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Atualizado e revisado por : ANA PAULA DA ROCHA TAKUSHI Professor autor/conteudista: PAULO CALEB JÚNIOR DE LIMA SANTOS É vedada, terminantemente, a cópia do material didático sob qualquer forma, o seu fornecimento para fotocópia ou gravação, para alunos ou terceiros, bem como o seu fornecimento para divulgação em locais públicos, telessalas ou qualquer outra forma de divulgação pública, sob pena de responsabilização civil e criminal. SUMÁRIO Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 Hemopoese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 Coleta e amostragem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Hemograma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Eletroforese de hemoglobina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Patologia dos eritrócitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Hemostasia: coagulação e fibrinólise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 Avaliação laboratorial da hemostasia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Patologias da hemostasia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 Imuno-hematologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 Metabolismo do ferro e sobrecargas de ferro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 Análises moleculares em hematologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 Reação em cadeia de polimerase em tempo real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 Pág. 4 de 113 INTRODUÇÃO Hematologia é uma especialidade da clínica que estuda a fisiologia e patologia do sangue e órgãos hematopoiéticos como medula óssea, baço e linfonodos. O sangue é um tecido conjuntivo complexo que é constituído por elementos líquidos e sólidos. Sua composição baseia-se em plasma, hemácias, leucócitos e plaquetas, conferindo ao organismo a propriedade de nutrição celular, defesa imunológica e barreira hemorrágica. Figura 1 – Composição do sangue Fonte: <https://2.bp.blogspot.com/-5uP8eQiImxQ/WUW-DEz96LI/AAAAAAAABeI/7x kLi3Qm0wsHxfWaMMGpFNwDnVoTG4vkQCLcBGAs/s1600/sangue.jpg> HEMOPOESE A hemopoese é a produção de células do sangue, que ocorre a partir de uma célula primitiva, denominada célula-tronco hematopoética. Estas apresentam duas características principais: autorrenovação e diferenciação. Inicialmente, são formados os progenitores mieloide e linfoide. A partir do progenitor mieloide, serão produzidas as células das linhagens granulocítica, monocítica, eritroide e plaquetária; já o progenitor linfoide originará células das linhagens B, T e natural killers (NK) (Figura 2). Pág. 5 de 113 Figura 2 – Hemopoese Fonte: < https://hematologia.farmacia.ufg.br/up/486/o/1_Hematopoese_comp.jpg> Eritropoese Os eritrócitos são formados a partir dos eritroblastos na medula óssea. Sua maturação ocorre a partir das células precursoras eritroides, formando os proeritroblastos, os eritroblastos basófilos, os eritroblastos policromáticos e os ertitroblastos ortocromáticos, que perdem o núcleo e se transformam em reticulócitos. Estes últimos passam para o sangue periférico e, após um dia, completam sua hemoglobinização, tornando-se eritrócitos maduros, que serão viáveis por aproximadamente 120 dias. Quando envelhecidos, são captados pelos macrófagos do baço e medula óssea. A função principal do eritrócito é, por intermédio da hemoglobina (Hb), realizar o transporte de oxigênio aos tecidos. Essa célula é constituí da basicamente por uma membrana plasmática, a Hb e as enzimas para seu metabolismo. Os eritrócitos são discos bicôncavos com diâmetro médio de 7 µm. Possuem volume médio de 90 fL e concentração interna de Hb de 33 a 34 g/dL. A hemoglobina é uma proteína quaternária, sintetizada nos eritroblastos medulares e reticulócitos, formada por Pág. 6 de 113 quatro unidades hemes envolta por uma cadeia de globina. Cada heme é constituído por um íon de ferro em seu interior (figura 3). Figura 3 – Molécula da hemoglobina Fonte: Blamb/Shutterstock Granulopoese Os granulócitos diferenciam-se a partir de uma célula-tronco pluripotente, passando por progressiva série de progenitores mais comprometidos, ou UFC (unidades formadoras de colônias), até originar células maduras. A linhagem granulocítica é constituída por três tipos celulares: neutrófilos, eosinófilos e basófilos. No processo de diferenciação e maturação, os primeiros precursores identificáveis são os mieloblastos seguidos de promielócitos, mielócitos, metamielócitos, bastonetes até células maduras segmentadas. Os mieloblastos são células blásticas com 22 µm, apresentam núcleo irregular, cromatina frouxa, maior relação núcleo/citoplasma, nucléolos visíveis, citoplasma basófilo com poucos Pág. 7 de 113 grânulos azurófilos dispersos. Com a maturação, a relação núcleo/citoplasma vai diminuindo, e há o surgimento de granulações secundárias (ou específicas) que caracterizam os tipos do granulócito. Os bastonetes apresentam núcleo em forma de bastão, com citoplasma acidófilo e granulações específicas evidentes. Já os segmentados são células com aproximadamente 12 µm, com núcleo lobulado e citoplasma acidófilo com granulações específicas evidentes. Os monócitos são originados na medula óssea a partir de monoblastos. O último estágio de amadurecimento é o monócito, que mostra cromatina mais condensada e núcleo chanfrado. Quanto ao reconhecimento morfológico, os neutrófilos são células com núcleo multilobulado (entre três e quatro lóbulos unidos por um filamento da cromatina). Em extensões sanguíneas coradas com corantes panóticos (May-Grünwald, Giemsa, Leishmann), o núcleo, basofílico, apresenta-se púrpuro, com a cromatina extremamente condensada e o citoplasma acidófilo (em tom rosa), contendo granulações dispersas. Dentre os leucócitos, os neutrófilos são os mais abundantes (em indivíduos adultos normais), desempenhando papel fundamental na resposta imune inata. Essas células são rapidamente recrutadas para sítios de inflamação, em que sua principal função é combater bactérias invasoras e certos fungos por meio de fagocitose e morte bacteriana/fúngica pela liberação de enzimas presentes em seus grânulos e pela produção de espécies reativas de oxigênio. Os eosinófilos, geralmente, apresentamdois lóbulos. Sob coloração panótica, o núcleo apresenta- se púrpura, com a cromatina extremamente condensada e o citoplasma também acidófilo. Eles são associados às infecções parasitárias e aos processos alérgicos. Os basófilos correspondem a menos de 0,5% do total de leucócitos na corrente sanguínea. Apresentam núcleo púrpuro, mostrando granulação específica que se dispõe por todo o citoplasma. Os monócitos são células grandes, de aproximadamente 15 µm, com núcleo em forma de rim e cromatina frouxa. É uma das principais células mediadoras da resposta imune inata, visto que, no primeiro momento do processo infeccioso/inflamatório, é rapidamente recrutado para o local a partir de estímulos quimiotáticos. Já no local, os monócitos/macrófagos atuam a partir do processo de fagocitose. Linfopoese Os linfócitos B, T e natural killer (NK) originam-se a partir de um progenitor linfoide comum. Assim, amadurecem para linfoblastos, que são blastos de pequeno tamanho, apresentando cromatina frouxa e nucléolos, citoplasma basófilo e ausência de granulação. O amadurecimento do linfoblasto origina Pág. 8 de 113 o prolinfócito, e a última etapa maturativa é o linfócito, que é uma célula pequena com a cromatina altamente condensada e alta relação núcleo/citoplasma. A principal característica dos linfócitos B maduros é a expressão de imunoglobulinas de superfície, enquanto a principal característica das células da linhagem T é a expressão de receptores para IL-7 e receptor de células T. Morfologicamente, os linfócitos T, B e NK são indistinguíveis. De maneira geral, são células esféricas cujo tamanho varia de 6 µm a 15 µm, apresentam alta relação núcleo/citoplasma, este sendo basofílico (tom azulado), núcleo com cromatina condensada, com ausência de nucléo los e basofilia acentuada (roxo-escuro). Assim, cada tipo de subpopulação poderá ser confirmada a partir da imunofenotipagem por marcadores específicos: linfócitos B, positivos para B220, CD19, CD20, MHC II; linfócitos T, para CD2, CD3, CD5 e CD4 ou CD8, TCR; e células NK, para CD3, CD56, MHC I. Estudo morfológico dos eritrócitos e leucócitos Morfologia eritrocitária Células normocrômicas são eritrócitos de coloração normal (Figura 4). Figura 4 – Eritrócitos normocrômicos Pág. 9 de 113 Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f2/Iron_deficiency_ anemia_blood_film.jpg/1200px-Iron_deficiency_anemia_blood_film.jpg> Células hipocrômicas são eritrócitos com descoloração central evidente (sendo acima de um terço da sua área total) (Figura 5). Figura 5 – Hipocrômicos Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f2/Iron_deficiency_ anemia_blood_film.jpg/1200px-Iron_deficiency_anemia_blood_film.jpg> Células policromáticas são eritrócitos de tonalidade azul-acinzentada, geralmente de tamanho maior que os normais. Pág. 10 de 113 Figura 6 – Células policromáticas Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f2/Iron_deficiency_ anemia_blood_film.jpg/1200px-Iron_deficiency_anemia_blood_film.jpg> Micrócitos são eritrócitos com pequeno volume, abaixo de 60 fL. Pág. 11 de 113 Figura 7 – Micrócitos Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f2/Iron_deficiency_ anemia_blood_film.jpg/1200px-Iron_deficiency_anemia_blood_film.jpg> Macrócitos são os eritrócitos com volume superior a 100 fL (Figura 8). Figura 8 – Macrócitos Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f2/Iron_deficiency_ anemia_blood_film.jpg/1200px-Iron_deficiency_anemia_blood_film.jpg> A anisocitose caracteriza-se pela variação de tamanho dos eritrócitos (Figura 9). Pág. 12 de 113 Figura 9 – Anisocitose Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f2/Iron_deficiency_ anemia_blood_film.jpg/1200px-Iron_deficiency_anemia_blood_film.jpg> Hemácias em Roleaux - Apresentam-se microscopicamente empilhadas, dando impressão de “pilhas de pratos”, causadas pela presença de macroglobulinas plasmáticas. Pág. 13 de 113 Figura 10 – Hemácias em Roleaux Fonte: <http://www.cenapro.com.br/galeria-de-imagens-detalhes.asp?codigo=60&offset=9> A poiquilocitose caracteriza as alterações de forma nos eritrócitos. Várias dessas alterações serão abordadas adiante. Pág. 14 de 113 Figura 11 – Poiquilocitose Fonte: <http://acervolaminas.usjt.br/images/stories/hematologia/06_g.jpg> Figura 12 – Poiquilocitose – alterações eritrocitárias Fonte: <https://media.licdn.com/mpr/mpr/AAIA_ wDGAAAAAQAAAAAAAA0yAAAAJDc5MWM4MGU4LWJiYWQtNDk1Yi1hNTdjLWFjNDliM2E0NTkzZg.jpg> Pág. 15 de 113 Morfologia leucocitária Segue abaixo um pequeno atlas leucocitário, com as variações observadas em um estudo hematológico dentro da normalidade. Figura 13 – Morfologia leucocitária Fonte: <https://practicasdehematologiaycitologia.files.wordpress.com/2014/12/ captura-de-pantalla-2014-12-07-a-las-12-58-52.png> A seguir vamos observar algumas atipias e alterações dos leucócitos que são sintomáticas de patologias leucocitárias, bacterianas ou virais. Pág. 16 de 113 Figura 14 – Hipersegmentação lobular Fonte: <http://noeqbcursodehema.blogspot.com.br/2015/11/hipersegmentacion-y-polisegmentacion.html>. Figura 15 – Hiposegmentação lobular Fonte: <http://www.studydroid.com/printerFriendlyViewPack.php?packId=107288> Pág. 17 de 113 Figura 16 – Corpúsculo de Dohle (inclusões ovais de cor azul pálida, remanescentes de ribossomas após de- senvolvimento precoce, localizados na periferia do citoplasma) Fonte: <https://br.pinterest.com/pin/495888608945021771/> Figura 17 – Vacuolizações Fonte: <http://www.studydroid.com/printerFriendlyViewPack.php?packId=107288> Pág. 18 de 113 Figura 18 – Granulações tóxicas Fonte: <http://www.studydroid.com/printerFriendlyViewPack.php?packId=107288> Figura 19 – Linfócitos atípicos Fonte: <http://www.studydroid.com/printerFriendlyViewPack.php?packId=107288> Pág. 19 de 113 COLETA E AMOSTRAGEM Procedimento de coleta da amostra sanguínea Além das normas de higiene e biossegurança, outros procedimentos devem ser seguidos na coleta sanguínea. Sempre que possível, a coleta da amostra deve ser realizada em local silencioso, limpo e separado do restante do laboratório. O local deve ser grande o bastante para acomodar todos os suprimentos necessários e estar equipado com água corrente e sabão antisséptico para a lavagem das mãos; caso contrário, a antissepsia das mãos pode ser realizada com solução de álcool etílico ou álcool etílico em gel 70%. Os assentos para a venopunção devem ser confortáveis e seguros, com descanso para os braços ajustável em diferentes posições, adequando-se, assim, a cada paciente. Os suprimentos que possam ser necessários no momento da coleta sanguínea devem estar organizados no local e facilmente acessíveis ao flebotomista. Como exemplo, podemos citar luvas de látex (para profissionais e pacientes sensíveis ao látex, podem-se usar luvas de polietileno ou nitrilo); suportes para as agulhas e agulhas de diferentes calibres, que devem ser selecionadas de acordo com a veia a ser puncionada; tubos a vácuo para coleta de sangue venoso (as seringas também podem ser utilizadas, no entanto, deve-se dar preferência aos sistemas mais fechados e seguros); torniquetes, preferencialmente descartáveis e livres de látex. Para a antissepsia do local de punção, deve-se ter disponível gaze ou algodão e uma das seguintes soluções: álcool etílico/álcool etílico em gel 70%, álcool isopropílico 70% ou álcool etílico iodado 10%. Finalmente, para auxiliar a oclusão do local da venopunção, devem estar disponíveis curativos ou adesivos hipoalergênicos. Para o sucesso da venopunção, é imprescindível que seja realizada por profissional capacitado e experiente. Ao se apresentar para a coleta, o flebotomista deve ser cordial, demonstrar segurança ao paciente e, dessa forma, possibilitar procedimento confortável para ambos. O profissional deve identificaro paciente, verificar os exames solicitados na guia, selecionar e identificar os tubos com os dados. O paciente deve ser questionado sobre sensibilidade ao látex, uso de medicações e dieta. Para a realização do hemograma, não é necessário o jejum. Os suprimentos a ser utilizados devem ser separados, e o local da punção, cuidadosamente selecionado. No momento da coleta, o paciente deve estar em posição confortável. O uso do torniquete torna as veias mais visíveis e cheias. No caso da coleta em veias da fossa cubital, deve-se aplicar o torniquete a cerca de 10 cm de distância do local por, no máximo, um minuto. Após calçar as luvas, a Pág. 20 de 113 limpeza do local de punção deve ser feita com algodão ou gaze embebida em solução antisséptica. Para evitar a sensação de ardência, recomenda-se aguardar a secagem do local. O sangue venoso é o material biológico mais largamente utilizado em hematologia; por esse motivo, daremos ênfase à coleta desse tipo de amostra. Os acessos usados, com maior frequência, para a coleta são as veias cubital mediana, cefálica e basílica, todas localizadas nos membros superiores; mas, de acordo com a condição do paciente, outras veias podem ser utilizadas. Escolhido o acesso, peça ao paciente que feche a mão e puncione; assim que o fluxo sanguíneo for iniciado, solicite que ele abra a mão. Preencha os tubos necessários e homogeneize-os, solte o torniquete e faça um pequeno curativo no local da inserção. Para o controle do sangramento, também podem ser usados adesivos hipoalergênicos. Oriente o paciente para que pressione suavemente o local e não force o membro puncionado, favorecendo, assim, a interrupção do sangramento e evitando o surgimento de hematomas. Figura 20 – Coleta sanguínea Fonte: <http://www.ageracaociencia.com/wp-content/uploads/2016/01/622_COLETA_A_VACUO.jpg>. <http://2. bp.blogspot.com/-QohlscbPqZ8/UQJGSRyDnGI/AAAAAAAABJE/7PWDLeq7K_s/s1600/9879_15372_5.jpg> Pág. 21 de 113 Figura 21 – Veias membros superiores Fonte: <http://www.profbio.com.br/aulas/hemato1_05.pdf> Escolha do anticoagulante Ácido etilenodiaminotetracético O ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) é um quelante polidentado que atua sobre íons bivalentes, como os íons de cálcio, que são indispensáveis para a cascata de coagulação. O EDTA é o anticoagulante de escolha para a obtenção de sangue total para realização do hemograma. Além de inibir a agregação plaquetária, os sais de EDTA mantêm a morfologia das células sanguíneas. No entanto, quando usados em quantidade excessiva, podem reduzir o tamanho das hemácias por tornar o meio hipertônico. O EDTA está disponível na forma de sais dissódico, dipotássico e tripotássico, sendo recomendado o uso do dipotássico, que deve ser utilizado na proporção de 1,5 mg/ml a 2,2 mg/ml de sangue. Heparina É uma glicosaminoglicana originada a partir de tecidos animais. Impede a coagulação por potencializar os efeitos da antitrombina III, inibindo, por conseguinte, a conversão da protrombina em trombina e comprometendo toda a cascata de coagulação. Por essa razão, não deve ser utilizada Pág. 22 de 113 para testes de coagulação. Por induzir a agregação plaquetária e reduzir a contagem das plaquetas, também não deve ser usada para a realização do hemograma. Citrato A forma mais comum do uso do citrato é a de citrato de sódio. Esse composto impede a coagulação por se ligar aos íons de cálcio, que são necessários em vários pontos da cascata de coagulação. Entretanto, adicionando-se cálcio à amostra, há a reversão do efeito. Por esse motivo, o citrato de sódio é o anticoagulante de escolha para estudos de coagulação, como o tempo de protrombina e o de tromboplastina parcial, pois preserva os fatores de coagulação. Quadro 1 – Rolhas Fonte: Elaborado pelo autor. HEMOGRAMA 1. É o exame laboratorial que avalia as séries eritrocitária e leucocitária e as plaquetas no sangue periférico. Coloque as lâminas na posição horizontal com as distensões. A análise da série vermelha pode ser chamada de eritrograma e é composta por contagem de eritrócitos, dosagem de Hb (hemoglobina) e Ht (hematócrito), índices hematimétricos e avaliação da morfologia eritrocitária. Já a análise da série branca pode ser chamada de leucograma e é composta pelas contagens global e diferencial de leucócitos, além da análise qualitativa. A contagem das plaquetas pode ser chamada de plaquetograma. As células sanguíneas podem ser contadas manualmente ou por instrumentos automáticos, o que atualmente é mais comum e prático. Pág. 23 de 113 Abaixo vemos os valores de referência do exame adulto: Tabela 1 – Valores de referência - exame hemograma Valor de Referência – Adultos Masculino Valor de Referência – Adultos Feminino Eritrocitos (1000000/mm³) 4.5 a 6.1 Eritrocitos (1000000/mm³) 4.0 a 5.4 Hemoglobina (g/ dl) 12.8 a 17.8 Hemoglobina (g/ dl) 11.3 a 16.3 Hematocrito (%) 40 a 54 Hematocrito (%) 36 a 48 VCM (FL) 77 a 92 VCM (FL) 77 a 92 HCM (PG) 27 a 32 HCM (PG) 27 a 32 CHCM (g/dl) 30 a 35 CHCM (g/dl) 30 a 35 % x 1000/mm³ % x 1000/mm³ Leucocitos total 4.0 a 11.0 Leucocitos total 4.0 a 11.0 Neutrófilo Bastonete 0 a 4 0.0 a 0.4 Neutrófilo Bastonete 0 a 4 0.0 a 0.4 Neutrófilo segmentado 36 a 66 2.0 a 7.5 Neutrófilo segmentado 36 a 66 2.0 a 7.5 Eosinofilos 2 a 4 0.1 a 0.4 Eosinofilos 2 a 4 0.1 a 0.4 Basofilos 0 a 1 0.0 a 0.1 Basofilos 0 a 1 0.0 a 0.1 Linfocito 25 a 45 1.5 a 4.0 Linfocito 25 a 45 1.5 a 4.0 Monocito 2 a 10 0.2 a 1.5 Monocito 2 a 10 0.2 a 1.5 Plaquetas: 140.000 400.000/mm³ Plaquetas: 140.000 400.000/mm³ Fonte: <https://pt.slideshare.net/GustavSousaa/urease-proteinria-e-hemograma> Pág. 24 de 113 Confecção das distensões sanguíneas A distensão sanguínea é a extensão de uma gota de sangue em uma lâmina de vidro (25 mm × 75 mm; 0,8 mm a 1,2 mm) usando-se a borda de outra lâmina idêntica. A confecção de boa distensão sanguínea é o primeiro passo para se obter exame morfológico preciso. Devem ser preparadas três distensões para cada amostra. Inicialmente, homogeneíza-se a amostra por cerca de três minutos e coloca-se uma gota (±0,05 ml) de sangue colhido com EDTA próxima a um dos extremos da lâmina, que deve estar numerada, limpa e seca com gaze. Em seguida, com a borda de outra lâmina, deve- se tocar a gota formando um ângulo de 45º, permitindo que o sangue se espalhe por toda a região de contato. A lâmina deve deslizar suavemente no sentido horizontal, oposto à extremidade na qual está a gota de sangue, até que esta fique completamente estendida, formando uma película sobre a lâmina de vidro. Figura 22 – Distensão sanguínea Fonte: <http://www.kasvi.com.br/wp-content/uploads/2017/08/esfregaco1.jpg> Pág. 25 de 113 A espessura da película é determinada, em grande parte, pelo ângulo formado entre as lâminas no momento da extensão da gota de sangue. Ângulos superiores a 45º produzem extensões espessas e curtas, ao passo que os inferiores a 45º produzem extensões finas e longas. A distensão sanguínea pode ser dividida em três regiões: • Cabeça: Região imediatamente após o local em que estava a gota sanguínea. Nessa área, quase sempre há aumento do número de leucócitos. • Cauda: Região final da distensão sanguínea. Aí há elevação de monócitos e granulócitos, e as células geralmente apresentam distorções morfológicas. • Corpo: Região intermediária entre a cabeça e a cauda. É aí que as células estão distribuídas de forma mais homogênea. Por essa razão, é a área de escolha para o exame da distensão sanguínea. Alguns quesitos devem ser observados para se garantir a qualidade da lâmina preparada. A extensão deve ter pelo menos 2,5 cm, terminando a cerca de 1 cm da borda lateral, e ser estreita, de modo a permitir o exame das bordas superiores por meio de imersão. A espessura da película deve diminuir gradativamente no sentido da cabeça para a cauda e não deve conter artefatos provenientes do seu preparo.Figura 23 – Esfregaço Fonte: <http://www.biomedicinapadrao.com.br/2016/12/5-dicas-para-fazer-um-esfregaco.html> Pág. 26 de 113 Coloração das distensões A coloração hematológica deve ser realizada quando a película estiver completamente seca. As colorações de Romanowsky são constituídas de eosina e azul de metileno em proporções variadas (pH 6,4 a 7). Coloração típica que as células e seus componentes adquirem em contato com esses corantes é conhecida como “efeito Romanowsky”. Os componentes celulares que se coram pelo azul de metileno são basófilos e coram-se de azul, enquanto os que se coram pela eosina são acidófilos e coram-se de rosa-amarelado. Aba Curiosidade A coloração de Romanowsky é uma técnica de coloração protótipo que foi a precursora de vários métodos distintos mas similares, incluindo a coloração de Giemsa, a coloração de Jenner, a de Wright, a de Field e a de Leishman, que são usadas para diferenciar as células em amostras patológicas. Foi nomeado em homenagem ao médico russo Dmitri Leonidovich Romanowsky (1861- 1921), que a inventou em 1891. Após dissolução em álcool, geralmente o metanol, e envelhecimento, o azul de metileno se oxida em gradações diferentes, originando diversos azures de metileno, resultando em uma solução alcoólica de eosinato de azul e azures de metileno. As estruturas que se coram pelos azures são azurófilas e coram-se de púrpura, ao passo que as que se coram pela mistura complexa de corantes são neutrófilas e coram-se de salmão. Pág. 27 de 113 Figura 24 – Estruturas Fonte: <https://social.stoa.usp.br/articles/0026/8329/Coleta__extens%C3%A3o_ sanguinea_e_colora%C3%A7%C3%A3o_010313.pdf> As variações das colorações de Romanowsky consistem nas proporções de azul-de-metileno e eosina ou no método de tratamento do azul-de-metileno, antes de sua combinação com a eosina. As colorações mais comuns são: Leishman, Wright, Giemsa e a coloração rápida panótica. Vamos conhecer um pouco das principais técnicas, lembrando que as variações de tempo e concentrações devem sempre seguir as orientações do fabricante. Leishman O corante de Leishman é diluído em álcool metílico PA e permanecer em repouso por mínimo 30 dias. Procedimento: • Cobrir o esfregaço completamente com o corante. • Deixar por sete minutos. O esfregaço será fixado pelo metanol do corante de Leishman. • Colocar sobre a lâmina, de maneira uniforme, a mesma quantidade de água destilada. Pág. 28 de 113 • Deixar em repouso por 15 minutos. • Lavar em água corrente. • Limpar o verso da lâmina e deixar secar na posição horizontal, em temperatura ambiente. Wright Dissolver o corante em glicerina e metanol. A solução deve ficar em repouso por mínimo de 14 dias, durante a preparação. Procedimento: • Cubra as distensões com o corante não diluído e deixe por 1 minuto. O metanol irá fixar a distensão ou o imprint. • Dilua com água destilada (aproximadamente com o mesmo volume) até que uma espuma metálica apareça. • Deixe o corante diluído agir por 2 minutos e meio a 5 minutos. • Sem deslocar a lâmina, enxágue com água destilada e lave até que as partes mais finas da distensão Giemsa É uma mistura de azures diluída em metanol. Procedimento: • Os esfregaços/imprints devem ser pré-fixados em metanol por 3 minutos. • Após secos, devem ser imersos na solução corante de Giemsa diluída e deixados por 15 minutos. • Após a coloração, devem ser lavados em água destilada e secas ao ar. Pode-se realizar associações a outras técnicas, como Jenner-Giemsa ou May-Grünwald-Giemsa. Panótico A coloração rápida de panótico baseia-se no principio de coloração hematológica estabelecida por Romanowsky. É a mais difundida no meio hematológico devido à sua rapidez. Consiste na ação três soluções (fixadora triarlimetano/corante, xanteno/corante e tiazina). Procedimento: Pág. 29 de 113 • Preencher três recipientes (cubeta de Wertheim, cuba de Coplin ou similar) com as soluções n 1, 2 e 3 respectivamente. • Submergir as lâminas nas soluções n 1, 2 e 3, respectivamente, mantendo sempre um movimento contínuo de cima para baixo ou para os lados durante 5 segundos (5 imersões/1” cada). https://www.youtube.com/watch?v=TgtI9P6zMJ8 Contagem manual de eritrócitos Consiste na determinação do número de eritrócitos por mm³ de sangue, após diluição de amostra de sangue total com solução isotônica, que evite lise dos eritrócitos. A contagem é feita nos cinco quadrados do quadrante central da câmara de Neubauer, e o resultado em mm³ é dado após ajuste dos cálculos para o grau de diluição e local de contagem na câmara (Figura 25). Para a contagem, soma-se o número total de eritrócitos obtidos nos cinco quadrados (H1+ H2 + H3 + H4 + H5). Figura 25 – Cálculo: eritrócitos x diluição/volume Fonte: <http://s1.picofile.com/file/7674687739/grid.gif> Pág. 30 de 113 Exemplo: Figura 26 – Exemplo de contagem de eritrócitos em câmara Fonte: Elaborado pelo autor Determinação da hemoglobina É o parâmetro mais importante do eritrograma e utilizado clinicamente para avaliar a anemia. Na maioria dos contadores, parte do sangue aspirado é separada para um canal, onde é diluído em um líquido hemolisante de eritrócitos. A Hb liberada é convertida em pigmento de cor estável, que é medida espectrofotometricamente, de modo similar à dosagem manual. Na dosagem manual, o método da ciano-metemoglobina é o mais utilizado. O princípio é a oxidação do íon ferroso (divalente) da Hb, oxiemoglobina e carboxiemoglobina a ferro férrico (trivalente) pelo ferricianeto, com formação de metemoglobina. Esta se combina com o cianeto de potássio para produzir cianometemoglobina (cor vermelho-alaranjada), que é medida fotocolorimetricamente em 540 nm ou em filtro verde. Pág. 31 de 113 Hematócrito É o volume relativo dos eritrócitos após centrifugação do sangue total. Traduz a relação percentual entre as células vermelhas do sangue e o plasma, obtida pela divisão do volume percentual ocupado pelos eritrócitos. Em métodos automatizados, é um dado indireto, calculado a partir do VCM (mensurado de modo direto – veremos após o VCM) e do número de eritrócitos contados. No método manual do micro-hematócrito, o volume de sangue é disposto em capilar de vidro (até aproximadamente dois terços do tubo) e centrifugado em microcentrífuga. O local de separação entre a fase plasmática e a parte celular é o valor do Ht. Valores de referência para adultos Eritrócitos: Homens:4.500.000 a 6.000.000/ mm³ Mulheres:3.950.000 a 5.400.000/ mm³ Hemoglobina (segundo a OMS): Crianças de seis meses a quatro anos: ≥11 g/dL Crianças de cinco a 11 anos: ≥11,5 g/dL Crianças de 12 a 14 anos: ≥12 g/dL Mulheres não gestantes a partir dos 15 anos: ≥12 g/dL. Mulheres gestantes: ≥11 g/dL Homens a partir dos 15 anos: ≥13 g/dL Hematócrito: Homens:40 a 54% Pág. 32 de 113 Mulheres:37 a 49% Índices hematimétricos Têm a finalidade de indicar a classificação morfológica e o diagnóstico das anemias. São o volume corpuscular médio (VCM), a hemoglobina corpuscular média (HCM) e a concentração da hemoglobina corpuscular média (CHCM). São índices gerados das contagens de eritrócitos, da Hb e do Ht. Também, com a automação, há um quarto índice, por sinal bastante útil, o RDW (red cell distribution width), que mensura o grau de anisocitose ou variação do volume dos eritrócitos. A morfologia eritrocitária avaliada na extensão sanguínea corada é um dado indispensável à automação. VCM Volume expresso em fentolitros (fl - 10-15). É a divisão do Ht (multiplicado por 10) pelo número de glóbulos vermelhos: VCM = Ht × 10 Eritrócitos Valor de referência para adultos: 80 a 100 fL Anemias normocíticas: VCM de 80 a 100 fL Anemias microcíticas: VCM inferior a 80 fL Anemias macrocíticas: VCM acima de 100 fL HCM Peso médio de Hb expresso em picogramas (pg - 10-12). É a divisão da Hb dosada pelo número de eritrócitos. Esse índice é baixo em anemia ferropriva,talassemias e demais anemias microcítico- hipocrômicas (vistas adiante). Pág. 33 de 113 HCM = Hb × 10 Eritrócitos Valores de referência para adultos: 27 pg a 32 pg CHCM É a média da concentração Hb em população de eritrócitos, expressa em g/dL. CHCM (g/dL) = Hb (g/dL) × 100/Ht Valores de referência para adultos: 32 a 36 g/dL RDW É uma determinação exclusiva da automação. Cada eritrócito contado tem seu volume medido, de onde é traçado um histograma. Revela a anisocitose. Valores de referência (RDW): 11,5% a 15,5% (variam de acordo com o modelo do contador). Taxa de reticulócitos Os reticulócitos são eritrócitos jovens com RNA em seu interior. A contagem indica a produção eritroide na medula óssea ou a deficiência desta. Pode ser realizada manualmente ou por contadores. Corantes supravitais (azul de cresil brilhante) precipitam o RNA, dando aos eritrócitos jovens aspectos característicos e possibilitando a diferenciação e contagem dos reticulócitos. Geralmente, conta-se pelo menos mil eritrócitos maduros em diferentes campos escolhidos ao acaso e verifica-se o número de reticulócitos ao final da contagem. Faz-se uma percentagem. Valores normais ou diminuídos em indivíduos anêmicos são sinais de baixa produção medular e, ao contrário, reticulocitose (valores acima) é bom indicativo da resposta terapêutica em anemias carenciais, perda sanguínea aguda ou processo hemolítico. Quando o número de hemácias e o hematócrito estão diminuídos, a percentagem de reticulócitos pode estar alta em relação ao número total de hemácias. Para avaliar com mais precisão a função Pág. 34 de 113 da medula óssea, a percentagem de reticulócitos pode ser corrigida, obtendo-se uma contagem corrigida ou índice de reticulócitos (RI). Esse cálculo compara o hematócrito do paciente com um valor normal de hematócrito. Algumas vezes é usado um cálculo adicional, chamado índice de produção de reticulócitos (RPI), como correção para o grau de imaturidade dos reticulócitos, levando em conta a velocidade de liberação dos reticulócitos na circulação e o tempo necessário para sua maturação na corrente sanguínea. O RPI e o tempo de maturação variam com o hematócrito. Reticulócitos (%) = (número de reticulócitos / número de hemácias) × 100 Índice de reticulócitos = reticulócitos (%) × (hematócrito observado / hematócrito normal) Índice de produção de reticulócitos = (índice de reticulócitos) × (1 / tempo de maturação) Alguns contadores automatizados de reticulócitos podem relatar uma fração de reticulócitos imaturos (IRF) e um volume médio de reticulócitos (MRV). Valores de referência: 0,5% a 2,0%. Leucócitos A avaliação laboratorial dos leucócitos é de suma importância no cenário de doenças malignas dessa série (as leucemias, por exemplo) ou inflamações diversas. Análises quantitativas e qualitativas (morfologia) dos diferentes tipos de leucócitos fazem parte do hemograma e, separadamente, são chamadas de leucograma. Os valores de referência para leucócitos são de acordo com a idade (Tabela 2). Pág. 35 de 113 Tabela 2 – Valores de referência para o leucograma 1 – 3 anos 4 – 14 anos Adulto Leucócitos totais (x10³/mm³) 5 - 15 4,5 – 13,5 4 – 11 Bastonetes (%) 0 – 8 0 – 4 1 – 4 Bastonetes (/mm³) 0 – 600 0 – 400 100 – 400 Segmentados (%) 20 – 40 25 – 55 40 – 70 Segmentados (/mm³) 2.000 – 6.000 2.000 – 6.000 2.000 – 7.500 Eosinófilos (%) 4 – 10 4 – 8 1 – 6 Eosinófilos (/mm³) 200 – 1.500 300 – 1.000 100 – 400 Basófilos (%) 0 – 1 0 – 1 0 – 1 Basófilos (/mm³) 0 – 100 0 – 100 0 – 100 Linfócitos (%) 40 – 60 30 – 55 30 – 40 Linfócitos (/mm³) 2.000 – 8.000 1.500 – 6.500 1.500 – 4.000 Monócitos (%) 4 – 10 4 – 10 2 – 10 Monócitos (/mm³) 200 – 1.500 200 – 1.000 200 – 1.000 Na avaliação quantitativa leucocitária, utiliza-se um diluidor que lisa hemácias (líquido de Turk) para facilitar a contagem dos leucócitos. A diluição usada é, geralmente, de 1:20, e usa-se câmara de Neubauer, contando-se os quatro quadrados laterais, cuja área equivale a 1 mm² cada (Figura 25). Cálculo: número de leucócitos/mm³ = leucócitos x diluição / volume. Exemplo: Pág. 36 de 113 Figura 27 – Exemplo de contagem de leucócitos em câmara Fonte: Elaborado pelo autor Posteriormente, faz-se a contagem diferencial e a análise morfológica dos leucócitos em microscópio óptico em maior aumento (objetiva de 100×). Com a extensão sanguínea e a coloração bem preparada (vistas adiante), a contagem diferencial deve ser feita, com uso de óleo de imersão em zigue-zague ao longo do diâmetro. Os leucócitos devem ser contados obedecendo à seguinte distribuição: metade das células na periferia e metade no centro da lâmina. Chegando a contagem a 100 células, há uma relação percentual dos tipos de leucócitos (valor relativo) e, consequentemente, é possível a realização do cálculo do valor absoluto de cada tipo (valor absoluto). Automação Hoje a automação em hematologia está muito desenvolvida. Os sistemas automatizados contam os eritrócitos utilizando-se de um princípio elétrico, óptico ou ambos e também fazem a coloração através do método de panótico. Pág. 37 de 113 Figura 28 – Analizador hematológico Fonte: <http://www.gematec.com.ar/inicio/media/k2/items/cache/e0a70f72bdae9885bfc32d7cd19a26a1_XL.jpg>. O princípio elétrico baseia-se no impedimento (impedância) da passagem de corrente elétrica con tí nua em pequena abertura entre dois eletrodos (+ e -) mergulhados em líquido condutor de corrente quando cada célula atravessa tal abertura (princípio Coulter). Pág. 38 de 113 Figura 29 – Impedância Fonte: <http://www.profbio.com.br/aulas/hemato1_05.pdf> No princípio óptico (citometria de fluxo), a dispersão de luz a baixos ângulos (difratada) é absorvida por uma fotocélula à proporção que um feixe de luz laser incide sobre cada célula. Essa luz absorvida é convertida em volume. Figura 30 – Princípio ótico Fonte: <http://www.fleury.com.br/medicos/educacao-medica/manuais/manual- hematologia/pages/imunofenotipagem-das-neoplasias-hematologicas.aspx> Pág. 39 de 113 ELETROFORESE DE HEMOGLOBINA O método usual para análise de hemoglobinas é a eletroforese em pH alcalino, por ser técnica rápida e barata para uso na investigação de Hb variantes. O princípio eletroforético é aplicado na detecção de mutantes que apresentam alteração da carga da molécula de hemoglobina. No entanto, algumas variantes comigram em sistemas eletroforéticos, como é o caso de Hb A2, Hb C, Hb O, Hb E e Hb S, Hb D, Hb G, dentre outras. A eletroforese em pH ácido pode identificar algumas das hemoglobinas citadas anteriormente; contudo, não é possível a separação de Hb E e Hb O ou de Hb D e Hb G. Outras técnicas podem também ser utilizadas. A Figura 31 mostra um fluxograma de resultados laboratoriais nas metodologias de rotina diagnóstica das hemoglobinas e as alternativas para confirmação da suspeita. Figura 31 – Esquema representativo da triagem de hemoglobinopatias Fonte: Santos (2013) PATOLOGIA DOS ERITRÓCITOS As principais doenças relacionadas aos eritrócitos são as anemias, decorrentes da diminuição dos níveis de Hb circulantes, ou, em menor frequência as policitemias, decorrentes do excesso de eritrócitos. Pág. 40 de 113 Classificação das anemias A anemia é caracterizada pela diminuição da Hb e depende dos fatores idade, gênero e altitude. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os limites mínimos aceitáveis de Hb, para indivíduos ao nível do mar, são de 13 g/dL, 12 g/dL e 11 g/dL para homens adultos, mulheres não grávidas e grávidas, respectivamente. As anemias são classificadas, de acordo com a morfologia (usando índices hematimétricos), em microcíticas-hipocrômicas, normocíticas-normocrômicas e macrocíticas ou, fisiopatologicamente, por falta de produção, excesso de destruição (hemólise) ou perda de sangue. Nos textos a seguir, as anemias serão abordadas com informações de ambas as classificações. Anemia por deficiênciade ferro O ferro é um elemento essencial para os processos fisiológicos do organismo humano (mais detalhes serão vistos adiante). A deficiência de ferro (DF) resulta da combinação de fatores como necessidade aumentada de ferro (crescimento, menstruação, gestação, lactação), diminuição da oferta ou da absorção do ferro (baixa quantidade e/ou biodisponibilidade do ferro da dieta, doenças inflamatórias intestinais crônicas, ressecção gástrica e/ou intestinal – gastrectomia, gastroplastia) ou “perda” de ferro (perda de sangue, principalmente pelo trato genital e gastrintestinal, doação de sangue etc.) Estima-se que a DF é aproximadamente três vezes mais frequente que a anemia instalada pela DF, chamada anemia por deficiência de ferro (ADF) ou ferropriva. A ADF é mais frequente em certos grupos de risco, além das principais causas já citadas (Quadro 2). Quadro 2 – Principais grupos de risco para a DF e ADF • Crianças entre 6 meses e 2~3 anos; • Mulheres em idade reprodutiva; • Mulheres grávidas; • Doadores regulares de sangue; • Comunidade com baixa ingestão de ferro Fonte: Elaborado pelo autor Pág. 41 de 113 Para a avaliação laboratorial, os exames mais requisitados são: hemograma, reticulócitos, ferro sérico, ferritina sérica, CTLF (capacidade total de ligação ao ferro) e ST (saturação da transferrina). Esses parâmetros, geralmente, só se alteram no segundo estágio da deficiência de ferro, quando já ocorreu a depleção completa das reservas do mineral e há redução da oferta dele à eritropoese. No hemograma, a anemia com microcitose e hipocromia é característica de distúrbios na fase de hemoglobinização decorrente da deficiência de ferro. Porém outras condições, como hemoglobinopatias, anemia da doença crônica e demais, podem gerar essa morfologia. O ferro é transportado no plasma pela transferrina, e sua concentração sérica, isoladamente, tem predição limitada, devendo ser analisada em combinação com os outros parâmetros. O intervalo de referência depende principalmente do método utilizado e em geral varia entre 75 µg/dL e 175 µg/dL em homens adultos e aproximadamente entre 65 µg/dL e 165 µg/dL nas mulheres. A CTLF é uma medida indireta da transferrina circulante. Na deficiência de ferro há aumento na síntese de transferrina, cuja capacidade de ligação estará elevada. Havendo diminuição da síntese de transferrina, como acontece na vigência de processo inflamatório ou na elevação do ferro circulante, como na hemocromatose, o TIBC estará reduzido. A ST ou índice de saturação da transferrina (IST) é a relação entre o ferro sérico e a CTLF multiplicada por 100 e reflete como está a oferta de ferro necessária para garantir e manter a eritropoese normal. A ST varia entre 20% e 45%, geralmente, e valores inferiores a 16% são indicativos de DF. A ferritina sérica, geralmente detectada por métodos imunoenzimáticos, apresenta valores de normalidade entre 15 ng/ml e 300 ng/ml nos homens e entre 15 ng/ml e 200 ng/ml nas mulheres em idade fértil. É um parâmetro avaliador dos estoques de ferro, mas também se trata de proteína de fase aguda e estará aumentada em condições inflamatórias, infecciosas e neoplásicas. Em geral, valores de ferritina abaixo de 12 ng/ml são característicos de deficiência de ferro, e acima de 100 ng/l são contrários a esse diagnóstico. Nessas situações inflamatórias, a dosagem de proteína C-reativa pode auxiliar na confirmação do processo, além da história clínica e do exame físico. O Quadro 3 apresenta as principais alterações laboratoriais na ADF, mas as causas deverão sempre ser investigadas. Pág. 42 de 113 Quadro 3 – Achados laboratoriais na ADF • Hemoglobina; • ↓ VCM ↓HCM; • Anemia hipocrômica microcítica; • ↓ Ferritina sérica; • ↓ Ferro sérico ↓ CTLF ↓ ST. Fonte: Elaborado pelo autor Anemia de doença crônica A anemia de doença crônica (ADC) ou da inflamação é caracterizada pelo desenvolvimento de anemia em pacientes com doenças infecciosas crônicas, inflamatórias ou neoplásicas. Apresenta a anemia associada à diminuição do ferro sérico e da ST, mas com ferritina sérica normal ou aumentada. Figura 32 – Anemia Por: Image Point Fr A ADC é a causa mais frequente de anemia em pacientes hospitalizados, especialmente nos com idade superior a 65 anos. Os principais mecanismos envolvidos são: diminuição da sobrevida das hemácias, resposta medular inadequada e distúrbio do metabolismo do ferro. Pág. 43 de 113 A anemia é de intensidade leve a moderada (hemoglobina entre 9 g/dL e 12 g/dL), geralmente normocítica/normocrômica, concentração sérica da ferritina normal ou elevada e marcadores inflamatórios aumentados ou história clínica indicando inflamação. O Quadro 4 mostra as principais causas da ADC, subdivididas em doenças inflamatórias, infecções e neoplasias. O Quadro 4 mostra os principais achados na anemia de doença crônica. Quadro 4 – Principais causas de anemia de doença crônica Fonte: Elaborado pelo autor Quadro 5 – Principais achados na anemia de doença crônica Pág. 44 de 113 As anemias sideroblásticas (AS) são um grupo heterogêneo de doenças que resultam da síntese alterada do componente heme da Hb. Caracterizam-se por anemia moderada a grave, com níveis de Hb entre 4 g/dL e 10 g/dL e hemácias hipocrômicas e microcíticas. Mais de 15% de sideroblastos em anel na medula óssea é um achado fortemente favorável ao diagnóstico de AS. É comum eritropoese ineficaz, com aumento dos valores de bilirrubina indireta, desidrogenase lática e contagem de reticulócitos e o achado paradoxal de anemia hipocrômica associada à elevação da saturação da transferrina e da ferritina sérica. As AS podem ser classificadas como: hereditária (ligada ao X, autossômica dominante ou recessiva), adquirida (idiopática [anemia refratária com sideroblastos em anel] ou associada ao tratamento quimioterápico ou radioterápico prévio), induzida por droga, causas raras (protoporfiria eriropoética, síndrome de Pearson, deficiência de cobre, intoxicação por zinco, hipotermia). Anemia por deficiência de vitamina B12 e ácido fólico A deficiência de folato e de vitamina B12 resulta na síntese inadequada de DNA, prejudicando a divisão celular, tornando os precursores eritroides, observados na medula óssea maiores que as hemácias maduras. Além da macrocitose, a deficiência vitamínica provoca elevação sérica dos níveis de homocisteína e ácido metilmalônico. A principal causa de deficiência de ácido fólico é a carência vitamínica, que inclui dietas pobres em ácido fólico (observado em pessoas de baixa renda, idosos e nos que não consomem frutas frescas ou vegetais), consumo de alimentos cozidos em excesso, alcoolismo crônico, história de síndromes de má absorção (doença celíaca e espru) e uso de certos medicamentos. Pode haver também deficiência por aumento das necessidades de folato durante a gestação (em consequência das necessidades de crescimento do feto). Já a falta de vitamina de B12 pode demorar anos a partir do início do balanço negativo, em situações abruptas com diminuição importante na absorção vitamínica, tais como gastrectomia total, que proporciona lenta e progressiva diminuição dos estoques. Laboratorialmente, processos megaloblásticos são caracterizados pela presença de macro- ovalócitos e hipersegmentação dos neutrófilos (Figura 33). As anemias são tipicamente macrocíticas, e pode haver pancitopenia (diminuição quantitativa das séries sanguíneas). Pág. 45 de 113 No hemograma, a anemia da falta de vitamina B12 é idêntica à da carência de ácido fólico. O número de hemácias e os níveis de hemoglobina estão diminuídos, e o VCM, superior a 100 fL, podendo chegar a 170 fL. A análise dos índices hematimétricos anteriores permite a classificação da AM como macrocítica e normocrômica. Outros achados na observação do esfregaço sanguíneo podem auxiliar no diagnóstico diferencial dessas anemias. Macrocitose com anisocitose, poiquilocitosecom macro-ovalócitos, dacriócitos, corpúsculos de Howell-Jolly, anel de Cabot, eritroblastos e megaloblastos estão presentes de acordo com o grau de anemia. Figura 33 – Hipersegmentação de neutrófilos Fonte: <http://article.sciencepublishinggroup.com/journal/235/2350980/image031.jpg> Saiba mais Os corpúsculos de Howell-Jolly são achados histopatológicos de restos nucleares basofílicos (aglomerados de DNA) em hemácias circulantes. Durante a maturação das hemácias na medula óssea, normalmente os núcleos são expelidos, mas, em alguns casos, uma pequena porção de DNA permanece. Foram nomeados por William Henry Howell e Justin Marie Jolly. Pág. 46 de 113 Hemoglobinas variantes – hemoglobinopatias estruturais As primeiras Hb sintetizadas são as embrionárias, que predominam nos estágios iniciais de gestação: as Hb Gower 1, Gower 2, Hb Portland I e Hb Portland II. Após, há a produção da Hb F (a2g2), que tem início por volta da quarta semana de gestação. A Hb A (a2b2) é sintetizada a partir da décima semana e mantém-se em concentrações próximas a 10% até o nascimento. A Hb A2 (a2d2), por sua vez, começa a ser sintetizada na 25ª semana, em concentrações reduzidas, que permanecem até o nascimento e que depois aumentam gradativamente até se estabilizarem no sexto mês de vida. No indivíduo adulto, os valores normais de Hb A são de 96% a 98%; Hb A2, de 2,5% a 3,5%; e Hb F, de 0% a 1%. A maioria das variantes estruturais é originada por simples substituições de aminoácidos, resultantes de mudanças nas sequências dos nucleotídeos. Hemoglobina S A hemoglobina S é causada por mutação no gene beta da globina, produzindo alteração estrutural na molécula. Por ser alteração da cadeia beta, as características clínicas do estado homozigoto serão percebidas após a estabilização da produção dessas cadeias, o que ocorre por volta dos seis meses de idade. No gene da globina beta S, há a substituição de um códon (GTG para GAG), resultando na substituição do ácido glutâmico (Glu), na posição seis da cadeia, por valina (Val). Essa troca resulta em mobilidade mais lenta da Hb S quando comparada à Hb A em eletroforese de pH alcalino (Figura 34). No estado oxigenado, a molécula de Hb S está “relaxada”. Nessa conformação, as beta-globinas estão próximas. No estado desoxigenado, a célula passa da forma discoide, flexível, para a alongada e rígida, característica da Hb S – a hemácia falciforme ou drepanócito (Figura 35). A alteração celular provocada pelo processo de falcização influencia intensamente o fluxo sanguíneo, aumentando sua viscosidade. Como consequência da estase, há aumento da predisposição aos trombos. Além disso, os tecidos com deficiência de irrigação sofrem infartos com necrose e formação de fibrose, principalmente em baço, medula óssea e placenta. Todos esses eventos provocam lesões teciduais agudas (crises) e crônicas da anemia falciforme. Pág. 47 de 113 O traço falciforme caracteriza o portador assintomático, heterozigoto, da Hb S, sendo representado por Hb AS; não padece de doença e geralmente é assintomático durante a maior parte da vida. O diagnóstico laboratorial é feito por técnicas eletroforéticas. Já doença falciforme é o termo utilizado para determinar um grupo de alterações genéticas caracterizadas pelo predomínio de Hb S e sintomáticas, que incluem a anemia falciforme (Hb SS), as interações da Hb S com síndromes talassêmicas e a associação às outras variantes. O portador apresenta anemia hemolítica crônica, microcítica e hipocrômica, processo inflamatório crônico e vasoclusão com danos teciduais. O diagnóstico é realizado principalmente por técnicas eletroforéticas, além do hemograma. Pode-se realizar a detecção da mutação específica. Quantificações de Hb A2 e Hb F auxiliam. Em geral, a Hb A2 está aumentada (acima de 3,5%) nos casos de associações com beta-talassemia zero e baixa em pacientes com Hb S/delta-beta-talassemias e Hb S/PHHF. A Hb F está mais alta em portadores de Hb S/beta-talassemia do que em pacientes com Hb SS. Figura 34 – Padrões eletroforéticos em pH alcalino Fonte: <https://image.slidesharecdn.com/anemiahemolitica-110718131103- phpapp02/95/anemia-hemolitica-55-728.jpg?cb=1310995283> Pág. 48 de 113 Figura 35 – Hemácias falciformes ou drepanócitos Fonte: <http://images.slideplayer.com.br/29/9515464/slides/slide_52.jpg> Eletroforese de hemoglobina O método usual para análise de hemoglobinas é a eletroforese em pH alcalino, por ser técnica rápida e barata para uso na investigação de Hb variantes. O princípio eletroforético é aplicado na detecção de mutantes que apresentam alteração da carga da molécula de hemoglobina. No entanto, algumas variantes comigram em sistemas eletroforéticos, como é o caso de Hb A2, Hb C, Hb O, Hb E e Hb S, Hb D, Hb G, dentre outras. A eletroforese em pH ácido pode identificar algumas das hemoglobinas citadas anteriormente. Contudo, não é possível a separação de Hb E e Hb O ou de Hb D e Hb G. Outras técnicas podem também ser utilizadas. A Figura 36 mostra um fluxograma de resultados laboratoriais nas metodologias de rotina diagnóstica das hemoglobinas e as alternativas para confirmação da suspeita. Pág. 49 de 113 Figura 36 – Esquema representativo da triagem de hemoglobinopatias Fonte: Santos (2013) Talassemias As talassemias são caracterizadas pelo defeito na síntese de uma ou mais cadeias de globina. Formam um grupo heterogêneo de alterações hereditárias que se expressam por quadros morfológicos alterados e de intensidade variável. São classificadas segundo a cadeia polipeptídica afetada, e as mais comuns são as do tipo alfa e do tipo beta. A diferenciação das talassemias é complexa, considerando-se o amplo espectro de variações das manifestações clínicas dos diferentes alelos afetados e a associação desses com outras hemoglobinopatias. Pág. 50 de 113 Beta-talassemia As beta-talassemias constituem um grupo de alterações genéticas que resulta na diminuição das cadeias de globina beta. Nelas, o excesso de cadeias alfa pode combinar-se com cadeias delta e gama, contribuindo para o aumento das hemoglobinas A2 e fetal. Esses índices alterados são importantes para o diagnóstico. A talassemia menor, também denominada traço talassêmico, é caracterizada pela heterozigose das formas beta0 ou beta+, e os indivíduos são geralmente assintomáticos, podendo exibir anemia na infância, na gravidez e no estresse. A talassemia maior, resultante da homozigose beta0/beta0, ou dupla heterozigose beta0/beta+, corresponde à anemia grave, com dependência de transfusões sanguíneas regulares. Na talassemia intermediária são encontrados fenótipos clínicos intermediários entre o traço talassêmico e a talassemia maior. Laboratorialmente, as formas de talassemia beta0 ou beta+ caracterizam-se pelo aumento de Hb A2, cuja concentração varia de 3,5% a 7,5%; alterações morfológicas dos eritrócitos, identificados especialmente por microcitose e hipocromia; resistência osmótica elevada e diminuição da HCM e do VCM. O padrão de hemoglobinas nos pacientes com beta-talassemia homozigota é variável, caracterizando-se pelo aumento de Hb F, com concentrações que variam de 60% a 90%. A Figura 37 traz uma representação esquemática da fisiopatologia das beta-talassemias. Pág. 51 de 113 Figura 37 – Representação esquemática da fisiopatologia das beta-talassemias Fonte: Santos (2013) Alfa-talassemia Com a diminuição da síntese de globinas alfa, as cadeias de tipo beta, que deveriam parear com elas para formar o tetrâmero de hemoglobina, ficam em excesso. Assim, durante o desenvolvimento fetal, as cadeias de gama globina formam tetrâmeros gama4 (Hb de Bart), enquanto, nos adultos, as cadeias beta excedentes formam tetrâmeros beta4 (Hb H). A Figura 35 mostra um esquema dos efeitos fisiopatológicos e eritropatológicos da diminuição da síntese da alfa-globina. Pág. 52 de 113 É possível dividir as alfa-talassemiasem quatro categorias fenotípicas: portador silencioso (três genes alfa funcionais), traços de alfa-talassemia (dois genes alfa funcionais), doença de Hb H (um gene alfa funcional) e hidropisia fetal por Hb de Bart (nenhum gene alfa funcional). Figura 38 – Representação esquemática dos efeitos fisiopatológicos e eritropatológicos da diminuição da síntese da alfa-globina Fonte: Santos (2013) Pág. 53 de 113 Membranopatias eritrocitárias As doenças da membrana do eritrócito ou membranopatias são causadas por defeitos qualitativos e/ou quantitativos dos constituintes da membrana que promovem a sua instabilidade, acarretando ocasional diminuição da vida média eritrocitária, ou seja, um estado hemolítico, compensado ou não. As principais doenças relacionadas às anormalidades da membrana eritrocitária são esferocitose hereditária, eliptocitose hereditária e estomatocitose hereditária, forma desidratada (xerocitose) ou hiperidratada (hidrocitose). A análise da morfologia eritrocitária fornece-nos importantes informações, muitas vezes podendo sugerir o diagnóstico. Classicamente, o estudo da morfologia eritrocitária baseia-se na análise de esfregaços de sangue periférico corados por colorações panóticas. Os esferócitos (Figura 39) sugerem esferocitose hereditária, mas podem ocorrer também nas anemias hemolíticas autoimunes por anticorpos quentes, que devem ser excluídas pelo teste de Coombs. Curiosidade Existem dois testes de Coombs, o direto e o indireto. O direto é usado no diagnóstico de doenças autoimunes e doença hemolítica do recém-nascido. Ele detecta anticorpos ligados à superfície das hemácias. O indireto é usado em exames pré-natais de gestantes Rh negativo e em exames de sangue antes de transfusões sanguíneas, detectando anticorpos contra hemácias que estão presentes livres no plasma sanguíneo do paciente. Na eliptocitose hereditária (Figura 40), o diagnóstico baseia-se no achado de células elípticas e/ou ovais, que ocorrem em número variado, em geral acima de 10% do total celular. Nos casos mais graves, podemos observar micrócitos e poiquilócitos, decorrentes da fragmentação celular (formas homozigotas, duplo heterozigotas e piropoiquilocitose hereditária). Na estomatocitose hereditária, o achado morfológico característico são os estomatócitos (Figura 41), embora nem sempre sejam reconhecidos com facilidade. Pág. 54 de 113 Figura 39 – Esferócitos Fonte: <http://slideplayer.com.br/slide/9515464/29/images/30/Hem%C3%A1cias+hipercr%C3%B4micas.jpg> Figura 40 – Eliptócitos Fonte: <https://c1.staticflickr.com/9/8008/7518586430_882c22a025_b.jpg> Pág. 55 de 113 Figura 41 – Estomatócitos Fonte: <https://i.pinimg.com/originals/b1/7c/23/b17c23dff940fb8391d7871b57ca2385.jpg> Curva de fragilidade osmótica A curva de fragilidade osmótica ou curva de resistência globular é um teste que mede a resistência das hemácias à lise induzida pela hipotonicidade. Os eritrócitos que possuem baixa relação entre as dimensões da membrana e o volume eritrocitário, como os esferócitos (Gráfico 1), têm sua membrana rompida com mais facilidade do que hemácias que possuem membrana eritrocitária de maior dimensão, como as hemácias em alvo e os estomatócitos. A curva de fragilidade osmótica é um teste importante no diagnóstico de esferocitose, mas tem limitações relevantes. Aproximadamente 15% dos indivíduos portadores dela têm curva normal, ao passo que pacientes que apresentam outras doenças que cursam com esferócitos, em especial anemia hemolítica autoimune, também possuem curva desviada. Apesar das limitações, é um teste de rastreamento importante e, associado às outras informações clínicas e laboratoriais, auxilia no diagnóstico de doenças da membrana. Pág. 56 de 113 Gráfico 1 – Curva de fragilidade osmótica de paciente com esferocitose Fonte: <http://www.medicinanet.com.br/imagens/20150106091930.jpg> Eritroenzimopatias As hemácias contam com um arsenal de enzimas que geram energia a partir da glicólise (ciclo de Embden-Meyerhof) e que têm ação antioxidante (ciclo das pentoses ou via da hexose monofosfato). Deficiências nas enzimas podem resultar em hemólise. As principais eritroenzimopatias são: deficiência da G-6-PD e deficiência de piruvatoquinase. A G-6-PD é uma enzima importante na manutenção dos níveis de glutationa reduzida, que protege a hemácia de danos oxidativos. A enzima G-6-PD age sobre o substrato glicose-6-fosfato, gerando NADPH, que age como cofator da glutationa-redutase na geração de glutationa reduzida. Na deficiência de G-6-PD, a hemoglobina pode tornar-se oxidada, desnaturar-se e formar corpúsculos de Heinz. Estes lesam a membrana eritrocitária, resultando na retirada das hemácias da circulação pelo baço. A doença é herdada ligada ao cromossomo X e, quanto menor a atividade enzimática, maior será a intensidade do quadro clínico. Ela causa quadro de anemia hemolítica ocasional e aguda, relacionada aos fatores precipitantes, tais como infecções, cetoacidose diabética ou ingestão de substâncias oxidantes. Mais raramente, pode provocar quadro de anemia hemolítica crônica. O quadro clínico dependerá do tipo de mutação no gene da G-6-PD. O hemograma revela anemia Pág. 57 de 113 (queda de hemoglobina de 3 a 4 g/dL), reticulocitose, células fragmentadas, células irregularmente contraídas, microesferócitos e células “mordidas” (bited cells). Em colorações supravitais, podem ser observados corpúsculos de Heinz. O diagnóstico de deficiência de G-6-PD é efetuado pela medida de atividade enzimática. A deficiência da piruvatoquinase é a mais frequente enzimopatia do ciclo metabólico eritrocitário associado à glicólise, sendo a causa mais comum de anemia hemolítica não esferocítica congênita. A enzima é responsável pela geração de energia para a hemácia, sob a forma de ATP. Na sua deficiência, menos energia é formada, e a hemácia terá sua vida média encurtada, com consequente anemia hemolítica. O quadro laboratorial é de anemia hemolítica, com o esfregaço de sangue periférico evidenciando anisocitose, poiquilocitose e graus variáveis de equinocitose. A contagem de reticulócitos está aumentada, como se espera em quadro hemolítico, mas pode aumentar muito após a esplenectomia, um achado que pode ter significado diagnóstico. A reticulocitose após esplenectomia pode chegar a 70% a 80% e é mantida elevada por toda a vida. O diagnóstico pode ser feito com a dosagem sérica da PK ou de sua atividade funcional. Anemias hemolíticas A anemia hemolítica é definida como redução na sobrevida das hemácias em razão do aumento da destruição delas. Essa alteração pode ocorrer de forma aguda ou ser de natureza crônica, hereditária ou adquirida. Pode ser causada por um de dois mecanismos: 1. Anormalidades das hemácias e/ou de sua membrana (defeitos intracorpusculares). Estas são geralmente congênitas (por exemplo, anemia falciforme, talassemia, deficiência de G-6-PD desidrogenase e esferocitose hereditária). 2. Anormalidades no ambiente das hemácias. Esses processos são, por definição, extracorpusculares e classificados como anemia hemolítica extrínseca. Dentre suas mais importantes formas, estão as causadas por mecanismos imunológicos e, mais raramente, as anemias adquiridas não imunes. Laboratorialmente, as anemias hemolíticas são normocíticas (geralmente) ou, mais raramente, macrocíticas, decorrentes da reticulocitose importante ou da deficiência de folato concomitante. Observa-se anisocitose, evidenciada pelo aumento do RDW, com esferócitos no esfregaço sanguíneo, além de evidências de destruição celular pelo aumento da LDH (lactato desidrogenase), elevação do catabolismo eritrocitário pelo aumento de bilirrubina indireta (BI), diminuição dos níveis de Pág. 58 de 113 haptoglobina (proteína sérica responsável pela retirada da hemoglobina livre da circulação) e medula óssea regenerativa (sugerida pela reticulocitose). Por isso, quando se suspeitade processo hemolítico, os testes iniciais devem incluir a mensuração de LDH, BI e haptoglobina, além da contagem reticulocitária. Nenhum desses testes, entretanto, é específico ou capaz de auxiliar no diagnóstico diferencial das anemias hemolíticas. As principais alterações laboratoriais encontradas em anemia hemolítica microangiopática (AHMA), coagulação intravascular disseminada (CIVD), púrpura trombocitopênica trombótica (PTT), síndrome hemolítico-urêmica (SHU) e hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) estão sumarizadas no Quadro 6. Quadro 6 – Comparação laboratorial das principais causas de anemias hemolíticas não imune Fonte: Santos (2013) Doenças Heritrócitos Leucócitos e plaquetas Coagulação e função plaquetária Outros AHMA Anisocitose; esquizócitos; reticulocitose; eritroblastos no sangue periférico; policromasia, elevação RDW Leucócitos variáveis; plaquetas normais ou diminuídas Variável, dependendo da doença de base Variável dependendo da doença de base CIVD Anisocitose; esquizócitos; reticulocitose; eritroblastos no sangue periférico; policromasia, elevação RDW Leucócitos variáveis; plaquetas diminuídas TP, TTPA, TT prolongados; PDF aumentados; D-dimero elevado; adesão e/ou agregação plaquetária anormal LDH elevada; haptoglobina reduzida; hemoglobina plasmática elevada; hemoglobinúria PTT Anisocitose; esquizócitos; reticulocitose; eritroblastos no sangue periférico; policromasia; elevação RDW Leucócitos aumentados; plaquetas diminuídas Usualmente normais, exceto PDF que pode estar elevado LDH elevada; haptoglobina reduzida; bilirrubina indireta elevada; hemoglobinúria Pág. 59 de 113 SHU Anisocitose; esquizócitos; heritrócitos crenados; reticulocitose; eritroblastos no sangue periférico; policromasia, elevação RDW Leucócitos normais ou diminuídos; plaquetas normais ou reduzidas Usualmente normais LDH elevada; haptoglobina reduzida; bilirrubina indireta normal ou elevadas; proteinúria; hemoglobinúria HPN Acentuada anisocitose; reticulocitose; eritroblastos no sangueperiférico Leucócitos normais ou diminuídos; plaquetas normais ou diminuídas Usualmente normais Teste de Ham positivo; LDH elevada; haptoglobina reduzida; bilirrubina indireta elevada; hemoglobinúria; CD55 e CD59 reduzidos Fonte: Santos (2013) Anemias hemolíticas autoimunes Figura 42 – Exames laboratoriais Fonte: Likoper/Shutterstock Pág. 60 de 113 Caracteriza-se pela destruição precoce das hemácias decorrente da fixação de imunoglobulinas e/ou complemento na membrana dessas células. A anemia hemolítica autoimune (AHAI) pode ser classificada com base nos resultados dos testes laboratoriais imuno-hematológicos mostrados no Quadro 7. A maioria dos pacientes com AHAI tem autoanticorpos do tipo IgG, que reagem melhor à temperatura de 37oC, chamados autoanticorpos quentes. A AHAI por anticorpos a frio ou crioaglutininas ocorre quando os autoanticorpos apresentam maior afinidade pela hemácia em temperatura inferior à temperatura corpórea, próxima a 4oC, e diminuição dessa afinidade em temperaturas fisiológicas. Ocasionalmente, o paciente pode ter uma combinação de autoanticorpos a quente e a frio. Quadro 7 – Classificação das anemia hemolíticas autoimunes • Anemias hemolíticas autoimunes ◊ Causadas por anticorpos a quente ◊ Primária ou idiopática ◊ Secundária » Doença linfoproliferativas » Carcinomas » Mielodisplasia » Colagenoses » Retocolite ulcerativa » Hepatites ◊ Causadas por anticorpos a frio ◊ Doença das aglutininas a frio » Idiopática ou primária » Secundária (linfomas, Mycoplasma, mononucleose) Pág. 61 de 113 ◊ Hemoglobinúra paraxística a frio » Idiopática ou primária » Secundária ◊ Induzida por drogas » Indução de autoimunidade » Adsorção de drogas » Adsorção de imunocomplexos » Adsorção não imunológica de proteínas • Anemias hemolíticas aloimunes ◊ Reação transfusional hemolítica » Imediata » Tardia ◊ Doença hemolítica perinatal Fonte: Santos (2013) Patologias dos leucócitos A inflamação é uma das mais comuns causas da resposta leucocitária. Quando ela se instala, vários mediadores químicos passam a atuar e modular vários eventos. Segue-se a diapedese de leucócitos através da parede vascular, na qual comumente os neutrófilos chegam primeiro, surgindo, mais tarde, monócitos, eosinófilos, basófilos e linfócitos. Pág. 62 de 113 Leucocitose e leucopenia A leucocitose refere-se ao aumento dos glóbulos brancos; em adultos, esse valor geralmente está acima de 11.000/ mm³. As principais causas são infecção/inflamação, traumatismo e leucemia/ linfoma. A leucocitose com neutrofilia é uma das anormalidades mais comuns, sendo clinicamente, muitas vezes, acompanhada de febre consequente da liberação de mediadores e citocinas pelos leucócitos. A diminuição da quantidade de leucócitos para valores abaixo de 4.000/ mm³ caracteriza a leucopenia e geralmente resulta de redução do número de neutrófilos (neutropenia). As principais causas de leucopenia são uso de fármacos que afetam a produção de leucócitos, terapêuticas imunossupressoras e síndromes de imunodeficiência, bem como situações neoplásicas. Neutrofilia A neutrofilia caracteriza-se por contagem de neutrófilos, geralmente, superior a 8.000/ mm³ em adultos. Em situações inflamatórias e/ou infecciosas, a consequência, em geral, é a instalação de perfil de neutrofilia, resposta de fase aguda. Nessas situações, ela decorre da combinação dos mecanismos de produção aumentada e da liberação dos neutrófilos da medula óssea para o sangue periférico. Em determinadas situações, como nas infecções, os neutrófilos podem apresentar alterações morfológicas, como granulações grosseiras denominadas granulações tóxicas, que são caracterizadas por serem grandes, grosseiras, quase negras. Normalmente, indicam processo infeccioso. A reação leucemoide mieloide é uma reação de caráter policlonal benigna, caracterizada por leucocitose com desvio à esquerda e escalonamento maturativo preservado. Em geral, não se observam alterações das séries eritroide e plaquetária, a menos que haja outra afecção associada. Esplenomegalia não é achada, e o exame da fosfatase alcalina de neutrófilos mostra-se aumentado, sendo comumente notado aumento das proteínas inflamatórias no plasma. Já a leucemia mieloide crônica é neoplasia de caráter clonal maligno, na qual encontramos leucocitose e neutrofilia, mas, como há comprometimento clonal da célula precursora, acaba-se encontrando eosinofilia, várias vezes associada à basofilia. Pode haver esplenomegalia. Anemia discreta, comumente normocítica normocrômica, e discreta plaquetose são achados comuns. Por comprometimento maligno clonal, as células apresentam dificuldade de resposta aos patógenos. Pág. 63 de 113 Dessa forma, a fosfatase alcalina de neutrófilos é baixa ou ausente e, em aproximadamente 90% dos casos, manifesta cariótipo com cromossomo Philadelphia. A Tabela 3 mostra diferenças entre a reação leucemoide mieloide e a leucemia mieloide crônica (LMC). Tabela 3 – Diferenças entre a reação leucemoide mieloide da leucemia mieloide crônica Clínica LMC Reação leucemóide Exame físico Sem sintomas ou esplenomegalia, febre, anorexia, emagrecimento Infecção (pneumonia), carcinoma (tumor necrótico), inflamação (vasculite) Sangue periférico Leucócitos > 100.000/mm com desvio à esquerda até blastos, basófila, eosinofilia, plaquetas em número normal ou aumentado; hemácia em lágrima, eritoblastos circulantes e policromatofilia Leucócitos normalmente < 50.000/mm com predomínio de formas maduras, mieloblastos raros, sem basófila, plaquetas normais Medula óssea Hipercelular com relação leucoeritroblástica > 10:1, basofilia, aumento de megacariócitos e fibrose Normocelular, relação LE 5:1, sem basófila, megacariócitos normais Fosfatase alcalina de neutrófilos DiminuídaAumentada Ácido úrico Aumentado Normal Cariótipo Cromossomo Filadélfia Normal Fonte: Santos (2013) Linfocitose Refere-se ao aumento do número de linfócitos no sangue periférico acima do nível normal. Entre as causas mais importantes de linfocitose, destacam-se linfocitose fisiológica da infância (do nascimento até os dois anos de idade), na qual o valor pode-se chegar a 8.000 linfócitos/ mm³; linfocitose absoluta como consequência da resposta às infecções (viral aguda, como mononucleose, pelo vírus Epstein-Barr e hepatite; outras infecções agudas, como coqueluxe e toxoplasmose; intracelulares por bactérias, como tuberculose ou brucelose); linfocitose relativa, que inclui infecções virais agudas, doença do tecido conjuntivo, hipertiroidismo, doença de Addison e esplenomegalia Pág. 64 de 113 com sequestração esplênica dos granulócitos. Também pode suceder como consequência de doença linfoproliferativa. Figura 43 – Células sanguíneas Fonte: adike/Shutterstock As reações leucemoides linfoides apresentam, geralmente, contagem de leucócitos acima de 50.000/ mm³. São caracterizadas por proliferação benigna e transitória de células da linhagem linfoide. Elevada contagem, principalmente de linfócitos maduros, é observada em diversos casos, porém atipia linfocitária também pode ser verificada, o que pode gerar confusão com células mais jovens e dificultar o diagnóstico diferencial com leucemias da linhagem linfoide. Monocitose A monocitose caracteriza-se pelo aumento do número de monócitos na circulação acima de 1.000/ mm³. Ela pode ser observada em certas infecções bacterianas, como tuberculose, endocardite bacteriana subaguda, brucelose, tifo exantemático e em raros casos de febre tifoide. Em algumas doenças autoimunes, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, doença inflamatória intestinal e sarcoidose, também pode ser observada monocitose. Pág. 65 de 113 Eosinofilia A eosinofila caracteriza-se por contagem de eosinófilos no sangue periférico acima de 6% ou 400/mm³ em adultos. Eosinofilia é considerada resposta inespecífica decorrente de parasitismo, alergias, hipersensibilidade ou lesão incomum que produz quimiotático aos eosinófilos. Parasitismos, asma brônquica, rinite alérgica, dermatite atópica, conjuntivite alérgica constituem-se nas etiologias mais comuns e explicam a eosinofilia em mais de 90% dos casos. Basófilos A basofilia refere-se ao aumento na quantidade de basófilos acima de 100/ mm³. Os basófilos participam de processos alérgicos e possuem capacidade de produzir histamina e heparina. A concentração deles está aumentada em alergias, sensibilidade aos alimentos ou ao meio ambiente, colite ulcerativa, sinusite crônica, catapora e na presença de processos degenerativos, tais como artrite reumatoide, câncer pulmonar e leucemia mieloide crônica. Leucemias Leucemia é um grupo de doenças hematológicas malignas e clonais dos leucócitos. São classificadas em leucemias mieloide (ou mielocítica) e linfoide (ou linfocítica), podendo estas serem agudas (quando blastos >20% no sangue periférico ou medula óssea) ou crônicas. Assim: leucemia mieloide aguda (LMA), leucemia mieloide crônica (LMC), leucemia linfoide aguda (LLA) e leucemia linfoide crônica (LLC). LMA A LMA é uma doença maligna heterogênea que provém do resultado de alteração genética adquirida (não herdada) de células da linhagem mieloide. Caracteriza-se por proliferação clonal e maturação anormal de um dos precursores hematopoéticos da linhagem mieloide da medula óssea. A LMA representa 15% a 20% das leucemias agudas da infância e 80% em adultos. Conforme a classificação FAB, as LMA foram classificadas em M1 até M6, sendo, posteriormente, atualizadas com as categorias M7 (megacarioblástica) e LMA-M0 (blastos indiferenciados) a partir do uso de marcadores imunofenotípicos (Tabela 4). Segundo a classificação da OMS de 2001, que leva em consideração, além do perfil morfológico e imunofenotípico, alterações citogenéticas e Pág. 66 de 113 prognóstico, elas foram classificas em três subgrupos: (1) LMA com anormalidades genéticas recorrentes, (2) LMA com alterações relacionadas à mielodisplasia, (3) neoplasias mieloides relacionadas à terapia e (4) LMA sem outra especificação. Em 2008, a OMS atualizou essa classificação, adicionando mais três novas entidades mieloides que passaram a ser consideradas: (1) sarcoma mieloide, (2) proliferações mieloides relacionadas à síndrome de Down e (3) neoplasia de célula blástica dendrítica plasmocitoide (Tabela 5). Tabela 4 – Classificação FAB para as LMA • Leucemias mieloides agudas ◊ LMA-M0 (leucemia mieloides aguda com mínima diferenciação) » Marcadores mieloides positivos » Peroxidase < 3% dos blastos • LMA-M1 (leucemia mieloide aguda sem maturação) ◊ 90% das células nucleadas da médula óssea) ◊ Peroxidase > 3% dos blastos ◊ Sudan black > 3% dos blastos • LMA-M2 (leucemia mieloide aguda com maturação) ◊ % blastos na médula óssea > 30% ◊ Componente monocítico < 20% ◊ Mieloperoxidase > 3% blastos • LMA-M3 (leucemia promielocítica aguda) ◊ Predomínio de promielócitos ◊ Peroxidase e Sudan black fortemente positivos Pág. 67 de 113 • LMA-M4 (leucemia mielomonocítica aguda) ◊ Compenente monocítico na medula óssea entre 20 e 80% e/ou > 5.000 monócitos/mm³ no sangue periférico • LMA-M6 (leucemia eritroide aguda) ◊ Eritroblastos > 50% das células nucleadas da medula óssea ◊ Blastos > 30% das células não eritroides ◊ Glicoforina positiva • LMA-M7 (leucemia megacariocítica aguda) ◊ Megacarioblastos > 30% das células não eritroides ◊ CD41+, CD42+ ou CD61+ Fonte: Santos (2013) Tabela 5 – Classificação da OMS e relação com a FAB para as LMA OMS FAB LMA com anomalias citogenéticas recorrentes LMA com t(8;21) M2 Leucemia promielocítica aguda t(15;17) M3 LMA com eosinófilos anormais na medula óssea inv(16) ou t(16;16) M4 Eo LMA com anormalidades 11q23 (MLL) - LMA com alterações relacionadas à mielodisplasia Com síndrome mielodisplásia prévia - Sem síndrome mielodisplásia prévia - Neoplasias mieloides relacionadas à terapia Relacionadas aos agentes alquilantes - Relacionadas às epipodofilotoxinas - Outras - Pág. 68 de 113 LMA sem outra especificação LMA minimamente diferenciada M0 LMA sem maturação M1 LMA com maturação M2 Leucemia mielomonocítica aguda M4 Leucemia monocítica aguda M5 Eritroleucemia M6 Leucemia megacariocítica aguda M7 Leucemia basofílica aguda - Pan-mielose aguda com mielofibrose - Fonte: Santos (2013) LLA A LLA é uma neoplasia dos precursores linfoides que atinge os linfoblastos B ou T e se caracteriza pelo acúmulo dessas células na medula óssea. A LLA é o tipo de câncer mais comum na infância. Figura 44 – Exames Fonte: Pressmaster/Shutterstock Pág. 69 de 113 A classificação FAB possibilitou que as LLA fossem classificadas, conforme as características morfológicas dos blastos da medula óssea, em tipos L1, L2 e L3. Atualmente, para o diagnóstico de LLA, além dos métodos citomorfológicos, os citoquímicos e imunofenotípicos são, em geral, empregados. A Tabela 6 mostra a classificação FAB. Tabela 6 – Características morfológicas dos blastos Leucemias linfoides aguda Linfoblasto L1 L2 L3 Tamanho Pequeno Médio Grande Cromatina nuclear Pouco frouxa Moderadamente frouxa Frouxa Relação núcleo/ citoplasma Alta Moderada Alta N. de nucléolos 0 – 1 1 – 2 1 - 2 Fonte: Santos (2013) Reflexiva Segundo a American Cancer Society, a maioria dos casos de LLA ocorrem em crianças, porém 80% das mortes são de adultos. Discuta com seus colegas e tutores porque a LLA pode ser mais fatal para os adultos. LMC A LMC é uma doença neoplásica clonal que afeta as células-tronco hematopoéticas, caracterizada pelo excesso de produção das células mieloides em todos os estágios de maturação. Em 1960, Nowell e Hungerford, dois pesquisadores da Filadélfia, nos Estados Unidos, observaram um cromossomo anômalo presente
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