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Ferdinand de Saussure e o objeto da linguística

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1 
 
FERDINAND DE SAUSSURE E O OBJETO DA LINGUÍSTICA 
 
Neila Barbosa de Oliveira Bornemann
1
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Considerando os estudos de Ferdinand de Saussure quando afirma que “a 
língua é o palco de fenômenos relevantes” (ELG 2002, p. 241) compreendemos a 
importância da constatação quanto à inexistência de sociedade sem linguagem, 
portanto não há sociedade sem comunicação, pois esta se utiliza das diversas 
manifestações de linguagem para interagir com o outro e com todos os elementos 
que a rodeiam, além disso promove a conexão entre sociedades por meio da 
interação linguística para a realização e manifestação de sua cultura e história. 
Como um marcador de águas na história da linguística, Ferdinand de 
Saussure foi o estudioso que buscou definir um objeto de estudo, o que ainda não 
havia sido preocupação e objetivo de outro estudioso; ocasionando, assim, a 
fundação de uma ciência autônoma e independente de outros estudos, embora, 
conforme o mestre “a linguística tem relações bastante estreitas com outras 
ciências, que tanto lhe pegam emprestados como lhe fornecem dados. Os limites 
que a separam de outras ciências não aparecem sempre nitidamente” (CLG 2006, p. 
13). 
Porém, definir um objeto é um processo bastante complexo e, por isso, 
implica ultrapassar muitos desafios para estabelecer uma ciência, nessa perspectiva 
ao comentar que a linguagem tem um lado individual e um lado social, Saussure 
(CLG 2006, p.16) evidencia que: 
 
Dessarte, qualquer que seja o lado por que se aborda a questão, em 
nenhuma parte se nos oferece integral o objeto da Lingüística. 
Sempre encontraremos o dilema: ou nos aplicamos a um lado apenas 
 
1
 Especialista em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa, pela UNIC e Mestranda do Programa de 
Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Mato Grosso- UFMT. E-mail: neilabarbosa@ufmt.br 
 
2 
 
de cada problema e nos arriscamos a não perceber as dualidades 
assinaladas acima, ou, se estudarmos a linguagem sob vários 
aspectos ao mesmo tempo, o objeto da Lingüística nos aparecerá 
como um aglomerado confuso de coisas heteróclitas, sem liame entre 
si. 
 
 
É inegável que as contribuições deixadas por Saussure, as quais nortearam 
os estudos linguísticos como, ainda, ocorre na atualidade, é de uma profundidade 
inquestionável que nos faz encontrar em dificuldade para selecionar um conceito 
discutível nesse estudo, pois todos são de grande relevância e possuem perfeita 
conexão entre si. 
Por isso, entre as principais dicotomias abordadas em seus estudos, como: 
semiologia/linguística, signo: significante/significado, arbitrariedade/linearidade, 
linguagem: língua/fala, sincronia/diacronia, sintagma/paradigma, entre outras, temos 
por finalidade nortear nosso estudo partindo dos conceitos envolvendo uma dessas 
dicotomias deixadas por ele, que se trata, nesse caso, de abordar a relação entre 
língua (Lange) e fala (parole) para iniciar nossas reflexões. 
Nossa empreitada, inicialmente, consiste em expor as abordagens da 
dicotomia escolhida, de acordo com as explicitações apresentadas no Curso de 
lingüística geral – CLG, juntamente com as considerações abordadas por Saussure 
em seus manuscritos originais, expostos no livro Escritos de Linguística Geral-ELG, 
quando defende a dupla essência da linguagem. 
Posterior à exploração dessas considerações comparativas entre as duas 
obras: CLG e ELG, relacionamos as considerações do linguista sobre o objeto e a 
influência contributiva no caráter de mudança e evolução da língua. 
Nessa perspectiva, almeja-se verificar as possíveis contradições existentes 
entre as referidas obras no que tange à dicotomia língua (langue) e fala (parole), 
bem como verificar como o “pai da linguística” relaciona sua concepção dos objetos 
da linguística ao caráter de evolução da língua como peculiaridade. 
 
CURSO DE LINGUÍSTICA GERAL X AUTORIA DA OBRA 
 
O Curso de lingüística Geral-CLG representa a obra que inaugurou a ciência 
Lingüística. O que vem sendo questionado por vários críticos, entre tantos itens, 
trata-se da deformação envolvendo a autoria dessa obra. 
3 
 
De início, somos levados a considerar que é uma obra póstuma, pois esta foi 
publicada em 1916, 3 anos após a morte de Ferdinand Saussure, a qual historiou 
uma marca fundadora da linguística e das ciências humanas. 
Porém, entre os tópicos polêmicos envolvendo a organização e conteúdo 
dessa obra está o fato dos organizadores que reescreveram e organizaram a 
mesma terem apresentado o livro como de autoria do próprio Saussure. 
Contrariando isso, é preciso considerar que o estudioso não é autor da obra, 
simplesmente foi o professor que tratou da lingüística em seus três cursos 
ministrados em Genebra. Por essa razão são questionáveis várias concepções 
expostas na obra quando comparada com os manuscritos originais de F. de 
Saussure. 
Essa obra é resultado de anotações sobre três cursos ministrados por F. de 
Saussure na Universidade de Genebra entre os anos de 1907 a 1911: 1º curso 
(1907), 2º curso (1908/1909) e 3º curso (1910/1911). Entretanto, esses 
apontamentos não correspondem às anotações feitas por Saussure, mas de um dos 
alunos que frequentaram o curso. Essas anotações serviram de base para a 
organização da obra feita por Charles Bally e Albert Sechehaye, os quais não 
participaram de nenhum dos cursos. 
Ainda perduram confusão e dúvida quanto à diferença entre as abordagens 
apresentadas no CLG e nos manuscritos originais do linguista. Por essa razão, 
Conforme a crítica de Simon Bouquet, 
 
Charles Bally e Albert Sechehaye possuem nesse caso uma dupla 
responsabilidade: a de ter produzido a obra mais marcante da 
linguística no século XX – o que a princípio não deveria ser objeto de 
crítica – mas também a de ter impedido por um longo tempo o acesso 
a um pensamento original (BOUQUET, 2009, p. 162). 
 
 
 É importante ressaltar que logo no prefácio os editores esclarecem a 
metodologia empregada na confecção da obra, pois assumem terem sido 
decepcionados quando foram em busca dos manuscritos originais de Saussure e 
constataram que ele ia destruindo os esboços de suas exposições e por isso 
esclarecem que “cumpria, pois recorrer às anotações feitas pelos estudantes ao 
longo dessas três séries de conferências” (BALLY, SECHEHAYE, CLG 2006, p.2). 
4 
 
Por isso consideraram que “publicar tudo na sua forma original era impossível (CLG, 
2006, p.2). Afirmam, ainda, que: 
 
Foi-nos sugerido que reproduzíssemos fielmente certos trechos, 
particularmente originais; tal idéia nos agradou, a princípio, mas logo 
se evidenciou que prejudicaria o pensamento de nosso mestre se 
apresentássemos apenas fragmentos de uma construção cujo valor só 
aparece no conjunto. Decidimo-nos por uma solução mais audaciosa, 
mas também, acreditamos mais racional: tentar uma reconstituição, 
uma síntese, com base no terceiro curso, utilizando todos os materiais 
de que dispúnhamos , inclusive as notas de F. de Saussure (CLG, 
2006, p.3). 
 
 Foi dessa tentativa de assimilação e reconstituição que originou o livro em 
1916. Mas cabe um questionamento nessa citação acima: se consideraram 
prejudicial publicar trechos originais de Saussure, por que uma reconstituição 
recheada de subjetividades em relação às considerações do mestre em suas aulas 
não seria prejudicial? É contraditório e inaceitável afirmarem que “Não nos parece 
que essas lacunas prejudiquem a arquitetura geral” (CLG, 2006, p.4). 
 Enfim, com a descoberta de documentos originais em 1996 em um hotel da 
família de Saussure em Genebra, os quais serviram de estímulos para acontinuação de trabalhos envolvendo o pensamento do lingüista, mas, dessa vez, 
baseando-se nos manuscritos deixados pelo professor genebrino é que surgiram 
toda a revolução e proposta de análises comparativas das idéias expressas no 
Curso de linguística Geral-CLG e as dos manuscritos, as quais se encontram 
editadas no livro Escritos de linguística geral-ELG. 
 Cabe-nos observar que se trata de uma impossibilidade de não haver 
deformação das idéias de Saussure, tendo em vista que o curso era por meio oral e 
nesse momento é que, ao vivo, os discípulos coletavam informações para 
registrarem, conforme sua interpretação e entendimento, os conceitos abordados. 
Além disso, a organização da obra foi realizada por dois alunos que declarara 
nenhum ter participado das aulas de Saussure somando-se à informação de que ele 
não estava satisfeito com o desenvolvimento da matéria, pois “tinha de incluir 
matéria ligada às línguas indo-européias por necessidade de obedecer ao programa” 
(CLG 2006, Prefácio, p.XVII). Por essa razão, também fica evidente que nem em 
suas aulas Saussure pôde expor suas idéias inovadoras na área da linguagem, 
5 
 
tendo em vista que se sentia pressionado a adequá-las às exigências do programa, 
conforme é possível observar no que ele diz a L. Gautier: 
 
 “Vejo-me diante de um dilema: ou expor o assunto em toda sua 
complexidade e confessar todas as minhas dúvidas, o que não pode 
convir para um curso que deve ser matéria de exame, ou fazer algo 
simplificado, melhor adaptado a um auditório de estudantes que não 
são lingüistas. Mas a cada passo me vejo retido por escrúpulos.” 
(CLG, 2006, XVIII). 
 
Portanto, é com base nessas duas obras: CLG e ELG, que pretendemos 
observar as principais contradições envolvendo o pensamento de Saussure no que 
se refere às considerações acerca do objeto da lingüística, que será a abordagem 
da próxima seção. 
 
CLG X ELG – CONSIDERAÇÕES ACERCA DO OBJETO DA 
LINGUÍSTICA 
 
No CLG, a divergência mais marcante que podemos observar refere-se à 
própria definição acerca do objeto da linguística. Afirma-se que ele defendeu apenas 
a língua como objeto, porém em seus manuscritos originais ele trata da dupla 
essência da linguagem, onde defende que é inseparável a dualidade língua/fala, não 
excluindo, portanto, o discurso/fala em suas considerações acerca da linguagem, 
pois afirma que “a língua só é criada em vista do discurso” (SAUSSURE, In: ELG, 
2002, p. 235). 
A parte que acusa essa delimitação e criação de caráter conclusivo das 
considerações de Saussure encontram-se registradas nas últimas palavras do curso, 
onde os editores deixaram explícito que: 
Das incursões que acabamos de fazer nos domínios limítrofes de 
nossa ciência, se depreende um ensinamento inteiramente negativo, 
mas tanto mais interessante quanto concorda com a idéia fundamental 
deste curso: a Linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua 
considerada em si mesma e por si mesma (CLG, p. 271). 
 
 
6 
 
 Ao contrário dessa afirmação que aparece no CLG, Saussure nos esclarece 
em seus manuscritos dizendo: 
 
a linguística, eu ouso dizer, é vasta. Em especial ela comporta duas 
partes: uma que está mais perto da língua, depósito passivo, outra 
que está mais perto da fala, força ativa e verdadeira origem dos 
fenômenos que logo se avista, pouco a pouco na outra metade da 
linguagem (SAUSSURE, In: ELG, 2002, p. 232). 
 
 Contrapondo essa passagem temos no CLG uma delimitação atribuindo 
diferentes graus de importância entre língua e fala, conforme podemos observar a 
seguir: 
 
Como outorgar à ciência da língua seu verdadeiro lugar no conjunto 
do estudo da linguagem, situamos ao mesmo tempo toda a lingüística. 
Todos os outros elementos da linguagem que constituem a fala, vêm 
por si mesmos subordinar-se a esta primeira ciência e é graças a tal 
subordinação que todas a partes da Linguística encontram seu lugar 
natural (grifos nossos), (CLG, 2006 p. 26) 
 
 Na sequêcia do mesmo capítulo IV – Linguística de língua e Linguística da 
fala, a edição apresenta outra proposição semelhante: 
 
O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma, 
essencial, tem por objeto a língua, que é social em sua essência e 
independente do indivíduo; esse estudo é unicamente psíquico; outra 
secundária tem por objeto a parte individual da linguagem, vale dizer a 
fala, inclusive a fonação e é psico-física (grifos nossos), (CLG, 2006, 
p. 27) 
 
Nessa perspectiva, os editores buscaram apresentar o pensamento de 
Saussure como se tivesse um caráter pronto e acabado, porém em seus 
manuscritos evidencia-se construções demonstrando inclusibilidade de seu 
pensamento e suas frequentes dúvidas questionadoras sobre a linguagem, o que 
podemos ratificar no seguinte trecho: “A língua só é criada em vista do discurso, mas 
o que separa o discurso da língua ou o que, em dado momento, permite dizer que a 
língua entra em ação no discurso?” (SAUSSURE, In: ELG, 2002, p. 236). 
Saussure considera, ainda, em seus manuscritos que: 
 
língua e linguagem são apenas uma mesma coisa: uma é a 
generalização da outra. Querer estudar a linguagem sem se dar ao 
trabalho de estudar suas diversas manifestações que, evidentemente, 
7 
 
são as línguas, é uma empreitada absolutamente inútil e quimérica 
(ELG, p. 128). 
 
 
 Com relação à citação sobre as diversas manifestações de linguagem, 
reafirma-se que ele não pretendia excluir de seus estudos o sujeito falante, 
conseqüentemente a história, pois em sua concepção “a língua não é um organismo, 
ela não é uma vegetação que existe independente do homem, ela não tem uma vida 
que implique um nascimento e uma morte” (ELG, 2002, p. 135). 
Resumidamente, o que podemos considerar a respeito da abordagem desse 
capítulo III- Objeto da lingüística é que este apresenta algumas características 
referentes à ambas. Com relação à língua, esta “é, ao mesmo tempo, um produto 
social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias 
adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” 
(CLG, 2006, p. 17). Além disso, 
 
Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em todos os 
indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical 
que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos 
cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa 
em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo. (CLG 2006, 
p.21) 
 
Por outro lado, Com relação à fala, o CLG expõe “A parte psíquica não entra 
tampouco totalmente em jogo: o lado executivo fica de fora, pois a sua execução 
jamais é feita pela massa; é sempre individual e dela o indivíduo é sempre senhor; 
nós a chamaremos fala (parole), (CLG, 2006, p. 23). 
Por, fim, o texto do CLG traz a afirmação de que “a língua distinta da fala é 
um objeto que se pode estudar separadamente. E por isso, “a língua não menos que 
a fala, é um objeto de natureza concreta, o que oferece grande vantagem para o seu 
estudo” (CLG, 2006, p.22 e 23). 
 Outro ponto que merece nosso apontamento diz respeito às considerações do 
mestre sobre suas considerações acerca da história. Muitos críticos julgam-no com o 
argumento de que ele excluiu de seus estudos a história. Mas o contrário podemos 
observar em suas palavras, a seguir: “quanto mais se estuda a língua, mais se 
chega a compreender que tudo na língua é história, ou seja, que ela é objeto de 
análise histórica e não de análise abstrata” (ELG, 2002, p. 131). No parágrafo 
seguinte continua... 
8 
 
 
Uma primeira maneira, um pouco superficial, de entender que a 
linguística é uma ciência histórica, é a que consiste emobservar que 
não se conhece completamente um povo sem conhecer sua língua ou 
ter dela alguma idéia (ELG, 2002, p. 131). 
 
 Dessa forma, percebemos que essas afirmações se contradizem com as 
idéias de Saussure, pois para ele a língua deve ser analisada sincronicamente, pois 
dessa forma já se observa a história presente na língua, sem desprezar as 
mudanças que ocorreram no decorrer do tempo. Para ele na análise sincrônica 
(Observação da língua em um determinado período histórico), já está incorporada a 
diacronia (análise da língua através dos tempos), pois considerava pouco produtivo 
fazer um levantamento histórico de todo o processo evolutivo. 
 
LINGUÍSTICA DA LÍNGUA OU LINGUÍSTICA DA FALA: QUAL 
DELAS É RESPONSÁVEL PELA EVOLUÇÃO? 
 
Ferdinand de Saussure, além de não ter excluído a fala/discurso de suas 
considerações acerca da linguagem, evidenciou que é por meio da fala que estão 
ligadas as possibilidades de mudanças na língua, conceito que também foi 
explorado em seus manuscritos, conforme veremos nesta seção. 
Como acreditar que Saussure classificou a fala como a parte secundária da 
linguagem diante de uma afirmação como esta: 
 
Todas as modificações, sejam fonéticas, sejam gramaticais 
(analógicas), se fazem exclusivamente no discurso. Não há nenhum 
momento em que o sujeito submeta a uma revisão o tesouro mental 
da língua que ele tem em si, e crie de espírito descansado, formas 
novas (...).Toda inovação chega de improviso, ao falar, e penetra, daí, 
no tesouro íntimo do ouvinte ou do orador, mas se produz, portanto, a 
propósito de uma linguagem discursiva (SAUSSURE, In: ELG 2002, p. 
87). 
 
 O linguísta defendeu que a língua por circular entre os homens é social e se 
realizasse uma abstração da mesma dessa condição, por exemplo, se propusesse 
a se divertir escrevendo uma língua me seu escritório, nada do que diria sobre a 
língua seria verdadeiro. 
9 
 
Seguindo essa abordagem em defesa da importância da fala/discurso, ele 
explica que é necessário considerar “que toda língua começa a penetrar em nosso 
espírito através do discurso” (SAUSSURE, In: ELG 2002, p. 105). 
Sobre essa questão, seus discípulos reservaram um trecho no CLG para 
esboçar reconhecimento de que “ a língua é necessária para que fala seja inteligível 
e produza todos os seus efeitos, mas esta é necessária para que a língua se 
estabeleça; historicamente, o fato da fala vem sempre antes” (CLG, 2006, p. 27). 
Pontuam, ainda, que só aprendemos a língua materna ouvindo, pois só após 
inúmeras experiências ela se deposita em nosso cérebro e admitem que “Enfim, é a 
fala que faz evoluir a língua: são as impressões recebidas ao ouvir os outros que 
modificam nossos hábitos linguísticos” (CLG, 2006, p. 27). 
Saussure considera em seus manuscritos que “a modificação no tempo 
corresponde sempre, simultaneamente, uma diversificação no espaço” (ELG, 2002, 
p. 267). Para ele, “toda evolução, que é uma das grandes partes da lingüística , é 
evocada”(2002, p. 253). Assim, sempre que se refere à mudança implica em 
observar tempo decorrido; “ora basta refletir para ver que essas diferenças são 
ocasionadas pelo tempo” (ELG, 2002, p.251). 
O autor dos manuscritos relata uma pequena comparação em relação à 
língua. Explica que ela não é como um barco no estaleiro, mas como um barco 
lançado ao mar e “desde o instante em que ele tem contato com o mar, é inútil 
pensar que é possível prever seu curso sob o pretexto de que se conhece 
exatamente as estruturas de que ele se compõem” (ELG, 2002, p. 249). Dessa 
forma ele reforça seu pensamento de considerar que a língua vai se transformando 
conforme o espaço em que vai ocupando e de acordo com o tempo. 
Quando o mestre trata da diferença geográfica influenciando na diferença da 
língua ele defende que não devemos imaginar que é o idioma transportado para 
longe que será modificado, enquanto o outro continuará imóvel, mas considera que 
isso ocorrerá com ambos, pois para ele “seria inútil acreditar que se vai estudar a 
particularização do idioma isolado numa ilha: vai-se estudar os dois, um diante do 
outro” (ELG, 2002, p. 250-251). 
Dessa forma, Saussure nos mostra que há diferença entre as línguas que 
estão separadas geograficamente, mas ao questionar sobre o que cria as diferenças 
entre duas línguas, ele revela que “a diferença dita geográfica só recebe seu 
esquema completo quando é projetada no tempo” (ELG, 2002, p. 251). Portanto é a 
10 
 
projeção da fala, a contribuição individual de cada falante que faz a língua realizar-
se evolutivamente em função do tempo. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
O presente estudo evidenciou que o Saussure apresentado no CLG é aquele 
que construiu seu pensamento fazendo 3 exclusões: sujeito, objeto e história, tendo 
em vista o atendimento da obra aos padrões de Ciência da época, os quais eram 
engajados no Positivismo, que primavam por estudar o objeto separado do sujeito, 
alegando ser necessária essa postura metodológica para evitar a contaminação do 
objeto a ser estudado. Assim, no CLG, ele elegeu a língua e excluiu a fala, mas 
conforme, podemos verificar nos trechos coletados de seus manuscritos ele não 
desconsiderou esses elementos em seus estudos, ao contrário do que muitos 
críticos, ainda, afirmam. Ele não foi ingênuo em suas abordagens, simplesmente não 
partilha das afirmações que aparecem no CLG, as quais afirmam e relegam à língua 
a parte essencial, e à fala a parte secundária da linguagem, além de trazer a 
afirmação de que “a liguística tem por único e verdadeiro objeto a língua” (CLG 
2006, p. 271). 
Por fim, em razão das diversas deformações do pensamento de Ferdinand de 
Saussure no CLG, não se sabe se os detalhes criticáveis são do autor ou dos 
editores, por isso faz-se necessário realizar um estudo mais profundo comparando 
os conceitos apresentados no curso de linguística geral e os dos manuscritos de 
Saussure, tendo em vista que as várias deformações, evidenciadas até os presentes 
estudos, indicam a importância de analisá-lo em cada época, antes de criticá-lo com 
base apenas na leitura da obra editada por Charles Billy e Albert Sechehaye, pois 
como vimos a obra não traz o pensamento original de Saussure pelas várias razões 
discutidas neste estudo. 
Portanto, resta-nos observar que para Saussure 
 
Quem se coloca diante do objeto complexo que é a linguagem, para 
fazer seu estudo, abordará necessariamente esse objeto por tal ou tal 
lado, que jamais será toda a linguagem, supondo-se que seja muito 
bem escolhido, e que, se não for tão bem escolhido, pode nem ser de 
ordem lingüística ou representar, depois uma confusão 
inadmissível(SAUSSURE, In: BOUQUET, 2002, p. 25). 
 
11 
 
 
 Assim, observa-se o caráter complexo e profundo das contribuições teóricas 
que F. de Saussure vinha construindo e que, ainda, estava passível de muitas 
modificações, divergindo-se de um caráter pronto e acabado, conforme é 
apresentado no Curso de linguística Geral-CLG. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS 
 
SAUSSURE, F. de. Curso de Lingüística Geral. 2º. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. 
 
BOUQUET, Simon. De um Pseudo-Saussure aos textos Saussurianos originais, In: 
Revista Letras e letras, vol. 25, n 1, Uberlândia, p. 145-160, 2006. 
 
__________ & Engler, R. Ferdinand de Saussure: escritos de lingüística geral: Trad. 
Carlos Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo: Editora, Cultrix, 2002.

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