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A ESCRAVIDÃO ENTRE OS AFRICANOS

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ALBERTO DA COSTA E SILVA
A ESCRAVIDÃO ENTRE OS AFRICANOS
“Com as necessidades de trabalho criadas pela invenção da agricultura, certos grupos passaram a aplicar aos prisioneiros de guerra, a fim de quebrar-lhes a vontade, os mesmos processos e os mesmos instrumentos que já usavam não só para controlar os animais, como o curral, a coleira, os cabrestos, a peia, a chibata e a castração, mas também para distinguir a posse, como a marca a ferro ardente e o corte na orelha”
“o homem pôs a corda no pescoço de outro homem e o fez trabalhar para ele muito antes de colocar um animal, exceto talvez o cão, a seu serviço”
“ o que não sabemos é se, assim como a África recebeu do Oriente médio os animais domésticos, não terá absorvido de fora a escravidão”
“ do mesmo modo que a agricultura, teria sido a escravidão reinventada na África”
“variava, por exemplo, de região para região, de cultura para cultura e de grupo para grupo, o numero de pessoas habitualmente aprisionadas e postas a trabalhar à força pelos captores”
“o escravo de um grupo agrícola era utilizado de modo distinto ao de um grupo predominantemente pastoril.”
“ a escravidão teria como principal móbil aumentar o numero de braços de uma família, linhagem ou tribo”
“ao ampliar o numero dos dependentes do chefe de família, o escravo incrementava-lhe a riqueza e lhe fortalecia o poder. Podia ser estimulado a ter filhos que pertenciam ao senhor, que fossem de casais cativos, quer, em certas sociedades de um homem livre com uma escrava.”
“seus descendentes iam, de geração em geração, perdendo a condição servil e sendo paulatinamente assimilados à linhagem do dono, a cuja progênie continuava a dever serviço e obediência.”
“entre os senas do Zambeze inferior, o escravo que se casava com pessoa livre, considerava-se automaticamente manumisso (escravo forro).”
“continuavam a caber-lhe as tarefas mais ingratas; recebia, para delas tirar o sustento, as piores glebas e, para erguer sua cubata, o terreno menos próprios; tratavam-no com desprezo e era o primeiro a ser vendido, em caso de fome.”
“antes de seputá-lo, o dono dava-lhe uma chibatada, para deixar claro que continuava a ter autoridade sobre o espírito do morto, que deveria no além ser escravo dos antepassados de seu senhor”
“ na maioria dos casos, ter sido escravo marca indelével, uma que transmitia de geração em geração, como se fosse a sua principal herança”
“ no século XIX, o processo de absorção dos cativos na família do dono era completo, que se proibia, e proíbe ate hoje, que se mencione a origem, livre ou escrava, de qualquer pessoa”
“Quando faleciam, não tinham enterro correto: os seus corpos eram lançados num rego qualquer. Fugiam sempre que possível, e aos capturados cortava-se após a primeira escapada, um orelha. Se reincidissem, perdiam a segunda. E, se de novo ganhassem o mato, eram vendidos ou mortos.”
“ boa parte da África não-mulçumana desconhece a alforria, tornava constante a demanda de novos cativos”
“essas formas de escravidão integradas e domesticas possivelmente as primeiras que conheceu a áfrica, têm sido qualificadas de benévolas ou brandas- mas não por Suzane Miers e Igor Kopytoff, que lhes reconhecem os rigores. [...] como já advertiu a historiadora nigeriana Elizabeth Isichei, não devemos nos iludir com eufemismo”
“ distingue-se a escravidão de outras formas de exploração do homem, por varias características. Em primeiro lugar, o escravo é propriedade do amo. É objeto de compra e venda [...] gado de duas pernas, também o reconhecem como ser humano.”
“ a própria sexualidade não lhe pertence por direito, sendo livre o acesso sexual ao escravo, [...] o controle pelo senhor da reprodução física do escravo, pois seus filhos não lhes pertencem, [...] embora a escravidão de uma mulher ou de um homem traduz-se na troca da morte física por uma vida a qual se retira o controle sobre o próprio corpo.”
“os sacrifícios propiciatórios e expiatórios disfarçavam as condições à morte: eram escolhidos para servir de oblata (oferta de vitima a divindade) os escravos indolentes, teimosos, resmungões e insubmissos. O temor de ser imolado ritualmente refreava os impulsos de rebeldia e as tentações de fuga.”
“ a degradação de pertencer a outrem, o não contar com o arrimo de uma linhagem, o não possuir deuses-lares, o ser considerado sem honra e dignidade, o não dispor de qualquer influencia sobre o seu destino, o saber- se solitário como um morto que ninguém vela, o estar desamparado de descendência e, portanto, sem vida futura.”
“ já conheciam, antes do século XV, uma escravidão mais complexa e em maior escala [...] passaram a vendê-los ao Egito e a outra margem do Saara [...] E começaram a carecer deles para engrossar os grupos armados e exércitos com que se produziram mais escravos, essenciais ao processo de acumulação de riqueza e de domínio político. Assim se teria dado desde pelo menos, o inicio do século XX a.C.”
“as mudanças experimentadas pelo escravismo em muitas partes do continente africano onde se institucionaliza e ate se volta em modo de produção, noutras, a chave talvez nos seja dada pelo próprio desenvolvimento das coletividades no rumo da diferenciação em classes da hierarquização e da concentração do poder político” 
“ o que garantiu a reprodução e a expansão das riquezas. Sendo os escravos o meio mais fácil e rápido de aumentar o volume de mão-de-obra, obtenção deles tornou-se a principal, se não a única via para apressar o enriquecimento de um chefe de família, de linhagem ou de aldeia e singularizá-lo entre os seus pares. E também para fortalecê-los politicamente. Pois o poderoso era aquele que tinha sob suas ordens grande cópia de gente em armas.”
“os grandes senhores cedo encontraram novos modos de usar os muitos escravos de que dispunham. Puseram-nos a trabalhar em grupo grandes extensões de terra. E com os produtos que dali saíam passaram a alimentar a corte, a administração e o exercito. Desde talvez o inicio do segundo milênio depois de Cristo”
“as plantações do rei e outras aldeias agrícolas de escravos. Numa dessas plantações havia 200 indivíduos, subordinados a quatro feitores, chamados fanfa, que, por sua vez, respondiam ao capataz-chefe do estabelecimento, o qual era como os demais escravos. Tinha ele a obrigação de entregar anualmente ao ásquia mais, escravo. Tinha ele a obrigação de entregar anualmente ao asquia determinada quantidade de arroz e de milhete. Uma quantidade fixa: nem mais nem menos. Se a produção fosse maior, esse chefe dos capatazes ficava com a diferença, podendo enriquecer e até comprar escravos para si próprio. Mas após sua morte, os bens que acumulara eram recolhidos pelo soberano, que dele não deixara um só momento de ser dono.”
“ o que podemos inferir é que seria grande a quantidade de pessoas sob canga e que essa numerosa escravaria permitiu que se ampliasse consideravelmente a produção de alimentos. Como o escravo consumia apenas aquele mínimo que lhe assegurava a sobrevivência com o que era subtraído do produto de seu trabalho não só se sustentavam as classes ociosas e os aparelhos administrativos e militar das cidades estados dos reinos e dos impérios, mas também se expandia o comercio de alimentos”
*Podia ate incumbir um escravo de comandar e ou acompanhar, defender uma caravana.
“rei negro, de todas as obras de ficção que li sobre os escravos no Brasil a que melhor se levanta de uma realidade cuidadosamente observada. [...] o escravo Macambira, além de ocupar-se dos pagamentos e das cobranças do dono, era quem, de adaga à ilharga e garrucha no cinturão, lhe comandava a tropa.”
“voltando da ficção para a historia [...] não era um caso isolado: muitos escravos conduziram barra adentro, como pilotos, os barcos que demandavam portos norte-americanos ou antilhanos[...]”
“foi provavelmente graças ás peregrinações a Meca que os reis africanos aprenderam a usar escravos no exercito [...] se fossem eunucos ainda melhor.”
“em alguns sítios, os escravos de corte transformaram o rei, o sultão ou o emir numa figura ritual ou protocolar, num títere,e se sucederam no poder, formando uma verdadeira elite de governantes escravos.”
“ quando se tornava evidente que o escravo exorbitava em suas ações, isso era tornado mais do que iniquidade ou impudicícia, como ignomínia ou abominação.”
“gustav Nachtigal, que viajou pelo interior da África entre 1869 e 1874, soube que de cem rapazotes castrados, só trinta continuavam vivos, mas há estimativas mas drásticas que dão a sobrevivência de 20% ou até menor:”
“ dos que cumpriam corveias semelhante, quatrocentos anos mais tarde, em Tagaza, aperreados pelas moscas e bebendo água salobra.”
“tecelões, tingidores, ceramistas e curtidores podiam ser escravos, a labutar lado a lado, no mesmo oficio, com homens ou mulheres livres. [...] A maior parte porem passava os dias a tratar das roças [...] lides domesticas, ralar milhetes, pilar inhame, buscar água, cortar lenha e varrer o terreiro.”
“ em quase toda África, era rico e poderoso quem tinha muitas mulheres e muitos escravos. Em certas partes, quem possuía grande copia de gado...”
“ o escravo era um investimento: o único tipo de bem capital verdadeiramente privado reconhecido pelas leis costumeiras de grande parte do continente africano.[...] era o escravo que se trocava por grãos.”
“ na África era o trabalho, e não o solo, o fator de produção escasso. Por quase toda parte, tinha-se a terra tradicionalmente como um bem grupal.”
“na Europa – e também, até mesmo por continuidade cultural nas Americas- disputava-se a terra.”
“ em quase toda a parte, o percurso de ascensão social de um homem ambicioso passava pela aquisição da escravaria[...] abria as portas aos títulos de prestígio, às posições de influencia nas sociedades secretas, às chefias honoríficas e às insígnias de mando.”
“com o escravo, desobrigava-se de canseiras e trabalhos, ao mesmo tempo que fazia uma poupança.”
“nos reinos do Congo e do Benim, no século XVII. [...] entre 1650 e 1680, atribuiu-se o ter criado um tributo sobre cada um dos súditos. [...] no século XVIII e XIX entre os axantes, cobrava-se impostos sobre todos os homens casados ou talvez somente sobre aqueles que fossem chefes de familia.”
“uma moeda (escravo) para as grandes transações e com a qual, entre vários povos, se cobria o preço de noivas, se resgatavam parentes aprisionadas, se saldavam multas e liquidavam dividas.”
“”uma peça era individuo adulto, entre 15 e 25 anos de idade, alto e atletico; mas podia ser composta de um escravo e meio ou de dois escravos que fossem mais jovens ou mais velhos do que o padrão, ou mais baixos, ou magricelas, ou sem um dedo ou alguns dentes. Três molecões, de seis a 18 anos, compunham, por exemplo, duas peças. E dois individuos entre 35 e 40 valiam uma.”
“exigir grande numero de escravos na inatividade era prova de que se podia esbanjar riqueza e correspondia a consumi-los conspicuamente.”
“ uma forma elevada de consumo era imolá-los (matar em sacrifício) aos grandes que morriam. Nos funerais do rei , do chefe ou de quem fora seu proprietário. Nos ritos para honrar e aplacar os deuses”
“os europeus, ao chegarem à Costa da África, registraram em distintos lugares rituais de sepultamento envolvendo sacrifícios humanos.”
*Segundo Valentim Fernandes quando morria um regulo enterravam com ele a sua mulher, escravos, melhor cavalo, vacas, cães, cabras e galinhas.
“segundo as tradições só os escravos poderiam ser imolados. E o eram, em datas especiais, no correr do ano. Na cerimônia de consagração das miçangas do rei, por exemplo, um cativo era decapitado, para levar ao Espirito das Contas o pedido de que concedesse sabedoria ao obá e o resguardas-se dos feitiços e dos maus desejos. E 3 na colheita do inhame.”
“uma mulher depois de morta era içada ao alto de uma arvore, para que a chuva e o sol pudessem ver.”
“em 1539, 3 missionários portugueses escreveram do Benim ao Rei D. João III. [...] contem duas a três menções que se conhecem a sacrifícios humanos, como parte do cerimonial de corte daquele reino.”
“afinal, o Esmeraldo, apesar de tantos trechos que a nós, hoje, sabem feéricos, é um livro pratico. Nele descrevem-se com a possível minúcia os acidentes da costa, a profundidade dos ancoradouros, as entradas dos rios, o regime das marés, a incidência de febres, a natureza da flora, a riqueza animal, a existência de ouro, gomas, pimentas e escravos[...]”
“penso que os frades portugueses de 1539 denunciaram como abominável a decapitação de escravos, porque a reconheceram como o sacrifício religioso.”
“Andrew Battel, um inglês que andou por Angola, na passagem do XVI para o XVII, conta, por exemplo, que, antes de uma batalha, o chefe militar dos imbangalas matava a machadadas um rapaz e dois homens.”
“os sacrifícios de seres humanos é lembrado como a mais alta oblação que se podia fazer às divindades [...] imolava-se pessoas nos grandes festivais, antes das guerras na fundação de uma cidade, para prevenir infortúnios.”
“não faltavam ocasiões, porem, em que o oráculo nomeava a vitima”
“entre 1786 e 1800, o capitão John Adams, consagravam-se anualmente três ou quatro escravos a Olocum, os deuses do oceano, a fim de que esse dirigisse os navios europeus aos portos beninenses.”
“nas regiões onde o islamismo se impôs como religião dos monarcas das elites, os sacrifícios humanos deixaram de ser públicos ou foram abolidos.”
“ a primeira fonte de escravo era a guerra [...]E como advertiu Moses I.Finley, se convertia em escravo quando passava para as mãos dos traficantes ou de quem o comprara.’
*em certas ocasiões a guerra era criada só para gerar escravos
*pessoas eram sequestradas para serem transformados em escravos
*na primeira metade do século XIX, 30% dos escravos tinham sidos sequestrados, por parentes invejosos ou falsos amigos.
“em muitas sociedades africanas, tinha-se a escravidão como um dos castigos penais”
“um devedor relapso ou um parente desse devedor podia ser escravizado, para saldar compromisso.[...] credor podia também, para corrigir a inadimplência apoderar-se do devedor ou de um familiar[...] para faze-lo escravo.”
“distinta era a sorte das vitimas do abuso de poder. Não raro um rei, um maioral, um chefe de linhagem, uma cabeça de família[...] tinha esses desventurados de ser remetidos para o mais longe possível.”
“a escravidão funcionava, assim como desterro político.”
“quase todos os escravos tinham origem na brutalidade armada ou já nasciam no cativeiro”
“Claude Meillassoux adverte-nos, porem sobre a conveniência de distinguir-se entre a cativa escolhida pra concubina e aquela destinada aos trabalhos do campo.[...] na África mulçumana ou tingida pelo islame, os filhos nasciam livres. [...] o mesmo ocorria em algumas sociedades pagãs.
“ [...] consideravam menos caro comprar escravos do que cria-los[...] (ocorreu também no vale da Paraiba, no Brasil)”
“ para Paterson, seriam raros, nos anais da escravidão, aqueles casos em que os cativos, por desespero ou revolta, se recusaram a procriar.”
“nenhuma sociedade podia basear sua economia no escravismo, a menos que tivesse onde prear cativos com facilidade ou como adquirir a bom preço”
“os recém-nascidos que as mães lançavam fora por motivos religiosos, ou porque eram gêmeos(como entre os ibos da Nigeria e os querebes da Tanzania, que os tinham por impuros e nocivos), ou porque apresentassem defeito ou marca que os apontava como física e espiritualmente perigosos.”
“durante uma fase de bom clima e abundancia não se continha a sua procura: davam-se grãos, panos e contas por novos escravos, sobretudo mulheres, que procriavam, e crianças, que mais facilmente se ajustavam à cultura local e se faziam da terra.”
“aqui e ali aparecem menções sempre discretas, a essas comunidades de escravos foragidos, nos textos europeus e nas tradicionais africanas.”
“a conveniência de afastar os escravos de seus lugares de origem, a necessidade de desfazer-se deles em momentos de agrura e a tentação de utiliza-los para a aquisição de cavalos, armas e objetos de prestígios multiplicaram os mercados de cativos na maior parte da África.”
Com a manilha e o libambo,Alberto da Costa e Silva criou uma metáfora para explicar, num extenso ensaio de mais de mil páginas, o que foi a África colonial: a escravidão sustentando o desenvolvimento de uma economia que, descoberta e explorada pelos europeus, expandiu-se e serviu para acelerar o crescimento de outras regiões do mundo, especialmente do Brasil, cuja história é inseparável da história africana, tema que o consagrou como historiador e africanólogo.
O texto em discussão neste estudo, “A escravidão entre os africanos”, é parte integrante do livro A manilha e o libambo: a África e a escravidão (1500 a 1700). Trata-se do Capítulo 3, onde o autor põe em questão, entre outras teses, a de que a escravização do homem teria origem nos instrumentos e processos de domesticação dos animais, e propõe o inverso: a de que a escravidão do homem teria vindo antes da domesticação dos animais, sem recusar, contudo, que os dois processos, em algumas culturas, tenham andado de mãos dadas. Segundo ele, ao domesticar os animais o homem usou os mesmos processos e instrumentos que usou para controlar os escravos: a coleira, o cabresto, a peia, a chibata e a castração, e para distinguir a posse, o corte na orelha e a marca com ferro ardente.
O autor afirma ainda, que havia escravidão entre muitos grupos de índios americanos que não domesticavam animais, com exceção da lhama. Na África, só a galinha d’Angola era domesticada, os outros animais já vieram domesticados do Oriente Médio, pelo Mediterrâneo. Já a escravidão, anterior à criação de animais, vem dos primórdios da humanidade, desde a formação das primeiras comunidades, sendo, portanto, muito antiga: quando uma aldeia era atacada, e todos os homens eram mortos, as mulheres e crianças, sem ter para onde ir, muitas vezes acompanhavam os vencedores na condição de escravos. 
Num esboço das diversas feições que tomou a escravidão na África, Silva afirma que ela variava de região para região, de cultura para cultura e de grupo para grupo, o que nos leva a compreensão de que a escravidão africana se deu de diversas formas.
O escravo de um grupo agrícola era utilizado de modo distinto ao de um grupo predominantemente pastoril. Aqui, seria tratado como pessoa da família, ou quase, a comer na mesma gamela que o amo. Ali, com a violência e as humilhações que merece o inimigo – nu ou com um trapo amarrado à virilha, a alimentar-se de restos lançados ao chão, sem conhecer descanso entre os empurrões e as bofetadas. Acolá, com o mesmo cuidado que uma cabra ou uma ovelha, uma vez que tinha como esses animais, valor de uso e troca. Mais adiante, até com certo mimo [...] porque se destinava ao sacrifício ritual, e por toda parte com o passar do tempo, o exemplo externo, o contato nos mercados, os relatos dos peregrinos e dos viajantes, os casamentos entre membros de aldeias apartadas e as experiências locais foram alterando rápida ou lentamente, perceptível ou imperceptível aos olhos dos observadores as idéias que explicavam e justificavam o escravismo e os modos de aquisição, emprego, reprodução e desgaste desse escravo (SILVA, 2002, p. 81).
Os estudos de Costa e Silva nos levam a perceber que havia a chamada escravidão doméstica, que consistia em aprisionar alguém para utilizar sua força de trabalho, em geral, na agricultura de pequena escala, familiar. Se a terra era abundante, mas rareava mão-de-obra, esse tipo de escravidão servia para aumentar o número de pessoas a serem empregadas no sustento de uma família ou grupo. Afinal, a terra de nada valia sem que se tivesse gente empregada no cultivo de alimentos. Os escravos eram poucos por unidade familiar, mas a posse deles assegurava poder e prestígio para seus senhores, já que representavam a capacidade de auto-sustentação da linhagem.
O autor afirma que essa forma de escravidão integrativa e doméstica, possivelmente, as primeiras que conheceu a África, tem sido qualificada de benévola ou branda, quando comparada aos ferozes regimes escravocratas de Roma, Coréia, Cuba, Jamaica, sul dos Estados Unidos ou Brasil, contudo, não deixam de possuir as marcas de sofrimento da escravidão. Isto porque a escravidão nada mais é do que uma relação de poder e domínio originado e sustentado pela violência.
Ele chama a atenção para o fato de que nem sempre o escravo derivava da violência dos outros, do adversário ou do estrangeiro, algumas vezes, era produto da coação da sua própria gente. Não era só na guerra que se corria o risco de ser escravizado. Em muitas sociedades africanas, o cativeiro era a punição para quem fosse condenado por roubo, assassinato, feitiçaria e, às vezes, adultério. A penhora, o rapto individual, a troca e a compra eram outras maneiras de se tornar escravo. As pessoas podiam ser penhoradas como garantia para o pagamento de dívidas. Nesta situação, caso seus parentes saldassem o débito, extinguia-se o cativeiro. Tais formas de aquisição de cativos foram mais ou menos comuns em diferentes períodos e lugares da África. O rapto e o ataque a vilas se tornaram mais freqüentes quando o tráfico de escravos tomou grandes proporções.
Fosse como fosse, o certo é que, na África de terras extensas e dotada de instrumentos de trabalho muito rudimentares, era mais rico quem conseguisse multiplicar o número de homens e mulheres sob suas ordens. Era a posse do trabalho de outrem que garantia a expansão das riquezas. E era mais poderoso quem tivesse sob suas ordens grande quantidade de homens e armas.
Foi essa situação que os europeus encontraram na África. Não inventaram o comércio de escravos, mas só se aproveitaram de um estado de coisas que vinha de tempos remotos. Como explica o autor, os escravos eram disputados por pelo menos três grandes mercados: o local, o inter-regional e o oceânico, fosse atlântico ou índico, neste se incluindo o mar Vermelho. 
Enfim, o texto de Costa e Silva nos possibilitou a compreensão de que a escravidão existiu desde os tempos mais remotos e foi mudando ao longo dos séculos, mudando também conforme a região e a aplicação econômica do escravo. Sendo esta sempre violenta, sempre uma agressão de um ser humano contra outro ser humano, mas sempre mudando de roupagem. A escravidão é, portanto, analisada por Costa e Silva como um fenômeno econômico que, posteriormente, derivou em ações de discriminação racial.

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