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Abordagem farmacológica da dor OBS.: a aula está grande porque foi digitada na íntegra, então foquem nas palavras-chave em negrito! Então, paciente hipertenso, diabético, com infarto, renal crônico. Paciente extremamente vasculo pata, nefro pata. Um fármaco que tem maior risco de descompensar hipertensão, piorar insuficiência renal, pode causar até reinfartos: anti-inflamatório não esteroidal. Nesse caso, o diclofenaco. Mesma ação de potássio, mesma ação de sódio. Os anti-inflamatórios não esteroidais diminuem o efeito de todos os anti-hipertensivos, exceto os bloqueadores de canal de cálcio. Isso é bem comum no ambulatório: paciente obesa, hipertensa que reclama que a pressão está alta, quando vai ver está tratamento da coluna, joelho e tomando anti-inflamatório direto. Existe muito preconceito, por vários motivos, contra os opioides. Com isso, o pessoal fica dando anti-inflamatório. O anti-inflamatório é, literalmente, um veneno para paciente cardiovascular. Então, dipirona e paracetamol não têm basicamente atividade anti-inflamatória (mesmo fazendo parte do grupo). Na prática médica, eles são considerados analgésicos simples. Tramadol e codeína são opioides, então são mais seguros em relação aos anti-inflamatórios não esteroidais. Falha terapêutica: você faz um fármaco para tratamento da dor, nesse caso um analgésico e falhou (não teve ação analgésica). A chance de ter sio codeína o fármaco usado por esse paciente da questão é grande. A codeína é uma pró droga, é um pró fármaco da morfina. Os mais comuns são os nomes comerciais: paracetamol com codeína (paco ou tylex). Essas associações são muito comuns em dor. A codeína precisa da sua isoforma 2D6 do citocromo P450 para se transformar de codeína em morfina. Existe um percentual da população, em torno de 20%, que tem uma deficiência (pelo menos parcial) dessa isoforma desse citocromo P450. Nessa forma, a gente não transforma codeína em morfina e, com isso, não tem o seu efeito analgésico esperado. DISCIPLINA FARMACOLOGIA APLICADA DATA DA AULA 07/04/21 PROFESSOR VINICIUS PEREIRA DA COSTA ALUNO RESP. BERNARDO ENTRINGE A partir disso, temos uma série de questões. Por exemplo: na pediatria, por imaturidade do P450, a codeína é pouco usada. Muitos especialistas em dor, autores, eles não colocam a codeína como primeira opção porque você não tem garantia de que ela vá funcionar adequadamente. Isso tem a ver com a farmacogenômica, que é talvez uma tendência da farmacologia (a gente ter uma orientação para a prescrição de fármacos). Somos um país pobre, estamos muito longe disso. Quando um fármaco não funciona, ainda mais nos tempos atuais, em que existe uma moda com erro médico, questões de empoderamento de tudo. Assim, muita gente vai chegar para vocês falando “aquele médico é ruim! Ele me passou um remédio que não funcionou”. Não é o médico que é ruim, é o fígado de quem usou o fármaco que não converteu a codeína em morfina. Isso é uma coisa que pode acontecer. Essa questão tem impacto em diversas populações (brancos, leste europeu, alguns grupos árabes, negros). Existem alguns grupos, na verdade, que podem até ter um excesso dessa isoforma 2D6 do citocromo P450 e, com isso, converter mais codeína em morfina do que o habitual. Então, o paciente pode até intoxicar. Isso é difícil, é mais raro (uns 10% aí). Na verdade, quando a gente vai comparar a codeína com a morfina, a codeína é 1/10 da potência da morfina e por que isso? Porque só 10% da codeína que a gente ingere (paco ou tylex, que são os nomes comerciais) transforma a codeína em efeito. E, alguns grupos, podem ter super expressão desse P450, a isoforma 2D6 e ser mais de 10%. Com isso, pode até intoxicar, ter sonolência... Isso é mais raro, o relativamente mais comum é você não ter o efeito analgésico adequado por uma expressão menor. História: paciente cardiopata, já infartado, hipertenso, diabético, obeso, ex-tabagista e tal... Um dia a pressão dele estava descontrolada e ele estava com medo de reinfartar. Como ajudar esse paciente? Anti-inflamatório vai tirar o efeito dos seus anti-hipertensivos, sua pressão vai subir, você pode infartar, é nefrotóxico. Hemorragia digestiva é tão óbvio que para vocês eu nem falei. O paciente está usando AAS, muitas vezes clopidogrel (plavix). Então, ele está com antiagregante. Aí, você dá um anti-inflamatório o indivíduo vai começar a sangrar. Por fim, o tratamento então foi substituir esse remédio por outro, por terapias não farmacológicas (fisioterapia, enfim...). Quando ele chega na farmácia e compra um remédio para dor e a dor alivia (porque eles são realmente potentes), é claro que eles vão tomar aquele remédio indefinidamente, até infartar, até parar na máquina de diálise. O medo dos pacientes é a dor, medo de sofrer. A palavra “médico” significa mediador, não significa curador. O próprio Hipócrates falava: “curar quando possível”. A verdade é que não curamos quase nada, curamos algumas infecções só. Assim, devemos mediar o processo que o paciente está vivendo, inclusive até a morte, isso não é falha nem erro. Não temos o poder que os leigos acham que temos. Existem médicos que se afastam dos pacientes quando não conseguem curar, muitas vezes quando esses pacientes mais precisam. Isso porque esses médicos estão tão focados na cura que, quando não conseguem curar, perdem o ânimo, mas se esquecem que a origem da palavra é de mediar, de mediar até o final. A dor remete à nossa memória, mas a nossa memória não esgota. A dor é única, individual, não pode ser julgada nem comparada. A dor tem outras dimensões, que não só a física (em nós jovens, com pouco tempo de vida, a tendência é a experiência física se sobressair). Muitas mulheres que abortam dizem que merecem passar por aquilo, que estão pagando pelo que fizeram no passado. Nós, como médicos, devemos explicar que essa situação não possui relação de causa e efeito. Portanto, percebe-se que a culpa amplifica a dor. A dor, então, é uma experiência emocional (um deprimido sente mais dor do que um não deprimido). Nosso estado emocional está envolvido amplificando ou diminuindo a dor. Ver: paciente com dor em membro fantasma (dor na perna que foi amputada, por exemplo, primo do professor Vinicius que teve a perna amputada por conta de sinoviossarcoma). Ver: homúnculo de Penfield. Pergunta: em pacientes com dor que não cessa com fármacos, casos de câncer, é comum a cordotomia (cortar o trato da dor), ou é algo que só existe em livro? Sim, pode ser feita sim. No tratamento invasivo da dor, fazemos neurólise, a gente mata neurônio com álcool ou fenol para tentar cortar o estímulo doloroso. Entretanto, dor é muito mais complexo do que isso. Hoje em dia, sabemos que esses procedimentos invasivos (estão na moda hoje em dia) são temporários. Isso faz muito sentido em pacientes que têm dois meses de vida, até três ou seis. Depois disso, a dor volta e aí não é por nocicepção periférica. • O nome do receptor de dor se chama nociceptor (vem de nocivo). Então, as vias de dor (vias nociceptivas) são basicamente fibras A delta e fibra C. Na verdade, são fibras muito finas. A fibra C, inclusive, é amielínica. Por esse motivo, qualquer concentração de anestésico você tem analgesia. É diferente de você, por exemplo, fazer interrupção de propriocepção. Isso de mexer e não sentir doer é uma verdade. O tato são fibras grossas, são fibras muito mielinizadas, são fibras velozes. Então, é muito mais difícil, é preciso usar muito mais anestésico, concentrações altas do que para tratar dor. Exemplo: a ropivacaína tem uma apresentação a 1%. Sabe quanto eu posso fazer para tirar a dor do paciente? 0,2%. Logo, você vê que a dose analgésica é muito inferior a uma dose anestésica. Então, só para tirar a dor de alguém, muitas vezes a gente deixa um cateter lá no espaço epidural, deixa bomba infusora ou então fica repicando de temposem tempos e o paciente fica sem dor nenhuma. Entretanto, tem risco, precisa de profissionais muito especializados. Somos médicos, somos remédios através de palavras. Curar quando possível, aliviar frequentemente e consolar, estar junto sempre. Não somos Deus, nem sempre seremos heróis contra a morte. Muitas vezes, por isso, nos afastamos do paciente e, com isso, deixamos de consolá-lo, de estar junto. Às vezes, temos grande impacto na vida do outro com palavras, com presença (ex.: “só de você estar aqui Dr., eu já me sinto melhor”). • Então, a nocicepção é o que mais conhecemos, que é a lesão tecidual. Temos um estímulo nóxico (estímulo doloroso) por transdutores especializados (nociceptores) que vão levar para a coluna dorsal da medula, que é a entrada de dor no nosso sistema nervoso central. É o nosso relé. Isso é a parte física e facílima de tratar. • A dor é a resposta a nocicepção. Essa resposta a nocicepção já pode ser amplificada ou diminuída. Essa é a questão. Dependendo, por exemplo, do meu humor. Isso vai gerar sofrimento, que é a resposta afetiva. Ver: mulheres que abortaram. Dor, então, é resposta afetiva. Vejam quem o paciente pode ter dor sem nocicepção. Ou seja, o rapaz não tem o membro (membro amputado - perna, por exemplo), mas sente dor. Por isso, a primeira coisa para tratar o paciente é acreditar nele. Ver: mulheres que tiveram vários filhos de parto normal e, com isso, não sentiam mais tanta dor, debochando de outras em parto normal pela primeira vez e que, por isso, agonizavam de dor. Lembrar que na literatura a dor de um parto normal é equivalente a uma amputação de um dedo. Ver: paciente que continua sentindo dor mesmo após tramadol (tramal), em teoria não poderia estar ainda sentindo a tal dor, mas ainda sente. • De todos esses conceitos, a única coisa que conseguimos mensurar/medir é o comportamento doloroso: gemido, careta, imobilidade, posição antálgica. Não conseguimos mensurar nocicepção, dor, sofrimento. Apenas comportamento. Dor cônica é um pesadelo. Dor cônica é uma doença, ela não é um sintoma de doença. Ex.: dor lombar. Pode ser cálculo renal, infecção urinária, dor na coluna, várias coisas. Dor é um sintoma de que alguma coisa está acontecendo. Dor aguda não tratada ou maltratada, ela cronifica. Aí, você já tirou cálculo, a fratura já se consolidou, a queimadura já se cicatrizou e o paciente continua sentindo dor. Por que isso acontece? Os sentidos acomodam. Ex.: festa a noite, tudo escuro, só aquelas luzes, todo mundo dançando, em busca da sua alma gêmea (geralmente). De repente, sua pupila dilata, acomodou; o som está alto, sua audição acomoda. Entretanto, eu posso esquecer minha mão no fogo? Isto é, a dor pode acomodar? Não. Então, existe um mecanismo neurofisiológico. Sabendo que a dor é um sentido associada a sobrevivência, existe um mecanismo que se chama INDAP que você causa sensibilização. Isto é, dor gera dor, que gera dor, que gera dor... Por isso, se esse ciclo vicioso não for cortado, daqui a pouco uma dor aguda, que era fácil de tratar, nociceptiva né. Daqui a pouco, ela está tão sensibilizada, que até estímulos não dolorosos estão causando dor. Estímulo não doloroso causando dor = alodínea. Existe a sensibilização periférica e a central. O INDAP e a central. Hiperalgesia também: você dá um toquezinho, o paciente agoniza de dor. Na hiperalgesia, a gente faz uma “picadinha” pequena e o paciente tem uma reação desproporcional. Alodínea: a gente passa um algodão, o paciente fala que tem dor. Ex.: dor quando o vento bate na perna. Como prevenir/evitar a dor crônica? Tratando bem a dor aguda. Eu tenho que cortar o ciclo de sensibilização. Se eu começar a achar que dor é normal, não vai dar bom. Hoje em dia, raramente a gente tem que fazer bloqueio, neurólise, de tanta coisa bacana que a gente tem no mercado. Dor crônica é difícil de tratar, é um problema. Essas são as dimensões, eu posso ter uma série de componentes. Dor sem nocicepção, um necessariamente não está associado ao outro. Na dor crônica, o comportamento doloroso não é obrigatório. Ex.: fibromialgia, quem tem? Lady Gaga, que é uma síndrome dolorosa crônica. Então ela vai chorar para o resto da vida? Fazer careta e gemido? Não. Então, o comportamento doloroso tem mais a ver com a dor aguda (agudização) do que com a dor crônica. Tem isso no hospital o tempo todo, o rapaz que está com dor, mas está até rindo. Dor crônica é possível, o segredo é acreditar na dor. • A lesão tecidual vai causar a liberação ou formação de substâncias que ativam ou sensibilizam nociceptores. Ex.: cortei minha mão com uma faca bem afiada (tão afiada que serve até pra barbear). Essa área em volta do corte como fica? Hiperemiada, inflamada e sensibilizada. A sensibilização não é apenas no corte, é periférica também (ao redor do corte). Então, vamos ter essas substâncias inflamatórias que vai fazer com que os nossos nociceptores silenciosos (latentes/quiescentes) respondam. Isso porque eu tenho que retirar a minha mão, proteger para que eu não perca o dedo, a mão. • Então, a estimulação de nociceptores periféricos vai causar liberação de neurotransmissores (aqui já são neurotransmissores na sinapse, principalmente glutamato e a substância P) no corno dorsal da medula. E, com isso, vai ativar o 2° neurônio de dor e as vias ascendentes para os centros supra-espinhais. Feito isso, eu vou ter percepção de dor. Ver: paciente com síndrome de insensibilidade a dor. Não é legal não sentir dor. Esse pessoal se mutila sem perceber. Ex.: pedra no sapato que vira uma cratera. Por quê? Porque não sentem dor. Na verdade, ausência de dor faz com que o paciente tenha muita lesão. Neuropatia diabética causa isso. Então, lesão tecidual (essa é mais intuitiva): ATP, fator de necrose tumoral, TNF, bradicinina, histamina, fator de crescimento, prostaglandina... Tudo isso vai levar a ativação/sensibilização periférica, que a gente sabe que se não for tratada, vai levar a sensibilização agora central. Na foto, fogo (estímulo doloroso), vai ter transdução de sinais que vão ser transmitidas para o corno dorsal da medula. Aqui, por exemplo, eu posso fazer bloqueio. Ver: pitbull que mastigou o dedo do professor da veterinária. O que o professor Vinicius fez? Pegou lidocaína (anestésico que tem em qualquer esquina), foi direto no nervo e, com isso, o paciente não ficou sentindo mais nada. Um dos momentos em que o professor Vinicius foi chamado de Deus. Há várias formas de tratar a dor, com anestésico, quando não faz neurólise com a cordotomia por exemplo. Quando não coloca um cateter né. Existe a modulação de dor, e aí ela vai subir até para a gente ter a percepção. Conceito importante: por que os opioides são imbatíveis na dor? Porque eles, além de atuar na modulação (hoje em dia se sabe que existe opioide até perifericamente), eles atuam também na percepção de dor. Quantas doses de dolantina (nome comercial da meperidina, outro nome é pentidina) precisa para alguém ficar viciado? Uma dose. A dolantina é 1/10 de potencial da morfina, é um analgésico bem ruim, vagabundo. Entretanto, ela tem uma ação muito grande na percepção de dor. Não é mais usada, inclusive muitos hospitais já tiraram. Ver: professor Vinicius no hospital viu fazerem a chamada solução analgésica (uma dolantina, uma dipirona, um plasil). Dolantina faz vomitar muito (opioide faz vomitar). Dilui tudo lá para 10 e faz lá 3 ml no doente. Professor Vinicius foi reavaliar o paciente e perguntou se a dor tinha passado. Como o analgésico é muito ruim, a dor não tinha passado. Entretanto, a dor tinha parado de incomodar esse doente. Assim, esses pacientes voltam sempre para o pronto-socorro com discurso que é alérgico a tramal, alérgico a morfina, alérgico a anti-inflamatório, alérgico a dipirona, alérgico a paracetamol, alérgico a tudo menos a dolantina. Aí o pessoal não usa morfinacom medo de viciar os outros, e usa o que mais vicia. Todavia, como ela é um analgésico muito mais fraco do que a morfina, aaai ela não dá depressão respiratória, mas em compensação você acabou de ser iatrogêncio. Com isso, o paciente vai decorar os seus dias de plantão (porque você passa né Dr.), e aí eu não preciso monitorizar o paciente já que é um analgésico muito ruim, e o paciente para de perturbar. Então, é óbvio que todo opioide vai atuar na percepção de dor (ele é o rei disso), coisa que o anti-inflamatório não faz, coisa que muitos fármacos não fazem. A dolantina é tão ruim poque, na verdade, você nem tirou a dor. Na verdade, você está só causado uma iatrogenia no paciente. A dolantina não existe ninguém forte, vicia mesmo! OBS.: droga de rua quase nunca mata, agora fármaco hospitalar (fentanil, por exemplo) é questão de tempo. Quem se droga geralmente está escondido, no banheiro, calor dos infernos e está o sujeito de casaco (está escondendo picada de agulha no braço), começa a mudar o comportamento, usa quantidades de ampolas absurdas durante cirurgias rápidas/simples. Temos o sistema nervoso central, a via de dor. Então, entra no corno dorsal da medula. Ver: fibra C, fibra A delta. O interessante é que outras fibras acabam fazendo sinapse. Por exemplo: o axônio simpático. Então, muitas vezes para você diminuir a dor do paciente, você diminui o simpático. Portanto, vários fármacos simpático líticos são usados para o tratamento de dor. • Sensibilização central (aquilo que já foi falado): com a estimulação persistente de nociceptores. Tecla SAP: com a dor persistindo, com a dor não sendo tratada ou maltratada, você vai ter diminuição do limiar de sensibilidade, e surgimento da dor espontânea (dor sem nada). Dor a estímulo não doloroso, como alodínea; hiperalgesia (reação desproporcional). Isso tudo é sinal de que a sensibilização não está mais na inflamação, na periferia. Agora, está no sistema nervoso central. • O nome desse fenômeno se chama Wind Up. Isso aqui é uma coisa muito comum, se não tratar a dor decentemente. Exemplo: queimadura cicatrizou, mas o paciente ainda sente dor. Então, os receptores envolvidos nisso é o AMPA e o NMDA (n-metil d-aspartato). Qual fármaco antagonista dele? Usado para tentar dessensibilizar, mas isso é ainda experimental. Antagonista NMDA: estava na moda para entubar paciente com covid porque ele é um analgésico extremamente potente e não dá hipotensão e tal... Nome do fármaco: cetamina ou ketamina. É um fármaco que ainda está muito em estudo, dá muita alucinação. Então, pode ser usado, mas tem que tomar cuidado porque existem implicações éticas no uso da ketamina e cetamina. Ver: história da mulher que usou para cirurgia ginecológica. A raqui passou o efeito e aí fizeram ketamina para conseguir. Por fim, a mulher contou para todos com quem e onde traía o marido (detalhe: o marido era um dos médicos que estavam na sala de cirurgia). OBS.: o INDAP é um mecanismo neurofisiológico da sensibilização central. Quando você tem uma estimulação persistente, o seu corpo não pode se acomodar (sentido fisiológico da coisa), ele não pode conviver com isso. Então, você tem que tirar a mão do fogo, você tem que resolver a fratura, seja o que for... Por isso, toda vez que você não tem uma dor tratada direito, maltratada. Isso vai levar, através desses receptores do AMPA e do NMDA (n-metil d-aspartato), você vai levar a uma sensibilização que agora não é periférica, inflamatória, com ATP, com aquelas substâncias, prostaglandinas. Você, agora, vai fazer uma sensibilização central. Exemplo: uma picada de agulha gera dor X. Agora, só o encostar da agulha sem furar, ou então agora só o vento bater já vai causar uma dor 10X porque o corpo quer se livrar daquele estímulo ameaçador a vida. Por que eu falei desses, basicamente? Porque existe o correspondente farmacológico para tratar. A ideia é que isso não aconteça. Como que eu faço para isso não acontecer? Depois que isso acontece, não é fácil de tratar. Agora, a dor virou uma doença e, muitas vezes, que não vai ter cura. Bradicinina, histamina, serotonina, as prostaglandinas, a sensibilização periférica. Entretanto, essa sensibilização periférica, se o estímulo continuar acontecendo, a dor, isso vai levar a liberação de substância P e glutamato, que vão atuar basicamente no AMPA (escala de sódio), NMDA (n-metil d-aspartato) de cálcio e as neurocininas. Com o tempo, isso vai levar, basicamente, a sensibilização central. Essa é a grande questão. Esse slide simplifica o INDAP. Na verdade, ele tenta pegar um pouco dos dois. A dor é muito individual, não pode ser julgada. Ver: ritual Tucandeira (menina na foto até ri). O que vocês acham do anti-inflamatório numa dor crônica? O indivíduo passar diclofenaco, ibuprofeno, nimesulida, tilatil (tenoxicam)? Péssima escolha. Isso porque a fisiopatologia de uma dor crônica, a sensibilização central não é por inflamação na verdade, não é porque nocicepção no sentido de lesão tecidual. O paciente que tem dor crônica por diabetes é neuropático. Ex.: dor em queimação. Primeira coisa: dor em queimação já não é sinal de dor comum, queimação é neurológico, junto com parestesia (dormência). Isso é dor neuropática, isso é dor crônica. Vamos tratar com o que? Ibuprofeno? Óbvio que não! Não se pode dar anti-inflamatório para um diabético com dor neuropática crônica. Primum non nocere – primeiro não fazer o mal. Anti-inflamatório para um diabético só funciona se eu quiser acabar com o rim dele, agora eu quero te deixar hipertenso e na diálise, te dar uma hemorragia digestiva. Além de tudo, nem vai adiantar na dor que não faz parte da fisiopatologia da dor. Eu vou ter que dar fármaco que atua no sistema nervoso, basicamente antidepressivo e anticonvulsivante. Isso porque eu quero diminuir aquela despolarização neuronal que está excessiva porque está dessensibilizada. Na verdade, é recrutamento de sinapses, de neurotransmissores, na verdade você amplifica o sinal. Isso é a sensibilização, que o nome é o INDAP. O ideal sempre para o tratamento de uma dor, principalmente a crônica, é multidisciplinar. Psicólogo, para poder atuar em outros componentes/dimensões da dor que não o remédio não vai dar conta. A terapia cognitivo comportamental (TCC) é a que mais tem evidência, fisioterapia. • A modulação da dor é fundamental. A mesma dor, o mesmo estímulo, ela vai ser percebida de maneira distinta para cada pessoa. Um deprimido vai sentir mais, vai amplificar. Então, existe vários níveis de modulação, ela pode ser aumentada ou diminuída. A ideia é diminuir sempre com um acompanhamento multidisciplinar. • O corno dorsal é o relé, é a entrada. E aí a gente tem vários mediadores inibindo a dor no nível espinhal. Ex.: inibidor da recaptação de serotonina, inibidor da recaptação de noradrenalina. É isso que a gente faz: antidepressivo, eles têm ação muito na modulação, diminuindo a percepção. Ver: paciente com dor neuropática por conta da hérnia de disco e tal... Comecei com antidepressivo amitriptilina (fármaco barato). “Aaai mas eu não estou deprimido”. A dose antidepressiva da amitriptilina é acima 75-100 mg. A dose que a gente usa para dor, a gente começa com 25, às vezes 12,5, raramente passa de 50 mg. Então, é uma dose analgésica, não é uma dose antidepressiva. Paciente, posteriormente, reclama que engordou porque “abriu” o apetite e causou sono também. Em pacientes do SUS, é importante passar remédios baratos para o paciente ter adesão, não adianta passar duloxetina (cymbalta), que custa mais de 200 reais. Paciente com dor dorme? Não. Então, eu dou um remédio que dá sono, já ajuda o sono dele. Paciente com câncer está comendo muito ou geralmente está até caquético, emagrecendo, perdendo peso. Dessa forma, tudo que é efeito colateral de um fármaco que eu quase não uso para depressão, é um efeito justamentebenéfico para o meu paciente. Barato, abre o apetite, melhora o sono dele, alivia a dor. Não existe fármaco bom ou ruim, existe mau uso e bom uso. É claro que para um paciente que não tenha dor né, daí eu não vou tratar a depressão dele só com amitriptilina. Pergunta: nesse sentido, uma paciente que faz tratamento para depressão também terá dor diminuída de forma geral? Não, isso não é uma recíproca. Isso porque nem todo antidepressivo tem evidência de tratamento de dor. Fluoxetina. Além disso, tudo depende do estímulo, do tipo de dor, é algo muito pessoal, existem outras dimensões. • Melzack e Wall na década de 70 descreveram o “portão” da dor. Ver: corno dorsal (corte transversal da medula), fibra C (nocicepção, dor chegando), fibra beta (tato). O tato estimula o interneurônio, que é serotoninérgico. Esse interneurônio faz o que com a entrada de dor? Diminui a entrada de dor na medula. Então, se eu dou um antidepressivo e aumenta a serotonina no meu doente, eu aumento a atividade serotoninérgica desse neurônio e isso diminui a entrada. Então, o antidepressivo tem ação analgésica bastante contundente, principalmente no portão da dor. Isto é, não entra, eu não percebo, eu diminuo. Assim, a amitriptilina é a primeira opção, mas pode ser duloxetina. Alguns anticonvulsivantes também têm ação para dor, principalmente gabapentina (prebictal) e pregabalina (lyrica). São os gabapentinóides. Vejam que esses fármacos não fazem sentido eu ficar dando em paciente com: cólica renal, acabou de cair, quebrou um braço... Eu não vou dar antidepressivo para ele, a dor aguda é totalmente diferente da dor crônica. Assim que o Tens funciona também. O Tens faz um estímulo tátil e inibe a entrada de dor. Ver: assoprar uma escoriação, arranhão, um “ralado”. Por que isso alivia a dor aguda? O sopro é um estímulo tátil. É por isso que na verdade até massagem ajuda, porque diminui. Hoje em dia existem implantes na medula para você diminuir a entrada de dor, quando a dor não pode ser tratada de outra forma (tumor iressecável, pessoa sem perna com muleta para o resto da vida). • Dor aguda está relacionada a lesão tecidual, tem duração limitada, ativação simpática como resposta. A dor pode matar? Sim, tanto que a OMS diz que a dor é uma emergência. Se você tem ativação simpática, você vai ter taquicardia, pode fazer arritmia, pode infartar. A arritmia pode ser ventricular, maligna. Tratamento de dor é considerado um direito humano. Então, a dor aguda remite com a resolução da lesão e tem boa resposta ao tratamento. É muito fácil de tratar, mas se não tratar evolui para dor crônica. • Dor crônica continua após a resolução da lesão, já tem anormalidade do sistema nervoso central, começa a ter aquela sensibilização, uma disfunção do sistema nervoso. Apresenta longa duração, não é nada fácil tratar. É muito ruim/pobre o tratamento. Muitas vezes, antidepressivo, anticonvulsivante você nem tira a dor toda do doente, às vezes só diminui para ele poder conviver com a dor. Dor essa que poderia ter sido evitada no passado. Adaptação fisiológica: paciente fala que está com dor, pressão 110x70 mmHg, frequência de 68 bpm. “Não sei que dor é essa” (vontade de esganar a pessoa que fala isso). Por quê? Paciente não é taqui cárdico, hipertenso, com a resposta simpática para a vida inteira né. Existe, então, a adaptação fisiológica. Pergunta: a dor crônica ainda é possível de reverter? Depende da dor, existem várias síndromes dolorosas crônicas. Por exemplo: fibromialgia é muito ruim de tratar; mas algumas síndromes conseguem sim, nem todas. O lance é prevenir a dor crônica. Quanto a fisiopatologia (a outra era quanto a duração): • Dor nociceptiva – dor somática e visceral. Lembra da apendicite: começa vaga no epigástrio. Daqui a pouco o apêndice vai começar a encostar no peritônio e eu vou ter a dor somática (localizar a dor). Então, o professor Vinicius foi em jejum (evitar o risco de bronco aspirar) para o hospital porque sabia que teria que operar. • Dor neuropática é uma dor da disfunção do sistema nervoso central periférico, e aí você tem despolarização. Existem várias causas de dor neuropática, o diabetes uma das mais comuns. Ver: outras causas – neuralgia de trigêmeo, síndrome do túnel do carpo, neuralgia pós- herpética é muito comum... Observem como a dor neuropática é diferente: polineuropatia periférica – dor em queimação, agulhada, choque, são sinais neurológicos (todos vocês tiveram dor, mas duvido que tenham tido essas sensações todas), redução da sensibilidade (se tem outras alterações neurológicas). Eu não tenho que dar anti-inflamatório para dor neuropática. • Importância do tratamento: reduzir a morbimortalidade, você melhora a qualidade de vida, paciente passa a tossir, respirar. • Paciente com dor fica na posição antálgica, então muitas vezes ele tem uma recuperação pós-operatório pior. Ainda deixa o paciente em catabolismo, aumenta o tônus adrenérgico dele. • Efeito psicológico positivo. Aliviar a dor é o papel. • Lembrar de passar relaxante muscular, todo mundo esquece. OBS.: não confundir relaxante muscular da covid! Succinilcolina, rocurônio, esses bloqueadores neuromusculares, apesar de serem chamados de relaxantes, eles são totalmente diferentes do que tem no dorflex (orfenadrina), mioflex, tandrilax (carisoprodol). • Sair da maldição do anti-inflamatório, parece que o pessoal só sabe isso. Além disso, diminuir a incidência da dor crônica. • Dor como 5° sinal vital: existe uma campanha mundial para a dor ser considera como tal. Ex.: paciente pós-operatório, acabou de ser cortado e costurado. Você acha que ele tem que ter analgésico se necessário? Famoso SOS? Não né. A dor é previsível. Quando o paciente pede o remédio, quando ele tem dor, se ele está correndo atrás, a via inclusive está toda ativa. Não está com sensibilização central porque não deu tempo ainda, mas você vai ter que usar uma dose maior, enfim... Em situações em que a dor é previsível, como câncer, a medicação tem que ser regular, igual de pressão. Paciente fala que está sem dor, precisa continuar tomando? Claro, para continuar sem dor. A minha pressão já está boa, preciso continuar tomando anti-hipertensivo? Claro, para a pressão continuar controlada. Portanto, toda vez num contexto clínico paciente é previsível a dor, vocês devem deixar regular, não deixar apenas SOS. Isso não é uma boa prática. Avaliação de dor é difícil. É preciso ter uma base, eu não vou dar morfina (vem de Morfeu, deus do sonho) para dor 1 ou 2, não precisa disso. Olha os efeitos adversos: constipa, sonolência. Sendo uma dor que eu poderia tratar só com dipirona, muitas vezes. Dor 8, 9 e 10 são fármacos mais fortes. Perguntar para o paciente: em uma nota de 1 a 10, quanto é a sua dor? Então, devemos tornar objetivo uma coisa subjetiva, que é a dor. Não podemos mensurar o sofrimento, mas tentamos com uma escala para termos uma base de melhora ou piora da dor. Paciente, às vezes, mente que a dor é nível 10 só para ganhar atenção, como se os de nível 1 fossem desprezados. Paciente analfabeto, às vezes não sabe contar. Então, avaliar a dor é difícil. Por isso, existem várias escalas. Problema da escala de cores: criança ama vermelho, então vai se influenciar nisso e mascarar a dor. Portanto, não é adequada para criança. Em crianças, usamos a escala de faces de Wong-Baker. A escala numérica é a mais usada de todas, que é a de nota. O problema do opioide é esse: o vício. Ver: história de plantão em hospital – cálculo ureteral, começou com dor lombar estranha (não sou obeso nem fiz esforço, não deve ser coluna). Nunca tinha tido cólica renal nem nada. Tomei dipirona, uma dose decente, tomei um anti-inflamatório para dor aguda claro, nesse caso pode. Tomei buscopan, uma dor inespecífica. Vi que não melhorou, tomei logoum tramal. Chegou de noite, hematúria, a dor foi porque a pedra andou né e aí nesse dia de plantão minha rendição eu saí do hospital de ambulância. Fui para outro hospital, tirei a pedra. A questão é: eu tomei morfina a noite porque a dor estava intensa e não estou viciado. Então, o vício, a adição (não estou falando da dolantina; dolantina é um fármaco complexo porque ela tem essa tendência a adição). Entretanto, morfina, tramadol então quase nunca vicia alguém. A ideia é que a adição/vício está relacionada ao uso recreativo do fármaco, e não ao uso com indicação. Existe um estudo de Boston e outro de São Francisco, um com 12 mil pacientes, outro com 20 mil. Nos dois estudos, só teve vício em apenas um paciente. Por quê? O uso com dor, não recreativo é muito raro ter adição. Agora, é óbvio que você pegar fentanil para poder ter uma onda aí “são outros quinhentos”. Cesariana usamos morfina e as mulheres não ficam viciadas. Existem vários usos: sociedade brasileira de nefrologia, o guide line diz que na cólica renal se deve usar morfina. Isso porque na literatura, essa dor é mais intensa do que um infarto, ela só não tem a sensação de morte do infarto (dor no peito). Ninguém acha que vai morrer com uma dor na lombar. Todo opioide tem efeito sedativo (morfina vem do deus grego Morfeu, deus do sonho. Filho de Hipnos, deus do sono). A diferença entre o remédio e o veneno é a dose, todos podem ter efeito sedativo. Como ele é 100x mais potente que a morfina, é claro que ele é mais sedativo do que a morfina. Antes de surgir o fentanil, muitas vezes você entubava com morfina, tudo bem que a dose era cavalar. Morfina libera histamina, pode levar a vasodilatação, hipotensão... Em doses cavalares não é o de escolha. Fentanil é muito mais cardio estável. A OMS mandou essa escala na década de 80, essa escala é gradativa. Não é porque eu estou usando morfina aqui em cima, que eu vou renunciar à dipirona. É igual a um exército (soldados fortes e fracos, mas um não dispensa o outro). Por quê? Com mecanismo de ação diferente, você tem efeito sinérgico, um acaba ajudando o outro. Essa escada tem sido questionada por vários motivos. A ideia é saber prescrever para os pacientes. • Degrau I: dor leve, seria a dor de 0 a 3. Ficamos basicamente com analgésico e pode ser usado com anti-inflamatório também. Isso é muito para dor aguda. • Degrau II: dor moderada, de 4 a 7. Analgésico e anti-inflamatório continuam e vão continuar sempre (soldado forte e soldado fraco), mas aí vamos adicionando fármacos para melhorar a analgesia. Qual a diferença entre opioide fraco e opioide forte? Opioide fraco temos basicamente dois: codeína e tramadol. A definição de opioide fraco é aquele que tem efeito teto. O que é efeito teto? É dose máxima. O tramadol (tramal, nome comercial) tem dose teto de 100 mg por dose. Diário é 400 mg. Então, você fez 100 mg de tramal (subcutâneo, venoso) sempre diluindo porque o tramal é um dos fármacos que mais nauseia (mais faz vomitar de todos os opioides). Se você fez 100 mg, não adianta fazer mais tramal, você só vai fazer o paciente vomitar, vai constipar, só vai ter efeito colateral. Paciente ficou desesperada com dor, tomou 5 comprimidos de tramadol (cada comprimido tem 50 mg). A mulher chegou no hospital vomitando muito mesmo. • Degrau III: dor muito intensa, fratura patológica (osso dói para caramba). Então, você não deve começar com tramal, é por isso que tem cuidado paliativo em oncologia esse degrau (degrau II) tende a desaparecer. A verdade é que os americanos já tiraram isso. Americano você tem dois tipos de tratamento farmacológico: com opioide e sem opioide. A ideia é que essa escada não é obrigatória. O indivíduo já está com câncer, com dor intensa você já pode começar com opioide forte. • Degrau IV: procedimento intervencionista. Cordotomia, peridural, tem vários... A questão é que é caro, não tem em muitos lugares. Por que isso é questionado? Alguns autores falam que você não precisa ter uma dor refratária aos fármacos para fazer intervenção. Às vezes, você pode fazer intervenção igual coadjuvante (a todo o momento, se for o caso). Naquele procedimento do professor da veterinária com o pitbull, eu fiz logo de cara porque sabia que a dor dele era forte. A questão é que vocês médicos generalistas sabendo usar morfina, sabendo usar os fármacos, raramente vão precisar disso aqui (degrau IV). Isto é, existem formas de tratar que não a intervenção, mas isso está na moda (o site do Einstein – “venha fazer seu bloqueio aqui” faz isso, o Sírio eu não sei). A questão é que possui risco de complicação, você pode pegar um vaso, tudo tem risco. Então, a OMS a via diz preferência para tratamento de dor é a via oral, claro que na emergência vai fazer venosa, enfim... A ideia é você tentar manter o paciente sem dor com menor invasão possível, e não colocar mais um cateter nele. Tudo isso aqui é caro, talvez por isso que esteja na moda, gera dinheiro. Portanto, 8 em cada 10 paciente se resolve até o degrau III, uma minoria dos casos precisa chegar até o degrau IV. • Adjuvantes: depende da síndrome dolorosa que você está tratando. Câncer, por exemplo, responde bem aos corticosteroides, principalmente a dexametasona. Por quê? Porque a dexametasona tem um efeito antitumoral. Na verdade, ela é usada em várias quimioterapias (dor óssea de fratura por metástase...). A dor do câncer, 80% dela é nociceptiva e 20% é neuropática. É chamada de dor mista. Então, a morfina é a de escolha porque ela vai conseguir tratar 80% da dor, e os 20% que sobram você faz amitriptilina, gabapentina, pregabalina... Com isso, seu paciente vai ficar muitas vezes sem dor nenhuma. Ver: doença avançada, metástase hepática, cápsula de Glisson, dói para caramba. Então, você faz uma morfina que a dor neuropática você consegue controlar com outros fármacos. Portanto, aqui você vai entrar com corticoide, antidepressivo, anticonvulsivante... Isto é uma coisa que temos que ter na cabeça: quanto mais mecanismos diferentes a gente associar, melhor o nosso efeito analgésico e menor são as doses de cada uma para tratar os pacientes. Dor do câncer tem componente neuropático, então você pode prescrever sem medo uma amitriptilina, enfim... Em alguns lugares essa escada tem sido questionada, em outros tem sido abolida. • Fator causal: paciente chega com fratura, tem que imobilizar. • Terapia multimodal já foi falada (tratar cada aspecto da dor). • Via oral sempre que possível é o ideal, sempre com uso constante, é a via sistêmica. • Não esperar o retorno da dor (SOS), senão precisaremos de doses maiores. A dor é previsível. Temos que manter medicação regular (cirurgia, por exemplo), senão passa o efeito e a dor volta. • Medicações regulares e individualizadas (como achar a dose de morfina para uma pessoa). Não é a mesma dose para todo mundo porque nem todo mundo tem a mesma dor. • Efeitos colaterais são importantes. Frase célebre do Vinicius: “a mão que prescreve opioide é a mão que prescreve um laxante” (lacto-purga, por exemplo). Eu não posso esperar o paciente ficar constipado, se eu sei que o fármaco causa esse efeito adverso. 300 a.C. nos manuscritos de Teofrasto, o primeiro uso do opioide na humanidade foi para diarreia, disenteria. Nem sabiam que opioide era analgésico. Tanto é que o imosec (loperamida) é um opioide. Então, o constipante mais potente da medicina é um opioide. Ver: pacientes com diarreia crônica que usam imosec (loperamida) reclamam de sonolência. É um opioide que não atravessa a barreira hematoencefálica. Então, não tem ação analgésica central, tem ação basicamente no intestino, diminuindo a motilidade, diminuindo a secreção de líquidos. Logo, constipa tanto. Ver: professor quando interno prescreveu tramal para um velhinho (velho já é constipado por si só) e esqueceu de prescrever laxante juntoe, com isso, quase apanhou do velhinho. Relato de caso: paciente há 7 dias constipada, fazer clister já a fez melhorar. Constipação causa dor abdominal, náusea, tudo... • Evitar doses subclínicas. • Evitar falta de disponibilidade. Exemplo: foi passado para um paciente um opioide (era oxicodona) que não vendia em Valença. A caixa de oxicodona, que tem 28 comprimidos, toma de 12/12h. Então, uma caixa só dá para 14 dias, tem que comprar duas caixas por mês. Na época, custava 540 reais. 1080 reais por mês. Pacientes do SUS com salário-mínimo não têm condições de comprar, por exemplo. Relato de caso: no hospital em que o Vinicius trabalha a indústria farmacêutica lá queria derrubar a morfina (de outro laboratório, chamado Cristália) e colocar a oxicodona (laboratório Multifarma) na jogada dizendo que a oxicodona é bom para dor neuropática e que a morfina não tem ação de dor neuropática. De fato, é, mas lembrar que a morfina custa menos de um real o comprimido. Lembrar que 80% da dor é nociceptiva, a morfina que é barata vai resolver 80% da dor dos doentes. E os 20% eu consigo com um remédio muito mais barato. Vivemos em um país pobre, muitos não tem condições de pagar pelo fármaco. Essa ideia de querer dar tudo para todo mundo só porque é moderno às vezes é igual não dar nada para ninguém. O próprio fentanil transdérmico, que é em adesivo custa 400 reais a caixa. Se o paciente tiver um tumor de língua, incapaz de engolir o fármaco, aí tudo bem. • Doses subclínicas: paciente morre de medo da morfina (nome comercial dimorf). Por quê? Medo de superdosagem. O que a superdosagem causa? Depressão respiratória. OBS.: morfina não causa insuficiência renal! Não é nefrotóxica nem hepatotóxica, não causa insuficiência hepática, mas ela tem excreção renal. Aí, você diminui a dose na insuficiência renal. Morfina, já ouvi que faz cair os dentes, sonhar com dentes. A morfina é tão ruim que faz o dente cair, corrói os ossos, já ouvi que vai matando aos poucos, só é dado em último caso, quando mais nada vai dar jeito, vai virar zumbi. Essas são falas de pacientes. É tudo mentira! Ainda existe muito preconceito com a morfina. A questão é: se isso não for abordado com o paciente, ele não vai tomar. Interessante, nesses casos, perguntar para o paciente se ele já ouviu falar da morfina a fim de aumentar a adesão. Ver: morfina na cesariana, no cálculo renal. Claro que é usada em paciente morrendo, mas não é usada apenas nessa situação. Às vezes, a gente vê 1 ml de morfina em um frasco de 500 ml de soro. Ainda estava escrito assim, correr em 3h. Absurdo! Cena da depressão. Tratar depressão ventilatória, qual é o parâmetro gasométrico da ventilação? Oxímetro. Eu só passei a usar oxímetro nos doentes com a covid. Antes disso, meu oxímetro era usado para várias coisas, mas nunca para opioides. Isso porque o opioide altera a frequência respiratória, altera pCO2, mas ele não altera a saturação (saturação de oxigênio). • Explicando o desenho: depressão respiratória, analgesia, paciente 0 de opioide. Fiz uma dose, o nível vai aumentar. Vamos supor que ela parou aqui. Se eu não atingir a analgesia (paciente está com dor), ele tem risco de ter depressão respiratória e morrer? Não. A dor é um ativador do sistema nervoso central, você nunca deprime, nem sonolência, nem depressão respiratória porque quem está com dor está inquieto, está sem dormir, o sistema nervoso está ativo. Uma vez que eu atinja a minha analgesia (parou a dor); se parou a dor, eu devo continuar fazendo opioide? Não. Então, primeiro parâmetro para nunca matar o doente com morfina é ver a presença de dor. Se tem dor, o doente não morre. Agora, se a dor sumiu (ôpa...) eu tenho que parar. Pergunta: o efeito sedativo também tem esse limiar? O efeito sedativo tem mais a ver correlação com a intoxicação do que o efeito analgésico. A sedação é uma depressão do sistema nervoso. A gente fala de depressão respiratória, mas o centro respiratório é um local do tronco. Na verdade, por isso é usado como anestésico porque deprime o sistema nervoso inteiro, então cega... E detalhe: se ela é depressora respiratória, qual é o principal parâmetro além da dor? É a frequência respiratória, é a ventilação. Não é oxigenação, não é saturação. É o CO2. Então, meu paciente está ficando bradipneico (ôpa...). Alguém tem paciência/saco para ficar contando frequência respiratória do doente? Não. Aaai, porque o paciente pode mudar a frequência respiratória e tal... Ela é muito negligenciada. Entretanto, na titulação de opioide ela é a mais importante. Latência é algo muito importante também. A morfina é um opioide hidrofílico, ela tem dificuldade de atravessar a barreira hematoencefálica, ela demora a fazer efeito (em média de 15 a 20 min para o pico de efeito). Então, paciente com dor, você fez morfina e está com dor, e está com dor, e está com dor... E aí você não esperou o pico, a ação máxima. E aí em 5 min, 10 min, você não esperou o pico máximo e faz a segunda dose. Com isso, você vai ter o primeiro pico, que às vezes ia tirar a dor, mas você não esperou esse pico acontecer e fez a segunda dose. Esse segundo pico, então, vai deprimir o doente. Portanto, fez um fármaco, tem que respeitar a farmacocinética dele. Por que a gente usa fentanil para entubar? Porque o fentanil é um opioide lipofílico (atravessa a barreia hematoencefálica de 3 a 5 min). Então, eu não devo fazer morfina e esperar 20 min para ter que entubar alguém, eu faço fentanil (de 3 a 5 min eu já consigo entubar). Por que a gente não faz dripping de fentanil nos doentes paliativos e só faz dripping de morfina? Porque no CTI faz dripping de fentanil e não de morfina. Qual a diferença entre infusão contínua de fentanil e morfina? Meia-vida não é uma coisa fixa. A meia-vida depende do contexto, do tempo de infusão. Em resumo: o fentanil, por ser lipofílico, vai impregnar na gordura. Quem já foi em CTI viu: “desliga a bomba infusora que eu quero extubar”. O sujeito acorda na hora? Não. Isso porque você cria como se fosse um reservatório na gordura. Já morfina é hidrofílica, ela não impregna, não se deposita na gordura. Então, morfina o paciente não fica tão sedado, nem por muito tempo. Se para a infusão contínua, rapidamente o paciente consegue sair da morfina. Paciente entubado no CTI isso ajuda, inclusive, até sedar; mas no paciente paliativo, que eu não quero entubar porque se eu for entubar eu estou prolongando o sofrimento, não faz sentido. Eu só quero controlar a dor, eu não o quero sedado, entubado. Eu vou, então, usar uma droga que não impregna, que é a morfina. Logo, a farmacocinética é brutalmente diferente. Pergunta: na hora de pensar a dose também leva em conta se o paciente é obeso ou com muita massa muscular? Exatamente. • Explicando o desenho: aqui eu tenho sangue, aqui eu tenho cérebro (sistema nervoso central) e aqui eu tenho gordura. Quando eu dou fentanil (mais comum), droga lipofílica (não é só fentanil, tem outros também) eu aumento no sangue. Com isso, rapidamente ele vai para o cérebro porque o cérebro é muito vascularizado (carótida). Todavia, com o tempo ele, sendo lipofílico, vai impregnar na gordura. Se está no cérebro e na gordura, no sangue vai cair, mas o sangue rapidamente se equilibra com o cérebro, que vai cair também. Se eu fizer bomba contínua infusora, eu só vou impregnando, só impregnando... Se caiu no cérebro, o paciente tem dor ou não (isto é, não está mais no cérebro, não está mais no centro de dor lá)? Sim, paciente vai ter dor. Veja, a meia-vida do fentanil é de 3h e meia, mas o fim do efeito dele não é por eliminação ou excreção, é por redistribuição. O fim do efeito dele é porque ele foi redistribuir para a gordura. É por isso que eu dei aquela corrigida na meia-vida porque não é a meia-vida ipsis litteris. É porque ela simplesmente saiu do lugar que faz efeito. “Vamos acordar o doente”, desliguei a bomba. Quando desligara bomba, esse acúmulo vai tudo voltar para o sangue. Se volta para o sangue, sobe o nível, se sobe o nível, paciente seda e é por isso que paciente não acorda na hora. O fim de efeito de droga lipofílica é por redistribuição, não é por eliminação. Pergunta: por isso retiram fentanil alguns dias antes na expectativa de extubação? Exatamente, porque você impregna o cidadão. Isso não é um problema com paciente entubado, mas com paciente que você só que controlar a dor, para que você vai impregnar ele de fármaco? • Paracetamol, para os americanos acetaminofeno. Eles lá têm venoso, no Brasil não existe venoso. Ele é analgésico, antitérmico, é o tylenol. O grande problema dele é hepatotoxicidade, e muitas vezes o paciente tem metástase. Aí, tem que lembrar que o fígado do indivíduo já não está 100%. Tem o lado bom de não ter disfunção plaquetária, toxicidade. Doses acima, principalmente, de 8 g. Tylenol é uma forma de se matar na Inglaterra, é a segunda causa de suicídio por lá. Você toma lá os comprimidos (não vou falar quantos para não falarem que ensinei alguém a se matar) com vodka e faz uma hepatite fulminate. Eu não curto muito paracetamol, não tem venoso, enfim... Claro, quem tem alergia a dipirona, não tem jeito. • A dipirona (novalgina, nome comercial) não tem atividade anti- inflamatória com relevância clínica. Claro, é um analgésico antitérmico, ela depende da função renal e hepática para sua depuração. Atravessa barreira hematoencefálica. Doses menores que 1 g tem, basicamente, efeito antitérmico, antipirético. Relato de caso: ontem eu vi uma prescrição em que o residente fez 500 mg de dipirona. Gente, já tem novalgina de 1 g (1000 mg). Então, não faz sentido passar 500 mg para o doente. Pode tomar a cada 6 ou 4h. Com morfina de 4 em 4h, eu coloco a dipirona junto com a morfina para o meu doente. Quanto tem de dipirona dorflex? 300 mg. Veja que o dorflex tem menos dipirona do que um comprimido de dipirona. Chega o paciente “aaai, minha dor não passou com dorflex”. Gente, só se a dor fosse muito, muito vagabundinha para passar. Associação medicamentosa é muito comum nos dias de hoje. Tandrilax, mioflex. A questão é que você junta farmacocinéticas diferentes. Ex.: dipirona eu posso tomar de 4 em 4h, mas orfenadrina, que é um relaxante muscular dorflex eu posso tomar de 4 em 4h? Não. Então, em geral, quando você junta fármacos diferentes no mesmo comprimido, o lado bom é que em vez de você estar tomando vários remédios, você está tomando um comprimido só. O lado ruim é que em geral são sub doses. Relato de caso: paciente com dor nas costas, toma torsilax mas diz que não está melhorando. Ver: torsilax, tandrilax, paracetamol, carisoprodol (relaxante muscular), diclofenaco e, geralmente, tem cafeína. Então, um anti-inflamatório com relaxante muscular. Quando eu fui ver, tudo em sub dose. O que eu fiz com ela? Você vai passar a tomar dipirona de 1 g, vai tomar relaxante muscular (passei miosan para ação muscular, nome comercial da ciclobenzaprina) e passei um anti-inflamatório para ela (ela tinha pegado peso e tal...). Resolveu o problema. Por quê? Eu só otimizei os fármacos que ela já estava tomando. Vejo muita gente falando: “aaai, que SUS não tem muita coisa”. Então, vamos usar o que tem. “Aaai porque dipirona é ruim”. Sabe quanto é a dose de dipirona em vários livros? 30 mg/kg de peso. Então, uma pessoa com 100 kg, deve tomar 3000 mg (3 g). A gente faz isso na veia do doente no centro cirúrgico. A gente não deixa ser 3 g, digo lar porque vai dar 6 comprimidos. Então, o paciente vai achar que quer matar ele. E realmente, 6 comprimidos de um mesmo remédio é melhor você, principalmente, passar um outro mais forte também. Isso é para vocês terem noção como as pessoas usam mal até o mínimo. Gente, qualquer pessoa acima de 50 kg já configura 2 g, duas ampolas. Relato de caso: pessoal do pronto-socorro reclamava que iam acabar com a dipirona do hospital. Gente, se estão usando sub dose, o problema não é meu. Eu estou fazendo o do livro. Depois, então, descobrem que dipirona é um remédio maravilhoso. Então, na verdade, as pessoas aprendem medicina por imitação. Imagina uma pessoa de 100 kg tomar um comprimido de dorflex. Vai fazer efeito? Óbvio que não. Igual o exemplo da prescrição de uma residente que fez 500 mg de 8 em 8h. Então, até usando o que tem, o barato, está usando mal. Associação com hipotensão não tem fundamento, é claro que efeitos adversos podem acontecer. Todavia, dipirona não é anti-hipertensivo. Paciente chega, ninguém vai fazer dipirona numa urgência hipertensiva. É claro que, muitas vezes, o paciente está taquicárdico, hipertenso por conta da descarga simpática. Com isso, tirando a dor você diminui o estado simpático. Essa coisa de aplasia de medula, agranulocitose é outra coisa que é quase uma lenda. A dipirona era produzida pela Bayer (alemã) e nos EUA (Goodman, Katzung, Rang & Dale) todos os nossos livros praticamente são americanos, pode ver que não tem nem dipirona lá. O que aconteceu? Eles fizeram alguns estudos, horrorosos, muitos eram relatos de caso, falando que dava plasia de medula. Com isso, os europeus fizeram um estudo multicêntrico com 22 milhões de pacientes com 20 anos e você não pôde, em nenhum caso, atribuir aplasia de medula, anemia aplásica à dipirona. O risco de agranulocitose é menor do que você fazer hemorragia digestiva após dose única de AAS. Então, menos de 3 meses não é recomendado porque não tem estudo mostrando. Assim, todo mundo sabe que aquilo foi interesse comercial: queriam o paracetamol, o acetaminofeno (indústria americana) e queriam tirar a dipirona de lá. No Brasil, usamos dipirona igual água. Se realmente fosse veneno, estaríamos todos lascados.