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A AUTODISCIPLINA NA APRENDIZAGEM É DIFÍCIL PRA VOCÊ TER “ACABATIVA”, DISCIPLINA E PERSISTÊNCIA? Pois saiba que você não está sozinho. Na aprendizagem autodirigida, a questão da disciplina é um dos principais desafios que as pessoas enfrentam. O corpo e o cérebro ainda operam sob uma base mamífera. A autodisciplina para persistir não é somente uma questão de força de vontade. Neste ebook, resultado de um minicurso gratuito que ofereci para os assinantes da minha newsletter, você vai aprender várias técnicas para driblar a falta de foco e de consistência. Mais importante ainda, você entenderá o que está por trás desse padrão tão comum. E, a partir desse entendimento, conseguirá ampliar suas chances de ter sucesso em qualquer coisa que deseja alcançar. Vem comigo? Alex Bretas QUEM É ALEX BRETAS Alex Bretas é escritor, palestrante e facilitador de comunidades de aprendizagem autodirigida. Atua também como consultor em educação corporativa e é sócio do Learning Sprint, um método de aprendizado autodirigido para grupos em empresas. Depois de completar uma pesquisa independente sobre aprendizado de adultos e publicar dois livros, Alex fundou vários projetos voltados para disseminar a cultura do aprender a aprender. Nesse processo, já trabalhou com empresas como Roche, Samsung, Natura e Serasa Experian e palestrou em eventos nacionais e internacionais no ITA, Unifesp, Unirio, Museu do Amanhã e Edtech Conference, além de ser speaker do TEDx. Seus livros incluem Doutorado Informal, Kit Educação Fora da Caixa e Core Skills, este último a ser lançado em 2020 pela teya. Foi curador de educação do Festival Path durante duas edições seguidas e seu trabalho já apareceu no Estadão, Porvir, Draft, Papo de Homem e Update or Die. É membro da Ecoversities Alliance, da rede global de Agile Learning Centers (ALCs) e da Alliance for Self-Directed Education (ASDE). Site: www.alexbretas.com http://www.alexbretas.com SEQUÊNCIA DE AULAS O1 INTRODUÇÃO O2 IDENTIDADE O3 AMBIENTE O4 ROTINA 1. INTRODUÇÃO 37 % Por que a maioria das pessoas acredita que não é disciplinada, persistente ou focada? Você é uma dessas pessoas? O que você acha que está por trás dessas crenças? Pra muita gente, a razão pra não ser disciplinado é porque falta força de vontade. “Se eu me esforçasse de verdade e me dedicasse, aí sim eu conseguiria”. Reconhece esse tipo de frase? Uma pesquisadora e psicóloga que eu adoro, a Wendy Wood, nos conta sobre o mito da força de vontade. Basicamente, o mais comum em nossa sociedade é acreditar que, se alguém não muda algum comportamento que gostaria de mudar, é porque falta força de vontade, persistência, compromisso, até mesmo “vergonha na cara”. A questão é que quem deseja mudar geralmente tem muita força de vontade. Um estudo realizado com pessoas obesas nos INTRODUÇÃO Estados Unidos revelou que quase todas tentaram concretamente emagrecer, algumas mais de vinte vezes. Ainda assim, 81% dessas pessoas acreditavam que era sua falta de força de vontade que estava atrapalhando seu sucesso. Qual era o obstáculo no caminho delas então, já que não era a (falta de) força de vontade? Em uma palavra: hábitos. Hábitos são ações que repetimos geralmente de maneira inconsciente e que governam boa parte da nossa vida. Quando agimos em função de um hábito, não estamos tomando nenhuma decisão racional. Segundo Wendy Wood, 43% das nossas ações diárias são baseadas em hábitos. 37 % É muito mais econômico e seguro para o cérebro agir com base em uma rotina preexistente do que ter que criar uma nova. Felizmente, o conhecimento humano já avançou a ponto de sermos capazes de compreender como os hábitos funcionam. E isso nos permite manipulá-los. Bom, você pode estar se perguntando porque eu estou falando de hábitos. Não é só porque eu amo esse assunto. Vou te explicar. A solução clássica quando queremos realizar alguma coisa — por exemplo, ser mais autodisciplinado ao aprender — é “se esforçar mais”, “se dedicar mais”, “persistir mais”. Tudo isso requer que nosso cérebro nade contra a corrente. Você vai gastar uma quantidade enorme de energia se continuar apegado a esse tipo de solução. E provavelmente vai continuar se frustrando porque os hábitos estarão sempre no seu caminho. INTRODUÇÃO A alternativa é entender seus hábitos atuais e aprender estratégias para “hackeá-los”. Neste ebook, você verá várias estratégias para fazer isso. Mas antes, um pequeno adendo sobre disciplina. DISCIPLINA = OBEDIÊNCIA? Disciplina pode ser desenvolvida. Não é algo que nascemos com ou sem. É muito comum encontrar pessoas incapazes de acreditar que podem ser disciplinadas, persistentes ou focadas. Elas podem passar a vida toda sem encontrar formas concretas de modificar essas crenças e, por causa disso, nunca conseguir conquistar o que realmente querem. Por que será que essas pessoas são assim? 37 % Se você imaginar por um momento os ambientes sociais nos quais estamos inseridos — famílias, escolas, universidades, organizações — , ao menos um padrão vai aparecer. Na maioria deles, existem relações de obediência muito fortes. Obediência é um sinal de heteronomia, que significa o outro escolhendo ou decidindo pra mim, ou seja, o contrário de autonomia. “O pai manda, eu faço”. “O professor escreveu no quadro, eu tenho que copiar”. “O chefe falou que é pra ontem, então tenho que entregar”. Soa familiar, né? Na escola, existe toda uma arquitetura (física e simbólica) pensada pra colocar crianças e adolescentes em fôrmas criadas por adultos — ou melhor, por um sistema opressor que governa a vida dos adultos. INTRODUÇÃO Os estudantes não decidem o que querem aprender, isso já foi decidido por eles. Mesmo que eles esqueçam algumas semanas depois o que caiu na prova, não importa. Eles não decidem como vão usar o próprio tempo. Não decidem quais espaços habitarão. Se conversar, perde ponto. Se colar, fica de suspensão e leva bronca. O que estou querendo dizer aqui não é que a escola deveria ser um espaço sem nenhuma regra e combinado. A questão é como essas regras e combinados são criados: com pouca ou nenhuma participação de quem mais sofre as consequências deles. Bom, e o que isso tem a ver com nossa conversa sobre autodisciplina na aprendizagem? 37 % A citação abaixo, da Helena Singer, nos dá algumas pistas: A disciplina pode ser de dois tipos: a da orquestra e a do exército. Normalmente a disciplina das escolas e das famílias é deste segundo tipo, o que leva ao ódio. A disciplina da orquestra caracteriza-se por conjugar todos num mesmo espírito, e por permitir que cada um se desenvolva ao máximo. Já a disciplina do quartel precisa lidar com escravos, incapazes de apreciar a liberdade, inferiores, masoquistas. Quando vivemos muito tempo em ambientes opressores e autoritários — e infelizmente essa ainda é a realidade de boa parte dos nossos espaços sociais hoje —, começamos a acreditar que a disciplina só se dá como uma imposição do outro sobre mim. Quanto mais acreditamos nisso, menos entendemos a disciplina como um poder que cada um é capaz de cultivar por si próprio. INTRODUÇÃO Ou seja: para muitos de nós, disciplina virou sinônimo de obediência. E, se eu me acostumei com ser governado o tempo todo, como é que eu vou desenvolver soberania sobre mim mesmo? Como é que eu vou construir autodisciplina na aprendizagem se o espaço que moldou boa parte das minhas crenças educacionais promove o contrário? Precisamos quebrar esse ciclo e começar a entender disciplina de uma outra forma. E é aí que entra a ideia de autodisciplina. Autodisciplina é você fazer as pazes com o seu poder interno de persistir, perdurar, insistir, ir até o final (ou pelo menos até onde faz sentido ir), construir pouco a pouco, caminhar com consistência. 37 % Autodisciplina é ser livre… de você mesmo. (autoria desconhecida)Ou pelo menos de uma parte de você mesmo que te atrapalha a chegar aonde você quer. Só que, como vimos, não podemos nos render ao mito da força de vontade. Esse poder interno que estou falando não é um poder no sentido de “mais dedicação” ou “mais esforço”. Esse poder interno é sobre você entender mais sobre aquilo que governa quase metade da sua vida sem você perceber. E, a partir desse novo entendimento, implementar mudanças que vão fazer seu cérebro parar de nadar contra a corrente. Existem várias formas de se fazer isso. Aqui, vou te apresentar três delas. INTRODUÇÃO IDENTIDADE, AMBIENTE E ROTINA: TRÊS PILARES DA MUDANÇA 37 % Neste ebook, vamos abordar a autodisciplina a partir de três perspectivas interdependentes: Identidade, Ambiente e Rotina. Essas três coisas são caminhos para que você crie mudanças na sua vida e na forma como enxerga a si mesmo. Eles vão te ajudar a mexer nos seus hábitos, que, como vimos, muitas vezes nos governam sem a nossa permissão — assim como a cultura opressora da escola. Podemos definir cada um desses caminhos da seguinte forma: Identidade: é como você se vê, suas crenças, valores e o que você faz repetidamente. A palavra identidade, de acordo com James Clear, deriva das palavras latinas essentitas, que significa ser, e identidem, que significa repetição. Ou seja: sua identidade é o seu “ser que se repete”. INTRODUÇÃO Ambiente: é o conjunto de fatores internos e externos que influenciam seu comportamento. Algumas dessas variáveis são: lugar, horário, estado emocional, outras pessoas, ações anteriores, dispositivos eletrônicos (celular, computador, TV etc). Rotina: é uma ação ou ritual que você se propõe a fazer repetidamente, por exemplo, escovar dente toda vez depois de comer, tomar banho todos os dias, escrever 1 página por dia, fazer 15 minutos de caminhada 3x por semana etc. Rotinas repetidas várias vezes ao longo de 2-3 meses podem se converter em hábitos, ou seja, elas começam a ser automatizadas pelo cérebro. O grande segredo dessa introdução é você entender que Identidade, Ambiente e Rotina são manipuláveis. Você pode recriar a forma como você se vê, o ambiente ao seu redor e o que você faz repetidamente. 37 % Esse é o poder interno da autodisciplina. E é ele que vai aumentar as chances de você ter sucesso na sua aprendizagem, seja qual for a definição de sucesso que você escolher adotar. Cada um dos três fatores descritos acima corresponderá a uma aula específica. Vamos começar pelo pilar da Identidade. INTRODUÇÃO 2. IDENTIDADE 37 % Na introdução, eu compartilhei com você uma visão sobre como é possível ser mais autodisciplinado sem recorrer a discursos do tipo “se esforce mais” ou “acredite em si mesmo”. Esse tipo de pensamento, embora encorajador em certos casos, não dá conta de mexer naquilo que realmente trava nossas melhores intenções de mudança: hábitos. Na prática, essa visão é composta por três caminhos distintos: Identidade, Ambiente e Rotina. Agora, vamos entender um pouco mais sobre a Identidade de alguém capaz de maximizar a própria aprendizagem. E como você pode começar a se ver mais e mais dessa forma. O APRENDIZ AO LONGO DA VIDA E O APRENDIZ AUTODIRIGIDO IDENTIDADE Se você quer potencializar seu aprendizado, é interessante se perguntar qual é o perfil de uma pessoa que aprende muito. Afinal, você quer se tornar essa pessoa. Quem aprende muito compartilha ao menos duas características básicas: a capacidade/escolha de aprender ao longo da vida e em todas as situações da vida; e a capacidade/escolha de construir suas próprias oportunidades de aprendizagem. Quanto à primeira, podemos chamar essa identidade de Aprendiz Ao Longo da Vida ou Lifelong Learner. Não importa se você tem 7, 15, 40 ou 80 anos, a vida parece ser sempre um convite ao aprendizado para essas pessoas. 37 % Também não importa se você está resolvendo um desafio de trabalho, conversando com seu avô ou apenas sentado pensando na próxima linha do livro que vai escrever: essas pessoas também estão dispostas a aprender em todas as diferentes ocasiões da vida — é o Lifewide Learning. Em relação à segunda, podemos chamar essa identidade de Aprendiz Autodirigido. Há nessas pessoas uma estranha teimosia em seguir seus próprios caminhos, e o fato delas saberem como se colocar nas situações certas para aprender é uma condição para isso. Vamos analisar mais profundamente essas duas identidades. Aprender não é só “aumentar” seu conhecimento. É também estar disposto a conhecer menos, ou seja, desconstruir suas visões. E isso às vezes é bastante desafiador. IDENTIDADE O Aprendiz Ao Longo da Vida sabe disso. Ele tem clareza de que o segredo da eterna disposição para aprender não está nem no acúmulo de grandes somas de conhecimento nem na ignorância passiva, mas sim no movimento incansável entre saber e não-saber. É desconstruir e reconstruir nossas visões o tempo todo, sem cair na armadilha da verdade única ou absoluta. Em outras palavras, o Aprendiz Ao Longo da Vida cultiva a humildade como um valor essencial em sua vida. Por sua vez, o Aprendiz Autodirigido sabe que não adianta muito alcançar um grande conhecimento teórico e não fazer nada com ele. Ele é obstinado em aplicar e compartilhar o que aprendeu. Sua busca por aprender tem um propósito claro: nutrir a própria vida e a de outras pessoas. 37 % Além do que vimos acima, existem outras características (ou identidades) que ajudam a definir pessoas que aprendem muito. Mas isso aqui vai virar um livro se eu continuar a falar delas. Vamos dar um passo adiante… AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTA PARA SI MESMO Cultivar o conjunto de habilidades necessárias para aprender sempre — assim como qualquer outra coisa que você deseja melhorar — é uma função das histórias que você alimenta sobre você mesmo. Vejamos essa citação que eu adoro do James Clear: Muitas pessoas passam pela vida em um torpor cognitivo, IDENTIDADE seguindo cegamente as normas associadas à sua identidade. “Não tenho boa orientação espacial”, “não sou uma pessoa diurna”, “sou péssimo em lembrar o nome das pessoas”, “estou sempre atrasado”, “não sou bom com tecnologia”, “sou horrível em matemática” e outras mil variações. Quando você repete a mesma história para si mesmo há anos, é fácil deslizar para essas “calhas” mentais e aceitá-las como fatos. Com o tempo, você começa a resistir a certas ações porque “isso não é quem eu sou”. Existe uma pressão interna para manter sua autoimagem e se comportar de uma maneira consistente com suas crenças. Você encontra uma maneira de evitar se contradizer. O que estou querendo dizer aqui? Entenda quais são as histórias que você está contando para si mesmo agora e quais histórias você gostaria de cultivar para fazer nascer o seu futuro eu. 37 % Evite histórias como “estou muito velho para aprender”, “já domino esse assunto” ou “só aprendo se alguém me ensinar”. Elas só te deixarão mais longe das identidades do Aprendiz ao Longo da Vida e do Aprendiz Autodirigido. E, além disso, evite assumir para si os rótulos de alguém “desinteressado”, “desfocado” ou “indisciplinado”. Você era desinteressado na época da escola porque a fórmula de Bhaskara ou as datas da revolução de 30 não eram o que você realmente queria aprender. Você era desfocado porque te obrigavam a ficar sentado durante horas sem dar um pio. Você era indisciplinado porque a rebeldia era sua única arma para lutar contra um sistema que não te dava voz. IDENTIDADE Isso pode ter feito parte do seu passado, não do presente. Uma outra citação do James Clear nos ajuda a compreender isso melhor: Imagine duas pessoas resistindo a um cigarro. Quando lhe oferecem um cigarro, a primeira pessoa diz: “Não, obrigado. Estou tentando parar”. Parece uma resposta razoável, mas essa pessoa ainda acredita que é um fumante tentando ser outracoisa. Ela espera que seu comportamento mude, mas ao mesmo tempo continua carregando as mesmas crenças. A segunda pessoa recusa dizendo: “Não, obrigado. Não fumo”. É uma pequena diferença, mas essa afirmação sinaliza uma mudança na identidade. Fumar fazia parte de sua vida anterior, não da atual. Ela não se identifica mais como alguém que fuma. Ou seja: o primeiro passo para você ser mais autodisciplinado em relação à sua aprendizagem é assumir para si essa identidade. 37 % E assumir essa identidade está intimamente ligado a redefinir sua ideia do que significa aprender. Aprender não é uma coisa chata, passiva, distante da vida. Aprender é o tempero da nossa existência. Mas como dar esse passo? Eu não vou te dizer algo como “acredite nisso” e pronto. Não existe solução mágica. Nossa identidade é construída por provas. Trazendo James Clear para a conversa mais uma vez: Seus hábitos são a incorporação de sua identidade. Quando você faz sua cama todos os dias, incorpora a identidade da organização. Quando escreve todos os dias, incorpora a identidade da criatividade. Quando treina todos os dias, incorpora a identidade de uma pessoa atlética. IDENTIDADE Quanto mais você repete um comportamento, mais reforça a identidade associada a ele. Existe uma influência mútua entre ações/hábitos e identidade. Cada pequena coisa que você faz é uma prova de que você é ou não é um certo alguém. O caminho, então, é reconstruir sua identidade por meio de pequenas ações frequentes capazes de te provar que você é autodisciplinado, focado e persistente (naquilo que você quer). James Clear conta que sua amiga perdeu mais de 50 kg somente se perguntando: “o que uma pessoa saudável faria?” Esse é o espírito. Nas próximas duas aulas, vou te dar dicas práticas sobre como podem ser essas pequenas ações. Mas o olhar para a sua identidade é a base. 3. AMBIENTE 37 % Na aula anterior, falamos sobre as identidades de pessoas que aprendem muito — Aprendiz ao Longo da Vida e Aprendiz Autodirigido — e como chegar cada vez mais perto delas. Vimos que a reflexão sobre as histórias que contamos para nós mesmos (e as que gostaríamos de contar) é o primeiro passo para a conquista da autodisciplina na aprendizagem. Nós só nos enxergamos de determinada forma porque nossas ações nos provam isso (identidade é o seu “ser que se repete”). A conclusão disso é que, para mudarmos a forma que nos vemos, precisamos mudar nosso agir. Ok, isso soa um pouco óbvio. Mas como facilitar ao máximo essa mudança no agir? É o que vamos ver hoje na aula sobre Ambiente. AMBIENTE O AMBIENTE TE INFLUENCIA, E MUITO Ao participar do Caminho do Sertão, uma jornada de 160 km a pé durante 7 dias pelo sertão, paramos para jantar na casa de uma moradora local. Éramos muitos caminhantes e, como você pode imaginar, estávamos todos famintos depois de muitas horas de atividade física. O jantar foi servido em uma única panela enorme, com pratos e talheres também maiores que o habitual. Isso foi suficiente para que eu comesse muito mais do que deveria, o que me rendeu uma indigestão no dia seguinte. Ou seja: o tamanho dos utensílios que utilizamos para nos alimentar impacta no quanto comemos. Já parou pra pensar nisso? 37 % Mais um exemplo. O psicólogo americano Alexander Bruce conduziu uma série de experimentos na década de 70 que ficaram conhecidos como “Rat Park” (Parque de Ratos). Ele separou ratos de laboratório em duas gaiolas bem diferentes. Uma delas era totalmente vazia e solitária, ao passo que a outra oferecia opções de diversão, exercício e a companhia de outros ratos. Ambas tinham duas opções de bebida: um recipiente somente com água e outro com alguma droga — cocaína ou heroína. O resultado? Os ratos da gaiola vazia se drogavam tanto que morriam de overdose. E os ratos da gaiola com outros atrativos quase nunca se drogavam. Quando o faziam, o consumo jamais era excessivo. O experimento do Rat Park transformou nossas visões sobre o INTRODUÇÃO vício em drogas. Alexander Bruce descobriu que uma mudança no contexto alterava de maneira significativa as ações dos ratos. Ratos são diferentes de humanos, você pode dizer, mas o ponto é que nós compartilhamos 99% de nossos genes com eles. Tanto homens quanto ratos são condicionados por seus hábitos. Talvez a grande diferença esteja no fato de que os ratos do experimento de Bruce não podiam alterar seu ambiente. Nós podemos. O ambiente é a mão invisível que molda o comportamento humano. Você não precisa ser vítima do ambiente. Também pode ser o arquiteto. (James Clear) Vou te dar um último exemplo (este é realmente impressionante). Por que em alguns países o número de doadores de órgãos é muito maior do que em outros? AMBIENTE 37 % Em um estudo da Universidade de Columbia e da London Business School, os pesquisadores perceberam que a forma de se perguntar se alguém queria ser doador impactava muito na decisão. “Se você quer ser um doador de órgãos, marque aqui”. “Se você não quer ser doador de órgãos, marque aqui”. A primeira afirmação é um “opt-in”, ou seja, a pessoa decide ser doadora. A segunda é um “opt-out”, isto é, a pessoa decide não ser doadora. É uma alteração sutil, mas capaz de causar uma diferença muito grande. Em 2004, a Dinamarca tinha 4% de doadores e era adepta do opt-in. No mesmo ano, a Suécia tinha 86% utilizando o opt-out. INTRODUÇÃO Percentual de doadores em países que utilizam o opt-in (lado esquerdo) e em países que utilizam o opt-out (lado direito). Fonte: jamesclear.com. AMBIENTE http://www.jamesclear.com 37 % O ambiente — que às vezes se manifesta até mesmo na forma de se fazer uma pergunta — muda tudo. Mas como manipular de maneira intencional o ambiente para atingir o que você quer? VOCÊ É O ARQUITETO DO SEU AMBIENTE Seu ambiente envolve quase tudo que te cerca, tudo que acontece no seu dia e até mesmo sua condição interna. Aqui vai uma lista das principais variáveis de ambiente relacionadas à mudança de hábitos: ● Lugar ● Horário ● Estado emocional ● Outras pessoas/constrangimento social INTRODUÇÃO ● Ação imediatamente anterior ● Dinheiro ● Dispositivos eletrônicos/digitais (computador, TV, celular, navegador, sites etc) Para ser mais autodisciplinado, focado e persistente ao aprender, você pode usar estratégias baseadas nessas variáveis para criar “armadilhas” para você mesmo. Wendy Wood tem um conceito muito interessante para explicar isso: fricção. Para eliminar um mau hábito, você precisa aumentar a fricção para torná-lo extremamente difícil, chato, dispendioso e/ou constrangedor. Para adotar um novo hábito, você precisa diminuir a fricção a ponto de torná-lo extremamente fácil, simples, interessante e/ou motivador. Esse é um dos maiores segredos de pessoas disciplinadas. AMBIENTE 37 % As pessoas com mais autocontrole são tipicamente aquelas que precisam exercê-lo minimamente. (James Clear) Vejamos o exemplo do Blake Boles, autor do livro A Arte da Aprendizagem Autodirigida, que traduzi alguns anos atrás. (faça o download gratuito do livro aqui) Blake é um empreendedor e ativista da aprendizagem autodirigida. Um dia, ele colocou para si mesmo a intenção de criar um site informativo para apoiar adolescentes que queriam saber mais sobre o assunto. Para se comprometer com a tarefa, ele utilizou o site Stickk para criar uma armadilha para si mesmo. INTRODUÇÃO Post do Blake no Facebook contando sobre seu compromisso em criar o site. Tradução na próxima página. AMBIENTE https://alexbretas.com/livros https://alexbretas.com/livros https://www.stickk.com 37 % Tradução do post: Continuando meus esforços para fazer o que precisa ser feito como um empreendedor, criei um compromisso de 1.000 dólares para criar e publicar um novo site que apoie o aprendizado autodirigido de adolescentes até o dia 2 de agosto. Se eu não fizer isso (comoavaliado pelo minha amiga auditora, Sydney Moyer), meu cartão de crédito será cobrado automaticamente em 1.000 dólares, e o dinheiro irá diretamente para o comitê do Partido Republicano. Supondo que Donald Trump seja o candidato do Partido Republicano, sua campanha será o destinatário final desse recurso. Isso é algo que eu NÃO quero fazer. Eu realmente preciso desse dinheiro, e Trump é a última pessoa para quem eu gostaria de enviá-lo. Acho que essa é a minha melhor aposta para me motivar a realizar algo grande que venho pensando e conversando há um tempo. Me deseje sorte. INTRODUÇÃO Não é preciso muito esforço para concluir que, no dia 2 de agosto, o site estava de pé (e, infelizmente, Trump se elegeu mesmo sem o dinheiro do Blake). Blake utilizou uma estratégia de comprometimento baseada em um dispositivo digital (o site Stickk, especializado em mudança de hábitos), perda de dinheiro, fiscalização de outras pessoas (sua amiga Sydney Moyer) e constrangimento social (seu post no Facebook). Isso significa que ele tornou seu mau hábito de não concluir as coisas em algo extremamente custoso e constrangedor. É disso que estou falando. Blake não precisou alimentar uma enorme força de vontade porque a armadilha que criou era forte o suficiente para deixá-lo quase sem escolha (ainda que ele estivesse escolhendo fazer isso). AMBIENTE 37 % Podemos manipular praticamente qualquer ambiente para adicionar doses de fricção nas ações que queremos evitar e diminuí-la nas ações que queremos adotar. Quero finalizar te dando 3 exemplos de como você pode fazer isso para ampliar sua autodisciplina ao aprender. EXEMPLOS PRÁTICOS Situação 1: Adotando o hábito de leitura Você quer ler mais, mas fica no celular o tempo todo. O que você faz? Começa a utilizar o celular para ler! Instale o aplicativo do Kindle no seu celular, crie um atalho para ele e coloque na tela principal do seu smartphone. Compre 1 ou 2 livros que você gostaria muito de ler (reserve 30 minutos antes para selecionar quais serão esses livros) e coloque-os no aplicativo. Assim, a leitura está a somente 2 cliques de distância. INTRODUÇÃO Estratégia utilizada: tornar o hábito de leitura fácil, intuitivo e visível (diminuir a fricção). Se for preciso, você também pode usar algum aplicativo bloqueador de redes sociais para aumentar a fricção relacionada a esse outro hábito — e, por consequência, aumentar as chances de ler no celular. Situação 2: Escrevendo um ebook em 2 meses Você quer escrever um ebook sobre um tema que te fascina, mas não consegue ter a “acabativa” necessária. Aqui vai uma alternativa: crie um grupo no Whatsapp com pessoas próximas que confiam e acreditam no seu trabalho. Avise que o grupo será temporário e que toda sexta-feira você enviará a elas um capítulo do ebook. O mais importante aqui não é obter feedback das pessoas — você pode até pedir expressamente para elas não opinarem caso isso te faça se sentir mais seguro — , e sim o constrangimento social necessário para te fazer persistir. AMBIENTE 37 % Estratégia utilizada: tornar o hábito da procrastinação chato e constrangedor (aumentar a fricção). Situação 3: Encontrando tempo para planejar seu projeto Você vive falando que vai parar para planejar aquele seu projeto que você quer criar há tempos, mas nunca encontra tempo pra isso. Um caminho é reservar 30 minutos todos os dias durante 1 semana logo após alguma ação que você já faz habitualmente — por exemplo, depois do café da manhã. Deixe algum material de trabalho na mesa do café da manhã como um lembrete do que você precisa fazer logo após (seu notebook, talvez). Conceda a si mesmo um pequeno ritual de vitória toda vez que conseguir executar a ação (assistir a um vídeo no Youtube ou 10 minutos de redes sociais são algumas opções). Estratégia: tornar o hábito de planejamento fácil, factível, visível e divertido (diminuir a fricção). Nesse exemplo, também INTRODUÇÃO menciono a técnica do empilhamento de hábitos, que consiste em realizar a ação desejada logo depois de um hábito já totalmente construído. O empilhamento faz com que nosso cérebro se lembre com muito mais facilidade do que nos propomos a fazer. Ser o arquiteto do seu ambiente é possível. Tudo que é preciso é ajustar a fricção. Na próxima e última aula, vamos falar sobre rotinas. E você vai descobrir porque não é tão importante assim ter um objetivo… AMBIENTE 4. ROTINA 37 % Na aula anterior, falamos sobre como o ambiente nos influencia mais do que a gente imagina. O tamanho dos pratos e talheres, a quantidade de diversão em uma gaiola, a forma de se perguntar, tudo isso é ambiente. Se o ambiente nos induz tanto assim, é muito bom pensar que não apenas sofremos as consequências dele, mas também podemos manipulá-lo intencionalmente. Além das estratégias de ambiente, experimentar com rotinas também é uma ótima forma de gerar mudança de comportamento (e também uma das mais subutilizadas). ROTINA NÃO PRECISA SER CHATA Quando ouvimos a palavra rotina, nossa tendência em geral é imaginar uma coisa chata. Isso ocorre porque fomos ROTINA acostumados a seguir rotinas impostas, e não a criar as nossas próprias. Lembra da introdução, em que eu falei sobre como o processo de escolarização nos fez confundir disciplina com obediência? Algo parecido acontece com a palavra rotina. Há quem não tolere esse termo porque acha que uma vida com rotina é uma vida árida e entediante. E existem também as pessoas que até entendem a importância, mas continuam contando para si mesmas a história de que são incapazes de criar rotinas de maneira efetiva. (lembra da aula de identidade?) O fato é que: 37 % ● Rotinas são imprescindíveis para alcançar bons resultados em qualquer área da vida ● Rotinas podem ser surpreendentemente prazerosas (e há uma razão biológica pra isso: evoluímos para gostar do que nos é familiar) ● Rotinas podem ser intencionalmente criadas e recriadas por qualquer pessoa Rotinas não devem ser confundidas com objetivos. Vejamos a diferença entre os dois. ROTINAS X OBJETIVOS Objetivos são incrivelmente populares na cultura ocidental. Ainda assim, tente se lembrar se você cumpriu suas últimas resoluções de ano novo. É provável que não. IDENTIDADE “Emagrecer 5 quilos”, “escrever um livro”, “vender 10 projetos” e “começar a namorar” são alguns exemplos de objetivos. No entanto, pensar em rotinas é bem menos comum. “Não comer açúcar e fazer exercícios três vezes por semana”, “escrever uma página por dia”, “fazer três contatos comerciais por dia” e “frequentar um lugar diferente por semana” são os respectivos exemplos de rotinas a partir dos objetivos acima. Em resumo, rotina tem a ver com o processo e objetivo tem a ver com o resultado. Qual dos dois é melhor? Em relação ao pensamento baseado em objetivos, James Clear enumera 3 problemas que eles possuem: ROTINA 37 % Problema 1: Vencedores e perdedores têm os mesmos objetivos Todo atleta olímpico quer ganhar uma medalha de ouro. Todo candidato quer conseguir o emprego. E se pessoas bem e mal-sucedidas compartilham os mesmos objetivos, então não é a meta que diferencia os vencedores dos perdedores. Problema 2: Alcançar um objetivo é somente uma mudança momentânea Imagine que tenha um quarto bagunçado e defina uma meta para limpá-lo. Se tiver energia para arrumá-lo, terá um quarto organizado — por ora. Mas se mantiver os mesmos hábitos desleixados que levaram a um quarto bagunçado, logo estará olhando para uma nova pilha de bagunça e esperando por outra explosão de motivação. IDENTIDADE Problema 3: Os objetivos restringem sua felicidade O pressuposto implícito por trás de qualquer meta é o seguinte: “quando alcançar minha meta, serei feliz”. O problema com uma mentalidade de metas é que você está continuamente colocando a felicidade de lado até o próximo marco. Fazsentido pra você? Não estou dizendo que você não deve usar objetivos nunca. Meu ponto é que nós os utilizamos muito mais porque achamos que é o único jeito de chegar a algum lugar do que por sua efetividade comprovada. “Corrija as entradas, e as saídas se corrigirão”, afirma Clear. Eu simplesmente amo essa frase. Por meio das “entradas” (rotinas) você gera ritmo, e ritmo é fundamental para a criação de novos hábitos. ROTINA 37 % E, como vimos na introdução do minicurso, os hábitos respondem por boa parte do seu sucesso (ou insucesso). Além disso, rotinas liberam espaço mental, já que você não precisa ficar decidindo toda hora o que fazer. Por exemplo: se você define que, toda vez depois que escovar os dentes, irá usar o limpador de língua, não precisará lembrar toda hora de usá-lo. Com pouco tempo, seu cérebro vai começar a associar automaticamente "escovar os dentes" e "usar o limpador". Faz o teste pra você ver. As rotinas, junto com as manipulações no ambiente, já me ajudaram diversas vezes. Em 2015, publiquei um livro escrevendo três vezes por semana no meu blog durante quatro meses. IDENTIDADE Como uma forma de facilitar o cumprimento dessa missão — e aumentar a fricção de não cumpri-la — , criei um financiamento coletivo recorrente e me comprometi com meus apoiadores: sempre às segundas, quartas e sextas, eles poderiam esperar por um texto novo no blog. A combinação das duas estratégias (rotina + ambiente) foi incrivelmente eficaz. Na verdade, eu nem planejava publicar o livro antes de começar a escrever os posts. É espantoso o poder de realizar pequenas ações repetidamente. Cada uma delas é um voto de confiança para a pessoa que você deseja se tornar. E, além disso, já está provado pela ciência que a repetição é a base para a criação de novos hábitos depois de adulto (a emoção também tem um papel importante nesse processo, mas sobre ela não temos tanto controle). ROTINA 37 % Aqui vão algumas dicas sobre a criação de rotinas e exemplos conectados à autodisciplina no aprendizado. DICAS PRÁTICAS Realize a ação exatamente da mesma forma Pesquisas mostram que, se você repetir uma ação precisamente do mesmo jeito, isso irá contribuir para acelerar a criação do hábito. Exemplo: arrume sua mesa de estudos sempre da mesma forma, coloque um timer antes de começar a estudar contando sempre o mesmo tempo, realize sempre o mesmo ritual de vitória depois. Crie um “desafio” com início, meio e fim Tentar implantar uma nova rotina sem data pra acabar pode ser algo sofrido para algumas pessoas. Uma forma de contornar isso IDENTIDADE é planejar a ação dentro de um período de tempo definido. Exemplo: o Desafio 30 Dias de Hábitos de Aprendizagem, ação que realizei em abril, foi criado a partir dessa premissa. Outro exemplo é ler 1 capítulo de um livro por dia durante 7 dias. Evite falhar duas vezes Se você não conseguiu realizar sua rotina algum dia, tudo bem. Mas evite não realizá-la por duas vezes seguidas, pois isso prejudica a criação do hábito. Exemplo: se sua rotina é produzir um vídeo por semana, mas você precisou viajar, leve consigo o material de gravação para não ficar duas semanas sem gravar. ROTINA 37 % Faça algo muito pequeno, mas não deixe de fazer Mesmo uma ação muito pequena é capaz de enviar um sinal para o seu cérebro dizendo para ele criar um novo hábito. Exemplo: leia 1 página, escreva 1 parágrafo, pratique um idioma por alguns minutos. Ultrapasse o “vale da desilusão” Segundo James Clear, o vale da desilusão ocorre depois que estamos realizando uma rotina por algum tempo e não vemos muito resultado. Ter consciência de que esse vale ocorre nos ajuda a superá-lo. Exemplo: depois de praticar uma nova habilidade 3x por semana por 2 meses, você percebe que ainda não evoluiu o quanto gostaria. Não desista: manipule seu ambiente, se preciso. IDENTIDADE No limite, são as rotinas que te farão evoluir continuamente, seja na conquista da autodisciplina ou de qualquer outra habilidade que você deseja construir. Ao conjugar os três elementos que abordei aqui — Identidade, Ambiente e Rotina —, você ampliará muito suas chances de ter consistência em qualquer coisa que você fizer, inclusive ao aprender. ROTINA Muitas das ideias contidas neste ebook foram inspiradas no trabalho de dois pesquisadores de hábitos, Wendy Wood e James Clear. Para conhecer mais sobre eles, recomendo os seguintes livros: ● Good Habits, Bad Habits (Wendy Wood) ● Hábitos Atômicos (James Clear) Outros livros interessantes caso você queira se aprofundar são: ● Habits of a Happy Brain (Loretta Breuning) ● O Poder do Hábito (Charles Duhigg) PARA SABER MAIS ME CONTA O QUE VOCÊ ACHOU? Espero que esses conhecimentos tenham sido úteis pra você. Se quiser me contar o que você pensa ou sente a partir de tudo isso, me envie um e-mail no alex@alexbretas.com. E, para saber mais sobre o meu trabalho, acesse www.alexbretas.com. Até breve! mailto:alex@alexbretas.com http://www.alexbretas.com
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