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As Sombras de Goya - Ana Carolina Castiglio

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE DIREITO
DIREITO PROCESSUAL PENAL I: TEORIA GERAL DO PROCESSO PENAL
PROFESSOR AURY CELSO LIMA LOPES JUNIOR
FICHAMENTO 3
FILME: AS SOMBRAS DE GOYA, 2006
Ana Carolina Marques Castiglio - 19103015
O filme As Sombras de Goya, lançado em 2006 pelo diretor Milos Forman, é uma
produção histórica que retrata as transformações políticas ocorridas na Espanha do fim do
século XVIII e início do século XIX. A partir da visão de Francisco Goya, famoso pintor da
época reconhecido por seus retratos e gravuras, podemos acompanhar a trágica história de
uma menina, Inês, cuja vida, assim como a de muitos outros, foi destruída pelos conflitos e
grupos dominantes da época.
Inês Bilbatua, filha de um rico mercador, é recolhida pela Inquisição Espanhola por
levantar suspeitas de praticar ritos judaicos, fato constatado pelo clero unicamente por ter
recusado comer porco em um jantar. O interrogatório promovido pela igreja para averiguar a
veracidade da acusação consiste em torturar seus prisioneiros até que confessem o crime e,
posteriormente, fazê-los aguardar, dentro de uma masmorra de condições desumanas, por um
julgamento que nunca chega.
Neste contexto, acompanhamos também a história do Irmão Lorenzo, à época
importante integrante da Igreja e organizador da nova onda de inquisição espanhola. Lorenzo
se mostra, desde o início, fascinado por Inês, e apesar de aceitar ouvir aos pedidos do pai da
menina para que deixassem ela voltar para casa, reafirmava firmemente que sua confissão de
devoção ao judaísmo era verídica e que, por isso, ela deveria esperar por seu julgamento e
pela misericórdia de Deus.
Quinze anos se passaram desde a prisão de Inês quando esta é libertada, juntamente
com outros prisioneiros da Igreja, pelos revolucionários franceses. A Revolução Francesa,
conhecida por seus ideais “liberdade, igualdade e fraternidade”, representava uma luta pelo
povo, cansado da supremacia da monarquia, bem como do poderio ilimitado da igreja. Com o
intuito de afirmar a legitimidade da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os
revolucionários invadiram cidades, assassinaram e estupraram muitos e condenaram à morte
perante julgamentos, tão ineficazes quanto os antes empreendidos pela inquisição, outros
tantos.
Inês, ao ser liberta da prisão, vai até a antiga e imponente casa de sua família para
descobrir que os revolucionários tinham assassinado seus pais e irmãos. Sem ter mais a quem
recorrer, ela pede ajuda a Goya, velho amigo de seu falecido pai. Extremamente machucada,
magra e traumatizada, ela conta que teve uma filha em seus anos de cárcere, e pede sua ajuda
para encontrá-la.
Francisco Goya, que acabou por perder sua audição com o passar dos anos, vêm à
descobrir que a filha a que tanto se refere Inês foi concebida pelos repetidos estupros
praticados pelo Irmão Lorenzo, que havia se juntado aos revolucionários franceses e agora
pregava sua nova verdade absoluta. Irmão Lorenzo, por sua vez, ao descobrir da existência da
filha, que já era crescida e vivia como órfã e prostituta, não poupa esforços para que esta seja
enviada para longe e para que Inês seja internada, com o intuito de impedi-las de mostrar a
hipocrisia e heresia de seus atos.
A ocupação francesa, derradeiramente, termina com a chegada das tropas britânicas,
que restituem o clero ao seu poderio anterior. Lorenzo é executado, mas as precárias
condições sociais à que a população estava sujeita não sofreram grandes mudanças.
Sombras de Goya trata de muitos acontecimentos desconcertantes da nossa história e
que, infelizmente, encontram identificação com muitos fatos ainda presentes na sociedade
atual. Durante séculos, a religião estabeleceu as regras e leis que regeriam as sociedades,
colocando em Deus, representado por homens da Igreja, os poderes legislativo, judiciário e
executivo. Nesta perspectiva, a inquisição surge como um sistema processual penal que
punha os executores das leis, neste caso o clero, para produzir as provas e realizar o
julgamento que levaria à sentença. Neste contexto, como averiguado pelos acontecimentos do
filme, os juízes carecem de parcialidade, conduzindo o julgamento de modo que favoreça a
sentença, estabelecida desde o momento da acusação.
No caso de Sombras de Goya, a falta de fiscalização e leis que assegurassem o
mínimo de direitos e dignidade humana levam o sistema processual inquisitório a um nível
muito mais elevado, mostrando um ativismo judicial tão aparente que os juízes saíam pelas
ruas à procurar quem trazer ao tribunal e uma gestão probatória de via única, em que a
produção de provas consiste em os juízes torturarem o réu para obter a confissão, na época
considerada como prova plena. Nessa perspectiva, apesar de parecer-nos completamente
absurda a ideia de haver justiça dentro de um sistema inquisitório, tais procedimentos ainda
existem e consistem na matriz do atual sistema processual penal brasileiro.
A existência de uma legislação que permite a prática de juízes de ofício e o ativismo
judicial em investigações não parece tão escandalosa quanto às injustiças sofridas por Inês,
mas são características de um mesmo sistema, minimizado, que acaba por elevar as
desigualdades em um julgamento e privar as partes de um magistrado sentenciante imparcial.
Não foi apenas na sociedade atual que o sistema inquisitório foi empreendido
concomitantemente a discursos de igualdade e cidadania. A obra cinematográfica supracitada
demonstra notavelmente que, apesar das mudanças de discurso com a chegada dos
revolucionários franceses, a deliberação da “justiça” continuou seguindo os mesmos
princípios e a população seguiu sofrendo dos mesmos males. Assim, o filme mostra que os
valores da época, à que encontramos semelhanças, não se baseiam tanto na verdade, justiça
ou humanidade, mas sim no poder. A verdade, que é o que se pretende buscar em julgamento,
não é realmente a verdade absoluta, mas aquela que concorda com as necessidades e desejos
dos que se encontram no poder.

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