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382 O Marco Legal da Primeira Infância agora é Lei o Pré-nataL PsicoLÓGico como ProGrama de PreVenção à dePressão PÓs-Parto e Promoção do desenVoLVimento infantiL alessandra da rocha arrais Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília, Psicóloga Hospitalar da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), Docente do Mestrado Profissionalizante em Saúde da Mulher e dos Idoso da FEPECS- SES-DF natália maria de castro almeida Psicóloga Clínica, Especializanda em Psicologia Clínica Hospitalar pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor- HCFMUSP) A depressão pós-parto é um transtorno de alta incidência no puerpério, que possui repercussões ne-gativas para o desenvolvimento infantil. Com o objetivo de prevenir este tipo de transtorno, desen-volvemos um programa, que denominamos “Pré-Natal Psicológico”, o qual consideramos constituir uma nova ferramenta para ampliar a assistência pré-natal oferecida nos serviços de saúde, em nosso País. A seguir, apresentaremos este programa e pesquisa realizada para avaliar seu potencial de depressão pós-parto e consequente favorecimento da parentalidade promotora do desenvolvimento infantil. O Pré-Natal Psicológico é uma prática complementar ao Pré-Natal tradicional realizado pela equipe médica, voltada para maior humanização do processo gestacional, do parto e da parentalidade. Tem por fina- lidade prevenir situações adversas potencialmente advindas na gestação e no pós-parto, principalmente pelo seu caráter vivencial. Visa à integração da gestante e da família a todo o processo gravídico-puerperal, através de encontros temáticos em grupo com ênfase psicoterápica na preparação psicológica para a maternidade e paternidade, e prevenção da depressão pós-parto. 1. A IMPORTÂNCIA DA ATENÇÃO PSICOLÓGICA NA GESTAÇÃO Em se tratando de saúde mental e atuação preventiva, um importante tema vem ganhando destaque: a maternidade. Isso porque o fenômeno envolve, no mínimo, dois campos de prevenção fundamentais. O primeiro é a mulher, gestante, parturiente e mãe, que vivencia um período de muitas inseguranças e des- cobertas, o que torna muito relevante a intervenção psicológica. O segundo campo é o desenvolvimento do filho. O bebê se beneficia muito de uma relação saudavelmente construída e de um projeto de parentalidade que compreenda suas necessidades evolutivas. Entretanto, para que esse trabalho se realize é preciso compreender os conceitos envolvidos e des- construir alguns mitos edificados em torno da maternidade. O ciclo gravídico-puerperal é um período do desenvolvimento humano marcado por alterações bioquímicas, físicas e psíquicas da mulher. Para algumas PARTE IV – PROGRAMAS DE APOIO ÀS FAMÍLIAS NA PRIMEIRA INFÂNCIA 383 mulheres a gravidez é um evento desejado e planejado, para outras esse processo é raramente planejado, nem sempre marcado por alegrias e realizações (ROSENBERG, 2007), sendo comum nessa fase o surgimento de sentimentos conflitantes tanto em relação ao bebê quanto à própria vida da gestante (CHIATTONE, 2007). (inserir box com dados da pesquisa “Nascer no Brasil”, onde se encontrou que 47% das gestações no Brasil não são desejadas.) Entre os transtornos psíquicos da puerperalidade destaca-se a depressão pós-parto (DPP). De acordo com o DSM-V (APA, 2014),a DPP caracteriza-se pela presença de humor deprimido ou perda de interesse e prazer por quase todas as atividades (Episódio Depressivo Maior), que se manifesta duas semanas após o parto. A incidência de transtornos depressivos no puerpério é alta. De acordo com Chiattone (2007), 10% a 16% das pacientes preenchem critérios para o diagnóstico de DPP, que merece maior atenção. Há relatos de que 50% a 90% dos casos de DPP no mundo não são sequer detectados (BRASIL, 2006). Este trabalho defende a ideia de que a DPP é um importante problema de saúde pública, que impacta diretamente a saúde da mãe e do bebê, e ainda é subdiagnosticada, atingindo mulheres em todas as idades, classes sociais e níveis de escolaridade, com prejuízos como atraso no desenvolvimento psicomotor dos bebês, caso a DPP não seja tratada. Diante da gravidade deste transtorno psíquico e, observada a necessidade de adaptação que uma puérpera precisa enfrentar, faz-se válida a utilização de recursos que tentem prevenir este distúrbio. O Pré-Natal Psicó- logico é um desses recursos, cuja abordagem diferencia-se dos cursos para gestantes. Trata-se de um novo conceito em atendimento perinatal, voltado para uma maior humanização do processo gestacional, do parto e de construção da parentalidade (ARRAIS, CABRAL, MARTINS, 2012; BORTOLETTI, 2007). O referencial teórico utilizado foia Psicologia Positiva. Essa propõe um olhar voltado ao potencial de cada indivíduo, ajudando a identificar e fortalecer os fatores que permitem a redução da incidência e a pre- venção de patologias secundárias a condições adversas de vida (OLIVEIRA; NAKANO, 2011). 1.1. descrição do Programa Pré-natal Psicológico (PnP) O PNP apresenta uma atuação psicoprofilática por meio de um grupo interventivo complementar ao tradicional pré-natal médico. Seu objetivo é auxiliar na preparação para a maternidade e a paternidade, fase favorável à instalação de sentimentos que podem dificultar a experiência saudável do ciclo gravídico-puerperal (BORTOLETTI, 2007; CABRAL, MARTINS E ARRAIS, 2012). Por consequência, o PNP pode reduzir os riscos de DPP. Outro objetivo do grupo é atuar em uma perspectiva desenvolvimentista, provendo espaço dialógico para se pensar o projeto de educação de filhos, para a proposta de parentalidade do casal grávido e para questões do desenvolvimento psicológico dos bebês nos seus primeiros anos de vida. O PNP é constituído por um grupo aberto de até seis casais “grávidos”, de 12 a 36 semanas de gestação. Normalmente, ocorre em cinco sessões grupais, quinzenais, de aproximadamente três horas de duração cada, mais uma de follow up entre 4 e 6 semanas do puerpério. Pode haver a participação dos avós. Durante as sessões são utilizadas técnicas como recorte e colagem, vídeos, elaboração de desenhos por parte das participantes, exercícios de relaxamento e respiração, dentre outras técnicas que promovam a discussão dos temas propostos tanto pela equipe condutora, quanto pelos participantes. Os temas geralmente trabalhados nas sessões são: Desmitificação da maternidade e paternidade, Representação social da maternidade, Sexualidade na gravidez e no pós-parto, Mudanças na autoimagem corporal, Expectativas em relação ao filho, Intercorrências na gestação, Tipos de parto (preparação), Medos: dor, laceração, morte, Parto escolhido (postura ativa), Acompanhante na sala de parto, Amamentação, Estados 384 O Marco Legal da Primeira Infância agora é Lei emocionais no pós-parto, Distúrbios emocionais do puerpério, Trabalho X maternidade, o papel dos pais e avós. Além disso, inclui orientações e esclarecimentos quanto aos cuidados e aspectos desenvolvimentais do primeiro ano de vida do bebê. 1.2. caracterizando a depressão pós-parto Segundo o DSM-V (APA, 2014), a depressão pós-parto é um episódio de depressão maior, que ocorre dentro das quatro primeiras semanas após o parto, durante as quais observa-se presença de um humor de- primido ou perda de interesse ou prazer por quase todas as atividades. A mãe também deve experimentar pelo menos quatro sintomas adicionais, extraídos de uma lista que inclui alterações no apetite ou peso, sono e atividade psicomotora; diminuição da energia; sentimentos de desvalia ou culpa. De acordo com Arrais (2005), a puérpera pode apresentar um profundo retraimento e isolamento social, principalmente se ocorrer um distanciamento muito grande entre aquilo que a gestante imaginava ser, tanto em relação ao bebê idealizado quanto à sua própria figura materna e aquilo que advém no parto. Ainda, podem surgir sentimentos ambivalentes relacionados às dúvidas e medos inerentes a essemomento (BORTOLETTI, 2007), devido ao não suprimento das expectativas do mito da mãe perfeita (AZEVEDO; ARRAIS, 2006). A DPP tem importantes consequências sociais e familiares, sobretudo para a díade mãe-bebê, mas também para a tríade mãe-pai-bebê, a saber: problemas conjugais, atraso no desenvolvimento do bebê e grande sofrimento psíquico para a mãe, inclusive com risco aumentado para o suicídio, entre outros (RA- MOS; FURTADO, 2007). A DPP pode dificultar o estabelecimento do vínculo afetivo seguro entre mãe e bebê, podendo inter- ferir nas futuras relações interpessoais estabelecidas pela criança. Pois, de acordo com a Teoria do Apego de Bowlby (AINSWORTH; BOWLBY, 1991), há evidências de efeitos adversos ao desenvolvimento, atribuídos ao rompimento na interação com a figura materna, na primeira infância, como pode ocorrer nos casos de mães com DPP, quando não adequadamente diagnosticadas e tratadas (ARRAIS, 2012; BORTOLETTI, 2007; KLEIN; GUEDES, 2008). A falta de informação pode gerar na gestante expectativas e crenças sobre a sua nova condição, des- encadeando sintomas de ansiedade e depressão (BAPTISTA; FURQUIM, 2009), sendo que o impacto na vida dos envolvidos requer um trabalho não só remediativo, mas também preventivo, a fim de evitar este grave transtorno. Cientes dos fatores que envolvem a DPP e observada a necessidade de adaptação que uma puérpera precisa enfrentar, nada mais válido do que a utilização de um instrumento que tente prevenir este distúrbio, como o PNP. Desse modo, considerando que as consultas de pré-natal auxiliam a equipe multidisciplinar a identificar os fatores de risco e de proteção para a DPP, proporcionando às gestantes melhores condições de enfrenta- mento, esse tema assume grande importância clínica, com repercussões para a saúde pública, em especial quando se considera sua repercussão social. Alguns estudos apontam diversos fatores de risco para o desencadeamento da DPP, os quais devem ser investigados: gestante solteira, conflitos conjugais, falta de apoio do pai do bebê, histórico familiar de depressão, depressão e ansiedade gestacional, gravidez não programada, suporte social fraco e eventos de vida negativos na gravidez (ARRAIS, MOURÃO, FRAGALLE, 2013; BORTOLETTI, 2007; PEREIRA; LOVISI, 2008). Já os fatores de proteção, que são definidos por Moraes et al. (2006) como condições do próprio indiví- duo que podem contribuir para uma melhor resposta a determinados eventos de riscos, temos: expectativa de sucesso no futuro, senso de humor, otimismo, autonomia, tolerância ao sofrimento, assertividade, estabilidade PARTE IV – PROGRAMAS DE APOIO ÀS FAMÍLIAS NA PRIMEIRA INFÂNCIA 385 emocional, engajamento nas atividades, comportamento direcionado para metas, habilidade para resolver problemas e boa autoestima. Constituem, ainda, fatores de proteção para a DPP: o apoio de outra mulher, detecção precoce da depressão (RUSCHI et al., 2007), suporte social, boa relação conjugal e suporte emo- cional do companheiro (ARRAIS, 2005; FRIZZO; PICCININI, 2005), estabilidade socioeconômica, sistema de apoio familiar (ROSENBERG, 2007) e um trabalho de prevenção, como o PNP (BORTOLETTI, 2007). O conhecimento dos fatores de risco e de proteção da DPP é importante para o planejamento e execu- ção de ações preventivas, como o Pré-Natal Psicológico, uma vez que, conforme mencionam Zinga, Phillips e Born (2012), a intervenção precoce, utilizando uma estratégia psicoterapêutica específica entre as gestantes, pode resultar em uma redução significativa na sintomatologia depressiva. 2. A PESQUISA-AÇÃO Para avaliar a eficácia do Pré-Natal Psicológico na prevenção da depressão pós-parto em gestantes de uma maternidade pública de referência em Brasília, realizamos uma pesquisa, com os seguintes objetivos es- pecíficos: Descrever os fatores de risco de ansiedade e depressão gestacional para a DPP; Identificar os níveis de DDP destas mulheres encontrados no puerpério; Relacionar os níveis de ansiedade e depressão gestacional e o risco de depressão pós-parto; Identificar a eficácia do PNP na redução dos fatores de risco ou na proteção para o aparecimento da DPP. Para que esses objetivos pudessem ser atingidos, o método utilizado foi a pesquisa-ação, Essa é uma estratégia metodológica de investigação que visa compreender e intervir propositalmente ou intencionalmente na situação, com vistas à modificá-la (Thiollent, 1992). Esta metodologia divide-se em três fases: a) Fase I: elaboração do diagnóstico da situação (levantamento dos fatores de risco e de proteção para a DPP; b) Fase II: proposta de intervenção e implantação (grupo PNP); e c) Fase III: avaliação (rastreamento da DPP e ava- liação do PNP). O presente projeto de pesquisa contemplou as três fases da pesquisa-ação acima descritas, na qual foram identificados os fatores de risco e de proteção para a DPP e avaliado o material qualitativo e quantitativo colhido nas fases II e III. A pesquisa contou com a participação de 10 mulheres captadas em uma maternidade pública em Brasília. Todas estavam gestantes e encontravam-se entre a 21ª e a 35ª semana de gestação, residiam no Distrito Federal ou entorno e possuíam pelo menos o nível de escolaridade primário.Todas foram convidadas a participar do PNP, todavia, apenas cinco dessas gestantes demonstraram interesse e constituíram o grupo-intervenção nomeado de Grupo A. As outras cinco gestantes que não quiseram participar constituíram o grupo-controle dessa pesquisa, para fins comparativos, que foi nomeado de Grupo B. Os instrumentos utilizados nas diferentes fases da pesquisa, foram: Perfil gestacional (ficha aplicada aos Grupos A e B, durante a Fase I); Perfil puerperal (ficha que foi aplicada aos dois grupos A e B, durante a Fase III); Inventário Beck de Depressão (BDI) e o Inventário Beck de Ansiedade (BAI) (CUNHA, 2011), ambos aplicados aos Grupos A e B, durante a Fase I; Escala de Depressão Pós-Parto de Edimburgo, ou Escala COX (COX; HOLDEN, 2003), que foi aplicada aos Grupos A e B, até três meses depois do pós-parto, durante a Fase III; e, por fim, Questionário avaliativo sobre os efeitos do Pré-Natal Psicológico, que foi aplicado apenas às participantes do Grupo A, durante a Fase III, que ocorreu por meio de visitas domiciliares agendadas com antecedência a partir de contato telefônico. 386 O Marco Legal da Primeira Infância agora é Lei 2.1. resultados Em função da sua grande relevância como fator de risco para depressão pós-parto, destacaremos nesse artigo apenas os resultados referentes aos níveis de depressão e ansiedade gestacional e rastreamento de de- pressão pós-parto nos dois grupos, A e B. O quadro 1 e a Figura 1 apresentam esses resultados. Quadro 1: níveis de depressão gestacional e rastreamento de depressão pós-parto nos dois grupos. Resultado BAI Nível de ansiedade Resultado BDI Nível de depressão Resultado COX Rastreamento depressão pós-parto GR UP O A P1 19 Moderado 10 Mínimo 10 Negativo para DPP P2 10 Leve 11 Mínimo 10 Negativo para DPP P3 30 Grave 39 Grave 10 Negativo para DPP P4 26 Grave 18 Leve 2 Negativo para DPP P5 22 Moderado 28 Moderado 5 Negativo para DPP GR UP O B P6 19 Moderado 7 Mínimo 12 Probabilidade para DPP P7 34 Grave 33 Moderado 15 Probabilidade para DPP P8 34 Grave 40 Grave 20 Probabilidade para DPP P9 32 Grave 4 Mínimo 13 Probabilidade para DPP P10 32 Grave 47 Grave 24 Probabilidade para DPP É interessante observar que, no Grupo A, apenas duas participantes (40%) apresentaram nível de an- siedade grave (P3 e P4), sendo que do total da amostra, somente uma (20%) apresentou nível de depressão gestacional grave (P3), de acordo com a Escala Beck. No Grupo B, a maioria apresentou nível de ansiedade gestacional grave (80%), sendo que duas (40%) apresentaram nível de depressão gestacional grave (P8 e P10) e uma (20%) apresentou nível moderado (P7). figura 1: níveis de ansiedade e depressão gestacional e risco de dPP nos Grupos a e b apresentou nível de ansiedadegestacional grave (80%), sendo que duas (40%) apresentaram nível de depressão gestacional grave (P8 e P10) e uma (20%) apresentou nível moderado (P7). Escore dos instrumentos Figura 1: Níveis de ansiedade e depressão gestacional e risco de DPP nos Grupos A e B Importante esclarecer ainda que, no Grupo A, uma participante (20%) afirmou histórico de depressão anterior (P5) e duas (40%) mencionaram a presença de depressão na gestação (P3 e P5), enquanto que no Grupo B, duas apresentaram histórico de depressão anterior (40%) e durante a gestação (P8 e P10). Esses dados confirmam a afirmação de Arrais (2005); Pereira e Lovisi (2007); Zinga, Phillips e Born (2012); Rosenberg (2007); Schmidt, Piccoloto e Müller (2005), de que a presença de depressão na gestação representa um dos grandes fatores de risco para a DPP. Outra questão que merece destaque é o fato de que os bebês de duas participantes da pesquisa evoluíram para óbito – uma do Grupo A (P1 – natimorto) e outra do Grupo B (P7 – óbito fetal) - o que representa um fator de risco para a DPP. Tendo em vista que ambas as participantes apresentavam fatores de risco semelhantes na fase diagnóstica da pesquisa (gravidez não planejada, situação socioeconômica desfavorável e relacionamento conjugal insatisfatório) e que somente a participante do Grupo B apresentou probabilidade para DPP, segundo a escala COX. 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 P9 P10 Resultado BAI Resultado BDI Resultado COX Escores dos Instrumentos GA – P1 a P5 GB – P6 a P10 P1/P7 – natimorto/óbito fetal PARTE IV – PROGRAMAS DE APOIO ÀS FAMÍLIAS NA PRIMEIRA INFÂNCIA 387 Importante esclarecer ainda que, no Grupo A, uma participante (20%) afirmou histórico de depressão anterior (P5) e duas (40%) mencionaram a presença de depressão na gestação (P3 e P5), enquanto que no Grupo B, duas apresentaram histórico de depressão anterior (40%) e durante a gestação (P8 e P10). Esses dados confirmam a afir- mação de Arrais (2005); Pereira e Lovisi (2007); Zinga, Phillips e Born (2012); Rosenberg (2007); Schmidt, Piccoloto e Müller (2005), de que a presença de depressão na gestação representa um dos grandes fatores de risco para a DPP. Outra questão que merece destaque é o fato de que os bebês de duas participantes da pesquisa evoluíram para óbito – uma do Grupo A (P1 – natimorto) e outra do Grupo B (P7 – óbito fetal) - o que representa um fator de risco para a DPP. Tendo em vista que ambas as participantes apresentavam fatores de risco semelhantes na fase diagnóstica da pesquisa (gravidez não planejada, situação socioeconômica desfavorável e relaciona- mento conjugal insatisfatório) e que somente a participante do Grupo B apresentou probabilidade para DPP, segundo a escala COX. Isso nos permite questionar se a participação de P1 no PNP permitiu que, de alguma forma, a depressão fosse tratada ou minimizada. Essa influência pode ser visualizada nas seguintes falas: – Aqui vocês puderam me ajudar, me aconselhar. Se não fossem vocês eu acho que não teria dado conta só. Nos momentos bem difíceis da minha vida me ajudou sim, bastante mesmo. (P3). – Durante a gestação, se eu tivesse passado aqui sozinha, sem o apoio de vocês, sem alguém pra con- versar, me acalmar, me ajudar, eu não tinha conseguido (P5). De acordo com os dados obtidos, pode-se afirmar que, apesar de as participantes de ambos os grupos serem vulneráveis e com tendência a desenvolver a DPP, nenhuma das gestantes que participaram do Pré- Natal Psicológico, Grupo A, desenvolveram DPP. Enquanto que as cinco puérperas do Grupo B, que não participaram do PNP, evidenciaram probabilidade para a DPP (Figura 1). Verificou-se, assim, que as gestantes dos dois grupos encontravam-se vulneráveis à depressão pós-parto, apresentando vários fatores de risco, entretanto, somente as do grupo controle apresentaram DPP. Os resultados foram comparados entre os dois grupos – intervenção e controle – e encontrou-se que entre as participantes do PNP (grupo intervenção) a ocorrência dos fatores de risco superou a dos fatores de proteção, sendo que mais da metade destas participantes, de acordo com a Escala Beck, evidenciaram depressão durante a gravidez, mas não desenvolveram a DPP. Já nas que não participaram do PNP (grupo controle) todas apresentaram a DPP. Esses achados sugerem que o Pré-Natal Psicológico, associado a fatores de proteção presentes na his- tória das grávidas, pode ajudar a prevenir a DPP, reforçando o caráter psicoprofilático deste tipo de trabalho, conforme apontado por Bortoletti (2007); Arrais, Cabral e Martins (2012); Santos (2013) e Shields (2006). Foto: Natália almeida 388 O Marco Legal da Primeira Infância agora é Lei 3. CONSIDERAÇõES FINAIS A partir da pesquisa realizada, concluiu-se que o Pré-Natal Psicológico atuou de forma positiva na prevenção da depressão pós-parto, em gestantes de alto risco e pode ser considerado um fator de proteção adicional, na medida em que proporciona um espaço de escuta emocional e apoio, onde o tema da DPP pode ser adequadamente abordado, permitindo a livre expressão de temores e ansiedades. Defende-se que a assis- tência psicológica na gestação, por meio da utilização do PNP, é um importante instrumento psicoprofilático que deve ser implementado como uma política pública em postos de saúde e serviços de pré-natal no Brasil. Este estudo possui relevância social e científica, na medida em que pode ser utilizado como ponto de partida para iniciativas públicas e privadas de apoio à mulher e seu bebê durante seu ciclo gravídico-puerperal. O Pré-Natal Psicológico, atrelado ao Programa de Pré-Natal Médico, constitui-se em ferramenta de baixo custo, que pode ser implementada por equipes multidisciplinares, em hospitais públicos e privados, clínicas da mulher e outros espaços, abrigando possibilidades de intervenção multidisciplinar. Os benefícios experimentados pelas participantes apontam que uma proposta de saúde integral não se limita apenas à prevenção da depressão pós-parto, mas permite que as transformações da gestação e puerpério sejam vivenciadas de forma saudável e que, principalmente, investimentos afetivos na vinculação com o bebê sejam contemplados. Ao propor um trabalho interventivo e terapêutico envolvendo o casal, a pesquisa-ação propiciou um ganho inestimável para o desenvolvimento psicológico do bebê, pouco enfatizado nos cursos de pré-natal tradicionais. Além de se prevenir transtornos psicológicos que prejudicam a relação mãe-bebê, viabiliza-se um espaço para promover a discussão de um projeto de parentalidade. A pesquisa-ação mostrou que os conteúdos relativos à proposta de educação dos filhos, bem como a compreensão dos aspectos evolutivos da criança, foram demandados nos momentos grupais. Embora não tenha sido tratado de modo informativo, foi possível notar o quanto há carência desse tipo de abordagem e o quanto o preparo afetivo tem repercussões para a qualidade do exercício da maternidade e da paternidade. Assim como a possibilidade de se poder contar com informações sobre aspectos práticos da maternidade e da paternidade, em um contexto onde seja possível se dialogar a respeito das intenções e projetos educativos. Ao mesmo tempo em que estes aspectos podem gerar conflitos que atinjam a conjugalidade, seu manejo preventivo pode possibilitar a construção de um projeto de parentalidade mais compartilhado e melhorar a qualidade da relação do casal e da interação com o bebê. 4. REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AINSWORTH, M.; BOWLBY, J.An ethological approach to personality development. American Psychologist, vol. 46, nº 4, pp. 333-341, 1991. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA) DSM-V: Manual diagnóstico eestatístico de transtornos mentais. 5ª Edição, Porto Alegre: Artmed, 2014. ARRAIS, A. R. As configurações subjetivas da depressão pós-parto: para além da padronização patologizante. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília,Brasília, 2005. ARRAIS, A. R.; CABRAL, D. S. R.; MARTINS, M. H. F. Grupo de pré-natal psicológico: avaliação de programa de in- tervenção junto a gestantes. Encontro: Revista de Psicologia, São Paulo, v. 15, n. 22, p. 53-76, 27 set., 2012. ARRAIS, A. 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