres foi reestabelecido e o dos organismos marinhos foi interrompido. Para estes últimos foi um evento de vicariância, condenando-os ao isolamento. Figura 7C. Dispersão saltatória e vicariância no contexto da história de uma espécie. Na vicariância a barreira é da mesma idade que as linhagens evolutivas separadas por ela. No caso da dispersão saltatória, a barreira é anterior. Ambas por contribuírem para a cladogênese (=rompimento de uma linhagem), produzem isolamento geográfico e, consequentemente, favorecem à especiação por isolamento geográfico (=alopátrica). (Mod. Colin Patterson, 1981). Figura 8C. Istmo do Panamá no contexto do intercâmbio faunístico no Plio-Pleistoceno. Início: 2.5 Ma. Representantes de 38 gêneros sul-americanos que migraram para o norte via istmo do Panamá. Pouca diversificação depois do intercâmbio. Entre eles: tatus, gliptodontes e preguiças-gigantes. Representantes de 48 gêneros que dispersam da América do Norte para a América do Sul. Houve grande diversificação depois do intercâmbio faunístico. iv) EXTINÇÃO – É o processo evolutivo correspondente ao final de uma linhagem evolutiva (i.e., população, espécie ou táxon superior). É o fim da sua evolução. Com isso, há o fim de parte ou de toda a sua área de distribuição. Todas as espécies, sem exceção, estão condenadas a se extinguir. Quanto à duração, o evento de extinção pode ser: Gradual – pelo desaparecimento progressivo de representantes da linhagem evolutiva nas localidades de ocorrência. Pode ocorrer por perda de habitats. Súbito – causado por algum evento episódico repentino. Ex.: colisão de um grande meteoro. Note que mesmo o impacto sendo súbito, pode ter efeitos duradouros, até a duração de milhões de anos, com mudanças climáticas e na circulação oceânica. Quanto à linhagem evolutiva afetada, a extinção pode ser: Populacional Taxonômica No primeiro caso, na maioria das vezes, não há extinção completa do táxon. É a mais comum, pode levar à redução na abundância de indivíduos ou nas dimensões da área de distribuição (Figura 9C). Mas há chance de recuperação ou perpetuação, pois há representantes sobreviventes em outras localidades. A recuperação por influência antrópica pode estar a cargo de reflorestamentos, reposição de elementos da fauna ou despoluição de rios e lagos. A extinção populacional pode ter várias causas naturais (e.g., incêndios, doenças, carência de recursos, desertificação). No caso de extinção taxonômica, que afeta espéciese táxons superiores, o problema é mais grave, pois a perda total é irrecuperável. Os casos mais drásticos de extinção taxonômica são aqueles relacionados às extinções em massa. Levaram ao fim de vários táxons em curto ou longo tempo na história da Terra. Em escala global, atingiram grandes áreas geográficas. As causas levantadas são diversas e. muitas vezes, controversas. Vão desde o impacto causado pela colisão de asteroides, erupções vulcânicas intensas e duradouras, com despejo de lençóis de magma e liberação gases tóxicos para a atmosfera e em águas oceânicas, e mudanças no nível do mar. Dos quinze eventos de extinção em massa que ocorreram nos últimos 570 Ma, cinco se destacam como grandes, com eliminação de mais de 50% das espécies então viventes (Figuras 10C e 11C). O mais famoso desses eventos ocorreu c. 65 Ma, na transição Cretáceo-Paleógeno (Figura 11C), e marca a transição entre o Mesozoico e o Cenozoico. Mais de 50% dos animais pereceram. Determinou o fim dos grandes dinossauros, que reinaram na Terra por mais de 150 Ma, e dos moluscos amonoides que dominavam os oceanos. Contudo, não foi na transição Cretáceo-Paleógeno que ocorreu o maior dos eventos de extinção em massa da história do nosso planeta. O mais dramático evento – a mãe de todos os eventos de extinção - ocorreu do final do Permiano ao início do Triássico (c. 254-248 Ma), marcando a transição entre Paleozoico-Mesozoico. Determinou o fim de mais de 90% das espécies. Não houve grande colisão de impacto mas, em compensação, ocorreu uma combinação terrível de fatores, entre eles, intenso vulcanismo na região da Sibéria que causou fluxo contínuo de lava e emissão de gases tóxicos, altos índices de metano na atmosfera, acidificação e depleção de oxigênio nos mares, ampla proliferação de bactérias e eliminação acentuada de gás sulfídrico, desertificação no interior de blocos continentais, redução da área periférica costeira responsável pela formação habitats marinhos. Entre grupos de animais que se extinguiram estavam trilobitas, braquiópodes, euripterídeos (“escorpiões- marinhos”), acantódios e vários peixes actinopterígios. Figura 9C. Distribuição geográfica do lobo (Canis lupus) na Europa em 1990 (A), e na Itália entre 1900 e 1985 (B). Note que na Itália a área de distribuição diminuiu gradualmente, evidenciando extinção populacional em várias localidades. No entanto, a espécie continua a existir, mesmo depauperada e ameaçada de extinção. (Mod. Zunino & Zullini, 2003). As causas das extinções quanto a escala, podem ser: Menor escala: incêndios, competição interespecífica, aumento dos índices de radiação ultravioleta, enfermidades emergentes (e.g., viroses), ação antrópica (e.g., introdução de novas espécies e eliminação de resíduos tóxicos no ambiente), alta taxa de predação, e perda (i.e., destruição ou fragmentação) de habitats e micro-habitats. Grande escala: vulcanismo, colisão de grandes meteoritos com a superfície terrestre, mudanças climáticas globais, redução do teor de oxigênio da água do mar e na atmosfera, crescimento geométrico exagerado de microorganismos anaeróbios e eliminação de compostos tóxicos, e aumento de gás metano na atmosfera. Há casos especiais associados ao conceito de extinção: Pseudo- extinção (= extinção filética) – situação na qual a espécie ancestral desaparece no instante em que dá origem às espécies descendentes. Determina o final da anagênese ou evolução filética da espécie ancestral. Mas, por outro lado, as novas espécies são a continuidade do material genético da ancestral, podendo apresentar novidades evolutivas ou ainda, atavismos. Efeito Lázaro - diz-se do caso de uma linhagem evolutiva, considerada extinta no tempo geológico, é redescoberta em outro horizonte de tempo. Ocorre devido ao baixo esforço de coleta de fósseis ou ausência de condições ideais para a fossilização. Vide o caso recente do mamute-lanoso (Mammuthus primigenius), considerado extinto desde o final do Pleistoceno. Foram descobertas carcaças congeladas do Holoceno do norte da Sibéria e do Alasca. Muitas relíquias biogeográficas atuais estão associadas ao Efeito Lázaro (e.g., os répteis tuataras endêmicos da Nova Zelândia). Figura 10C. Os cinco grandes eventos de extinção em massa e suas relações com a configuração dos continentes ao longo da história da Terra. À esquerda, os eventos de extinção acusados com setas vermelhas em relação à quantidade de gêneros de animais. Foram eles: final do Ordoviciano, final do Devoniano, final do Permiano, final do Triássico e final do Cretáceo. À direita, uma sequência mostra a configuração dos continentes, desde uma compacta Rodínia, anterior ao Cambriano, até o Recente. Repare que os períodos de maior crise na biodiversidade coincidem com os continentes condensados em massa única. Figura 11C. Crise na biodiversidade na transição Cretáceo-Paleógeno. A – Fóssil de um amonoide, molusco cefalópode comum nos mares mesozoicos ; B – Interpretação dramática do momento da colisão do imenso asteroide na América do Norte, há 65 Ma. A colisão contribuiu para a extinção dos últimos dinossauros (exceto as Aves!) e pterossauros. O impacto produziu extinção súbita para vários grupos taxonômicos locais. Um imenso maremoto produzido afetou várias áreas distantes do globo terrestre. Uma densa camada de poeira se formou e obstruiu sobremaneira a entrada de radiação solar, culminando com a morte de várias algas e plantas, e afetando a cadeia alimentar. Isso se estendeu por milhões de anos. Fora isso, houve intenso vulcanismo em vários lugares do planeta. Muita lava e gases tóxicos foram eliminados. Houve efeito estufa e redução da taxa de oxigênio na atmosfera e águas oceânicas. As evidências de colisão de asteroide estão na presença de uma camada de irídio em vários lugares do mundo em rochas limite Cretáceo-Paleógeno. Este elemento químico é raro na crosta terrestre e comum em meteoros. Em adição, estruturas particulares como esférulas vítreas e quartzo deformado sustentam que houve o forte impacto. Figura 12C. Algumas vítimas do evento de extinção em massa no intervalo Permiano –Triássico. À esquerda - trilobitas; ao centro – euripterídeos (“escorpiões-marinhos”); à direita – Acantódios. Retirado de http://diariodebiologia.com/2009/12/o-que-e-um- trilobita/ http://www.fossilmall.com/fossils-for-sale/invertebrates/inv10/eurypterus- remipes-for-sale.htm A Evento(s) de extinção pode(m) ocorrer ao longo da extensão da área de distribuição de um táxon, afetando diretamente as populações e produzindo imensas lacunas nos mapas. Dessa forma, a área de distribuição pode se tornar bastante alterada. Por exemplo, considere o padrão de distribuição geográfica atual das antas (Família Tapiridae) (Figura 13C). Encontramos antas no Região Oriental (Sudeste Asiático) e na Região Neotropical (parte da América do Sul e América Central). O padrão é alopátrico. Nota-se um grande hiato entre as áreas de distribuição atuais. Analisando o registro de espécies extintas do grupo, verifica-se que há muitos fósseis em sítios intermediários. Então, o grupo possuía uma distribuição muito ampla e contínua no passado remoto mascarado por eventos pontuais de extinção. Figura 13C. Distribuição atual das antas na região Neotropical e Sudeste Asiático, em preto. Em cinza escuro está representada a região intermediária com fósseis de antas e afins extintas. Modificado de W. George (1963). Em LARGA ESCALA, as principais causas ABIÓTICAS dos padrões biogeográficos são: TECTÔNICA DE PLACAS – Geotectônica; em linhas gerais, mudanças na formação, configuração e destruição de placas tectônicas e seu efeito na distribuição dos seres vivos, isolando (e.g., aparecimento de uma bacia oceânica separando continentes) ou reunindogrupos taxonômicos (e.g., encontro de dois blocos continentais e a formação de uma cadeia de montanhas); soerguimento e afundamento de blocos de falhas geológicas, e efeitos do vulcanismo. EUSTASIA – é a variação global no nível do mar ao longo do tempo geológico. Possibilita invasão (transgressão marinha) do mar no continente ou seu recuo (regressão marinha). Muitas vezes, a impressão de recuo do mar é dada quando há colisão e compactação de massas continentais. Na verdade, é o bloco continental que se eleva bastante acima do nível do mar e não o mar que recua. CLIMA – mudanças climáticas ocorreram ao longo da história da Terra e estão associadas com geotectônica, alterações da posição da Terra na elíptica, correntes marítimas e eustasia. Por exemplo, entre as principais causas levantadas para as oscilações climáticas nas idades do gelo estão as mudanças da órbita terrestre em torno do Sol (=excentricidade), a alteração da movimentação do Sol na Via Láctea, a inclinação da Terra em relação ao plano da sua própria órbita (=obliquidade), a intensidade da atividade solar e produção de manchas solares, a oscilação do eixo terrestre em relação à posição na órbita (=precessão) e a composição atmosférica (Figura 14C). De fato, todas estão inter- relacionadas, atuando em diferentes escalas temporais e espaciais. As mudanças eustáticas, muitas vezes, estão associadas com eventos climáticos globais, tais como: Glaciação – avanço das calotas polares sobre os blocos continentais em direção a latitudes baixas (em direção à linha do Equador); consequente abaixamento do nível do mar, de forma que o clima global passa a ser mais frio e seco. Interglaciação – recuo das geleiras e mudança global do clima, que passa a ser mais quente e úmido, pelo menos nos trópicos, em associação com elevação do nível do mar. Figura 14C. Oscilações climáticas nos últimos 500 mil anos, relacionadas com excentricidade, obliquidade e precessão. OCEANOGRAFIA – mudanças na circulação oceânica devido a separação e colisão de continentes, alterações na topografia do fundo das bacias oceânicas em associação com mudanças nos parâmetros abióticos (i.e., taxa de salinidade, variação de temperatura). Em PEQUENA ESCALA, os principais fatores abióticos que contribuem para as mudanças das áreas de distribuição são: i) Incêndios naturais ii) Erupções vulcânicas iii) Inundações iv) Tufões, tornados e furacões v) Influência antrópica MOBILISMO, IMOBILISMO, GEODISPERSÃO E VICARIÇANCIA O geógrafo árabe Abu Al-Rayhan Mohammed ben Ahmad Al-Biruni (937- 1050 d.C.) indicou que, a princípio, a maioria das espécies de animais tende a expandir suas áreas de distribuição e a ocupar a maior extensão possível, alcançando uma condição de cosmopolitismo relativo. Portanto, ele teria sido o primeiro a tratar de geodispersão. Mais tarde, adotando esta perspectiva, coube ao biogeógrafo León Croizat apontar que a história biogeográfica de linhagens evolutivas poderia ser resumida em duas fases (Figura 15C): i) Mobilismo – na qual as entidades biológicas se expandem o máximo possível e aumentam em número no espaço geográfico tendo em vista as condições ecológicas favoráveis devido a falta ou ineficácia de barreiras preexistentes até alcançar certos limites impostos por barreiras eficientes. Nesta fase, predomina a geodispersão. A área funciona como elemento estático e os organismos, os elementos dinâmicos. ii) Imobilismo – uma vez alcançado o cosmopolitismo para a área em questão, a distribuição se estabiliza. Nesta situação a área de distribuição estará sujeita a alterações na sua estrutura e composição que levariam a sua fragmentação ou decomposição. Neste caso, o processo predominante é a vicariância e as mudanças de clima, tectônica e eustasia estariam entre os principais eventos vicariantes. Figura 15C. Dinâmica da área de distribuição mostrando a expansão (geodispersão) de população ou táxon no espaço geográfico na fase de mobilismo (a-c) e a atuação de um evento vicariante eficiente na fase de imobilismo (d-e). Modificado de Juan J. Morrone (2011). MIGRAÇÕES A migração é um fenômeno populacional e, em geral, obedece a uma dinâmica cíclica e regular. Uma característica da migração é que a área de reprodução não se amplia substancialmente. Migrações sazonais regulares são comumente verificadas no contexto de muitas espécies, particularmente de aves, como no caso do deslocamento para regiões mais favoráveis (quentes) em certa época do ano para fugir do clima frio e inóspito do rigoroso inverno. Mas, há casos de migrações irregulares, promovidas por causas muito diversas. Entre elas: i) Abundância ocasional de recursos alimentares; ii) Precipitações irregulares; iii) Inundações esporádicas; Por emigração entende-se a saída de elementos populacionais de uma região para outra. Já imigração é a entrada de novos elementos na população. Há mecanismos ativos e passivos de dispersão individual que contribuem para as migrações. No caso das plantas que se propagam por mecanismo passivo falamos de: i) Autocoria – no caso de esporos ou propágulos móveis serem disseminados pela planta na época de reprodução. Em geral, os elementos reprodutivos caem e se espalham em decorrência do próprio peso (daí usarmos também, neste caso, o termo barocoria); ii) Alocoria - no caso da distribuição passiva das sementes, frutos ou esporos ser feita por meios externos. Muitos organismos se valem de correntes d’água para se propagarem. É o que chamamos hidrocoria. No caso do uso do vento, usa-se anemocoria e se for realizado por outro organismo qualquer, biocoria. Especificamente, quando o homem é responsável pelo transporte fala-se de androcoria. Na história da vida de muitas espécies de peixes ocorre migração regular da água doce para o mar para com a finalidade de reprodução, como no caso das lampreias. Estas espécies são ditas catádromas. Algumas espécies realizam migração no sentido contrário, como no caso do salmão (Figura 16C), que migra do mar para as cabeceiras dos rios para desovar. São ditas anádromas. Há ainda espécies que seguem em ambas as direções ao longo de seu ciclo vital – as anfídromas. Figura 16C. Salmão. Modificado de M.E. Bloch (1782). Muitas espécies migratórias apresentam lares de alimentação e de reprodução bem distintos. No primeiro caso, também chamado de berçário (=nursey ground), bastante comum na história da vida de vários peixes, é o local onde pós-larvas e juvenis se alimentam e crescem acumulando gordura até serem incorporados ao estoque (i.e., uma população vulnerável à pesca). Normalmente ocorre na parte baixa de um rio ou em estuário. O lar de reprodução é o local onde ocorre a desova dos peixes que realizam migrações. Normalmente ocorre nas partes altas dos rios (i.e., próximo das cabeceiras) para muitas espécies anádromas. Em ambiente marinho, tridimensional, além das migrações “horizontais”, há espécies que realizam diariamente deslocamentos ou migrações “verticais”, de zonas profundas para a superfície, com a finalidade de obter alimento. É o caso dos peixes-laterna (Figura 17C) que durante o dia permanecem em águas profundas, se aventurando de noite, próximo da superfície, à procura de alimento no plâncton. Figura 17C. Peixe-lanterna. Modificado de Migdalski & Fichter (1983).