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ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO PRO2312 Organização do Trabalho na Produção Estrutura Organizacional – Parâmetros Prof. Mario Sergio Salerno março 2002 Procuraremos aqui discutir o conceito de parâmetros de uma estrutura organizacional, levando em conta uma abordagem integral da organização, qual seja, envolvendo sua estrutura de produção e sua estrutura de controle ou pilotagem. Uma estrutura organizacional pode ter sua compreensão, análise e projeto através da identificação de alguns parâmetros, parâmetros esses que indicam suas características básicas. A configuração que a estrutura apresenta será função do “valor” que esses parâmetros assumem. Nesse sentido, compreender os parâmetros significa compreender a estrutura organizacional; compreender a que configurações levam determinados “valores” desses parâmetros significa compreender como as estruturas podem ser transformadas. Tais parâmetros podem ser identificados em qualquer estrutura, seja de sistemas de produção de bens na indústria, seja em sistemas de produção de serviços, seja em estruturas específicas de relação de serviço. Nomenclatura e definições básicas adotadas no texto: Sistema de produção: todo o sistema produtivo considerado para análise, em todos os seus aspectos, e não só na produção. Subsistemas: funções dedicadas do sistema de produção, com fronteiras claramente definíveis, significando unidades organizacionais com atribuições precípuas. Ex.: funções compras, PPCP, produção, projeto de produto etc. Aspectos do sistema: são transversais aos subsistemas, tais como qualidade, logística, manutenção, gestão de recursos humanos. Elementos do sistema: homens ou máquinas/equipamentos Controle (pilotagem): o termo, quando utilizado, tem aqui o sentido de “pilotagem”, ou seja, de dirigir o sistema produtivo para situações desejadas. Por exemplo, a capacidade de prevenir panes, ou de absorver mudança na programação de pedidos de um cliente, por exemplo, significam que o sistema apresenta boa dirigibilidade, boa pilotagem, possui “controlabilidade”. Os parâmetros que se referem às características das estruturas de produção e controle podem ser assim sintetizados (Salerno, 1999:170-171): CONCENTRAÇÃO FUNCIONAL É o parâmetro mais importante, pois define o leque de possibilidades, a amplitude de “valores” que os demais parâmetros podem assumir. Ele diz respeito à concentração das ordens de produção por unidades organizacionais, a se os fluxos de produção 2 devem passar por todos as unidades ou subsistemas de produção (como departamento de fresas, departamento de tornos, setor de tratamento térmico, setor de montagem leve etc.), ou se cada ordem é produzida em um único subsistema. No primeiro caso, temos uma concentração funcional, pois há a necessidade de coordenação centralizada para a produção de uma ordem; no segundo caso, temos uma desconcentração funcional, pois cada subsistema trata integralmente a ordem de produção. Esses seriam os valores extremos: alta concentração (toda ordem passa por toda unidade organizacional) x alta desconcentração (uma ordem só passa por uma única unidade organizacional), mas evidentemente pode haver casos intermediários. Esse parâmetro mostra uma característica fundamental da estrutura organizacional. Se uma ordem passa por n unidades organizacionais (aqui chamadas também de subsistemas), há um enorme problema de coordenação, ou seja, há a necessidade de coordenar, no tempo, no espaço, e em termos de recursos alocados, o trabalho de cada uma das unidades organizacionais. Caso haja problemas nessa coordenação, um setor pode acabar sua parte no processamento e o produto em processo pode ficar esperando porque o setor seguinte não está preparado para recebê-la, seja porque está fazendo outra coisa, não foi avisado a tempo etc. A concentração funcional aqui tratada significa que a organização superespecializa suas unidades em funções (daí o nome “concentração funcional”, pois cada subsistema realiza apenas uma determinada função, um determinado tipo de processamento; alguns tipos de arranjo físico “concentrados funcionalmente” têm o nome de “arranjos funcionais”, pois os equipamentos estão agrupados por função), tudo o que sair fora daquela função foge da responsabilidade do subsistema (de seu chefe, de seus trabalhadores etc.), e pode ser criado um conflito de responsabilidades que exige uma coordenação – nesse tipo de estrutura, a coordenação tipicamente é hierárquica, ou seja, um chefe dos chefes das unidades organizacionais em foco arbitra o problema e tenta encaminha-lo. Um exemplo caricato de concentração funcional está quando alguém se dirige a um guichê de atendimento ao público, espera sua vez, para depois ouvir que “é no guichê ao lado”. Uma linha única de montagem também é um exemplo de concentração funcional, pois todas as ordens de montagem devem passar necessariamente por ela. Já se houver linhas paralelas, as ordens podem ser distribuídas pelas diversas linhas, aumentando assim a possibilidade de tratamento e gestão de eventos – por exemplo, se o equipamento de uma linha quebrar, interrompe-se apenas a produção daquela parte, e não a produção como um todo; se houver necessidade de se fazer um teste com a montagem de um produto piloto, pode-se fazê-lo numa das linhas, enquanto as outras continuam produzindo normalmente, levando a menores perturbações na produção como um todo. Sistemas de produção em célula muitas vezes encerram a procura de uma “desconcentração funcional” frente aos arranjos funcionais tradicionais. Portanto, a análise de tal parâmetro desvenda uma característica muito importante de uma estrutura organizacional, qual seja, sua necessidade de coordenação interunidades organizacionais. Como as unidades organizacionais são projetadas e são frutos de escolhas, ou seja, não há um modelo único para a definição de uma estrutura organizacional, a definição de uma estrutura com muitas unidades funcionais especializadas (ou seja, com concentração funcional) leva a grandes necessidades de 3 coordenação e, geralmente, nos pontos de interface e nos pontos nos quais uma coordenação exterior é exigida é que se acumulam os problemas de sistemas de produção que se pretendam mais versáteis, flexíveis, com maior capacidade de inovação. Muitos problemas de atrasos no prazo de entrega, de qualidade, de qualidade de vida no trabalho, de capacidade de inovação, de custos, são devidos a estruturas aqui caracterizadas como concentradas funcionalmente. Mas, se o parâmetro de “concentração funcional” é o mais importante, ele não é o único que intervém numa estrutura organizacional. DIVISÃO / FRAGMENTAÇÃO VERTICAL DO TRABALHO DIRETO (“diferenciação de desempenho”) Refere-se à separação ou integração de funções de preparação, apoio e execução de atividades de produção de bens ou serviços. Por exemplo, numa usinagem, há necessidade de preparação da máquina (ajuste de ferramentas, de programa – no caso de CNC etc.), produção propriamente dita, e de suporte de manutenção. Haverá diferenciação se essas atividades estiverem alocadas a pessoas diferentes, e haverá integração se estiverem alocadas à mesma pessoa. DIVISÃO / FRAGMENTAÇÃO HORIZONTAL DO TRABALHO DIRETO (“especialização do desempenho”) Se as atividades de produção direta estrito senso (ou seja, não incluindo preparação, apoio) estiverem alocadas a subfunções (ou sub-unidades organizacionais, ou a trabalhadores) diferentes, haverá divisão horizontal do trabalho direto, mas se as atividades estiverem alocadas a um(a) único(a) trabalhador(a), não haverá especialização do trabalho direto – são esses os dois extremos. Ou seja, esse parâmetro refere-se à divisão do trabalho direto de execução. Numa linha de montagem com vários postos de trabalho e tempo de ciclo muito curto (por exemplo, 60 segundos) há alta divisão horizontal do trabalho, poiscada operário é responsável por uma pequena parte da produção total. Já um esquema de trabalho em grupo semi-autônomo apresenta menor divisão horizontal do trabalho do que se comparado a um esquema de linha de montagem, e um sapateiro dono de seu próprio negócio, que realiza todas as operações, não apresenta nenhuma divisão, não havendo “especialização”. Juntando esse parâmetro com o anterior, temos a matriz de possibilidades de estrutura de divisão de trabalho direto. O parâmetro anterior trata do que a literatura de organização costuma chamar de “ampliação vertical” (pois envolve não apenas atividades de execução, mas também atividades de apoio e preparação); já este parâmetro trata das questões “horizontais”, envolvendo apenas atividades diretas de transformação. É lícito considerar que, em sistemas muito tecnificados (automação, processos químicos contínuos etc.), a distinção entre atividades de produção e de apoio perde um pouco o sentido, pois parte da produção é zelar para que o processo produtivo transcorra bem, é atuar sobre eventos que aconteçam (imprevistos, aleatórios), como impedir a ocorrência de uma pane, prevenir produção fora do padrão etc. Em todo caso, na maioria dos sistemas de produção (ainda?) há sentido raciocinar com os esses dois parâmetros isoladamente (mas complementarmente). 4 SEPARAÇÃO / INTEGRAÇÃO DAS FUNÇÕES DE PRODUÇÃO E DE CONTROLE Separação x integração das funções de produção e de controle em diferentes elementos (homens ou máquinas) ou subsistemas. As funções de produção são as relativas à produção direta, estrito senso, dos bens e/ou serviços (funções de “transformação”); as funções de controle são aquelas relativas ao tratamento de eventos, à minimização de perturbações etc. Ou seja, esse parâmetro busca levantar se essas duas funções estão integradas ou separadas organizacionalmente (atribuídas a uma ou a mais unidades organizacionais) Nesse sentido, o parâmetro aqui em foco pode parecer ser semelhante aos dois acima, mas possui uma característica que justifica seu destaque: ele envolve, simultaneamente, os aspectos verticais e horizontais. Pode haver aspectos de “controle” que sejam horizontais (como, por exemplo, um operador de usina petroquímica prevenir uma pane que adviria de uma flutuação havida na tensão da rede elétrica) do ponto de vista de estarem inseridos na atividade de trabalho considerada direta (a pane foi tratada no âmbito da operação direta); esses aspectos que integram (ou separam) produção e controle não são muito destacados pelos parâmetros de divisão do trabalho vistos acima. ALOCAÇÃO DE ASPECTOS DO SISTEMA: QUALIDADE, MANUTENÇÃO etc. (“especialização da pilotagem”) Num sistema de produção há seus subsistemas (que encerram uma função, tipo vendas, projeto de produto, PPCP, produção etc.), e há aspectos do sistema, que são transversais aos diversos subsistemas. Por exemplo, as questões de qualidade, manutenção, logística, gestão de recursos humanos, perpassam os diversos subsistemas. O parâmetro vai focar se os aspectos do sistema (qualidade, manutenção etc.) estão definidos em unidades organizacionais específicas “funcionais” (departamento de manutenção, departamento de qualidade etc.) ou não. ALOCAÇÃO DE QUESTÕES ESTRATÉGICAS, TÁTICAS E OPERACIONAIS (“diferenciação da pilotagem”) O parâmetro põe luz na integração ou separação dos domínios decisórios. Há separação se as questões são tratadas em unidades organizacionais separadas. ALOCAÇÃO DO CICLO DE PILOTAGEM (“divisão das funções de controle”) Alocação do ciclo de pilotagem, ou do ciclo de controle e ação sobre eventos, definido pelas atividades de percepção (ou representação do estado do processo) – julgamento – definição da ação, a um único x a diferentes ou elementos do sistema (homens ou máquinas) ou subsistemas. Por exemplo, um eixo foi produzido fora de especificação num determinado setor, problema que foi detectado pela inspeção, e cujo retrabalho (e não refugo) foi definido pelo chefe do setor de usinagem: nesse caso, a alocação do ciclo é fragmentada, cada “pedaço” fazendo uma parte, o que pode levar a longos tempos para a solução de problemas. Referência: SALERNO, Mario S. Projeto de organizações integradas e flexíveis: processos, grupos e gestão democrática via espaços de comunicação-negociação. São Paulo, Atlas, 1999.
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