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Gustavo Lins Ribeiro
109NOVOS ESTUDOS 80 ❙❙ MARÇO 2008 
RESUMO
Neste artigo, desenvolvimento é visto como um campo de
poder formado por muitas redes e instituições. A noção de “consorciação” é apresentada para explicar as articulações
entre os diferentes atores do campo do desenvolvimento. Além disso, desenvolvimento é tratado como uma ideologia
e utopia, como um discurso atravessado por categorias culturais ocidentais e vinculado à expansão econômica capita-
lista. A discussão sobre os “dramas desenvolvimentistas” permite identificar dois tipos de sujeitos gerados por encon-
tros desiguais entre atores locais e outsiders.
PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento; campos de poder; expansão 
econômica.
SUMMARY
In this article I see development as a power field made up of
many networks and institutions. I present the notion of “consortiation” to explain the articulations among the diffe-
rent actors of the development field. Furthermore, development is approached as an ideology and utopia, a discourse
traversed by cultural western categories and linked to the economic expansion of capitalism. The discussion on “deve-
lopmentalist dramas” allows for the identification of two types of subjects generated by the unequal encounters bet-
ween local actors and outsiders.
KEYWORDS: development; power fields; economic expansion.
[1] Compartilho da opinião de Rist
segundo a qual a crítica precisa ser
“entendida no seu sentido kantiano
de exame livre e público ao invés de no
seu sentido usual de julgamento des-
favorável” (Rist,Gilbert.The history of
development: from western origins to glo-
bal faith. London, New York: Zed
Books, 1997, p. 30).
[2] Durkheim,Émile.Las formas ele-
mentales de la vida religiosa. Buenos
Aires: Schapire, 1968.
Há sempre crises conceituais se desdobrando inter-
namente ao campo do desenvolvimento e da cooperação técnica, pro-
movendo momentos profícuos para realizar mudanças nas formações
discursivas relacionadas. Se quisermos ir além de teorias e conceitos
reciclados, novas formulações precisam se basear em uma crítica do
campo maior das atividades de desenvolvimento1.Após várias décadas
de proeminência do discurso sobre desenvolvimento, não há mais
lugar para inocência. Inspirado pelo conhecido argumento de Dur-
kheim2 segundo o qual religião é a sociedade adorando a si própria,
entendo desenvolvimento como a expansão econômica adorando a si
mesma. Isso significa que precisamos conhecer o sistema de crença
que subjaz a essa devoção assim como as características do campo de
poder que a sustenta.
PODER, REDES E IDEOLOGIA 
NO CAMPO DO DESENVOLVIMENTO
[3] Adams,Richard.The second sowing:
power and secondary development in La-
tin America. San Francisco: Chandler
Publishing Company, 1967.
[4] Wolf, Eric. Envisioning power:
ideologies of dominance and crisis. Ber-
keley: University of California Press,
1999.
[5] Berman,Marshall.Tudo que é só-
lido desmancha no ar. São Paulo: Cia.
das Letras, 1987.
[6] Bourdieu, Pierre. Questions de
sociologie. Paris: Editions de Minuit,
1986.
[7] Perrot, Marie-Dominique e ou-
tros. La mythologie programmée: l’éco-
nomie des croyances dans la société mo-
derne. Paris:PUF,1992,pp.202-204.
Poder, uma noção central deste texto, tem muitas definições.
Minha própria concepção baseia-se na combinação de três fontes
diferentes. Para Richard Adams3, poder é o controle que um coletivo
possui sobre o ambiente de outro coletivo. Das diversas visões de
Max Weber,reterei aquela do poder como a capacidade de incitar pes-
soas a fazerem o que não querem. Já a noção de poder estrutural, de
Eric Wolf4, enfatiza a capacidade que forças e relações históricas —
especialmente aquelas que definem acesso ao trabalho social — têm
de criar e organizar cenários que constrangem as possibilidades de
ação das pessoas e de especificar a direção e distribuição de fluxos de
energia. Poder, assim, refere-se à capacidade (a) de ser sujeito do seu
próprio ambiente,de ser capaz de controlar seu próprio destino,quer
dizer,de controlar o curso da ação ou dos eventos que manterão a vida
como está ou a modificarão;ou (b) de impedir as pessoas de se torna-
rem atores “empoderados”. Já que o desenvolvimento sempre
implica transformação5 e tipicamente ocorre por meio de encontros
entre insiders e outsiders localizados em posições de poder diferentes,
as iniciativas de desenvolvimento estão ancoradas e atravessadas por
situações em que desigualdades de poder abundam. A dificuldade de
realizar mudanças internamente à chamada “comunidade de desen-
volvimento” está intimamente relacionada ao fato de a mesma ser um
campo de poder.
DESENVOLVIMENTO COMO CAMPO DE PODER
Bourdieu6 define um campo como uma série de relações e inter-
relações baseada em valores específicos e práticas que operam em
dados contextos.Um campo é heterogêneo por definição;ele é feito de
diferentes atores,instituições,discursos e forças em tensão.Dentro de
um campo,tudo faz sentido em termos relacionais por meio de oposi-
ções e distinções. Estratégias de cooperação ou conflito entre atores
determinam se uma doutrina particular é hegemônica, não obstante
seus sucessos ou falhas7.
O campo do desenvolvimento é constituído por atores que repre-
sentam vários segmentos de populações locais (elites locais e líderes de
movimentos sociais, por exemplo); empresários privados, funcioná-
rios e políticos em todos os níveis de governo; pessoal de corporações
nacionais,internacionais e transnacionais (diferentes tipos de emprei-
teiros e consultores, por exemplo); e pessoal de organizações interna-
cionais de desenvolvimento (funcionários de agências multilaterais e
bancos regionais, por exemplo). As instituições são parte importante
desse campo; elas incluem vários tipos de organizações governamen-
tais, organizações não-governamentais, igrejas, sindicatos, agências
multilaterais,entidades industriais e corporações financeiras.
110 PODER, REDES E IDEOLOGIA NO CAMPO DO DESENVOLVIMENTO ❙❙ Gustavo Lins Ribeiro
111NOVOS ESTUDOS 80 ❙❙ MARÇO 2008 
[8] Barros, Flávia Lessa de. “Am-
bientalismo, globalização e novos
atores sociais.” Sociedade e Estado,vol.
XI, n-º 1, 1996, pp. 121-137.
[9] Minha opção por enfocar os
projetos de grande escala é de ordem
metodológica.Estou seguindo a idéia
de Alfred Kroeber (“On human
nature”. Southwestern Journal of Anth-
ropology, n-º 11, 1955, pp. 195-204) de
que é preciso estudar “as mais extre-
mas expressões” de uma série de
fenômenos para melhor entendê-los.
Os engenheiros militares primeiro e
depois os engenheiros civis tiveram
um grande papel na estruturação
desse campo, a partir do século XVIII
(Ribeiro, Gustavo Lins. “Cuanto más
grande mejor? proyectos de gran
escala: una forma de producción vin-
culada a la expansión de sistemas
económicos”. Desarrollo Económico,
n-º 105, 1987, pp. 3-27).
[10] Ibidem.
A estrutura e a dinâmica de cada campo de desenvolvimento estão
marcadas por diferentes capacidades de poder e interesses que são
articulados por meio de processos históricos de estruturação de redes.
“Desenvolvimento” abarca diferentes visões e posições políticas,
variando do interesse em acumulação de poder econômico e político a
uma ênfase em redistribuição e igualdade. Em conseqüência, lutas de
poder são comuns entre atores, internamente às instituições e entre
elas.Nós de poder diferenciado operam dentro de uma rede de relações
e se expressam concretamente em disparidades existentes entre,diga-
mos, as capacidades e ações do Banco Mundial e aquelas de uma
pequena ONG na Índia.Barros8,no seu estudo de movimentos e polí-
ticas ambientais globais, cunhou a noção de “agentes nucleares”,
aqueles com mais poder para influenciar a configuração e tendências
de um campo (no seu caso, as Nações Unidas, o Banco Mundial e as
ONGs mais influentes).Os atores e as instituições mais poderosos do
campo de desenvolvimento são designados,às vezes pejorativamente,
pelo rótulo “indústria do desenvolvimento”. Eles se empenham na
reprodução do campo como um todo, já que seus próprios interessessão intimamente conectados à existência do campo.Os atores e insti-
tuições menos poderosos são grupos locais vulnerabilizados por ini-
ciativas de desenvolvimento que destroem as relações entre povos
indígenas,seus territórios e culturas — como os reassentamentos for-
çados para a construção de represas — e provêem o cenário mais óbvio
da vulnerabilidade de populações locais vis-à-vis ao “desenvolvi-
mento”. A natureza da distribuição de poder dentro do campo do
desenvolvimento dependerá dos processos por meio dos quais as
redes são formadas e das características das intervenções institucio-
nais decorrentes do drama do desenvolvimento.
CRIANDO REDES E CONSÓRCIOS: A CONSTRUÇÃO DE INSTITUIÇÕES
Redes relacionadas à expansão e ao crescimento econômicos não
são novas. Desde a Revolução Industrial, por exemplo, elas têm ope-
rado na construção de projetos de infra-estrutura de grande escala
(PGEs),como canais,ferrovias,represas e outras grandes obras que for-
mam a quintessência dos chamados “projetos de desenvolvimento”9.
Os PGEs têm características estruturais que lhes permitem ser tratados
como “expressões extremas” do campo do desenvolvimento: o tama-
nho do capital, territórios e quantidade de pessoas que eles controlam;
seu grande poder político; a magnitude de seus impactos ambientais e
sociais; as inovações tecnológicas que freqüentemente criam; e a com-
plexidade das redes que eles engendram10. Eles juntam quantidades
impressionantes de capital financeiro e industrial,assim como de elites
e técnicos estatais e trabalhadores,fundindo níveis de integração locais,
[11] Inspirado em Julian H. Steward
(Theory of culture change: The methodo-
logy of multilinear evolution. Urbana e
Chicago: University of Illinois Press,
1972),interpreto os níveis de integra-
ção como um espectro formado por
níveis locais, regionais, nacionais,
internacionais e transnacionais, com
poderes diferentes de estruturação.
Para fins de simplicidade e clareza,
faço a seguinte equação: o nível local
corresponde à localização de nossas
experiências fenomenológicas ime-
diatas diárias, isto é,à série de lugares
onde uma pessoa ou um grupo exe-
cutam atividades diárias regulares,
interagindo com ou sendo expostos a
diferentes redes e instituições so-
ciais. O nível regional corresponde à
definição político-cultural de uma
região dentro de um nação, como o
Sul dos Estados Unidos,ou a Galícia,
na Espanha. Os níveis nacionais,
internacionais e transnacionais se
referem à existência do Estado-nação
e às diferentes relações dentro, fora e
através dele.
[12] Ribeiro, G. L. Transnational capi-
talism and hydropolitics in Argentina.
Gainesville: University of Florida
Press, 1994; e idem. “Ethnic segmen-
tation of the labor market and the
‘Work Site Animal’: fragmentation
and reconstruction of identities
within the world system”.In:Schnei-
der, Jane e Rapp, Rayna (orgs.).Unco-
vering hidden histories. Berkeley: Uni-
versity of California Press, 1995, pp.
336-350.
[13] Rich, Bruce. Mortgaging the
earth: The World Bank, environmental
impoverishment, and the crisis of deve-
lopment. Boston: Beacon Press, 1994,
p. 195.
[14] Kraske,Jochen e outros.Bankers
with a mission: The presidents of the
World Bank, 1946-91. Oxford:Oxford
University Press, 1996, p. 136.
regionais, nacionais, internacionais e transnacionais11. Como uma
forma de produção ligada à expansão de sistemas econômicos,os PGEs
conectam áreas relativamente isoladas a sistemas mais amplos de mer-
cados integrados.Fluxos não-lineares de trabalho,capital e informação
entre tais projetos têm acontecido em escala global12. Os projetos de
grande-escala têm se apoiado em instituições poderosas — tais como
organizações governamentais e multilaterais, escolas de engenharia,
bancos e corporações industriais —, que têm desempenhado papéis
importantes na economia política dos últimos dois séculos. Muitas
dessas instituições se tornaram centros de difusão de idéias sobre
novos e até maiores projetos; sobre inovações tecnológicas; e sobre
categorias,modelos e ideologias de progresso e expansão industrial.
Por que deveríamos nos importar com essas conexões históricas?
Precisamente porque o campo do desenvolvimento herda muitas das
crenças e práticas geradas e transmitidas internamente ao campo dos
projetos de grande escala. Não é uma casualidade o fato que nos ban-
cos multilaterais, por exemplo, antes do impacto reformista do movi-
mento ambientalista, projetos de infra-estrutura de grande escala
tenham sido,por muitos anos,alguns dos principais itens de suas car-
teiras. Os circuitos que vinculam projetos nas escalas nacionais aos
globais têm construído uma rede multilocalizada por meio da qual
informação e pessoas circulam. Soluções técnicas e administrativas
são intercambiadas e algumas vezes melhoradas em projetos apresen-
tados como vitrines para a implementação de novos métodos e tecno-
logias. Por causa de seus enormes impactos ambientais e sociais, os
PGEs mostram claramente o desequilíbrio das relações de poder entre
populações locais e outsiders desenvolvimentistas. Por outro lado,
esses projetos têm também causado um aumento na capacidade de
reação de atores locais na forma de movimentos sociais e ONGs. As
pessoas passaram a entender as desigualdades inerentes a esse tipo de
expansão econômica. O capital estrangeiro, vários tipos de profissio-
nais e técnicos expatriados comumente ficam com a maior parte das
riquezas produzidas em tais empreendimentos.
As conexões entre diferentes PGEs, assim como a continuidade
intergeracional que existe em muitas das profissões neles envolvidas,
tornam mais evidente a necessidade de traçar conexões e continuida-
des similares em outras áreas centrais do campo do desenvolvimento.
O Banco Mundial, o “Vaticano do desenvolvimento internacional”13,
exemplifica bem essa questão.Nos seus primeiros anos,foi o herdeiro
não só de muitos discursos coloniais sobre o que viria a ser conhecido
como “países do Terceiro Mundo”, mas também de funcionários das
antigas administrações coloniais que estavam desaparecendo14. O
conhecimento sobre PGEs também permite entender o desenvolvi-
mento como uma força expansiva historicamente intrínseca à globali-
112 PODER, REDES E IDEOLOGIA NO CAMPO DO DESENVOLVIMENTO ❙❙ Gustavo Lins Ribeiro
zação,e revela tal expansão como intervenções planejadas que depen-
dem do estabelecimento de redes de engenheiros, técnicos, políticos,
lobistas, servidores públicos, e capitalistas financeiros e industriais.
Os relacionamentos pessoais são de extrema importância para nave-
gar através das complexas redes de interesses que existem dentro e ao
redor dos projetos; os relacionamentos também são as fundações
sobre as quais muitas redes, intra e intercategorias profissionais, se
constroem e propiciam diversos tipos de intermediações. Essas redes
freqüentemente se articulam a interesses locais, regionais, nacionais,
internacionais e transnacionais. Elas são perfeitas para revigorar o
campo do desenvolvimento mais amplo e complexo porque permitem
o estabelecimento de distintas coalizões, que são freqüentemente ad
hoc,entre vários atores do campo.Ao mesmo tempo em que essa flexi-
bilidade permite alianças pragmáticas e algumas vezes heterodoxas,
que podem provar ser eficazes em muitas circunstâncias, ela também
é responsável por uma certa falta de transparência e de responsabili-
dade nas prestações de contas.
Apesar de seu papel vital em manter a sinergia do campo do desen-
volvimento, as redes são fluidas demais para prover a regularidade,
estabilidade,planejamento racional e capacidade de previsão necessá-
rios às intervenções desenvolvimentistas. A pragmática criação de
redes é um instrumento cuja eficiência se reflete na forte habilidade
que as redes têm em mover-se de cenários locais a nacionais, interna-
cionais e transnacionais.As redes também levam a uma perda relativa
de homogeneidade entre os sujeitos coletivos resultantes. Estes, em
geral, existem como coalizões orientadas a uma tarefa que, uma vez
completada, redundano desmantelamento do grupamento ad hoc.
Esse o motivo pelo qual as redes podem ser caracterizadas como ato-
res pragmáticos, fragmentados, disseminados, circunstanciais e até
voláteis. Sua força vem dessas características e de uma heterogenei-
dade que as capacita a estar à altura de um campo político e econômico
variante, com mais eficácia do que atores tradicionais que, em geral,
estão limitados pela necessidade de coerência e coesão internas em
termos ideológicos,organizacionais e políticos (com os conseqüentes
pesos institucionais e grandes investimentos de energia). A unidade
aparente desses atores tradicionais serve como uma identidade
externa que os qualifica como representantes de um segmento, uma
corporação ou de interesses precisamente delimitados. Mas a debili-
dade das redes advém igualmente do seu pragmatismo: ele as impede
de se tornarem atores que poderiam ter uma presença mais duradoura
e forte, se consolidadas em um sujeito mais homogêneo e coerente
com um objetivo programático compartilhado. Em conseqüência, às
redes se juntam outras entidades dentro do campo do desenvolvi-
mento, as instituições.
113NOVOS ESTUDOS 80 ❙❙ MARÇO 2008 
[15] Weber, Max. “Sociología de la
dominación”. In: Economía y Socie-
dad. México: Fondo de Cultura Eco-
nómica, 1977, pp. 695-1117.
[16] Herzfeld, Michael. The social
production of indifference: exploring the
symbolic roots of western bureaucracy.
Chicago: The University of Chicago
Press, 1992, p. 122.
[17] Ibidem.
[18] Ibidem, p. 46.
[19] Inspirado no conceito de teodi-
céia de Weber, um conceito relacio-
nado às várias formas pelas quais
sistemas religiosos procuram inter-
pretar a aparente contradição de per-
sistência maléfica em um mundo
divinamente ordenado, Herzfeld diz
que a “teodicéia secular [...] provê
meios sociais para as pessoas lidarem
com a decepção. O fato de que os
outros nem sempre contestam até
mesmo as mais absurdas tentativas
de explicar o fracasso [pode ser] a evi-
dência de uma orientação muito prá-
tica que se recusa a minar as conven-
ções de auto-justificação porque
virtualmente todos [...] podem preci-
sar utilizá-las no curso da vida” (ibi-
dem, p. 7).
Quando redes chegam ao ponto de ter interesses e objetivos bem
definidos e duradouros, elas tendem a se tornar instituições basea-
das não somente em relacionamentos pessoais, mas também em
racionalidade burocrática.Instituições são as cristalizações de redes
que têm projetos claros em vista e que podem ser realizados dentro
de um futuro previsível. A construção de instituições envolve uma
grande quantidade de cooperação técnica e monitoramento, e é,
também, uma forma de domesticar o ambiente imprevisível onde
ocorre o “desenvolvimento”.
As instituições de desenvolvimento são burocracias de tamanhos
e complexidades diferentes.Como Max Weber15 apontou,burocracias
são uma forma de dominação, de exercer poder. Quanto maiores as
iniciativas de desenvolvimento, maior a burocracia relacionada a elas
e mais forte sua capacidade de exercer poder, principalmente sobre
instituições e atores que operam em níveis mais baixos de integração.
Com suas hierarquias,regras e necessidades reprodutivas,burocracias
são máquinas de indiferença:
Prestação de contas,Weber nos diz,é do que se trata a burocracia,e pres-
tar contas é aquilo em que muitos burocratas investem muita energia para
abortar ou evitar.Um cínico poderia definir poder como o direito de não pres-
tar contas16.
Esse “direito a não prestar contas” tem motivado muitas reações e
muita oposição a burocracias de desenvolvimento em escala mundial.
Redes contra-hegemônicas ou regulatórias, compostas por ONGs,
movimentos sociais, sindicatos, igrejas etc., têm tido papéis funda-
mentais na proteção dos interesses de populações locais contra a
grande quantidade de poder acumulado por instituições de desenvol-
vimento. Muitas das agora freqüentes críticas expressadas pelas pró-
prias instituições de desenvolvimento sobre a natureza de suas opera-
ções devem ser entendidas à luz das pressões e lutas dessas redes
contra-hegemônicas ou regulatórias.O fato de burocratas ou tecnocra-
tas de agências de desenvolvimento criticarem seus próprios modos de
operação não é necessariamente uma contradição,como pode parecer à
primeira vista. É inerente à racionalidade das burocracias produzir sua
própria crítica, como uma forma de disseminar e naturalizar a própria
estrutura burocrática que elas parecem criticar e à qual, algumas vezes,
parecem se opor17. De fato, e isso é especialmente verdadeiro na histó-
ria do desenvolvimento, a capacidade de produzir desculpas por erros
cometidos, de reciclar formulações e de criar novas panacéias faz parte
dos “idiomas de auto-exoneração”18 em muitas instituições19.
As burocracias também são campos de poder.Crítica e oposição às
políticas mais fortes institucionalmente relacionam-se a lutas de
114 PODER, REDES E IDEOLOGIA NO CAMPO DO DESENVOLVIMENTO ❙❙ Gustavo Lins Ribeiro
[20] Rich, op. cit.
[21] Weber, op. cit., p. 708.
[22] Wolf, Eric. “Kinship, friends-
hip, and patron-client relations in
complex societies.” In: Pathways of
power: building an anthropology of the
modern world. Berkeley: University of
California Press, 2001 [1966], pp.
166-183, p. 174.
[23] Ibidem, p. 179.
[24] Ibidem.
[25] Ribeiro, Transnational Capita-
lism and hydropolitical in Argentina,
op. cit.
[26] Os argumentos seguintes estão
baseados no meu estudo sobre a cons-
trução da represa de Yacyretá (ibidem).
Mantendo as diferenças em mente,
consorciação também acontece em
projetos menores e naqueles que são
implementados em nome do “desen-
volvimento sustentável” (Pareschi,
Carolina C. PD/A e PP-G7: construindo
modelos de ação e interação do desenvol-
vimento sustentável. 2001 (mimeo).
poder que se desenvolvem dentro e fora das instituições em certas con-
junturas. A disputa dentro do Banco Mundial sobre o projeto de
desenvolvimento da bacia do rio Narmada,na Índia,é um exemplo de
quão intricadas são tais lutas políticas20. A crítica, entretanto, tem
limites. Apesar dos esforços que as instituições fazem para censurar
seus funcionários,às vezes eles fazem alianças com redes contra-hege-
mônicas ou regulatórias por sua própria conta e risco.A punição de tal
heresia é freqüentemente a demissão pura e simples; a ortodoxia e a
teodicéia burocráticas precisam parecer imaculadas.
Max Weber21 já tinha percebido a impossibilidade de uma forma
pura de dominação burocrática. Dentro do campo do desenvolvi-
mento, relações pessoais são críticas em momentos relevantes tais
como o recrutamento de novos funcionários e a promoção de aliados
políticos. Na verdade, a proeminência de “amizades instrumentais”,
um grande motor na criação de redes, é tão forte em grandes organi-
zações burocráticas que as redes normalmente se cristalizam em
panelinhas internamente a esses cenários22.Especialmente em situa-
ções de desequilíbrio de poder, as panelinhas têm “funções instru-
mentais importantes ao tornarem uma situação imprevisível em algo
mais previsível e ao fornecerem apoio mútuo contra surpresas per-
turbadoras, internas ou externas”23. Wolf conclui que “uma perspec-
tiva interessante” sobre grandes organizações “pode ser obtida
olhando-as enquanto organizações de aprovisionamento de paneli-
nhas, ao invés do contrário”24.
As instituições também se tornam parte de várias redes dentro do
campo do desenvolvimento. Elas criam redes por meio de complexos
processos históricos e políticos. Denominei esses processos de “con-
sorciação”,para chamar a atenção para sua entidade resultante:o con-
sórcio25. As instituições são os blocos de construção dos consórcios
que, por sua vez, transformam-se em novas instituições, as quais
podem virar as unidades de novos e mais complexos consórcios. A
consorciação é fundamental para entender o campo do desenvolvi-
mento,já que é o processo galvanizante que transforma redes de insti-
tuições em consórcios destinados a cumprir papéis delimitados con-
forme definido por um dado “projeto”26. A consorciaçãoé um
processo político comandado por grupos de poder que operam em
níveis mais elevados de integração. É um encadeamento que —
mediante a organização de novas entidades orientadas a tarefas eco-
nômicas e administrativas — une,de fato,dentro de um projeto,insti-
tuições e capitais internacionais, nacionais e regionais. É uma forma
de reforçar relacionamentos capitalistas de modo piramidal, em que
níveis mais elevados hegemonizam níveis mais baixos. O consórcio é
a entidade social, econômica, e política concreta que articula diferen-
tes grupos de poder. O processo político-econômico de criação de
115NOVOS ESTUDOS 80 ❙❙ MARÇO 2008 
consórcios afeta diretamente o potencial dos projetos de desenvolvi-
mento. A consorciação significa que os projetos reforçam a competi-
ção e a concentração de capital e poder entre firmas capitalistas; ela
facilita o processo de concentração de capital e poder eliminando com-
petidores mais fracos e cooptando alguns poucos selecionados.
A consorciação envolve um processo de mão dupla. Por um lado,
permite a pequenas unidades selecionadas participarem como par-
ceiros juniores em tarefas maiores do que sua capacidade financeira,
tecnológica e administrativa permitiria. Por outro lado, é uma forma
de facilitar o acesso de corporações maiores a novos mercados, que
são freqüentemente protegidos ou altamente disputados. Por meio
de diferentes discursos sobre o potencial de um projeto para o desen-
volvimento local,regional e nacional,os parceiros mais fracos na cor-
rente associativa legitimam suas reivindicações de maior participa-
ção. O desenvolvimento local ou regional é, assim, um argumento
comum entre companhias que operam em nível local ou regional,
competindo com corporações nacionais ou internacionais. Da
mesma forma, o desenvolvimento nacional é o argumento usado por
corporações nacionais para defender seus interesses perante o capi-
tal internacional e transnacional. Dada a característica de mão dupla
da consorciação, os discursos sobre desenvolvimento local, regional
ou nacional podem ser um argumento que os parceiros mais fortes,
isto é, os representantes das concentrações maiores de capital ou
poder,usem para legitimar a necessidade do projeto.A eloqüência do
argumento desenvolvimentista é evidente quando a cooptação de
unidades menores é necessária.
Consórcios são um meio que as corporações têm para otimizar o
uso de diferentes redes que precisam ser ativadas para realizar diferen-
tes objetivos econômicos e políticos.Por exemplo,um consórcio ope-
rando na junção dos sistemas internacionais e nacionais, e formado
por grupos de poder nacionais e transnacionais,pode fazer lobby tanto
junto a instituições nacionais quanto a internacionais e multilaterais.
Formar um consórcio sempre implica uma negociação, um processo
baseado não só em critérios econômicos e administrativos. A inter-
venção de poderosos atores — os controladores ou donos de capitais
estatais,nacionais e transnacionais — gera um campo de negociações
de poder que é politicamente estruturado. Escolher parceiros nacio-
nais,por exemplo,é uma decisão estratégica que leva em consideração
que forte apoio político dentro do Estado nacional pode ter mais valor
que apoio financeiro ou técnico. Na verdade, a definição da participa-
ção de cada parceiro em um contrato é devida tanto a articulações polí-
ticas, à criação de redes e lobby, quanto a avaliações técnicas da capaci-
dade produtiva, financeira e técnica de um determinado parceiro. A
consorciação é,assim,ao mesmo tempo,um instrumento de expansão
116 PODER, REDES E IDEOLOGIA NO CAMPO DO DESENVOLVIMENTO ❙❙ Gustavo Lins Ribeiro
[27] Manheim, Karl. Ideology and
utopia. New York: Harvest Books,
s/d.; Ricoeur, P. Lectures on ideology
and utopia. New York: Columbia Uni-
versity Press, 1986.
[28] Ribeiro, G. “Environmentalism
and sustainable development: ideo-
logy and utopia in the Late Twentieth
Century”. Environment, Development
and Reproduction.Research Texts 2.Rio
de Janeiro: Instituto de Estudos da
Religião, 1992.
[29] Escobar, Arturo. Encountering
development: the making and unmaking
of the Third World. Princeton: Prince-
ton University Press, 1995.
[30] Rist, op. cit., p. 218.
[31] Dahl, Gudrun e Hjort, Anders.
“Development as message and mea-
ning”. Ethnos, n-º 49, 1984, pp. 165-
85, p. 166.
[32] Maybury-Lewis, David. Deve-
lopment and human rights: the responsi-
bility of the anthropologist. Trabalho
apresentado no Seminário Interna-
cional sobre Desenvolvimento e
Direitos Humanos, ABA (Associação
Brasileira de Antropologia) Uni-
camp, Campinas, 1990, p. 1.
econômica e um meio de estabelecer um campo político no qual inter-
mediários de diferentes redes estabelecem as condições para partici-
par em um projeto concreto.Desde os pontos mais baixos até os mais
altos, desenvolvimento é a ideologia/utopia que cimenta os diversos
interessados, redes e instituições.
DESENVOLVIMENTO: UMA IDEOLOGIA E UTOPIA DE EXPANSÃO
Ideologias e utopias são essencialmente relacionadas a poder.Elas
expressam disputas sobre interpretações do passado (ideologia) ou
do futuro (utopia), e lutam para instituir hegemonia estabelecendo
certas visões retrospectivas ou prospectivas como a verdade, como a
ordem natural do mundo27. Desde a Segunda Guerra Mundial, o
desenvolvimento como um sistema de crenças tem sempre sido mar-
cado por leituras particulares do passado e por formulações sobre o
futuro em escala global28. Na sua análise sobre desenvolvimento,
Escobar29 o considera equivalente ao discurso colonial.De um ângulo
diferente, Gilbert Rist30 trata desenvolvimento como um sistema de
crenças organicamente relacionado à expansão mundial de sistemas
de mercados integrados e como o “slogan mobilizador de um movi-
mento social que criou organizações e práticas messiânicas”.
O fim da União Soviética (1989-1991) provocou fortes rearranjos
do sistema mundial e abriu o caminho para a consolidação de dife-
rentes ideologias e utopias de alcance global.Na década de 1990,dois
discursos relacionados tornaram-se hegemônicos:desenvolvimento
sustentável e globalização. Ambos parecem estar alcançando seus
limites como slogans para o século XXI, abrindo uma nova rodada de
lutas ideológicas e utópicas, assim como novas oportunidades de
mudança. Para reformas radicais ou menores do desenvolvimento e
da cooperação, um conhecimento crítico dos sistemas de valor e da
gramática do desenvolvimento é tão crucial quanto expor sua estru-
turação como um campo de poder. A exposição da obsolescência dos
discursos hegemônicos é sempre necessária a fim de ir além deles. O
que está em jogo é a aceitação pelos atores sociais de novos discursos
sobre seus destinos.
Desenvolvimento é um dos discursos mais inclusivos no senso
comum e na literatura especializada.Sua importância para a organização
de relações sociais, políticas e econômicas fez com que antropólogos o
considerassem como “uma das idéias básicas da cultura européia oci-
dental moderna”31, “algo como uma religião secular”, inquestionada, já
que “se opor a ela é uma heresia quase sempre severamente punida”32.A
amplitude e as múltiplas facetas do desenvolvimento são o que permite
suas muitas apropriações e leituras freqüentemente divergentes.A plas-
ticidade do discurso sobre desenvolvimento é central para assegurar sua
117NOVOS ESTUDOS 80 ❙❙ MARÇO 2008 
[33] DSA (Department of Social
Anthropology). Development as ideo-
logy and folk model. A research pro-
gramme of the Department of Social
Anthropology at the University of
Stockholm, s.d., pp. 4-5.
[34] Furtado,Celso.Criatividade e de-
pendência na civilização industrial. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 77.
[35] Said, Edward. Culture and impe-
rialism. New York: Alfred A. Knopf,
1994; e Escobar, op. cit.
[36] Herzfeld, op. cit., p. 110.
[37] Ver Perrot e outros,op.cit.,p.189.
viabilidade continuada; ele está “sempre em processo de transforma-
ção, de cumprir promessas”33. A variação das apropriações da idéia de
desenvolvimento, assim como as tentativas dereformá-la expressam-
se nos numerosos adjetivos que formam parte da sua história: indus-
trial, capitalista, para dentro, para fora, comunitário, desigual, depen-
dente, sustentável, humano. Essas variações e tensões refletem não
apenas as experiências históricas acumuladas por diferentes grupos de
poder em suas lutas por hegemonia internamente ao campo do desen-
volvimento, mas também diferentes momentos de integração do sis-
tema capitalista mundial.
Desde o século XIX, e de maneira mais intensa após a Segunda
Guerra Mundial, o passo acelerado da integração do sistema mundial
demandou ideologias e utopias que pudessem dar sentido às posições
desiguais dentro do sistema, que pudessem prover explicações por
meio das quais povos colocados em níveis mais baixos pudessem acre-
ditar que haveria uma solução para sua situação “atrasada”. Não é por
acidente que a terminologia do desenvolvimento tenha envolvido nor-
malmente o uso de metáforas que se referem a espaço ou a ordem de
forma hierarquizada: desenvolvido/subdesenvolvido, adiantado/atra-
sado, Primeiro Mundo/Terceiro Mundo etc. Essa hierarquia é instru-
mental, serve para fazer crer na existência de um ponto que pode ser
atingido caso siga-se um tipo de receita mantida por aqueles Estados-
nação que lideram a “corrida” para um futuro melhor. Ao usar o termo
“desenvolvimento”, em vez de acumulação ou expansão, conotações
indesejadas são evitadas, como a diferença de poder entre as unidades
do sistema (internamente ou entre Estados-nação) em termos econô-
micos,políticos e militares;evita-se também a percepção de que desen-
volvimento é “uma expressão simples de um pacto entre grupos inter-
nos e externos interessados em acelerar a acumulação”34.
“Desenvolvimento” opera como um sistema de classificação,
estabelecendo taxonomias de povos, sociedades e regiões. Edward
Said e Arturo Escobar mostraram a relação entre a criação de geogra-
fias e a ordem e poder mundiais35. Pode ser dito com Herzfeld que “a
criação e manutenção de um sistema de classificação tem sempre [...]
caracterizado o exercício de poder em sociedades humanas”36. As
classificações freqüentemente produzem estereótipos úteis para
sujeitar pessoas por meio de simplificações que justificam a indife-
rença à heterogeneidade. Os estereótipos quase não conseguem
esconder suas funções de poder sob a superfície do idioma do desen-
volvimento e da cooperação cujo léxico é cheio de dualismos que se
referem, de forma estática ou dinâmica, a estados transientes ou a
relacionamentos de subordinação (desenvolvido/subdesenvolvido,
países em desenvolvimento, mercados emergentes37 etc.). Estereóti-
pos podem também se tornar palavras-chave — tais como assistên-
118 PODER, REDES E IDEOLOGIA NO CAMPO DO DESENVOLVIMENTO ❙❙ Gustavo Lins Ribeiro
[38] Rist, op. cit., p. 241.
[39] Ver Delvaille, Jules. Essai sur
l’histoire de l’idée de progrès jusqu’à la fin
du XVIII siècle. Genève: Slatkine
Reprints, 1969; e Dodds, E. R. The
ancient concept of progress, and other
essays on Greek literature and belief .
Oxford:Oxford University Press,1973.
[40] Binder, Leonard. “The natural
history of development theory”.
Comparative Studies in Society and His-
tory, n-º 28, 1986, pp. 10-12.
[41] Ribeiro,“Environmentalism and
sustainable development”,op.cit.
[42] Appadurai, Arjun. “Disjuncture
and difference in the global cultural
economy”. In: Featherstone, Mike
(org.). Global culture. Londres: Sage
Publications, 1990, pp. 9-10.
[43] Sobre etnodesenvolvimento,
ver os textos de Stavenhagen, Rodolfo.
“Etnodesenvolvimento: uma dimen-
são ignorada no pensamento desen-
volvimentista”. Anuário Antropoló-
gico, vol. 84, 1985, pp. 11-44; e Davis,
Shelton H. “Indigenous peoples,
environmental protection and sus-
tainable development (a sustaina-
ble development occasional paper)”.
International Union for Conservation of
Nature and Natural Resources,1988,
por exemplo. No livro Autodesarrollo
indígena en las Américas (IWGIA,
Copenhagen, 1989), a expressão
etnodesenvolvimento foi substituída
por “auto-desenvolvimento indí-
gena”, aparentemente porque os par-
ticipantes indígenas do simpósio
organizado pelo Grupo de Trabalho
Internacional para Assuntos Indíge-
nas “não gostaram do conceito de ‘-
etnodesenvolvimento’ e preferiram
conceber desenvolvimento como um
tipo de auto-determinação”(ibidem,
p. 10). Leituras antropológicas críti-
cas de ideologias/utopias ocidentais
colocam dilemas que podem atingir
nossas próprias predileções políticas.
Responsabilidade social,transparên-
cia e prestação de contas, por exem-
plo, claramente não são categorias
universais. No seu estudo compara-
tivo de burocracias, Herzfeld con-
cluiu que essas categorias formam
“uma amálgama socialmente produ-
zida, culturalmente saturada de
idéias sobre pessoa, presença e polí-
tica. [Seus] significados são cultural-
mente específicos e sua operação é
restringida pelas formas mediante as
cia, ajuda, doadores/recipientes, doadores/beneficiários — que cla-
ramente indicam, de forma pouco sutil, o desequilíbrio de poder
entre duas séries de atores e legitimam a transformação de uma série
deles em objetos de iniciativas de desenvolvimento.
A alegação do desenvolvimento acerca de sua própria inevitabili-
dade é mais outra faceta de suas pretensões universalistas. O fato de
“desenvolvimento” ser parte de um amplo sistema de crenças mar-
cado por matrizes culturais do Ocidente coloca grandes limitações a
tais pretensões universalistas. É também mais uma razão que
explica por que, em muitos contextos não-ocidentais, vários povos
e agentes locais relutam em se tornar sujeitos do desenvolvimento.
É difícil discordar da afirmação de que não há método universal para
alcançar uma “boa vida”38. A pré-história do desenvolvimento
reflete matrizes discursivas ocidentais como a crença no progresso
(que pode ser traçada até a Grécia antiga39) e outras relacionadas a
momentos tão decisivos quanto o Iluminismo — crucial para o
desenrolar dos pactos econômicos, políticos e sociais da moderni-
dade ocidental e suas ideologias e utopias associadas (industria-
lismo, secularismo, racionalização e individualismo, por exemplo).
Leonard Binder reconhece, em certas teorias de desenvolvimento,
uma matriz ainda mais estreita: a imagem dos Estados Unidos
“como alguns liberais gostariam que nós fossemos”40. Mais recen-
temente, no final dos anos 1980 e no começo dos anos 1990, a idéia
de desenvolvimento sustentável reverberava com noções de relacio-
namentos apropriados entre a humanidade e a natureza, típicas das
classes médias urbanas, protestantes, em países como Alemanha,
Inglaterra e Estados Unidos41.
Na realidade,desenvolvimento é mais um exemplo de um discurso
globalizante, similar ao que Appadurai chama de ideopanoramas —
“elementos da visão de mundo Iluminista, que consiste em uma con-
catenação de idéias, termos e imagens, incluindo ‘liberdade’, ‘bem-
estar’, ‘direitos’, ‘soberania’, ‘representação’ e o termo chave ‘de-
mocracia’”42. Nesse sentido, termos como “etnodesenvolvimento”,
inventados para se referirem a modelos indígenas de desenvolvimento
ou a modelos alternativos que poderiam respeitar valores e culturas
locais, são oxímoros. Eles indubitavelmente refletem aspirações legí-
timas, mas se localizam na linha fina e paradoxal da aceitação do
desenvolvimento como uma categoria universal43.
Mencionarei brevemente outras questões antropológicas que tor-
nam problemática a pretensão do desenvolvimento,como ideologia e
utopia,ao universalismo.A primeira é a existência de noções de tempo
que são radicalmente diferentes44.Desenvolvimento depende de uma
concepção que compreende o tempo como uma seqüência linear de
estágios avançando interminavelmente para momentos melhores.
119NOVOS ESTUDOS 80 ❙❙ MARÇO 2008 
quais seus operadores e clientes
interpretam suas ações.Sua adminis-
tração de identidade pessoal ou cole-
tiva não pode se tornar independente
da experiência social” (op.cit.,p.47).
[44] Lévi-Strauss, Claude. Raça e his-
tória. Lisboa: Presença, 1980.[45] Landes, David S. Revolution in
time: clocks and the making of the
modern world. Cambridge: Harvard
University Press, 1983.
[46] Jameson, Frederic. “Postmoder-
nism,or the cultural logic of late capi-
talism”.New Left Review, n-º 146,1984,
pp. 53-92.
[47] Bourdieu, P. “A economia das
trocas lingüísticas”.In:Ortiz,Renato
(org.). Pierre Bourdieu. São Paulo:
Ática, 1983 [1977], pp. 161 e ss.
[48] Goody, Jack. The logic of writing
and the organization of society. Cam-
bridge: Cambridge University Press
1986.
[49] Herzfeld, op. cit., pp. 19-20.
[50] Ibidem, p. 119.
Uma implicação desse construto ocidental é que crescimento, trans-
formação e acumulação se tornam princípios-guia de políticas. Mas
em muitas sociedades não-ocidentais o tempo é entendido como
ciclos de eternos recomeços,o que favorece o florescimento e a conso-
lidação da contemplação, adaptação e da homeostase como pilares de
suas cosmologias.Nesta mesma linha,não se pode subestimar o papel
do controle do tempo — particularmente do relógio,a mãe da comple-
xidade mecânica — no desenvolvimento econômico nos últimos
séculos45.Sincronia e capacidade de previsão são a base das relações de
trabalho capitalistas e industriais. Outro grande divisor de águas é a
transformação da natureza em mercadoria, um processo histórico
relacionado ao desenrolar do capitalismo e da modernidade46 e que
parece estar chegando a seu clímax com a exploração, pelo capital, do
código da vida (biotecnologia) e da virtualidade (o ciberespaço e
outras formas tecnológicas de virtualidade são cada vez mais cruciais
para as atividades econômicas). Muitos dos impasses entre atores
desenvolvimentistas e povos indígenas são baseados nessa diferença
cosmológica. O que para alguns são meros recursos, para outros
podem ser lugares e elementos sagrados.
Choques culturais formam o cenário mais amplo onde se localizam
as questões de línguas e racionalidade. A língua em geral e a língua
escrita em particular são grandes barreiras para a comunicação dentro
do campo do desenvolvimento. Para cooperarem, as pessoas precisam
entender, e competência comunicativa não é um recurso igualmente
distribuído dentro das redes de desenvolvimento. Além disso, a com-
petência lingüística,como percebeu Bourdieu47,não pode ser separada
da análise de poder. Quem fala, para quem, através de que mídia e em
quais circunstâncias construídas,são elementos vitais de qualquer pro-
cesso de comunicação. A relação entre língua escrita e poder é ainda
mais evidente, sendo a escrita central para o desenvolvimento de Esta-
dos e burocracias, tornando possível, entre outras coisas, apresentar
regras como artefatos impessoais48.Herzfeld vincula a idéia de uma lín-
gua abstrata perfeitamente independente de seu contexto e o modelo
ocidental de racionalidade a um desejo de transcendência típico das
“concepções judaico-cristãs e indo-européias sobre a superioridade da
mente sobre a matéria”49.Para ele,a “habilidade de representar algumas
formas de língua” como independentes de seus contextos é onde “o
exercício de poder reside”50.
O analfabetismo é uma grande barreira dentro do campo do desen-
volvimento, principalmente para aqueles projetos que defendem parti-
cipação local.O planejamento é o coração da iniciativa racional de desen-
volvimento. Ele depende do estabelecimento de regras e instruções
escritas que precisam ser seguidas — se é que eficiência,objetivos buro-
cráticos e prestação de contas devem ser atingidos. Os projetos são os
120 PODER, REDES E IDEOLOGIA NO CAMPO DO DESENVOLVIMENTO ❙❙ Gustavo Lins Ribeiro
[51] Rist, op. cit., p. 243.
artefatos que sumarizam a necessidade de controle sobre tempo, pes-
soas e recursos. Práticas contábeis, definições legais, planos, objetivos
racionais e o uso de tecnologias são altamente dependentes do compar-
tilhamento do mesmo horizonte cultural e de certos níveis de educação
formal. O fracasso de um projeto é quase certo se os atores desenvolvi-
mentistas forem incapazes de fazer com que as pessoas na base enten-
dam o que o projeto é,como deve ser implementado ou usado.Essa cha-
rada histórica e sociológica é a raison d’être da cooperação técnica e da
capacitação para o desenvolvimento.É também a causa principal de pro-
cessos como a exportação da inteligência e capacidade de planejamento
dos projetos para centros estrangeiros e da fuga de cérebros — dois efei-
tos perversos que reforçam desigualdades estruturais entre os Estados-
nação. Como cultura e educação são determinantes estruturais dos
modos de vida das sociedades,e não mudam no ritmo que os projetos de
desenvolvimento requerem,expatriados ou outsidersde outras regiões de
um mesmo país são freqüentemente enviados para compensar deficiên-
cias locais. Seu compromisso com a vida local é temporário. Eles são
usualmente membros de redes que se reproduzem em níveis de integra-
ção nacionais,internacionais e transnacionais.
É certo que “transformação” é o núcleo duro do desenvolvimento
como ideologia e utopia e que,muitas vezes,a transformação é almejada
por povos locais de diferentes origens culturais. Sem dúvida, é da natu-
reza de algumas inovações cativar as pessoas,já que a mudanças que tra-
zem tornam suas vidas mais confortáveis, mais seguras e mais saudá-
veis. São complexas as razões pelas quais algumas pessoas aceitam
mudanças e outras não.Mas pelo menos três pontos precisam ser expli-
citados sobre transformações,mudanças e inovações tecnológicas:(a) a
natureza da transformação e do contexto em que a mudança vai ser intro-
duzida define se vai ser bem-vinda ou não;(b) transformações,mudan-
ças e inovações tecnológicas são artefatos culturais que sempre envol-
vem e afetam sistemas de poder; e (c) elas impactam sistemas sociais,
culturais e ambientais em graus variáveis (desde desastres totais a
mudanças palatáveis menores). Não há dúvida de que alguns projetos
podem aumentar o acesso de uma comunidade à modernidade. Mas é
também verdade que “desenvolvimento” não significa mudanças estru-
turais em distribuição de poder e esta é uma razão de fortes críticas con-
tra ele.Rist coloca essa questão de forma direta:“aqueles com poder não
têm interesse em mudanças,não importa que digam o contrário,e aque-
les que querem mudanças não têm os meios para impô-las”51.
O DESEQUILÍBRIO DE PODER: QUEM É SUJEITO DO DESENVOLVIMENTO?
“Dramas desenvolvimentistas” são tipos complexos de encontros
que juntam atores e instituições locais a outsiders. O fato de outsiders
121NOVOS ESTUDOS 80 ❙❙ MARÇO 2008 
pretenderem planejar o futuro de uma comunidade é indicativo do seu
poder diferencial no encontro. Em tais circunstâncias, instala-se uma
dicotomia. Por um lado, há os objetivos e racionalidades dos planeja-
dores;por outro lado,o destino e a cultura das comunidades.Antes da
existência de um projeto de desenvolvimento, populações locais difi-
cilmente poderiam conceber que seu destino era suscetível de ser
seqüestrado por um grupo organizado de pessoas. Na realidade, pla-
nejamento — isto é, a determinação antecipada de como uma certa
realidade será — implica a apropriação,por parte de outsiders,do poder
das populações locais de serem sujeito dos seus próprios destinos.De
sujeito de suas próprias vidas, essas populações se tornam sujeitas a
elites técnicas prescientes.
Desenvolvimento cria dois tipos de sujeitos,um ativo e outro pas-
sivo. “Sujeitos-passivos” são pessoas transformadas em objetos de
imperativos desenvolvimentistas. Os reassentamentos forçados
representam os casos extremos dessa categoria.A apropriação do pro-
jeto por parte da população local é altamente improvável.Nessa situa-
ção, os atores locais em geral se defrontam com opções estranhas,
como estabelecer relacionamentos do tipo patrão-cliente com outsi-
ders desenvolvimentistas ou lutar para recuperar o controle sobre suas
vidas e ambientes.Na realidade,esses “sujeitos-passivos” inclinam-se
a resistir ao desenvolvimento, já que se relacionam com sua faceta
mais autoritária. Mas desenvolvimento também cria “sujeitos-ati-
vos”.Os agentes do desenvolvimento são pessoas locais propensas a
se tornar aliadas de iniciativas de desenvolvimento porque podem
identificar benefícios e interesses em comum com os outsiders. A exis-
tência desses dois tipos de sujeitos mostra que a apropriação das ini-
ciativas desenvolvimentistas depende altamente de duas variáveis
diferentemente distribuídas internamente ao drama desenvolvimen-
tista. Uma é acesso a poder, a ser capaz de controlar seu próprio
ambiente e evitar ser o objeto da vontade de outsiders ou dos imperati-
vos de forças estruturais expansionistas e sem rosto. A outra é acesso
a conhecimento e informação que capacitem os atores a entender
o que está acontecendo e, mais importante ainda, o que vai acontecer
com eles.Resistência ou participação são os resultados das formas em
que essas variáveis são combinadas.A autoconfiança dos atores locais
e a apropriação dos desígnios de um projeto só podem prosperar
quando os atores sentem que têm poder sobre seu ambiente.
Há dois modos correntes de gerar sujeitos-ativos/passivos e de
lidar com eles.A abordagem “de-cima-para-baixo” tende a criar “sujei-
tos-passivos”.Esse modo autoritário está baseado em redes que coop-
tam elites locais,não estabelecem políticas compensatórias para aque-
les impactados pelos projetos e não têm preocupação com modelos e
culturas locais. A abordagem “de-baixo-para-cima” pretende criar
122 PODER, REDES E IDEOLOGIA NO CAMPO DO DESENVOLVIMENTO ❙❙ Gustavo Lins Ribeiro
[52] Sobre isso, ver Marsden, David.
“Indigenous management and the
management of indigenous kno-
wledge”. In: Wright, Susan (org.).
Anthropology of organizations. Lon-
dres: Routledge, 1994, pp. 41-55.
[53] Barbosa, Lívia. Igualdade e meri-
tocracia. a ética do desempenho nas
sociedades modernas. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas Editora,
2001, p. 135.
[54] Wolf. E. “Aspects of group re-
lations in a complex society: Mexi-
co”. In: Pathways of power: building an
anthropology of the modern world. Ber-
keley: University of California Press,
2001 [1956], pp. 124-138, p. 138.
[55] Ibidem.
“sujeitos-ativos” e é mais amigável à apropriação do projeto por parte
da população local.É verdade que esse modo é mais sensível a culturas
e modelos locais, incluindo modelos locais de administração52. Mas
esse modo participativo acaba sendo uma tentativa de compensar a
perda estrutural de poder que caracteriza as relações entre populações
locais e outsiders quando um projeto é iniciado. Participação e parceria
tornam-se jargões da moda que não conseguem mascarar o fato de que
todos, no drama desenvolvimentista, sabem onde se localiza o poder
máximo nas tomadas de decisões.
Ambas as abordagens geralmente compartilham uma noção instru-
mental de cultura.Cultura se torna uma “tecnologia gerencial de inter-
venção na realidade”53. Tal definição funcional concebe a cultura como
um conjunto de comportamentos e significados inter-relacionados,
ajustados e coerentes que podem ser identificados e valorizados em ter-
mos de seus impactos positivos ou negativos sobre os objetivos a ser
atingidos. Essa noção de cultura cabe bem no campo do desenvolvi-
mento porque se ajusta perfeitamente à terminologia e racionalidade
dos planejadores.Mas expressa mal ao menos duas importantes consi-
derações sobre “cultura”:(a) contradições e incoerências fazem parte da
experiência humana; e (b) cultura está inserida em e atravessada por
relações de poder historicamente definidas (desta forma,mudança cul-
tural sempre se relaciona a mudança de poder).
Certamente, qualquer que seja a abordagem, “de-cima-para-
baixo” ou “de-baixo-para-cima”, poder e sistema político locais sem-
pre serão impactados por intervenções desenvolvimentistas.Dadas as
características dos processos de criação de redes e de consorciação
típicos do campo do desenvolvimento,os sistemas de poder local pas-
sam a ser módulos de circuitos mais amplos de poder comandados por
instituições de níveis mais elevados. Como sabemos, instituições e
atores transnacionais, internacionais, nacionais e regionais tendem a
ter mais poder dentro dos processos de criação de redes e consórcios
porque eles já começam com mais recursos. A abordagem autoritária
“de-cima-para-baixo” tende a reforçar diferenças previamente exis-
tentes em termos de classe, gênero, idade, raça e etnicidade. Em con-
traste, a abordagem participativa “de-baixo-para-cima” tende a intro-
duzir novas lideranças, assim criando novas tensões dentro dos
sistemas de poder e político preexistentes.
Ambas as abordagens produzem “intermediários”54 que normal-
mente acumulam uma grande quantidade de poder. Tais intermediá-
rios conectam as interseções de diferentes níveis de integração e ser-
vem aos interesses dos grupos que intermedeiam. Mas “eles também
têm que manter um controle sobre [as] tensões (entre os grupos que
servem),senão o conflito torna-se incontrolável e mediadores melho-
res tomam seus lugares”55.Em conseqüência,esse tipo de intermediá-
123NOVOS ESTUDOS 80 ❙❙ MARÇO 2008 
rios-controladores prolifera dentro do campo do desenvolvimento e
consome muitos dos seus recursos. Eles criam suas próprias redes de
poder (compostas por membros de ONGs,consultores, funcionários
de agências multilaterais, líderes de sindicatos e movimentos sociais,
políticos etc.),nas quais muito da cooperação técnica de fato acontece.
Os intermediários são necessários em qualquer campo de desenvolvi-
mento, já que mediações são intrínsecas aos processos de criação de
redes e de consorciação. Mas para aumentar a qualidade da coopera-
ção, os intermediários-controladores, isto é, os mediadores especiali-
zados em acumular poder pessoal, precisam ter seu poder regulado.
Muitos dos resultados dos projetos de desenvolvimento relacionam-
se à natureza do sistema de intermediação e aos efeitos e distorções de
poder que podem gerar.
DESAFIOS PROGRAMÁTICOS 
Neste artigo, apresentei as principais limitações e pressões que
afetam a cooperação técnica e o desenvolvimento. Não há soluções
fáceis para os conflitos de poder criados pelo campo do desenvolvi-
mento.Somente mudando as características da distribuição de poder
dentro desse campo é que a cooperação técnica e o desenvolvimento
de fato mudarão. Isso implica que todos os atores e instituições das
redes têm de fazer política consciente e constantemente para manter
seus interesses vivos. A socialização do conhecimento de riscos e
oportunidades envolvendo mudanças trazidas pelo desenvolvi-
mento é importante para melhorar a qualidade da informação que os
atores manipulam nessas arenas políticas. Em conseqüência, as
redes precisam ser composições democráticas de instituições e ato-
res com a capacidade real de decidir e intervir, principalmente se o
resultado desses processos de tomada de decisões não agradar aos
interesses mais poderosos envolvidos em um projeto específico.Para
alcançar esses objetivos, esferas públicas de discussão e decisão de
questão de desenvolvimento precisam ser promovidas, multiplica-
das, tornadas mais inclusivas e conseqüentes. A difusão de uma
pedagogia democrática deveria atravessar todo o campo do desenvol-
vimento e suas redes, de administradores e funcionários estatais de
alto nível a lideranças de base. O processo associativo típico do
campo do desenvolvimento deveria ser aberto aos participantes de
forma a igualar o poder de atores operando em todos os níveis de inte-
gração. Essas são tarefas importantes para aqueles interessados em
transparência,responsabilidade social e fortalecimento da sociedade
civil. Eles encontrarão muitas resistências entre poderosos atores
interessados no status quo e entre aqueles para os quais a democracia
não é um valor.
124 PODER, REDES E IDEOLOGIA NO CAMPO DO DESENVOLVIMENTO ❙❙ Gustavo Lins Ribeiro
[56] Ribeiro, G. “Cybercultural poli-
tics: political activism at a distance in
a transnational world”. In: Alvarez,
Sonia, Dagnino, Evelina e Escobar,
Arturo (orgs.).Cultures of politics/poli-
tics of culture: revisioning latin american
social movements.pp. 325-352.
Para avançar no mundo globalizado, onde multiculturalismo é
cada vez mais um tema político transnacional, devemos admitir que
“desenvolvimento” não é exatamente o objeto de desejo de todos.Pre-
ferivelmente,perspectivas muito mais abertas devem ser promovidas,
visões sensíveis a diferentes contextos culturais e políticos.Concomi-
tantemente à distribuição de poder internamente ao campo do desen-
volvimento,diferentes princípios e sensibilidades precisam ser disse-
minados. Cosmologias e idiomas de desenvolvimento precisam ser
radicalmente reformados. “Desenvolvimento” não pode insistir em
supor que o Ocidente é universal.“Cooperação técnica” não pode con-
tinuar usando uma língua contaminada com metáforas de desigual-
dade e hierarquia. Se populações e instituições locais não se percebe-
rem como “sujeitos ativos” do desenvolvimento, a apropriação dos
projetos por parte das populações locais continuará sendo um pro-
blema e a cooperação técnica continuará a reforçar desigualdades
estruturais entre Estados-nação.
Os processos de globalização,principalmente aqueles relacionados
a novas tecnologias de comunicação, estão promovendo muitas
mudanças nos relacionamentos entre cenários locais e globais. Neste
quadro, a posição dos sujeitos locais tem evoluído para formas que
podem fazer a balança pender para o lado de abordagens mais partici-
pativas dentro do campo do desenvolvimento.Apesar de sua distribui-
ção desigual, a internet está aumentando a capacidade de intervenção
das ONGs e movimentos sociais.O espaço público virtual é o ambiente
tecno-simbólico da comunidade transnacional imaginada-virtual,
além de ser um instrumento útil para reforçar vozes locais e articulações
de atores políticos heterogêneos no mundo transnacional56.
Em um planeta mais integrado,novos desafios aparecem e deman-
dam elites políticas e técnicas cosmopolitas inclinadas a aceitar o
campo do desenvolvimento global como uma comunidade hetero-
glóssica, na qual desequilíbrios de poder precisam ser constante-
mente negociados em termos políticos e culturais.O conflito é a alter-
nativa a tornar a heterogeneidade um valor central na promoção do
convívio, criatividade e capacidade de inovação humana.
Gustavo Lins Ribeiro é professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília.
125NOVOS ESTUDOS 80 ❙❙ MARÇO 2008 
Recebido para publicação 
em 15 de julho de 2007.
NOVOS ESTUDOS
CEBRAP
80, março 2008
pp. 109-125