Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PRINCÍPIOS JURÍDICOS NAS ORGANIZAÇÕES E-book 3 Natália Bonfim Neste E-Book: Introdução ���������������������������������������������������� 3 Contratos: noções gerais �������������������������4 Conceito ��������������������������������������������������������������������4 Evolução histórica ����������������������������������������������������7 Princípios contratuais no Código de Defesa do Consumidor ���������������������������������������������������������9 Função econômica do contrato ��������������������������� 10 Requisitos de validade dos contratos ����������������� 12 Princípios contratuais �����������������������������19 Os contratos na perspectiva civil-constitucional 19 Teoria da imprevisão �������������������������������������������� 27 Princípio da boa-fé ������������������������������������������������ 30 Princípio do equilíbrio econômico ����������������������� 32 Princípio da função social dos contratos ������������ 34 Considerações finais�������������������������������36 Síntese ���������������������������������������������������������38 2 INTRODUÇÃO Neste módulo, você irá aprender a importância dos princípios jurídicos nas relações privadas, notada- mente, no que se refere aos contratos� Os contratos são instrumentos de circulação de ri- queza, pois estão ligados ao desenvolvimento econô- mico da sociedade� Na vida em sociedade, estamos a todo momento celebrando contratos, que discipli- nam nossos interesses, com a finalidade de produzir determinados efeitos jurídicos� Tendo em vista que os princípios são regramentos básicos que se aplicam a um determinado instituto jurídico, devemos estudar os princípios contratuais, que constituem o ponto mais importante do Direito dos Contratos, pois oferecem várias repercussões práticas nas relações privadas� Aqui, você irá aprender: • As noções gerais sobre os contratos: conceito, evolução histórica, análise pelo Código de Defesa do Consumidor, função econômica e requisitos de validade; • Os princípios contratuais: princípios da autonomia da vontade, do consensualismo, da força obrigatória dos contratos, da boa-fé, do equilíbrio econômico e da função social dos contratos� Siga adiante! Bons estudos! 3 CONTRATOS: NOÇÕES GERAIS Conceito A vida em sociedade impõe que os homens se rela- cionem de diversas maneiras� Todos nós estamos constantemente assumindo obrigações, como quan- do compramos algo, devemos pagar; quando nos comprometemos a prestar um serviço, devemos fazê-lo; ou, quando alugamos uma casa, devemos pagar o aluguel� Esses fatos decorrem da vontade humana e são reconhecidos pelo Direito como capazes de criar uma relação jurídica� É daí que nasce o conceito de contrato� Lembre-se de que o negócio jurídico são atos jurí- dicos que decorrem da manifestação de vontade das partes e têm por objetivo atingir uma finalidade específica. É por meio dele que as partes se vincu- lam e estabelecem regras que irão disciplinar seus interesses� Nesse contexto, o contrato é um negócio jurídico pelo qual as partes se ajustam para alcançar objetivos específicos. Caio Mário da Silva Pereira (2018, p. 4) conceitua contrato como “o acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos”. 4 Assim, o contrato é um negócio jurídico que depende da manifestação de vontade de, pelo menos, duas partes� É, portanto, um negócio jurídico bilateral ou plurilateral� São exemplos de contratos a compra e venda, a locação, a doação, a prestação de serviços, o casamento� O contrato distingue-se do ato unilateral, pois este demanda a manifestação de vontade de apenas uma das partes, como o testamento e a promessa de recompensa� É nesse sentido que Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 22) conceitua contrato: O contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para a sua formação, da partici- pação de pelo menos duas partes. É, portanto, negócio jurídico bilateral ou plurilateral. Com efeito, distinguem-se, na teoria dos negócios jurídicos, os unilaterais, que se aperfeiçoam pela manifestação de vontade de apenas uma das partes, e os bilaterais, que resultam de uma composição de interesses. Os últimos, ou seja, os negócios bilaterais, que decorrem de mútuo consenso, constituem os contratos. Contrato é, portanto, como dito, uma espécie do gênero negócio jurídico. Desse modo, toda vez que estivermos diante de um negócio jurídico resultante de um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas, estaremos diante de um 5 contrato. Mas, para existir o contrato, seu objeto ou conteúdo deve ser lícito, isto é, não pode contrariar o ordenamento jurídico, a boa-fé, a sua função social e econômica e os bons costumes (TARTUCE, 2018, p. 1), como será estudado ao longo deste módulo. Destaque-se que o Código Civil de 2002 não trouxe um conceito de contrato, deixando essa tarefa para a doutrina, mas disciplina a matéria em vinte capítulos, compreendendo vinte e três espécies de contratos nominados, distribuídos entre os arts. 481 a 853. Os principais contratos típicos são a compra e a ven- da, a troca, o contrato estimatório, a doação, a pro- messa de venda, a locação, a prestação de serviços, a empreitada, o transporte, o empréstimo, o depósito, o mandato, a comissão, a agência, a distribuição, a corretagem, a representação dramática, a consti- tuição de renda, o seguro, a fiança, a transação, os contratos bancários e os de incorporação imobiliária� No entanto, novas figuras contratuais vêm surgin- do no mundo dos negócios e, portanto, não estão previstas expressamente no Código Civil, estando disciplinados em leis específicas ou ainda não têm tratamento legal� Como exemplo, podemos citar os contratos de alienação fiduciária (leasing) ou os con- tratos de know-how. 6 Evolução histórica Como já mencionamos, a origem do contrato re- monta aos primórdios da convivência do homem em sociedade, contudo, foi no Direito Romano que o contrato se estruturou como um acordo de vontades em torno de um determinado objeto� O Direito Romano distinguiu os conceitos de con- venção, contrato e pacto� Convenção era o gênero, e consistia no acordo de vontades que tinha por obje- tivo alcançar determinados fins jurídicos. Contrato e pacto eram as espécies, sendo que o contrato gerava a obrigação e o direito de reclamar o seu não cum- primento (direito de ação), enquanto o pacto gerava apenas a obrigação, mas não o direito de ação� Os romanistas não formularam uma teoria geral dos contratos; eles conceituaram apenas alguns tipos de contratos� Posteriormente, a distinção entre con- venção, contrato e pacto do Direito Romano desa- pareceu, permanecendo apenas a distinção entre convenção e contrato� Foi a partir da doutrina de Hans Kelsen que o contrato passou a ter o duplo sentido de acordo de vontades e norma, referindo-se tanto ao consentimento entre as partes como à regra pela qual as partes disciplinam seus interesses� O Código Civil Francês (Código de Napoleão), de 1804, foi o primeiro código moderno a distinguir entre convenção e contrato. Esse código trouxe o 7 conceito de contrato em seu art� 1�101, ao dispor que “o contrato é uma convenção pela qual uma ou várias pessoas se obrigam, em face de um ou de várias outras, a dar, fazer, ou não fazer alguma coisa.” Pelo conceito napoleônico, o contrato era um ins- trumento voltado apenas à criação de obrigações, não sendo capaz de modificá-las ou extingui-las. A modificação e extinção de obrigações ocorriam pelas convenções, servindo o contrato, em verdade, como um meio de aquisição de propriedade, uma garantia de que a transferência de terras entre bur- gueses e operários ocorria por meio de um acordo de vontades� O conceito de contrato evoluiu e, em 1865, foi as- sim definido pelo Código Civil Italiano: “o contrato é o acordo de duas ou mais pessoas para constituir, regular ou dissolver um vínculo jurídico”. Note que, ao contrário do Código Civil Francês, o legislador italiano admitiu queo contrato passasse a ser fonte de extinção de obrigações� Hoje, convenção, contrato e pacto são usados como sinônimos e se referem a qualquer acordo de vonta- des celebrado entre duas ou mais pessoas, predo- minando a ideia de autonomia da vontade, em que as partes discutem livremente as regras aplicáveis ao negócio jurídico travado entre elas, em condições de igualdade� No entanto, em nossa sociedade atual, esse tipo de contrato onde as partes discutem livremente as re- gras do negócio vem sendo, cada vez mais, relegado 8 a segundo plano. Isso porque são as empresas e o Estado que fornecem bens e serviços ao consumi- dor final e os contratos passam a ser padronizados, sendo impostos a todos que necessitam de bens ou serviços, sem espaço para que o consumidor discuta suas cláusulas� Neste contexto, verifica-se que o conceito originário de contrato, no qual predomina a autonomia da von- tade, está em crise, pois a economia de massa exige contratos impessoais e padronizados� Princípios contratuais no Código de Defesa do Consumidor A Constituição Federal contemplou, no inc. XXXII do art. 5°, a defesa do consumidor como um dos direitos fundamentais do cidadão. Além disso, a Carta Magna instituiu a defesa do consumidor como princípio geral da ordem econômica, no inc� V do art� 170� Em 1990, foi promulgada a Lei n° 8.078, o Código de Defesa do Consumidor, que buscou contemplar a proteção à contratação de massa� Até o advento do Código de Defesa do Consumidor – CDC eram poucos os mecanismos de proteção do contratante- -consumidor e, portanto, essa legislação veio asse- gurar seus interesses econômicos� No que se refere aos contratos, alguns princípios contratuais foram trazidos para o CDC, tais como 9 o princípio da boa-fé (art. 51, inc. IV), o princípio da obrigatoriedade da proposta (art. 51, inc. VIII), o prin- cípio da intangibilidade das convenções (art. 51, inc. X, XI e XIII) e o princípio da excessiva onerosidade (art. 51, §1°). Esses princípios, ainda que estejam previstos no CDC, podem ser aplicados a todos os contratos� Desse modo, ao analisar o caso concreto, o juiz terá em mente a boa-fé dos contratantes, a abusividade de uma parte em relação à outra, a excessiva onerosida- de etc�, como as regras gerais e cláusulas abertas de todos os contratos, pois os princípios são genéricos (VENOSA, 2018, p. 11). A aplicação simultânea do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor aos contratos é chamada de diálogo das fontes, segundo o qual esses dois sis- temas não se excluem, mas sim, se complementam� Desse modo, o diálogo das fontes propõe a análise conjunta do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil como método de resolução de questões envolvendo contratos, diante da aproximação prin- cipiológica entre esses dois sistemas legislativos e tendo em vista que ambos criaram uma nova teoria geral dos contratos� Função econômica do contrato A vida econômica se desenrola por meio da cele- bração dos vários contratos disponíveis no ordena- 10 mento jurídico, pelos quais as partes regulam seus interesses� Diz-se, assim, que os contratos têm uma função econômica, que é a sua causa. Segundo Orlando Gomes (2019, p.17), considerada a função econômica, os contratos classificam-se em: a) para promover a circulação de riqueza; b) de colaboração; c) para prevenção de risco; d) de conservação e acautelatórios; e) para prevenir ou dirimir uma controvérsia; f) para a concessão de crédito; g) constitutivos de direitos reais de gozo, ou de garantia� Porém, como mencionamos anteriormente, nem todos os contratos estão disciplinados na lei, admi- tindo o Código Civil, em seu art. 425, que as partes estipulem contratos atípicos ou inominados� Assim, sempre que a obrigação estipulada entre as partes for suscetível de avaliação em dinheiro e corresponda a algum interesse, se estará diante de um contrato� Note, portanto, que os contratos exercem uma função econômico-social, pois estão ligados ao desenvol- vimento econômico da sociedade� Contratos que regulam interesses sem utilidade social, fúteis ou improdutivos não são protegidos pelo Direito� 11 Quando se afirma que o contrato exerce uma função social, o que se quer dizer é que ele deve ser social- mente útil, ou seja, que deve haver interesse público na sua tutela pelo Direito� Em suma, os contratos constituem fatos econômicos, pois constituem veículos de circulação de riquezas, distribuindo renda e gerando empregos� Eles também exercem uma função social, o que significa que não devem mais ser abordados ape- nas como um acordo de vontades entre as partes interessadas; na concepção atual, os contratos de- vem ser analisados e interpretados de acordo com o contexto social, garantindo que haja igualdade entre os contratantes e que os direitos de terceiros não sejam afetados� Requisitos de validade dos contratos Já dissemos que o contrato é um acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos. Para produzir esses efeitos jurídicos, os contratos devem possuir alguns requisitos que irão conferir validade ao negócio jurídico� Se o contrato possuir esses requisitos, será conside- rado válido e irá produzir os efeitos jurídicos aguarda- dos� Se esses requisitos não estiverem presentes, o negócio jurídico não será válido, não irá produzir os efeitos jurídicos esperados e será nulo ou anulável� 12 Os requisitos de validade são de duas espécies: (a) de ordem geral: são os requisitos previstos no art� 104 do Código Civil – agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei; e (b) de ordem especial: é o requisito específico dos contratos, qual seja, o consentimento ou acordo de vontades� Assim, os requisitos de validade dos contratos divi- dem-se em três grupos: subjetivos, objetivos e for- mais� Vamos analisar cada um deles� Requisitos subjetivos Os requisitos subjetivos são: (i) capacidade genérica dos contratantes: a capaci- dade de agir é o primeiro elemento de validade dos contratos e diz respeito à capacidade de agir em geral, que pode não existir em razão da menoridade ou que pode ser reduzida em casos previstos no art� 4° do Código Civil. Segundo o art. 3° do Código Civil, “são absolutamen- te incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”. Desse modo, em regra, menores de 16 anos não podem, por si só, celebrar contratos, devendo ter um represen- tante legal para tanto� 13 De acordo com o art. 166, inc. I do Código Civil, “é nulo o negócio jurídico quando celebrado por pessoa absolutamente incapaz”. Por exemplo, se José, de 15 anos, celebrar um contrato de compra e venda de um celular com João, ele será nulo, pois José não pode assinar contratos por si só, devendo ser representado por seu representante legal� O parágrafo único do art. 5° do Código Civil estabe- lece que a incapacidade cessa: I) pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independen- temente de homologação judicial ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 anos completos; II) pelo casamento; III) pelo exercício de emprego público efetivo; IV) pela colação de grau em curso de ensino superior; V) pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos tenha economia própria� De acordo com o art. 4° do Código Civil, são relativa- mente incapazes para exercer os atos da vida civil: I) os maiores de 16 e menores de 18 anos; II) os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III) aqueles que, por causa transitória ou perma- nente, não puderem exprimir sua vontade; IV) os pródigos� 14 Os relativamente incapazes podem celebrar contra- tos, mas desde que assistidos por seu representante legal, isto é: eles podem assinar contratos, mas não sozinhos; eles devem ser acompanhadospor seu representante legal� Assim sendo, enquanto na incapacidade absoluta deve haver representação, na incapacidade relativa deve haver assistência� No que se refere às pessoas jurídicas, quem pode ce- lebrar contratos em seu nome são os representantes legais indicados no contrato social ou estatuto social� (ii) capacidade específica para contratar: algumas vezes, para celebrar certos tipos de contratos, a lei exige que o contratante apresente uma capacidade especial, mais intensa que a capacidade geral� Por exemplo, nenhum dos cônjuges pode, sem autori- zação do outro, exceto no regime da separação ab- soluta, vender bens imóveis (art. 1.647, inc. I, CC). (iii) consentimento ou acordo de vontades: é um requisito de ordem especial� As partes contratantes devem concordar quanto à existência e natureza do contrato; quanto ao objeto do contrato e quanto às cláusulas que o compõem� Quando a lei não exigir, a manifestação de vontade pode ser tácita, isto é, é aquela que se observa pela conduta do agente� Segundo o art� 111 do Código Civil, quando não for necessária a declaração de von- tade expressa e quando as circunstâncias ou os usos 15 o autorizarem, o silêncio pode ser considerado como manifestação de vontade� Quando a lei exigir, a manifestação de vontade deve ser expressa, ou seja, exteriorizada verbalmente, por escrito ou gesto� Requisitos objetivos Os requisitos objetivos se referem ao objeto do con- trato que, de acordo com o art� 104 do Código Civil, deve ser: (i) lícito: objeto lícito é aquele que não atenta contra a lei, a moral e os bons costumes� O objeto imediato do negócio é a prestação� É o ato de dar, fazer ou não fazer o que o devedor está sujeito� O objeto mediato é o próprio conteúdo da obrigação, a própria coisa� (ii) possível: para o objeto ser possível, ele deve ser viável física e juridicamente. O objeto é fisicamen- te impossível quando as leis da natureza impedem o seu cumprimento, por exemplo, se o sujeito se comprometer a realizar uma viagem de carro à lua, a prestação será fisicamente impossível. O objeto juridicamente impossível é aquele não permitido pelo ordenamento jurídico, por exem- plo, a venda de imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade� (iii) determinado ou determinável: o objeto será de- terminado quando já estiver especificado no momen- to da constituição da obrigação, como na hipótese 16 em que o sujeito se obriga a entregar a casa da Rua Margarida, n° 20. Por outro lado, o objeto será determinável se ainda não puder ser especificado, mas puder ser indicado pelo gênero e pela quantidade – são as chamadas obrigações genéricas (art. 243, CC) como quando o devedor se obriga a entregar dez sacas de café ao credor, sem especificar se do tipo A ou B. Requisitos formais Requisito formal é aquele que diz respeito à forma do contrato, que revela a manifestação da vontade das partes� A forma de elaboração do contrato deve estar prescrita em lei ou não ser proibida por lei� No Direito brasileiro, em regra, a forma é livre, po- dendo as partes celebrar o contrato verbalmente, por escrito, mediante contrato público ou particular, a não ser naqueles casos em que a lei exige certo formalismo (contrato escrito, público ou particular). É o que prevê o art� 107 do Código Civil: “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. No entanto, conforme dispõem os inc. IV e V do art. 166 do Código Civil, o negócio jurídico será nulo se “não revestir a forma prescrita em lei” ou “for prete- rida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade”. 17 Para alguns tipos de contratos, a lei também determi- na a publicidade, isto é, que o contrato seja registrado no sistema de Registros Públicos (art. 221, CC). As formas dividem-se em três espécies: (i) livre: a forma livre predomina no direito brasileiro, conforme previsto no supracitado art� 107 do Código Civil� Se a lei não exigir, a manifestação de vontade pode se dar de qualquer forma, seja por escrito, ver- balmente, por meio de gestos, mímica, por contrato público ou particular; (ii) especial ou solene: a forma especial subdivide-se em forma única ou múltipla� Forma única é aquela que a lei exige, não podendo ser substituída por outra� Por exemplo, no caso de venda de bens imóveis, a lei exige a escritura pública como elemento de validade do negócio jurídico (art. 108, Código Civil). A forma múltipla ocorre quando o ato é solene, mas a lei permite que o negócio seja formalizado por di- versos meios� Por exemplo, a renúncia da herança pode ser feita mediante escritura pública ou termo judicial (art. 1.806, Código Civil). (iii) contratual: forma contratual é aquela acorda- da entre as partes, por exemplo, quando as partes acordam que o negócio jurídico apenas será válido mediante a realização de um instrumento público (art. 109, Código Civil). 18 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS Os contratos na perspectiva civil-constitucional Ao longo dessa disciplina, vimos estudando os princí- pios jurídicos, que são aqueles regramentos básicos, extraídos das normas jurídicas, dos costumes, da doutrina, da jurisprudência, de aspectos políticos, econômicos e sociais e que se aplicam a um deter- minado instituto jurídico, no caso em questão, aos contratos� Os princípios constitucionais são os vetores que orientam a aplicação das normas da Constituição Federal de modo a se alcançar o fim pretendido da maneira mais ampla possível� Os princípios constitu- cionais jurídicos são aqueles que informam a ordem jurídica nacional, decorrem das normas constitucio- nais e são essenciais aos cidadãos� Nesse contexto, os princípios contratuais devem ser analisados à luz da Constituição Federal, no que se chama de eficácia horizontal dos direitos fundamentais� Essa teoria reconhece que os princípios constitucio- nais e os direitos fundamentais podem e devem ser aplicados nas relações privadas, principalmente no 19 contexto de uma sociedade desigual como a nos- sa, visando assegurar o equilíbrio entre as partes contratantes� Tendo em mente que os direitos fundamentais e os princípios constitucionais constituem a porta de en- trada para as relações privadas, vamos estudar agora os princípios contratuais� O Direito dos Contratos é regido por seis princípios: três princípios clássicos e três princípios modernos� Dentre os princípios clássicos, se encontram os prin- cípios da autonomia da vontade, do consensualismo e da força obrigatória dos contratos� Dentre os princípios modernos, se encontram os princípios da boa-fé, do equilíbrio econômico e da função social dos contratos� Passemos à análise de cada um desses princípios� Princípio da autonomia da vontade No Direito dos Contratos, o princípio da autonomia da vontade significa a liberdade de contratar. Significa o poder que os indivíduos têm de, mediante uma manifestação de vontade, provocar a produção de efeitos jurídicos� O princípio da autonomia da vontade se fundamenta na ampla liberdade contratual, que decorre do direito de liberdade previsto na Constituição Federal� As partes têm direito de celebrar ou não contratos, sem interferência do Estado, e podem celebrar contratos nominados ou atípicos� 20 Segundo Orlando Gomes (2019, p. 20), a liberdade de contratar se manifesta sob tríplice aspecto: a) liberdade de contratar propriamente dita, que abrange os poderes que as partes têm de autorre- gular seus interesses; b) liberdade de estipular o contrato, que abrange o poder de livre discussão das cláusulas contratuais; e c) liberdade de determinar o conteúdo do contrato, que abrange a escolha do tipo de contrato mais con- veniente à atuação da vontade� A liberdade de contratar propriamente dita diz res- peito ao poder conferido às partes contratantes de provocar a produção de efeitos jurídicos, sem que a lei imponha seus preceitos� Prevalece a vontade dos contratantes, aplicando-sea lei supletiva ou subsi- diariamente, em caso de silêncio ou carência das vontades particulares� Assim, as partes são livres para determinar o con- teúdo do contrato, permitindo-se que regulem seus interesses de maneira diversa ou até oposta àquela prevista na lei� Destaque-se que a liberdade de contratar nunca foi ilimitada; ela sempre encontrou limites na ordem pública e nos bons costumes� Sempre se entendeu que as partes são livres para contratar, disciplinando seus interesses da maneira que melhor lhes convém, mas desde que respeitem esses dois limites� 21 A ordem pública pode ser conceituada como as leis que tratam dos interesses essenciais do Estado e da coletividade, por exemplo, as leis que consagram o princípio da liberdade e da igualdade dos cidadãos; os princípios fundamentais do direito de propriedade e as leis sobre o estado civil� Os bons costumes também é uma expressão de di- fícil conceituação, e refere-se aos valores morais e éticos vigentes na sociedade� São exemplos de contratos que atentam contra os bons costumes: os contratos que dizem respeito a jogos de azar; os contratos que tratam da exploração de casas de to- lerância e os contratos que têm por objetivo o tráfico de influência. Os contratos contrários à ordem pública e aos bons costumes são nulos� Ao reconhecer sua invalidade, o ordenamento jurídico limita a liberdade de contratar, o que leva à conclusão de que toda declaração de vontade é capaz de produzir o efeito jurídico dese- jado, desde que seja lícita sua causa� Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 42-43) observa que as limitações à liberdade de contratar, em seus três aspectos, têm aumentado consideravelmente� A faculdade de contratar e não contratar, atualmente, é relativa, pois a vida em sociedade obriga os indivídu- os a realizar contratos de toda espécie, muitas vezes, sem opção de escolha� Por exemplo, o licenciamento de um veículo é condicionado à contratação de um seguro obrigatório� 22 A liberdade de escolha do outro contraente, de con- tratar com quem quiser, atualmente sofre restrições, como nos casos de serviços públicos concedidos sob regime de monopólio e nos contratos submeti- dos ao Código do Consumidor� E, por fim, o poder de estabelecer o conteúdo do con- trato, estipulando as partes as cláusulas contratuais para disciplinar seus interesses, sofre limitações pelas cláusulas gerais dos contratos, principalmente aquelas que tratam da função social do contrato e da boa-fé objetiva, do Código de Defesa do Consumidor e, principalmente, pelas exigências e supremacia da ordem pública� Princípio do consensualismo Pelo princípio do consensualismo, o acordo de vonta- des entre as partes é suficiente para a formação do contrato, não se exigindo, em regra, forma especial� Esse princípio parte da ideia de que o contrato se perfaz com o simples consenso, independentemente da entrega da coisa� O consenso dá origem ao contrato, porém isso não significa que todos os contratos sejam consensuais. Alguns deles dependem da realização de solenidades previstas na lei (contratos solenes) ou do cumpri- mento de determinadas exigências (contratos reais) para serem considerados válidos� Tendo em vista que a liberdade de contratar decorre do princípio da liberdade, as pessoas têm a faculda- de de vincular-se pelo simples consenso� Por isso a 23 lei deve se abster de estabelecer solenidades para a formação do contrato, exceto naqueles casos em que é necessário certo formalismo para garantir as partes contratantes� Conforme previsto no art� 107 do Código Civil, as partes podem celebrar o contrato por escrito ou ver- balmente, mediante instrumento público ou particular, a não ser quando a lei expressamente exigir o cum- primento de determinada formalidade, por exemplo, contrato escrito para a venda de automóveis� Verifica-se, portanto, que o consenso é a regra e o formalismo é a exceção� Princípio da força obrigatória dos contra- tos (pacta sunt servanda) O princípio da força obrigatória dos contratos, tam- bém chamado de pacta sunt servanda, consubstan- cia-se na regra de que o contrato faz lei entre as partes, devendo ser por ela cumprido como se suas cláusulas estivessem previstas em lei� Desse modo, as cláusulas contratuais têm força obri- gatória para os contratantes, devendo ser cumpridas tal como foram avençadas. Esse princípio significa, ainda, a intangibilidade, isto é, que a palavra dada pe- las partes é irreversível� As partes, então, não podem se negar ao cumprimento das cláusulas contratuais, devendo honrar a palavra empenhada� 24 FIQUE ATENTO O princípio do pacta sunt servanda não é aplicá- vel apenas às relações privadas� Quando o Brasil celebra um acordo, tratado ou convenção com outros países, parte-se do pressuposto de que os Estados signatários irão cumprir suas cláusulas, pois se trata de obrigação por eles assumida, que faz lei entre as partes� Um exemplo é o tratado de extradição. No pla- no internacional, o tratado de extradição faz lei entre as partes e a ele se aplicam o princípio da autonomia da vontade, da boa-fé e do pacta sunt servanda, de acordo com o art. 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados� Disponí- vel no link http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm� O pacta sunt servanda já era regra máxima do Direito Romano, que determinava que deveriam prevalecer as cláusulas contratuais estipuladas no contrato� Não havia a possibilidade de revisão ou extinção do contrato, sem justificativa plausível, sob pena de acarretar insegurança jurídica ao sistema� No entanto, o mundo globalizado não mais possi- bilita que o contrato seja concebido como algo es- tanque, absoluto, sem espaço para modificações. Hoje, passou-se a aceitar, de maneira excepcional, a intervenção judicial em certos contratos, para corrigir desequilíbrios entre as partes� 25 Nesse contexto, o princípio da força obrigatória dos contratos continua previsto em nosso ordenamento jurídico, mas não mais como regra geral, como antes era concebido� Hoje, tendo em vista que o contrato representa o interesse coletivo, admite-se a intervenção externa� Em algumas circunstâncias, a força obrigatória dos contratos pode ser revista pelo juiz, em verdadeira exceção ao princípio da intangibilidade� Para justificar a exceção à regra do pacta sunt ser- vanda, a doutrina resgatou do Direito Canônico a expressão rebus sic stantibus� A cláusula rebus sic stantibus é uma exceção ao pacta sunt servanda, e significa que as regras contratuais devem continuar a valer, desde que as condições de fato existentes no momento da assinatura do contrato continuem as mesmas� SAIBA MAIS Para saber mais sobre os significados de pacta sunt servanda e rebus sic stantibus, acesse o ví- deo “AGU Explica - Pacta Sunt Servanda e Rebus Sic Stantibus”, disponível no link https://www. youtube.com/watch?v=31e80lBSIRc� Assim, se ao longo da execução do contrato surgir um fato imprevisto que as partes não esperavam que pudesse ocorrer quando assinaram o contrato, tornando difícil para uma das partes cumprir a obri- 26 https://www.youtube.com/watch?v=31e80lBSIRc https://www.youtube.com/watch?v=31e80lBSIRc gação, aplica-se a cláusula rebus sic stantibus para restabelecer o equilíbrio contratual entre as partes� Todavia, não basta a mera alteração nas circuns- tâncias de fato para justificar a quebra do contrato. Para se admitir a intervenção judicial no contrato é essencial que as partes não pudessem prever a mudança desse estado quando de sua celebração, requisito este que deu origem à teoria da imprevisão, que iremos estudar no próximo tópico� Teoria da imprevisão A teoria da imprevisão parte do princípio de que a alteração das circunstâncias de fato existentes no momento da assinatura do contrato seja de tal ordem que cause onerosidade excessiva a uma das partes, isto é, torne muito difícil o cumprimento da prestação por uma das partescontratantes� Nesse sentido, a imprevisão deve decorrer de circuns- tâncias extraordinárias, a ponto de acarretar à parte contratante excessiva dificuldade no cumprimento da obrigação. A modificação na prestação deve ser tão gravosa, que o contratante não conseguiria cumpri-la sem se sacrificar economicamente. Quando a alteração no estado de fato é demasiada- mente grande, a parte contratante pode requerer ao juiz a revisão do contrato com base na teoria da im- previsão, como ensina Orlando Gomes (2019, p. 33): 27 Portanto, quando acontecimentos extraordiná- rios determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do con- trato, acarretando consequências imprevisí- veis, das quais decorre excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, o vínculo con- tratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito. Em síntese apertada: ocorrendo anormalidade da alea que todo contrato dependente de futuro encerra, pode-se operar sua resolução ou a redução das prestações. A teoria da imprevisão consiste, portanto, na pos- sibilidade de revisão judicial dos contratos quando ocorrem eventos extraordinários e imprevisíveis, tor- nando-se excessivamente oneroso o cumprimento da obrigação por uma das partes contratantes, o que é viabilizado pela aplicação da cláusula rebus sic stantibus� O Código Civil dispõe, em três artigos, sobre a pos- sibilidade de resolução (dissolução) dos contratos por onerosidade excessiva, como seguem: Art. 478. Nos contratos de execução continu- ada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisí- veis, poderá o devedor pedir a resolução do 28 contrato. Os efeitos da sentença que a decre- tar retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, ofe- recendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato. Art. 480. Se no contrato as obrigações cou- berem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. Note que os dispositivos legais supracitados dizem respeito à resolução do contrato por onerosidade excessiva e modos de evitá-la, mas o art� 317 do CC prevê a possibilidade de a parte pleitear a revisão do contrato: Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o va- lor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedi- do da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. Com base nas cláusulas gerais, sempre será possível requerer a revisão judicial dos contratos quando um fato superveniente desvirtuar sua finalidade social, 29 violar a boa-fé e significar o enriquecimento inde- vido para uma das partes, em detrimento da outra (GONÇALVES, 2019, p. 52). Logo, a parte poderá requerer a revisão judicial do contrato naqueles casos em que ainda for possível manter o vínculo contratual, apenas modificando-se a prestação (arts. 317 e 479, CC), ou poderá requerer a resolução do contrato (arts. 317 e 478, CC) com base nas cláusulas gerais do fim social do contrato (art. 421, CC), da boa-fé (art. 422, CC) e do enrique- cimento injusto (art. 884, CC). Por fim, deve-se ressaltar que os riscos normais do contrato excluem a possibilidade de aplicação da te- oria da imprevisão, pois são previsíveis no momento da celebração do negócio jurídico, como já decidiu o STJ em caso em que a parte pedia a resolução do contrato de safra futura de soja com base na teoria da imprevisão� Para conhecer os fundamentos da decisão daquele Tribunal, acesse o podcast 1 - Contrato de safra futura de soja e teoria da imprevisão. Podcast 1 Princípio da boa-fé O art� 422 do Código Civil dispõe sobre o princípio da boa-fé contratual, nos seguintes termos: 30 https://famonline.instructure.com/files/118838/download?download_frd=1 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de pro- bidade e boa-fé. O princípio da boa-fé determina que as partes con- tratantes ajam de maneira correta durante toda a relação contratual, isto é, desde as negociações preliminares, passando pela assinatura do contrato e durante a execução contratual� A probidade men- cionada no dispositivo legal em questão diz respei- to à honestidade na forma de proceder pela parte contratante� Modernamente, a doutrina distingue entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva� A primeira se refere ao estado psicológico do indivíduo e é muito utilizada no Direito das Coisas, por exemplo, quando uma pessoa compra um imóvel sem saber que ele foi penhorado em ação judicial� A boa-fé subjetiva, portanto, está ligado a uma concepção psicológica da boa-fé no sentido de que a parte acredita estar agindo de acor- do com o Direito, mas a realidade é outra� A boa-fé objetiva se refere a uma regra de conduta, a um modelo de comportamento que se espera do sujeito perante a sociedade� Está relacionada a uma concepção ética da boa-fé� O princípio da boa-fé se refere à boa-fé objetiva� Além do art� 422, o Código Civil traz outros dois dis- positivos que tratam da cláusula geral da boa-fé – os arts. 113 e 187, como seguem: 31 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser in- terpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. [...] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede ma- nifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Assim sendo, à luz do princípio da boa-fé e dos ele- mentos que o compõem – ética, probidade, lealdade, confiança –, o juiz irá apreciar conduta adotada pela parte contratante, levando em consideração ainda os usos e costumes do lugar da celebração do con- trato� Se entender que o comportamento adotado pela parte contratante violou o princípio da boa-fé, a conduta é ilícita� Princípio do equilíbrio econômico O princípio do equilíbrio econômico, também cha- mado de sinalagma, está previsto no Código Civil como fundamento de duas figuras jurídicas: a lesão e a revisão ou resolução do contrato por onerosidade excessiva. 32 Já analisamos a revisão ou resolução do contrato por onerosidade excessiva. Vamos verificar a lesão, prevista no art. 157 do Código Civil: Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperi- ência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1o Aprecia-se a desproporção das presta- ções segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. Funciona, assim, esse princípio como limite à força obrigatória dos contratos, pois se admite a interven- ção judicial para restabelecer o equilíbrio econômi- co entre as partes contratantes, com o objetivo de atingir a igualdade de condições para a celebração do negócio jurídico� 33 Princípio da função social dos contratos O princípio da função social dos contratos está previsto no art� 421 do Código Civil, nos seguintes termos: Art. 421. A liberdade de contratar será exerci- da em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Segundo Humberto Theodoro Júnior (2004, p. 31), “a função social do contrato consiste em abordar a liberdade contratual em seus reflexos sobre a socie- dade (terceiros) e não apenas no campo das relações entre as partes que o estipulam (contratantes)”. Desse modo, as partes contratantes devem se cercar de todos os cuidados possíveis para evitar que a ce- lebração donegócio jurídico prejudique injustamente os direitos de terceiros alheios ao contrato� A função social dos contratos não se esgota apenas no art� 421 do Código Civil� O parágrafo único do art� 2.035 dispõe que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. Efetivamente, a liberdade de contratar está subordi- nada à sua função social, com prevalência dos princí- 34 pios condizentes com a ordem pública� Considerando que o direito de propriedade deve ser exercido de acordo com sua função social, como determina a Constituição Federal, e se viabiliza por meio dos con- tratos, é por isso que o Código Civil estabelece que a liberdade de contratar não pode se afastar daquela função (GONÇALVES, 2019, p. 25). A função social do contrato, portanto, decorre da função social da propriedade, e constitui matéria de ordem pública, pois o contrato deixou de ser um instrumento da autonomia da vontade, para se tor- nar um instrumento que também deve realizar os interesses da coletividade� Recentemente, foi editada a Medida Provisória n° 881/2019, denominada de “MP da Liberdade Econômica”, que propõe a alteração do art. 421 do Código Civil, relativizando a função social do contra- to� Saiba mais sobre o assunto no podcast 2 - MP da Liberdade Econômica e relativização da função social do contrato. Podcast 2 35 https://famonline.instructure.com/files/118839/download?download_frd=1 CONSIDERAÇÕES FINAIS Parabéns, estudante, você concluiu mais um Módulo desta disciplina! Neste Módulo, você aprendeu a importância dos contratos para o desenvolvimento econômico da sociedade� Por serem instrumentos de circulação de riquezas, os contratos não mais se prendem apenas à autonomia da vontade; embora as partes contratantes sejam livres para estipular as cláusulas contratuais, elas deverão agir sempre com boa-fé e cuidar para que o negócio jurídico celebrado não afete os direitos de terceiros� Hoje, no contexto de uma econômica globalizada, os contratos devem atender aos interesses da cole- tividade e, por isso, admite-se a intervenção judicial para restabelecer o equilíbrio econômico, evitando onerosidade excessiva no cumprimento da prestação por uma das partes contratantes� Assim, se apresentam os princípios contratuais: como regramentos básicos que devem ser aplicados ao negócio jurídico, para alcançar equilíbrio, igualda- de de condições e justiça entre as partes contratan- tes� São normas gerais e abstratas que norteiam a existência, a validade e o cumprimento dos contratos� 36 Enquanto cidadãos que estamos a todo momento celebrando contratos, conhecer os princípios contra- tuais é essencial para exercermos nossos deveres e reivindicarmos nossos direitos, sempre à luz dos princípios constitucionais, já que os direitos funda- mentais previstos na Constituição Federal são a porta de entrada para as relações privadas� 37 Síntese • Princípio da autonomia da vontade, princípio do consensualismo, princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), princípio da boa-fé, princípio do equilíbrio econômico, princípio da função social do contrato. PRINCÍPIOS CONTRATUAIS CONTRATOS: NOÇÕES GERAIS Parabéns, estudante! Você chegou ao fim da terceira unidade dessa disciplina. Em síntese, isso é o que você aprendeu até agora: PRINCÍPIOS JURÍDICOS NAS ORGANIZAÇÕES • Negócio jurídico bilateral ou plurilateral, pois depende da manifestação de vontade de duas ou mais pessoas, que tem por objetivo produzir os efeitos jurídicos desejados pelas partes. • Princípios contratuais no Código de Defesa do Consumidor: pode ser aplicados a todos os contratos diálogo das fontes. • Função econômica do contrato: o contratos exercem uma função econômico-social, pois estão ligados ao desenvolvimento econômico da sociedade. • Requisitos de validade dos contratos: conferem validade ao negócio jurídico. São eles: requisitos subjetivos, objetivos e formais. Subjetivos capacidade genérica, capacidade específica e consentimento ou acordo de vontades. Objetivos objeto lícito, possível, determinado ou determinável. Formais livre, especial ou solene e contratual. Referências Bibliográficas & Consultadas BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências� Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990 (edição extra). GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019� GOMES, Orlando. Contratos. 27� ed� Rio de Janeiro: Forense, 2019� PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, volume 3: contratos; rev� e atual� por Caitlin Mulholland. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 3: teoria geral dos contratos e contratos em espécie� 13� ed� rev�, atual� e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social� Rio de Janeiro: Forense, 2004� VENOSA, Silvio de Salvo� Direito civil: contratos� São Paulo: Atlas, 2018. _GoBack Introdução Contratos: noções gerais Conceito Evolução histórica Princípios contratuais no Código de Defesa do Consumidor Função econômica do contrato Requisitos de validade dos contratos Princípios contratuais Os contratos na perspectiva civil-constitucional Teoria da imprevisão Princípio da boa-fé Princípio do equilíbrio econômico Princípio da função social dos contratos Considerações finais Síntese
Compartilhar