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Prof Bruno História de África dos meados do século XX ao século XXI A historiografia moderna tende a ver na Africa um continente passivo, um receptaculo de influencias, bem mais que uma fonte. Alguns nao temeram ofender simultaneamente as mulheres e a Africa, chegando ao ponto ate de denominar esta ultima como “o continente-mulher”,em alusao a uma suposta passividade e penetrabilidade. Contextualização de África entre 1945 a 1960 O ano de 1935 é o ponto de partida para o periodo de descolonização, porque a Segunda Guerra Mundial, para a Africa, começou nesse ano. A Africa viu efectivamente abrirem-se as hostilidades em Outubro de 1935, no momento da invasao da Etiopia pelas tropas de Mussolini. O continente africano experimentou a escravidão e o colonialismo, a subordinação de seus sistemas tradicionais de organização social às leis da valorização do capital e testemunhou a constituição de ordenamentos políticos internacionais, nos quais desempenhava o simples papel de “área de influência” e “reserva estratégica” à disposição dos poderes coloniais. Porém, a Segunda Guerra Mundial contribuiria para modificar tal quadro. Esgotadas econômica e militarmente pelo desenrolar da conflagração, as grandes potências européias experimentaram uma limitação (mas não a eliminação) de sua capacidade de preservar coercitivamente grandes impérios coloniais. Ademais, dois novos fatores concorriam para a erosão das bases da legitimação do colonialismo europeu no mundo: a) o crescimento do prestígio das concepções e dos movimentos democráticos e progressistas (por definição anticolonialistas) no mundo, que se seguiu à derrota das forças do eixo nazi-fascista; b) a ascensão, ao primeiro plano, da política internacional de duas novas grandes potências, as quais, devido a motivações diferentes, encontravam-se descomprometidas com a preservação dos domínios coloniais europeus na África e na Ásia: os Estados Unidos e a União das Repúblicas SocialistasSoviéticas. Excluídos da partilha da África na Conferência de Berlim e, conseqüentemente, marginalizados no acesso aos mercados, matérias-primas e áreas de influência no continente africano, aos Estados Unidos interessava, num primeiro momento, uma alteração no status quo internacional que lhe concedesse liberdade para realizar seus interesses econômicos e estratégicos na África, sem os inconvenientes gerados pelo exclusivismo colonial europeu. Para a União Soviética — potência cuja matriz histórica remontava às revoluções do ano de 1917 na Rússia —, a descolonização representava um enfraquecimento do “imperialismo ocidental” e optimizava as possibilidades de ampliação de sua influência internacional através do apoio aos movimentos de libertação nacional africanos e a aproximação das jovens nações africanas. Nestas novas condições, a opção pelo desenvolvimento de uma política de contenção da influência soviética na África reaproximou os EUA das antigas potências coloniais européias e os colocou na contramão dos movimentos de libertação nacional do continente, sobretudo daqueles cuja radicalidade anticolonial e ênfase nas definições antiimperialistas contribuíram para uma aproximação com as posições soviéticas. Assim, no hiato vigente entre o final da Segunda Grande Guerra e a cristalização da bipolaridade leste-oeste, as concepções referenciadas na idéia de descolonização e emancipação nacional do continente africano conquistaram carta de cidadania nas discussões internacionais. De tal forma que, mesmo nos anos posteriores de recomposição do poderio europeu e redefinição do posicionamento estadunidense frente ao problema colonial, o processo de emancipação africano seguiria seu curso sem jamais parar. Teríamos assim, nos anos 50, a independência da Tunísia (1950), da Líbia (1951), do Sudão, do Marrocos (1956), de Gana (1957) e da Guiné (1958). No emblemático ano de 1960 — ano da independência da África, segundo as Nações Unidas — verificar-se-iam as libertações de Camarões, Togo, Madagascar, Zaire, Somália, Mali, Benin, Nigéria, Níger, Alto Volta (actual Burkina Faso), Costa do Marfim, Chade, República Centro- Africana, Congo, Gabão, Senegal e Mauritânia; em 1961, Serra Leoa; em 1962, Ruanda, Burundi, Argélia e Uganda; o Quênia em 1963; Malauí, Zâmbia e Tanzânia em 1964; Gâmbia em 1965; Botsuana e Lesoto em 1966; Ilhas Maurício e Guiné Equatorial em 1968. Na década de 70, Guiné Bissau em 1973; São Tomé e Príncipe, Moçambique, Cabo Verde, Comores e Angola em 1975; Ilhas Seychelles em 1976; Djibouti em 1977; Suazilândia em 1978. Já nos anos 80, Zimbábue, em 1980 e, finalmente, a Namíbia, em 1990. Uma das grandes ironias da historia da Africa moderna reside no facto de o colonialismo europeu ter tido como efeito lembrar aos africanos que eles eram africanos. O maior servico que a Europa prestou aos povos da Africa nao foi trazer-lhes a civilizacao ocidental, actualmente encurralada, nem mesmo o cristianismo, hoje na defensiva. A contribuicao suprema feita pela Europa diz respeito a identidade africana, dom concedido sem amenidades nem intencao, o que não a torna menos real. E isso é particularmente verdadeiro no seculo XX. A humilhacao e o rebaixamento de que os africanos negros foram vitimas, por razoes raciais, no curso dos séculos, contribuiram a leva-los a se reconhecerem mutuamente como “irmaos africanos”. Mostrou tambem que a identidade africana, nascida da humilhacao racial e da dominação estrangeira, não podia ser senão frágil e incerta. Sob o choque do colonialismo e do imperialismo, os africanos haviam tomado consciencia do facto de representarem uma unidade diante dos opressores ocidentais. Contudo, uma solidariedade africana perene nao podia fundar-se somente na experiencia comum da exploracao. Unir-se contra o opressor estrangeiro, era uma coisa; outra coisa, porem, era unir-se para por em marcha o desenvolvimento interno. A independencia economica africana foi minada pelas apropriações violentas de terras, enquanto as forças produtivas eram submetidas as ordens dos brancos. No dominio cultural, a Africa passou pela fase de africanização das religiões vindas de fora, cristianismo e islamismo. Assim o imperialismo europeu contribuiu, com o passar do tempo, a tornar os africanos colonizados colectivamente mais conscientes de si mesmos, enquanto povo colonizado. Ao combater pela sua propria independencia, a Africa contribuiu tambem para modificar o curso da historia europeia e, inclusive, mundial. Os factos historicos que se produziram no interior do proprio continente mas, tendo em vista que no decorrer desse periodo a Africa foi incorporada e participou mais estreitamente do que nunca do sistema mundial, e importante lembrar que ela nao era simplesmente um continente passivo submetido as acções dos demais. As proprias acções da Africa igualmente contribuiram para transformar os destinos de outros. Se é verdade que a Africa foi, enquanto continente, submetida pela Europa, pelo conflito que a forçou a se reconhecer a si propria, por sua vez, a Europa, por foi forcada, em certa medida, a assimilar a lição de responsabilidade internacional e de humildade democratica que o desafio africano lhe impunha. Toda a historia da descolonizacao no seculo XX tambem deve ser vista como um processo pelo qual os oprimidos acabaram por compreender plenamente quem sao eles na realidade, ao passo que os opressores comecavam a aprender sobre a humildade inerente ao sentimento de ter que prestar contas ao mundo inteiro, em materiade humanidade. Impacto da colonização de África pela Europa O colonialismo sufocava a África com seu torniquete. Parecia ter vindo para ficar para sempre. No entanto, revelou-se tão efemero como todos os empreendimentos baseados na força. O colonialismo perdurou em toda a Africa pouco menos de cem anos: desde a decada de 1880 ate a de 1960.A herança que o colonialismo legou a África foi segundo alguns estudiosos positiva e outros defendem que o impacto negativo foi superior ao positivo, assim: Lloyd, por exemplo, não hesita em afirmar o carater positivo da influencia colonial: As potencias coloniais proporcionaram toda a infraestrutura da qual dependeu o progresso na epoca da independencia: aparelho administrativo, alias eficiente, que alcancava as aldeias mais remotas, uma rede de estradas, de ferrovias e de servicos basicos em materia de saude e de educacao. Walter Rodney adoptou uma posição particularmente extremada. Diz ele: É costume dizer que de um lado havia exploração e opressão, mas que, de outro lado, os governos coloniais fizeram muito pelos africanos e contribuiram para o desenvolvimento da Africa. Para nós, isso e completamente falso. O colonialismo só tem um aspecto, um braço: e um bandido maneta.O impacto do colonialismo tanto é positivo como negativo. No entanto, há que salientar desde o inicio que a maior parte dos efeitos positivos não é de origem intencional: trata-se antes de consequencias acidentais ou de medidas destinadas a defender os interesses dos colonizadores. A instauração de um grau maior de paz e de estabilidade na África. a propria criação dos modernos Estados independentes da Africa. A partilha e a conquista coloniais, revolucionarionaram a face politica da Africa. Em vez das centenas de clas, de grupos de linhagem, de cidades‑Estado, de reinos e de imperios, sem fronteiras nitidamente delimitadas, temos hoje cerca de cinquenta novos Estados de traços geralmente fixos; e bastante significativo que as fronteiras dos Estados, tais como foram estabelecidas durante o periodo colonial, não se tenham modificado depois da independencia. Introduziu em quase todas as partes da Africa duas novas instituições que a independencia não eliminou: um novo sistema judiciario e uma nova burocracia (ou administracao). O nascimento não só de um novo tipo de nacionalismo africano, mas tambem do pan‑africanismo. O primeiro, como vimos, representou o desenvolvimento de certo grau de identidade e de consciencia entre as classes ou grupos etnicos que habitavam cada um dos novos Estados. Impacto negativo: O desenvolvimento do nacionalismo,não foi somente uma consequencia acidental da colonização; antes de ser resultado de um sentimento positivo de identidade, de compromisso ou de lealdade para com o novo Estado Nacional, ele se animou por um sentimento de colera, de frustração e de humilhação suscitado por certas medidas de opressão, de discriminação e de exploração introduzidas pelas autoridades coloniais. Estrutura geopolitica criada tenha sido um exito (mais uma vez acidental), ha de se convir que ela mais levanta do que resolve problemas. Por exemplo, as fronteiras dos novos Estados não são tão arbitrarias como geralmente se acredita; muitos desses Estados foram criações artificiais e de que essa artificialidade colocou alguns problemas para pesarem fortemente sobre o desenvolvimento futuro do continente. Por exemplo: certas fronteiras dividem grupos etnicos ja existentes e retalham Estados e reinos, o que provoca perturbacoes sociais e deslocamentos. A mentalidade que criou entre os africanos, segundo a qual a propriedade publica não pertencia ao povo, mas as autoridades coloniais brancas, podendo e devendo estas assim tirar proveito dela em todas as oportunidades. É importante observar que tal mentalidade ainda subsiste entre a maior parte dos africanos, apos decadas de independencia, explicando em parte a indiferenca com que a propriedade publica e tratada em muitos paises africanos independentes. A perda da soberania e da independencia e, com ela, do direito dos africanos a dirigir seu proprio destino ou a tratar direCtamente com o mundo exterior. O impacto no terreno economico Aspectos positivos: A constituição de uma infraestrutura de estradas e vias férreas, a instalação do telegrafo, do telefone e, as vezes, de aeroportos. O impacto sobre o sector primário da economia foi igualmente significativo e importante. Desenvolver e explorar alguns dos ricos recursos naturais do continente – e, nesse plano, obteve exitos importantes. Foi durante o periodo colonial que todo o potencial mineral da Africa foi descoberto, a industria mineira teve enorme expansão e as safras de exportação se disseminaram. A introdução da economia monetaria, todas as comunidades africanas, inclusive os grupos pastoris, caracterizados pelo conservadorismo, tinham sido arrastadas para esse tipo de economia por volta da decada de 1920. Os efeitos dessa mudanca foram mais uma vez significativos. Em primeiro lugar, desde a decada de 1930, fora introduzido um novo padrão de riqueza, o qual já não se baseava na quantidade de artigos que o individuo possuia, mas no dinheiro. Em segundo lugar, as pessoas passaram a desenvolver actividades não mais centradas na necessidade da subsistencia, mas no dinheiro, o que, em contrapartida, levaria ao surgimento de uma nova classe de trabalhadores jornaleiros e assalariados. Em terceiro lugar, a introducao da economia monetaria assinala o inicio das actividades bancárias na Africa, que se tornaram uma outra caracteristica importante da economia dos Estados africanos independentes. A introducao da moeda e das actividades bancarias levou, com a vasta expansao do volume de comercio entre a Africa colonizada e a Europa. A infraestrutura proporcionada pelo colonialismo não era tão útil nem tão adaptada como poderia ser. As estradas e as ferrovias, em sua maioria, não haviam sido construidas para abrir o pais, mas apenas para ligar com o mar as zonas dotadas de jazidas minerais e de potencial para a produção de safras comerciais, “para ligar áreas de produção interna ao mercado mundial de mercadorias primarias”. Praticamente não havia ramais rodoviarios nem ferroviarios.A rede não se destinava a facilitar as comunicações interafricanas. Desta forma o crescimento economico das colonias baseava‑se nos recursos materiais das regiões, de modo que as zonas desprovidas de tais recursos haviam sido negligenciadas por completo. Dai as gritantes desigualdades economicas dentro de uma mesma colonia, que acentuavam e exacerbavam, por sua vez, as diferenças e os sentimentos regionais, o que representou grande obstaculo a constituição das nações na África independente. Uma das caracteristicas da economia colonial consistia em negligenciar ou em desencorajar deliberadamente a industrialização e a transformação das materias‑ primas e dos produtos agricolas na maioria das colonias. As industrias e as actividades artesanais existentes na epoca pre‑colonial foram destruidas. Note‑ se que nessa epoca as industrias africanas produziam tudo de que o pais necessitava, sobretudo materiais de construcao, sabao, micangas, utensilios de ferro, ceramica e, principalmente, roupas. Se essa industria local tivesse sido incentivada e desenvolvida com a modernização de suas tecnicas de produção (como se fez na India, entre 1920 e 1945), a África teria conseguido aumentar sua produção e melhorar, pouco a pouco, sua tecnologia. Embora a agricultura intensiva acabasse por se tornar a principal fonte de renda da maior parte dos Estados africanos, nenhuma tentativa fora feita para diversificar a economia rural das colonias. Muito pelo contrario, integrou as economias africanas na ordem economica mundial, mas de forma bastante desvantajosa e exploradora, e as coisas praticamente não mudaram depois disso. O trabalho forçado e o abandono da produção de alimentos provocaram bastante desnutrição, fomes e epidemias severas em algumas regiões da África. A comercialização da terra, levou a venda ilegal das terras comunais, praticada por chefes de familia sem escrupulos, ou então a crescentes litigios, os quais generalizarama pobreza, sobretudo entre as familias dirigentes. Efeitos no plano social O primeiro efeito benefico importante foi o aumento geral da população africana, deveu‑se ao estabelecimento de solidas bases economicas e ao desenvolvimento de malhas rodoviarias e ferroviarias, que permitiu transportar mantimentos para as regiões onde reinava a fome, bem como lançar campanhas contra doenças como a peste bubonica, a febre amarela e a doença do sono. A urbanização, os reinos e imperios africanos possuiam capitais e centros politicos, porem, que o colonialismo acelerou enormemente o ritmo da urbanização; surgiram cidades inteiramente novas: A difusão do cristianismo, do islamismo e da educação ocidental representou outro importante impacto do colonialismo. A propagação da educação ocidental esta estreitamente ligada a do cristianismo. A difusão da educação ocidental teve efeitos sociais de grande alcance, entre os quais o numero crescente dos membros da elite africana educados a europeia, que hoje em dia constitui a oligarquia reinante e o essencial da administração dos Estados africanos. A instituição de uma lingua franca em cada colonia ou conjunto de colonias. Mas, se o colonialismo teve alguns efeitos sociais positivos, teve tambem os negativos, alguns seriamente negativos. A diferenciação na concentração demográfica durante a época colonial entre os centros urbanos e as zonas rurais, que não se deu em consequencia do aumento natural da população, sendo antes o resultado daquilo que se chamou de “forcas de atracção e de repulsão: o continuo êxodo de jovens de ambos os sexos para os centros urbanos, pela necessidade de frequentar escolas e encontrar trabalho, repelidos do meio rural. Nos centros urbanos, se encontravam as comodidades que melhoravam a qualidade da vida. As regiões rurais estavam praticamente entregues a sua propria sorte, o que acentuava o fenomeno da deserção. Ainda hoje ha um fosso enorme entre as zonas urbanas e as zonas rurais do continente africano, não havendo duvida de que foi o sistema colonial que o criou e ampliou. O numero de colonos europeus e asiáticos aumentou. No plano da educacao, revelou‑se globalmente inadequada, desigualmente distribuida e mal orientada, de modo que seus resultados não foram, portanto, tão positivos para a África como poderiam ser. Houve durante esse periodo cinco tipos diferentes de instituições educacionais: escolas primarias, secundarias, escolas normais, escolas tecnicas e universidades. Por outro lado, em parte alguma e em nenhum grau o sistema escolar satisfazia a demanda, como tampouco estava distribuido equitativamente. Independentemente da insuficiencia numerica e da distribuição desigual; os curriculos oferecidos por todas as instituições eram determinados pelas autoridades e estreitamente imitados dos programas metropolitanos. Por isso não estavam adaptados as necessidades do continente. O impacto desse sistema educacional inadequado, coxo e mal orientado sobre as sociedades africanas foi profundo e quase permanente. Em primeiro lugar legou a África um enorme problema de analfabetismo, cuja solução levará muito tempo. Em segundo lugar, a elite culta que ele criou era uma elite alienada, que reverenciava a cultura e a civilizacao europeias e menosprezava a cultura africana. A discriminacao racial tambem gerou entre alguns africanos um profundo sentimento de inferioridade, Pior ainda foi o impacto do colonialismo no plano cultural. tudo quanto fosse autoctone, desde a musica, a arte, a dança, os nomes, a religião, o casamento, o regime sucessorio, o uso das vestes africanas foi proibido ou desencorajado em algumas regioes, e as pessoas educadas a europeia, esta vincado nelas. A luta pela soberania política em África: contexto do nacionalismo a partir de 1945 A descolonização de África e o processo pelo qual as colónias asseguraram a sua independência dos seus territórios não foi de nada pacífico, os movimentos de libertação foram uma consequência de não-aceitação das metrópoles a concessão ou o reconhecimento de direito a auto determinação das nações africanas. Alguns países como a Inglaterra e França a partir de 1945 iniciam a descolonização das suas colónias mas outros como Portugal e Espanha as suas colónias tiveram que passar por terríveis e prolongadas lutas de libertação. Todos países africanos resistiram ao colonialismo, e a resistência manifestou-se em quase todas as regiões de penetracao europeia. A Africa é afectada nos anos 30 e 40, por dois acontecimentos maiores em que se constituem a Grande Depressao e a Segunda Guerra Mundial. Os anos 30 inauguram uma serie de crises e mutacoes, aprofundadas e aceleradas pela guerra. No pos-guerra, novos equilibrios se estabelecem apos consideraveis dificuldades; eles sao muito rapidamente ameacados por movimentos politicos que saem reforcados e mais determinados do conflito. De 1940 a 1945, a evolucao dos diferentes paises esta ligada aos acontecimentos da guerra. No dominio politico, as crises do pre-guerra dao lugar a verdadeiras mutacoes: nacionalismos mais potentes e reivindicativos se manifestam desde 1943. Entre 1939 e 1945, a evolucao das operacoes militares e a participacao, sob multiplas formas, dos paises africanos, estes dois fatores possuem um peso relativo muito maior sobre os rumos do conflito. A guerra produz numerosas dificuldades, economicas e sociais. A desorganizacao dos transportes repercute no declinante comercio exterior e a disparada dos precos aumenta o custo de vida, incentivando o mercado negro. A demanda induzida pela guerra se encontra na origem de um relativo crescimento industrial cuja durabilidade seria questionada pelo restabelecimento, em 1945, dos fluxos comerciais com a Europa. Os nacionalistas tiram as licoes de um conflito primeiramente externo e paulatinamente a eles imposto; eles inflectem seriamente as suas atitudes e revisam as suas perspectivas. O periodo dos anos de 1935 a 1945 foi chamado “a idade de ouro da colonizacao” e considerado como o apogeu da era colonial. Mas, essas denominacoes conferem uma falsa impressao da real situacao, esta soi-disant “idade do ouro”, na realidade, termina impreterivelmente durante a Grande Crise economica dos anos 30. Talvez fosse mais exato dizer que os anos de 1935 a 1945 tenham constituido a “decada de ouro” do extremismo de direita na Europa. As colonias das quatro potencias imperiais europeias foram profundamente afetadas pelas tendencias fascistas que haviam se expandido em suas respectivas metropoles mas, de diversas e muito complexas formas. Em Portugal, este periodo corresponde a estabilizacao de uma ditadura de direita que agravaria uma politica colonial ja particularmente repressiva. A decada de 1935-1945 configurou um importante ponto de inflexao para a historia da libertacao da Africa, muito mais que um momento decisivo para o proprio imperialismo europeu. A era fascista nada mais foi senao um novo paragrafo da historia dos imperios europeus, mas ela inaugurou um novo capitulo nos anais do nacionalismo africano. Politicamente, os idos de 1935-1945 foram marcados pelo desenvolvimento do nacionalismo moderno, pela aparicao de novos niveis de consciencia politica, pelos balbuciamentos de organizacoes politicas modernas e pelo nascimento de jornais nacionalistas, Militarmente, os africanos participaram como soldados na luta contra as ditaduras fascistas da Europa – embora sujeitos coloniais, eles eram explorados por ambas as partes do conflito europeu. Culturalmente, a resistencia africana tomou por vezes um carater religioso. o isla nao foi a unica religiao a trazer uma resposta africana a era do fascismo. O cristianismo e as religioes tradicionais africanas tambem se revestiram em certos momentos de uma coloracao politica. Os movimentos de luta de libertaçãoem África Nós definimos a “descolonização” como o processo pelo qual o regime colonial atinge seu fim, as instituições coloniais são desmanteladas e os valores, bem como as modalidades coloniais, são abandonados.Teoricamente, a iniciativa da descolonização pode ser tomada, seja pela potencia imperialista, seja pelo povo colonizado. Na realidade, a verdadeira descolonização e geralmente imposta pela entrada dos oprimidos em luta. A Segunda Guerra Mundial rompeu o silencio envolvendo a politica colonial nos anos 30 e lancou a Africa em uma nova tormenta. O conflito acelerou a evolucao de atitudes que ja haviam comecado a mudar. Em seu conjunto, a decada de 1935-1945 marcara, antes e sobremaneira, o nacionalismo africano comparativamente aos seus efeitos sobre as politicas coloniais europeias. O racismo europeu e a exploracao imperial permaneceram quase identicos, ao passo que a Africa se encontrava cada vez menos disposta a tolerar a sua propria humilhacao. Este periodo viu se cristalizarem novas formas de resistencia africana, notadamente: movimentos politicos, uma ebulicao religiosa e cultural, uma nova atividade sindical, um crescimento dos movimentos grevistas, bem como a aparicao do jornalismo politico africano. A Segunda Guerra Mundial teve um papel particularmente importante, como catalisadora. Este conflito nao ensinou a Europa a ser menos imperialista mas, instruiu a Africa no sentido de ser mais nacionalista e, neste ultimo continente, tambem estimulou a tomada de consciencia politica. O sistema colonial se tornara tao intoleravel a ponto de permitir o combate, lado a lado com o colonizador, em prol da liberdade. As colonias portuguesas e espanholas, atrasadas em sua evolucao social e economica, sairiam pouco a pouco de sua letargia mas, ao interditar qualquer possibilidade de organizacao politica ou sindical, os regimes fascistas nas metropoles haviam eliminado qualquer possibilidade de aprendizado da vida politica. Entretanto, o despertar dos povos destas colonias ecoou mais tarde com tamanho impacto que desestabilizaria a ditadura em Portugal, contribuindo para a libertacao do proprio povo portugues. Movimento de libertação nas colonias: portuguesa, francesa e espanhola, características As formas e lutas nas colónias africanas foram diferenciadas dependendo das características de dominação que cada metrópole impôs nas suas colónias. A extensão, a natureza e os limites da politica e do nacionalismo na Africa oriental, de 1919 a 1935, examinando as diferentes formas de acção militante, os protagonistas eram as massas, e quem organizava a vida politica, durante esse periodo, eram os “jovens”, que haviam tirado proveito do ensino dos missionarios durante os vinte primeiros anos do seculo e eram capazes de apresentar as queixas dos africanos as autoridades coloniais. Interessavam- se principalmente pelas reivindicações locais, fazendo agitação contra os males que o colonialismo havia acarretado. Agiam em diferentes niveis, desde a baraza, ou assembleia publica das reservas, ate os governadores ou o secretario das Colonias, em Londres, a quem dirigiam petições. Suas tentativas de organização politica foram muitas vezes contrariadas pela potencia colonial, e nenhuma das associações fundadas logrou atingir todos os seus objetivos. Mas, enquanto duraram, tais associações relembraram as autoridades que a “voz da Africa” podia fazer-se ouvir por outros canais alem da administração colonial. No entanto, em muitos casos, as reivindicações africanas nunca deram lugar a organizações devidamente constituidas. Os limites da acção envidados pelos africanos durante o periodo considerado, centravam-se essencialmente nas questões locais, essa acção não redundou na criação de movimentos politicos eficazes em escala territorial. os africanos dos paises das Africas meridional e central resistiram ao colonialismo e deram uma importante quota parte para a preparação do movimento de libertação do continente desencadeado a partir de 1935. As formas mais avancadas de oposição ao colonialismo durante este periodo registaram- se na União Sul Africana, onde o desenvolvimento da industria e, correlativamente, o processo de urbanizacao tinham integrado os africanos na economia capitalista mais cedo do que nos demais paises africanos. As organizações nacionalistas e politicas la criadas serviram de modelo em muitos paises das Africas meridional, central e oriental. Recrudescimento do nacionalismo em África – o processo de descolonização da África Se entre 1880 e 1910 se deu a conquista e efectiva ocupação do continente, foi entre a década de 1935 que se consolidou a exploração do sistema colonial. Atento às múltiplas formas de resistência dos povos africanos, Boahen nos informa que desde a irrupção do colonialismo as autoridades e os dirigentes africanos defenderam a sua soberania e independência mediante o confronto, o estabelecimento de alianças ou por meio da submissão temporária. Na maior parte das vezes fracassaram diante dos invasores que, dotados de tecnologia e capacidade bélica superiores, os reduziram à condição de colonizados, mas, o facto é que as populações, se bem que tenham se adaptado ao novo regime, mantiveram a resistência protestando por melhores condições de vidas. A conquista da África pelas potências imperialistas europeias foi rápida. Do mesmo modo, foi rápida a conquista da independência pelas colônias africanas. Características do continente africano no período pós II Guerra Mundial O Pan-africanismo e a Negritude O pan-africanismo é um movimento político e filosófico de potencial libertador baseado na noção de raça negra. No que diz respeito às raízes do movimento pan-africanista, é preciso ter em mente que elas deitam fundo os solos antilhanos e norte-americanos desde o século XIX. Ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, o pan- africanismo nasceu no Novo Mundo, e não na África. Segundo R. D. Ralston e Fernando Mourão, o movimento deve ser considerado dentro da perspectiva dos laços estabelecidos entre os negros africanos e os da diáspora. Entre 1880 e 1935, período da corrida imperialista e subsequente ocupação colonial, tais relações transcontinentais vinham num crescente em função da existência de movimentos de retorno à África ou emigração dos negros; da ação evangelizadora dos negros americanos que pretendiam “salvar” a África do paganismo; da corrente de estudantes africanos que iam se matricular em escolas e universidade dos Estados Unidos; e em função da presença dos valores africanos na América Latina e nas Antilhas. Ainda segundo os autores, nos anos 1920 dois personagens dominaram a cena pan- africanista: um foi o jamaicano Marcus Garvey (1887-1940) e o outro foi o norte- americano W. E. B. Du Bois (1868-1963). O primeiro apelava para o orgulho negro visando despertar o interesse dos americanos negros pelo projecto de emigração espontânea para a África. A América era encarada como um continente discriminatório e que rejeitava seus filhos de cor. Por esse motivo, militantes como Garvey passaram a defender a colonização, isto é, o povoamento, de países como a Libéria e, depois, a Etiópia. Isso constitui o que chamamos de garveysmo. Du Bois, ao contrário, costumava ver com cepticismo uma proposta como essa. Para ele, o negro deveria ser integrado na sociedade americana e participar activamente das decisões políticas. Nos anos 1930, estudantes negros oriundos das colônias francesas nas Antilhas e na África, uma vez em Paris, seu ponto de encontro, entraram em contato com essas ideias e se sentiram tocados por seu espírito de luta e reivindicação. Nascia a nègritude, movimento cultural de retorno e valorização das raízes africanas. Tão transcontinental como o pan-africanismo, o conceito de negritude foi formulado na Europa por dois intelectuais, sendoum americano e o outro africano, a saber, o martinicano Aimé Césaire (1913-2008) e o senegalês Léopold Sédar Senghor (1906-2001). Estes vieram a formular as identidades negras que um projecto nacionalista como o pan-africanista demandava. Como qualquer movimento político, o pan-africanismo passou por mudanças. Estas foram particularmente perceptíveis a partir de 1935. Segundo Edem Kodjo e David Chanaiwa (2010), os interesses imperialistas da Itália de Mussolini levaram à invasão da Etiópia, fazendo eclodir a guerra ítalo-etíope naquele ano. Se, por um lado, ela significou a humilhação do Estado etíope, até então independente, por outro lado representou a “reafricanização” da Etiópia, que até então se sentia mais pertencente ao Oriente Médio do que à África, ao mesmo tempo em que fortaleceu a solidariedade no mundo negro. Contra o inimigo comum, os negros do mundo inteiro se uniram. Contudo, foi em 1944, com a fundação da Federação Pan-Africana e a organização do 5º Congresso Pan-Africano em Manchester, que o movimento deu uma guinada. Ele deixou de ser afro-americano para se tornar eminentemente africano. À luta contra o racismo acrescentou a luta contra o imperialismo e o colonialismo. Agora que já se estava na África não cabia mais a discussão sobre movimentos de retorno. Ao refletir sobre as mudanças operadas no pan-africanismo, Saint Clair Drake pôde distinguir-lhe duas fases: a racial, predominante junto aos primeiros partidários do movimento, e a continental, disposta a realizar a unificação política do continente africano. Este último estendia seus horizontes em direção à África do Norte e era menos restritivo em termos raciais: os miscigenados do Brasil e de Cuba, por exemplo, passavam a ser admitidos. Ainda de acordo com Edem Kodjo e David Chanaiwa, o período situado entre 1960 e 1964 assinala uma nova mudança para o pan-africanismo. Dezenas de colônias africanas alcançaram a independência formal, pulverizando politicamente o continente e complicando dessa maneira o carácter integracionista do movimento. No entanto, uma baixa no factor integração se fez compensar por uma alta no factor libertação. É nesta perspectiva que devemos vislumbrar a criação da Organização da Unidade Africana (OUA) em 1963. Composta por dezenas de Estados recém-independentes, a OUA cristalizaria o pacto político segundo o qual era dever dos territórios que se emancipassem apoiar os movimentos de libertação daqueles que ainda se encontravam na condição colonial. Por esse motivo, ela seria a instituição que prestaria tal apoio sistemática e coordenadamente. O Pan-africanismo e os movimentos de libertação de África Enquanto discurso e movimento de autoafirmação o Pan-africanismo tornou-se central e motivador político na luta contra o colonialismo e imperialismo, um movimento racial e político que enriqueceu a luta pela libertação do continente africano. Nos anos de 1930 o Pan-africanismo retomou sua ascensão entre os movimentos políticos conjunturais. Com a invasão da Itália contra a Etiópia (1935-1941) houve uma vigorosa reação pan-africana em relação à ascensão do fascismo na Europa, esta reacção proporcionou ao movimento a oportunidade de aprofundamento teórico e organizacional. Este desenvolvimento pode ser comprovado com a realização do Congresso Pan-africano de Manchester em 1945 que contribuiu para a derrocada do sistema colonial e a conquista das independências em África entre os anos de 1950 e 1960. Durante este congresso o pan-africanismo concretizou-se em uma ideologia nacionalista orientada pelas massas a prol da libertação do continente africano. A fase descolonial e libertária do movimento foram construídas entre os anos de 1950 e 1965 pelo intelectual Kwame Nkrumah. Por meio das acções e declarações políticas, Nkruman conseguiu reunir vários dirigentes africanos e movimentos de libertação em prol da libertação completa e unificada do continente africano. Ao protagonizar a luta e conquista da independência de Ghana lançaram-se as bases para a criação da Organização da Unidade Africana (OUA), que objectificava a independência política e organização dos movimentos de libertação. Na década de 1960 foi intenso o nascimento de Estados Africanos independentes o que acelerou o movimento de libertação colonial no continente africano. A OUA através de uma “ajuda planejada” conseguiu unificar e fortalecer a causa pan-africanista. Os novos Estados independentes compendiam que todos os estados africanos tinham o dever de ajudar os povos dependentes da África que lutam pela liberdade e independência. Por meio da OUA pode-se obter uma problematização acerca do colonialismo e do apartheid. A criação da OUA e do Comitê Africano de Libertação aumentou a confiança, o otimismo, a determinação e a combatividade dos nacionalistas africanos, o que rendeu na década de 1970 a libertação das colônias portuguesas em África (Guiné-Bissau, Angola, Moçambique). Na luta por dignidade humana, o pan-africanismo assumiu o compromisso de ressignificar o passado e construir uma realidade livre das correntes colonialistas evidenciando que as afirmações de identidade cultural favorecem a emancipação dos povos colonizados. (PAIM, 2016) Em 1956, se estava num momento de ebulição política da luta-colonialista e anti- imperialista. É verdade que, nesta data, ainda não haviam países independentes na África sub-saariana. O primeiro será Gana, em 1957. Mas os movimentos pela Descolonização Africana já era um força politica poderosa e quase incontrolável em muitos destes países, como Gana, Senegal, Congo, Nigéria, Guiné. Não por acaso, estávamos próximos do “ano glorioso” de 1960, quando dezesseis países africanos adquirem a sua independência. Em particular, na África ocidental. Vale lembrar também que, em 1956, tinha acabado de ocorrer a Conferência de Bandung (1955), que é o marco fundador do “Terceiro Mundo” enquanto bloco político. O primordial a compreensão da PA da questão da cultura como uma força de libertação e solidariedade. Não apenas no sentido de que ela seja algo a ser instrumentalizado pela força política. No entanto, só entre 1960 e 1964, ocorreram dezessete independências nacionais africanas, sobretudo na África francófona. Isto complexificou a ação conjunta de um Pan-africanismo radical, como propunha N´Krumah. Sobretudo porque muitos líderes das novas nações africanas viam o seu projeto como uma tentativa de colonialismo interno africano, em que os estados já independentes pretendiam anexar territorialmente os recém-independentes. Em suma, embora houvesse consenso quanto a sua necessidade, não havia concordância em como este processo de integração deveria ser realizado. A partir dos Congressos Pan-africanos, em Kumasi (1953), Accra (1958), Monróvia (1959) e Addis Abeba (1960), o desafio da descolonização e o confronto entre Leste e Oeste abalariam o cenário político e diplomático, dando origem a duas ormas de pan-africanismo: o Grupo de Casablanca (1961) e o Grupo de Monróvia (1962). A Negritude e os movimentos de libertação em África A Negritude surge para recuperar a dignidade e a personalidade do homem africano e desperta-lo contra o domínio dos colonizadores em Africa por isso que ao decorrer do tempo o movimento negritude ganhou além da dimensão literária mas também politico. No campo politico a negritude serviu de uma mola impulsionadora para a conquista das independências em Africa. No campo ideológico, negritude pode ser entendida como processo de aquisição de uma consciência racial. Já na esfera cultural, negritude é a tendência de valorização de toda manifestação cultural de matriz africana. Portanto, negritude é um conceito multifacetado, que precisa ser compreendido a luz dos diversos contextos históricos. Os apologistas da negritude: Kwame Nkrumah, líder político africano e presidente de Gana entre1960 e 1966, um dos principais activistas pela descolonização da África. Através de suas declarações, da sua acção e do seu exemplo, mobilizou, em favor da causa pan-africana, os dirigentes africanos dos movimentos de libertação e dos Estados independentes. Segundo ele, como declarou na noite da conquista da soberania pelo seu país: “a independência de Ghana não tinha sentido senão na perspectiva de uma libertação completa do continente africano”. O filósofo francês Jean-Paul Sartre, no seu famoso texto Orfeu Negro, de 1948, foi um dos primeiros intelectuais de proa a fazer uma reflexão aprofundada do movimento da negritude. Orfeu Negro foi escrito como introdução a uma antologia de poesia negra, organizada por Leopold Senghor. No texto, Sartre reconhecia o papel subversivo do movimento da negritude em determinado momento histórico: seja porque negava os valores culturais do opressor branco, seja porque despertava no negro, altivez e orgulho racial. Já para outro expoente do movimento da negritude, o poeta senegalês Léopold Sédar Senghor, existe uma "alma negra" inerente à estrutura psicológica do africano. A "alma negra" teria uma natureza emotiva em detrimento à racionalidade do branco. Trata-se de um conceito de negritude essencialista em que "a emoção é negra como a razão é grega". Enquanto a civilização européia seria fundamentalmente materialista, os valores negro-africanos estariam fundados na vida, na emoção e no amor. Para Senghor, estes atributos constituíam um privilégio do negro. Os depoimentos, contudo, feitos a seu respeito por Césaire e Senghor, e ainda, o facto de um dos seus poemas haver sido utilizado como epígrafe, por Léon-Gontran Damas, em seu livro Pigments, são suficientes para que seu nome e sua obra não possam ser esquecidos. E sua actuação como um dos mais activos participantes desses movimentos.assegura-lhe a gratidão de todos os negros que, através da sua obra tanto quanto a de vários outros, puderam se conscientizar da discriminação que sofriam e decidiram ir à luta para anular a situação humilhante em que viviam. O Surgimento da Palavra Negritude, foi, provavelmente, a partir dos anos 60 do século XX que a palavra negritude passou a figurar nos dicionários da língua portuguesa, vinda do francês —négritude, com uso já comum, nesse idioma, desde a década dos 30, quando escritores negros nascidos em colônias da França ,usando-o como sua segunda língua, criaram-na e passaram a utilizá-la para exprimir algo novo que sentiam sem que houvessem antes encontrado termo apropriado para defini-lo. Mas que será, afinal, a negritude? A dificuldade de defini-la, persiste, ainda que já se tenha passado muitos anos desde o seu surgimento. Senghor tentou dar-lhe um conteúdo que ultrapassasse limitações étnicas e lhe propiciasse dimensões universais. Dela afirmou, então, ser uma nova maneira de ver e entender o mundo, um certo tipo de “existencialismo”, uma filosofia “enraizada na Terra-Mãe, que desabrocha ao sol da fé e pressupõe presença na vida.... no mundo.... participação do sujeito com o objecto.... comunhão do Homem com as forças cósmicas, do Homem com os outros homens.... e, além disso, com tudo o que existe, do seixo à Deus”. A Governação dos estados africanos independentes “Procurai primeiramente o reino politico e todo o restante vos sera dado em suplemento.” Quando pronunciou estas palavras, Kwame Nkrumah estava persuadido que a independencia politica era a chave de todas as melhorias projetadas para a condicao africana. Esta declaracao derivava da ideia de primazia do politico nos assuntos humanos − concepcao radicalmente diferente daquela propria ao determinismo economico. E, no entanto, em uma situacao colonial, a preponderancia dada por Kwame Nkrumah ao politico estava, ao menos em parte, justificada. A Africa colonial deveria realmente comecar por se esforcar em adquirir a soberania politica antes de planejar qualquer outro tipo de soberania. Mas, Nkrumah deixava obscura uma simples distincao que a logica nos ensina − aquela existente entre condicao suficiente e condicao necessaria. A soberania politica (“o reino politico”) era realmente uma condicao necessaria para que a Africa pudesse realizar ou satisfazer qualquer uma das suas aspiracoes essenciais. Mas, a soberania politica por si so nao era suficiente. Características gerais e comuns dos estados africanos no período pós- independência A África se viu às voltas com a necessidade de lutar por sua independência económica antes mesmo de concluir o processo de luta por sua emancipação política. Carentes de quadros técnicos, de tecnologia industrial, de capitais e até de mercados, uma vez que o processo de dissolução das economias tradicionais não acarretou necessariamente a formação de um contingente significativo de consumidores com efectivo poder de compra, a virtual totalidade dos países africanos já despertou para a vida independente submetida a uma situação de subalternidade no âmbito da economia internacional. Premidos pelas necessidades urgentes de populações intensamente espoliadas durante séculos pelo sistema colonial, a primeira geração de dirigentes dos jovens estados africanos teve de equacionar, como primeiro item de sua agenda pós-colonial, o problema do subdesenvolvimento econômico e social. Produtoras e exportadoras de matérias primas e gêneros agro-pecuários, as novas nações africanas viram-se inseridas em um sistema de trocas caracterizado pela deterioração constante do valor de seus produtos primários em relação aos bens industrializados produzidos pelos países centrais (Europa, Japão e Estados Unidos) e o monopólio dos capitais e da tecnologia por parte destes, em muitos casos, suas antigas metrópoles coloniais. Alguns de seus líderes mais esclarecidos, como o ganense N’ Krumah, o tanzaniano Nyerere, o queniano Kenyatta, e o congolês Lumumba, diagnosticaram adequadamente as possibilidades e os constrangimentos para o enfrentamento bem sucedido dos desafios econômicos apresentados pela realidade. Compreendiam que a África possuía riquezas naturais extraordinárias, capazes de propiciar as bases de seu crescimento econômico, como as maiores reservas de ferro e carvão mineral do mundo, enormes jazidas de petróleo e um notável potencial hidrelétrico. Por outro lado, eram capazes de identificar também os obstáculos ao progresso material de suas sociedades: a grande fragmentação político-territorial, a dependência tecnológica, a falta de capitais para a exploração de suas próprias riquezas, as rivalidades étnicas internas, a falta de competitividade econômica de sua produção agro-pecuária e o próprio controle de seus principais recursos pelas grandes empresas ocidentais. Coerente com tais constatações, a parcela mais engajada desta primeira geração de líderes procurou adoptar procedimentos práticos capazes de optimizar as condições para a superação das mazelas deixadas pela dominação colonial. No âmbito interno: definição do estado, enquanto actor fundamental do processo de desenvolvimento econômico, através da regulação da actividade do capital estrangeiro e nacionalização, sempre que possível, de sectores estratégicos da economia; implementação de políticas de fomento à actividade industrial e modernização da produção agro-pecuária. No âmbito externo: tratava de somar-se aos esforços de estruturação de um movimento de países não-alinhados, juntamente com outros estados da Ásia e América Latina, que tinham entre suas principais reivindicações a revisão das regras do comércio mundial; a facilitação do acesso dos países emergentes às tecnologias, mercados e capitais para exportação de seus produtos; o assessoramento técnico e o apoio institucional das Nações Unidas aos seus programas de desenvolvimento econômico; em resumo, uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI). Porém, osinteresses conflitantes das grandes potências ocidentais, particularmente da maior de todas elas, os Estados Unidos, não permitiriam que a marcha das nações africanas rumo ao progresso e ao desenvolvimento se realizasse sem incidentes. Identificando no recuo das antigas metrópoles colonizadoras européias na África uma ameaça de satelitização dos jovens estados pela União Soviética, as administrações norte-americanas implementaram, desde os anos 50, uma estratégia voltada para a substituição da influência européia por sua própria influência sobre o continente africano, assumindo a responsabilidade pela contenção do avanço da “influência soviética” nesta região. Recorrendo à chamada “diplomacia do dólar”, os governos norte-americanos procuraram, a princípio, influenciar os estados africanos, condicionando sua inclusão em programas de ajuda econômica e militar à concessão de privilégios para a operação de empresas estadunidenses nestes países e ao alinhamento diplomático e militar com Washington. Em outros casos, assessorou, treinou, financiou e armou grupos de oposição, golpes de estado e movimentos separatistas contra governos de orientação anti-neocolonialista, algumas vezes, em parceria com as antigas metrópoles colonizadoras. Além disso, desenvolveu uma política permanente de apoio aos regimes racistas da antiga Rodésia até 1980 e da República Sul Africana até 1994, que actuaram como factores de desestabilização econômica e militar dos estados africanos independentes da África Meridional. Como resposta a tais acções de desestabilização, os governos africanos de orientação mais anticolonialista e antiimperialista investiram em uma aproximação maior com a União Soviética e Cuba, de modo a obterem apoio diplomático e militar contra seus inimigos internos e externos. Tal facto aumentou ainda mais a tensão diplomática e militar e as divisões entre os estados africanos, deflagrando um longo e destrutivo ciclo de conflitos intracontinentais e militarização. O acirramento das rivalidades intra-africanas inviabilizou a cooperação e o desenvolvimento do comércio entre os países do continente, deteriorou as bases já frágeis da união continental e, em vários países, desorganizou a economia e dilapidou as riquezas naturais. Dilacerada internamente, politicamente instável e economicamente estagnada a maioria dos países do continente africano ainda teve que lidar com as transformações verificadas na vida internacional nas últimas duas décadas do século XX. As décadas de 80 e 90 do último século foram caracterizadas pelo fenómeno que ficou conhecido como Terceira Revolução Industrial. Este processo, verdadeira reestruturação produtiva do capitalismo mundial, se iniciou na seqüência dos choques nos preços do petróleo dos anos 70 e 80 e foi, entre outras coisas, uma resposta dos países industrializados às acções conjuntas dos países do chamado terceiro mundo na negociação de seus produtos no mercado internacional. Orientada, originalmente, pelo interesse no aproveitamento de matérias primas e fontes energéticas alternativas àquelas exportadas pelos países da periferia econômica do mundo, a chamada revolução tecno- científica se realizou através da transição de um padrão de produção industrial - baseado no uso extensivo da força de trabalho e no processamento de insumos orgânicos -, para outro baseado no uso intensivo de força-de-trabalho e da tecnologia e no processamento de insumos já elaborados. Como resultado, toda uma geração de indústrias surgidas quando da chamada Segunda Revolução Industrial, no final do século XIX, foi substituída por outra, alicerçada na automação e na produção de artigos de alta tecnologia. Com isto, acentuou-se a subalternidade econômica dos países africanos no comércio mundial, através da perda de relevância relativa de suas importações, da sobrevalorização dos produtos exportados pelos países industrializados no comércio bilateral, aumentando também o abismo que separa as precárias economias do continente das indústrias do mundo desenvolvido. A participação do continente na economia mundial é, actualmente, inferior a 2%, tendo o volume de sua interação comercial com o restante do mundo declinado 40% no decorrer do período 1980-2000. A dívida externa africana atinge 315 bilhões de dólares, mais que o triplo do total de sua receita anual de exportações. A renda per capita africana caiu 20% desde 1980, passando, na África subsahariana, de US$ 752 a US$ 641. Os investimentos directos estrangeiros na África correspondem a menos de 5% do total obtido pelo Terceiro Mundo. A Organização das Nações Unidas – ONU e a Organização da Unidade Africana – OUA A Organizacao das Nacoes Unidas, tal qual a conhecemos actualmente, é o produto de dois fenomenos historicos fundamentais produzidos no seculo XX: a Segunda Guerra Mundial e o processo de descolonizacao iniciado ao final deste conflito. A Segunda Guerra Mundial ressaltou a urgente necessidade de se criar um organismo mundial destinado a conservacao da paz. A União Africana (UA) surge num contexto diferente. Trata-se de uma fase caracterizada pela eliminação das últimas sobrevivências coloniais no seio do continente — o regime racista da África do Sul, desmantelado em 1994 da pacificação de sociedades dilaceradas por décadas por destrutivas guerras civis, como Angola e Moçambique; dos avanços democráticos materializados na remoção de velhos ditadores do poder como Mobuto e da emersão de novas lideranças regionais, como os dirigentes sul-africanos. Nesta atmosfera estão dadas as condições substancialmente favoráveis para a construção de novos consensos políticos continentais, para uma maior convergência diplomática e cooperação econômica. O papel da ONU na recuperação económica, social e política dos estados africanos A descolonizacao transformou a composicao do organismo instaurado e modificou o equilibrio de opinioes no seio das suas mais representativas instituicoes. O conflito mundial e o processo de descolonizacao estavam ligados e, de facto, a Africa esteve intimamente associada a estes dois episodios da historia planetaria. Os horrores e as destruicoes da Segunda Guerra Mundial haviam preparado a opiniao publica internacional para outra tarefa de pacificacao do mundo, conduzida por um organismo mais representativo que a Sociedade das Nacoes e do qual igualmente esperava-se maior eficacia. A brutalidade da agressao e dos crimes de guerra, a obscenidade e a desumanidade do genocidio cometido contra os judeus e outros povos, a propria amplitude do aniquilamento de vidas e bens, todos estes factores prepararam a comunidade internacional para outra experiencia em escala mundial. Porem, o novo organismo mundial nao deve a sua estrutura unicamente a guerra. Como nos o veremos, ele igualmente carrega a marca da descolonizacao, pois que numerosos paises, anteriormente submetidos ao regime colonial, alcancaram a independencia durante os vinte e cinco primeiros anos da sua existencia. Em 1980, o numero de membros da ONU passara de 51 para 157. A este respeito, as mutacoes incidentes sobre a Africa eram, sem duvida, a ilustracao mais notavel desta evolucao. A Africa saiu, deste modo e progressivamente, da sua condicao de dependencia e de sujeicao, dedicando-se, sobretudo a partir de 1960, a conquistar com confianca e fervor o seu estatuto de continente composto de nacoes soberanas, animado pela vontade de equilibrar as suas relacoes com o resto do mundo. Em 1945, a Africa estava muito mal representada no seio das Nacoes Unidas; esta representacao ocorria, poder-se-ia dizer, simbolicamente, por quatro Estados teoricamente independentes: a Etiopia, a Liberia, o Egipto e a Africa do Sul. Ademais, ela estava ausente na partilha, geografica e proporcional, das cadeiras nao permanentes do Conselho de Seguranca, exigida pelo artigo 23 daCarta das Nacoes Unidas, em seu paragrafo primeiro. O acordo, em vigor desde 1946 no ambito da Organizacao, repartia as cadeiras nao permanentes entre as diversas regioes do mundo, em funcao do seguinte barema: duas para a America Latina, uma para a Europa Ocidental, uma para a Europa Oriental, uma para o Oriente Medio e uma para o Commonwealth. A Africa nao era considerada e somente mais tarde o seria, em 17 de dezembro de 1963, quando a resolucao 1991 (XVIII) da Assembleia Geral far-lhe ia justica, atribuindo a Africa e a Asia cinco das dez cadeiras nao permanentes no Conselho de Seguranca. Com tamanha intensidade permaneceu a Africa em estado de dependencia (de 1945 a 1960) que as Nacoes Unidas estimaram ter, a seu respeito, uma missao de emancipacao e uma responsabilidade de libertacao. Os lacos e os contactos firmados pelas Nacoes Unidas com a Africa eram, consequentemente, relacoes unilaterais e sob certos aspectos paternalistas, na justa medida que derivavam de actos elaborados e decretados por actores externos e estrangeiros, naturalmente levados a confundirem os interesses da Africa com aqueles da comunidade internacional, senao com os seus proprios. Retrospectiva e actualmente, pode se melhor apreender o esquema geral destas relacoes. Desde a sua formacao em Sao Francisco, no ano de 1945, a ONU desempenhou frente a Africa tres papeis principais (compreendendo certo numero de contradicoes): aquele referente a uma potencia imperial colectiva, herdado da Sociedade das Nacoes; outro proprio a um aliado do movimento de libertacao; e um ultimo, relativo a um parceiro no ambito do desenvolvimento. O organismo mundial mostrou-se tao cuidadoso em seu papel imperial (mediante o qual actuou, por assim dizer, como um “proprietario nao residente”) que se tornou dificil dissociar esta atribuicao daquela desempenhada como aliado pela libertacao. Diferentemente das outras potencias imperiais, a ONU aspirava acelerar o ritmo da descolonizacao. Portanto, ela se chocou inumeras vezes com as potencias coloniais, as mesmas que administravam as tutelas em seu nome. Nem sempre foi facil saber com precisao onde terminava o papel imperialista do organismo mundial, no sentido colectivo do termo, e onde comecava o seu papel como aliada do movimento de libertacao. Do ponto de vista do apoio oferecido pela ONU a descolonizacao e a libertacao da Africa, a questao argelina consistiu no maior problema dos anos 1950. Poucas potencias imperiais resistiram com tamanho afinco a perda de uma colonia quanto demonstrou a Franca relativamente a Argelia. E, no entanto, a Franca era membro permanente do Conselho de Seguranca (com direito de veto), alem de aliada dos Estados Unidos da America do Norte, desde 1948, no seio da Organizacao do Tratado do Atlantico Norte (OTAN). Nestas condicoes, quais chances poderia ter a organizacao mundial de apoiar a libertacao da Argelia? Em setembro de 1955, ao longo da decima sessao da Assembleia Geral, os paises afro- asiaticos fizeram uma primeira tentativa no sentido de envolver a ONU com o problema argelino, apresentando-o como uma potencial ameaca a paz mundial. A contribuição da OUA na consolidação dos Estados africanos Com a finalidade de conduzir os esforços conjuntos dos países africanos a um patamar superior, foi criada em Durban, na África do Sul, a 9 de julho de 2002, a União Africana, em substituição à Organização da Unidade Africana, fundada em Adis-Abeba (Etiópia), em 25 de maio de 1963. As tarefas da OUA foram as mesmas da primeira geração de líderes africanos pós-independência e dos condutores dos processos de libertação nacional. Seu objectivo principal consistiu em proporcionar apoio econômico, militar e diplomático aos movimentos de luta pela descolonização, contribuir para sua unidade e divulgação de suas atividades, no que foi, em geral, bem sucedida. Quanto a outros objectivos inscritos na agenda da entidade, quando de sua instauração, os resultados foram, de modo geral, bem mais modestos, a saber: o desenvolvimento de políticas comuns e da cooperação econômica entre os países africanos, a consolidação da influência internacional dos estados do continente, a protecção da soberania, da integridade territorial e da independência dos estados e a coordenação das actividades destes em matéria de política externa, economia, defesa e cultura. Os objectivos da UA não são pequenos, como não é pequeno o tamanho dos desafios que terá de enfrentar. Pretende-se a criação de um Parlamento Pan-Africano, do Tribunal de Justiça, de um Conselho Econômico e Social, de uma força comum de defesa e de um sistema financeiro (Banco Africano, Fundo Monetário Africano, Banco de Investimento Africano). Trata-se de um esforço ambicioso, vertebrado por uma ampla coalizão de governos, a serviço do enfrentamento dos graves problemas elencados anteriormente. A medida em que o mundo se torna cada vez mais assimétrico, excludente e inseguro, em que as próprias economias avançadas promovem a formação de grandes blocos regionais, parece não haver alternativa para as nações africanas a não investir decididamente nesta proposta ser de unificação, capaz de optimizar o aproveitamento das grandes riquezas do continente, fortalecendo sua posição negociadora e estimulando os intercâmbios econômico, científico e cultural entre os povos da região. Acima de tudo, parece ser uma oportunidade absolutamente original de reconciliar a África consigo mesma, com suas belezas e seus defeitos, com seus valores e tradições, com sua riqueza e diversidade. É uma chance de encarar seu passado sem as pressões do colonialismo e das rivalidades interestatais, na perspectiva de uma melhor compreensão de seu complexo presente e ante o horizonte da construção de um grande futuro. A cooperação entre os estados africanos independentes (formação de blocos regionais económicos e militares) A integração regional em Africa e a inserção das economias africanas no espaco global pela via do multilateralismo constituem questões centrais para o continente africano. Porém, o processo de integração regional, iniciado em Africa há cerca de duas décadas, tem-se mostrado decepcionante apesar de alguns progressos pontuais (modestos) ao nível da CEAO, ao mesmo tempo que a parte das exportações africanas nas exportações mundiais tem vindo a decrescer, com a consequente marginalização do continente na economia internacional. Muitos autores viraram-se então para a alternativa proposta pela teoria neoclássica e seu paradigma da extroversão. Todavia, no que se refere aos países africanos, esta opção comporta insuficiências teóricas e, a curto e médio prazos, impossibilidades praticas que não parecem responder à situação que o continente atravessa, independentemente de ser ou não a mais desejável. 0 modelo sofreu entretanto uma erosão, e em diversas partes do mundo anos regista-se, nos últimos anos, um novo interesse pela regionalização, sob as suas diferentes formas, da "Zona de Comércio Preferencial" à "União Económica" . Na Europa, no continente americano, na Ásia e na África as zonas preferenciais concentram as atenções dos homens políticos (Mercado Único, NAFTA, Mercosur, transformação da SADCC em SADC, etc.). o continente africano devera reforçar a vertente da integração regional, sem nunca perder de vista a sua inclusão nas correntes comerciais da economia mundial. A regionalização aparece desta maneira como um meio transitório, uma fase preparatória durante a qual as economias africanas deverão operar transformações radicais, quer no piano económico quer no piano politico. A integração regional é uma condição sine qua non do desenvolvimento africano, mas tudo leva a crer que se trata de uma condição insuficiente a médio e longo prazos. Por seu turno, o continente africano enveredou desde os anos 70 pelas chamadas "Comunidades Económicas",com a criação da CEAO e CEDEAO na Africa ocidental e a formação de outros agrupamentos com objectivos similares. Mas, no essencial a integração proclamada não teve efeitos significativos apesar de algumas realizações pontuais e limitadas, nomeadamente na CEAO. Deixando de lado a questão ainda prematura da "integração vertical", o que a certo e que a formação de zonas preferenciais, vistas como zonas proteccionistas de dimensão regional, não pode ser encarada como um objectivo ultimo que traria, enfim, a "solução" dos problemas africanos. a esperança da Africa esta justamente no caminho do pragmatismo e do compromisso, onde a integração regional poderá construir os fundamentos de uma mais rápida inserção do continente na economia global. Não a de excluir que essa orientação possa conjugar duas formas de integração: horizontal e vertical. Seja qual for a estratégia mais desejável para o desenvolvimento dos países africanos, a evolução dos acontecimentos dependera de dois factores: por um lado, dos resultados obtidos pelo GATT no Uruguay Round; por outro lado, das condições intemas dos países africanos e, em ultima analise, da capacidade politica dos respectivos governos em levar por diante as reformas inadiáveis. Da conjugação das dual vertentes resulta uma outra conclusão mais genérica: a de que a analise do desenvolvimento em Africa já não pode, neste final do século, ser construída, unicamente, nem na visão "introvertida" que caracterizava teorias e politicas económicas nos anos 60-70; nem na perspectiva abstracta da "extroversão" niveladora dos anos 80, que relegava para a outras ciências sociais as diferenças pressentidas. A cooperação entre os estados africanos: Formação dos blocos regionais económicos e políticos na África Ocidental, Oriental, Central e do Norte Os processos de integração no Continente Africano obedecem a uma lógica bastante particular, fruto do contexto histórico e sócio-político no qual foram criados. As temáticas de segurança e construção do Estado estão presentes em grande parte desses processos, especialmente no caso da África Austral. A Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) é um dos casos mais emblemáticos quando se fala em integração securitária na África, tendo em vista sua própria origem, assentada na necessidade dos países da região de fazer frente ao regime do apartheid na África do Sul. A Conferência de Coordenação para o Desenvolvimento da África Austral (SADCC) que, alguns anos mais tarde, viria a se tornar a SADC, tem uma origem histórica bastante significativa e foi antecedida por uma série de organizações que culminaram com a criação dos Estados da Linha de Frente. O contexto do apartheid na África do Sul determinou, em grande medida, a actuação externa dos outros países da região e motivou a união desses países em torno de organizações que visassem a coordenação de políticas contra o regime de segregação racial e de apoio aos movimentos de libertação nacional. Em 1975, os Chefes de Estado de Botsuana, Tanzânia, Zâmbia e Moçambique criam os Estados da Linha de Frente (FLS). Os FLS nascem como um fórum de cooperação entre os Estados, sem ser uma instituição formal, com o objectivo de coordenar políticas em apoio aos movimentos de libertação nacional e reduzir a dependência dos países da região em relação à África do Sul. Com a independência de Moçambique, Angola e Zimbábue, os Estados da Linha de Frente perceberam a necessidade de tratar, também, das questões económicas na região. Em 1979, o Presidente da Tanzânia, Julius Nyerere, convoca uma reunião consultiva na cidade de Arusha, Tanzânia. Na ocasião, os membros dos FLS reuniram-se para debater a possibilidade de uma aliança económica entre eles. Em Abril de 1980, a SADCC é formalmente criada, através do Protocolo de Lusaka. Enquanto os Estados da Linha de Frente coordenavam esforços para apoiar os movimentos de libertação nacional e resistir às agressões da África do Sul, a SADCC tentava reduzir a dependência económica desses países em relação à Pretória (MURAPA, 2002). É importante deixar claro, assim, que a organização dos Estados da Linha de Frente não foi transformada na SADCC, as duas continuaram coexistindo. O momento histórico no qual a SADCC é criada, bem como o histórico de organizações que a antecede, torna bastante clara a existência de uma trajectória de cooperação política-securitária que antecede a cooperação económica. Como é sabido, o início dos anos 90 foi palco de mudanças em todo o sistema internacional, com o fim da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética. Na África, em específico, concretizou-se o fim da batalha anticolonial e a abolição do regime do apartheid na África do Sul. Os problemas políticos e de segurança, desta forma, alteram-se, e surge uma oportunidade para maior colaboração regional nessas áreas. É nesse contexto de mudança e novas possibilidades que, em 1992, os Chefes de Estado da SADCC assinam a Declaração e o Tratado de Criação da Comunidade para Desenvolvimento da África Austral, a SADC, conhecida como declaração de Windhoek, cidade da Namíbia onde ocorreu o encontro. Nesse momento, passam a fazer parte da SADC, Angola, Botsuana, Lesotho, Malawi, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Em Agosto de 1994, a África do Sul, após o fim do regime do apartheid e a vitória eleitoral do Congresso Nacional Africano, ingressa na SADC. Quatro anos mais tarde, durante o encontro de Blantyre, são admitidos a República Democrática do Congo e Seychelles. Em 1995, havia ingressado Ilhas Maurício. O último membro a ingressar na SADC foi Madagascar, na Cúpula do Jubileu de Prata da SADC, em 2005. Como é sabido, o início dos anos 90 foi palco de mudanças em todo o sistema internacional, com o fim da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética. Na África, em específico, concretizou-se o fim da batalha anticolonial e a abolição do regime do apartheid na África do Sul. Os problemas políticos e de segurança, desta forma, alteram-se, e surge uma oportunidade para maior colaboração regional nessas áreas. É nesse contexto de mudança e novas possibilidades que, em 1992, os Chefes de Estado da SADCC assinam a Declaração e o Tratado de Criação da Comunidade para Desenvolvimento da África Austral, a SADC, conhecida como declaração de Windhoek, cidade da Namíbia onde ocorreu o encontro. Nesse momento, passam a fazer parte da SADC, Angola, Botswana, Lesotho, Malawi, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábwe. A crise económica dos anos 80 e a emergência do Programa de Reajustamento Estrutural em África A crise económica dos anos 1980: características Situação africana entre 1960 e os anos 80 É conveniente relembrar antes de mais a grande diversidade do continente africano, mesmo se apenas nos referirmos à zona subsariana. Do ponto de vista da população, só seis países têm população superior (em 1982) a 15 milhões de habitantes: Etiópia, Quénia, Nigéria, Sudão, Tanzânia e Zaire. Vinte e quatro têm menos de 5 milhões e doze menos de 1 milhão. As dimensões dos mercados internos nacionais condicionam desde logo as políticas económicas e o desenvolvimento desses países. Diferentes em tamanho, são-no também em recursos disponíveis, na localização (uns na floresta tropical húmida, outros na savana ou no interior semi-árido; uns com acesso ao mar, outros ainda enclavados no continente) ou na estrutura social. Existe contudo um certo número de características comuns: 1. A maioria das economias africanas é aberta e o comércio externo representa certa de 25% do PIB. São economias especializadas essencialmente na agricultura e geralmente tributárias de dois ou três produtos de base. O essencial da população activa está ligada à agricultura (raramente menos de 70%) e a agricultura de subsistência fornecemetade ou mais da produção agrícola total. 2. O fraco nível de instrução e as fortes taxas de fecundidade que se traduzem em taxas de crescimento natural de cerca de 3%, as mais elevadas do Terceiro Mundo. Em 1940 a África contava com 200 milhões de habitantes, em 1970 com 270 milhões e em 1980 com 359 milhões. Calcula-se que no fim deste século ela poderá atingir, segundo as estimativas, de 700 a 900 milhões de pessoas, o que, dada a penúria alimentar e as fracas perspectivas de desenvolvimento actuais, torna esta questão preocupante. 3. A profunda crise económica do continente, não deve todavia fazer esquecer os resultados positivos que foram conseguidos neste quarto de século. 4. Nos recursos humanos, por exemplo, a percentagem de crianças escolarizadas (em relação ao total escolarizável) passou entre 1960 e 1980, no ensino primário, de 36% a 63%, no ensino secundário de 3% a 13% e no ensino superior de praticamente 0 a 1 %5. Do mesmo modo a esperança de vida à nascença, principal indicador do estado de saúde geral, passou de 39 a 47 anos e a taxa de mortalidade infantil desceu de 38 para 25%. 5. As infra-estruturas (portos, caminhos de ferro, estradas e construção civil) registaram em muitos casos importantes melhoramentos. 6. No período pós-colonial certos países conheceram guerras ou crises profundas e traumatizantes, é conveniente sublinhar que os exemplos de transição pacífica e de harmonia étnica são igualmente numerosos. O desenvolvimento africano depara, sobretudo desde os anos 70, com crescentes dificuldades económicas. Os obstáculos a esse desenvolvimento são, a nosso ver, de ordem externa e interna. Certos autores põem, o acento exclusivo sobre um ou outro desses aspectos, esquecendo uns que no quadro de mundialização crescente da economia o contexto internacional condiciona cada vez mais directamente a vida de cada país, e ignorando outros que apesar disso é indispensável ter em conta as características próprias de cada estrutura social que não é apenas o mero reflexo do exterior. Há por conseguinte interacção entre os elementos internos e externos e só os separamos por comodidade da exposição. Os factores de origem externa ou em estreita relação com o exterior são igualmente determinantes em muitos aspectos: degradação das balanças de pagamentos e respectivo crescimento em flecha da dívida externa, deterioração dos «termos de troca» para muitos produtos africanos, em particular os minérios que, nos anos 70, se degradaram de 7,1 % por ano, embora durante o mesmo período os produtos agrícolas tivessem conhecido uma evolução favorável. No conjunto, os países africanos importadores de petróleo conheceram uma variação desfavorável dos termos de troca na década de 70 de —1,5% por ano e de 1980 a 1982 de —4,7% por ano. Contudo, a principal causa de agravamento dos défices da balança comercial durante a década de 70 não parece ter sido apenas a deterioração dos termos de troca, mas sim, em relação à década anterior, a diminuição do volume das exportações. Se esse volume tinha aumentado a uma taxa de 5,3% por ano de 1960 a 1970, no período de 1970-1980 acusou uma diminuição anual de — 1,6% no conjunto dos países africanos ao sul do Sahara. Do mesmo modo se a parte da África nas exportações do Terceiro Mundo (com excepção dos combustíveis) era em 1960 de 18%, em 1978 essa percentagem tinha descido para 9,2%. Tal situação liga-se em parte ao facto de a África, mais do que qualquer outra região, estar essencialmente dependente de um número restrito de produtos primários, produtos que, no plano mundial, viram o seu comércio desenvolver- se mais lentamente do que os produtos manufacturados. É enfim corrente sublinhar que as novas teorias proteccionistas, e sobretudo as restrições comerciais impostas pelos países industrializados em crise, teriam dificultado a colocação dos produtos africanos nos mercados europeus em particular. Porém, essas restrições afectaram essencialmente produtos agrícolas de climas temperados e bens manufacturados em que a África não tem uma produção significativa. Por outro lado, os acordos de Lomé, sejam quais forem ainda as suas insuficiências, permitiram aos produtos africanos beneficiar de uma situação preferencial que minimizou as dificuldades eventuais. Não foram portanto os mercados externos que nos anos 70 se fecharam aos produtos africanos, mas sim a parte das exportações deste continente que diminuiu, quer em relação às exportações dos países em desenvolvimento, quer em relação às exportações mundiais. Segundo o Banco Mundial, três factores explicam esses maus resultados: o abandono a que foi votada a agricultura pelos governos africanos, o crescimento da população que reduziu o excedente exportável e a rigidez das economias africanas, que as impediu de se diversificar e de entrar em novos mercados em expansão. As dificuldades crescentes da África subshariana resultam num quadro sombrio que se projecta senão até ao fim do século pelo menos sobre toda a década de 80. A discussão em torno das causas internas ou externas ou da sua convergência, bem como das propostas de soluções para o desenvolvimento africano, será particularmente viva nos grandes balanços internacionais elaborados a partir de 1980, o primeiro dos quais será o «Plano de Acção de Lagos». Os Programas de Reajustamento Estrutural implementados em África: características A partir ,do início dos anos 80, vários países da Africa subsahariana empreenderam programas de ajuste visando a reduzir distorções econômicas e desequilíbrios financeiros, em face de crescentes pressões internas e externas. Os programas procuravam atingir, a médio prazo, uma taxa sustentável de crescimento econômico, compatível com estabilidade de preços relativos e um posicionamento viável do sector externo. Esses esforços ganharam impulso recentemente, e os países que persistiram em seus programas de ajuste fizeram progressos econômicos significativos. O Fundo Monetário Internacional, em estreita colaboração com o Banco Mundial, apoiou de perto esses esforços, prestando orientação e assistência técnica e financeira, e actuando como catalisador dos fluxos de recursos internacionais. O continente africano tem pela frente um enorme desafio nos anos 90 no que tange a seu objectivo de melhorar o padrão e a qualidade de vida de sua população. Os progressos recentes obtidos por alguns países no tocante a algumas de suas dificuldades mais prementes puseram em evidência os problemas estruturais mais graves e mais profundos a serem enfrentados na próxima década. Além disso, é preciso que vários outros países também empreendam esforços de ajuste. Do mesmo modo, para a região como um todo, faz-se necessário fortalecer o processo de ajuste para atingir o cerne dos problemas estruturais; perseverar nos esforços de ajuste; e fazer com que mais países adoptem programas de reforma estrutural. Crescimento e ajuste O crescimento econômico é um objectivo central, mas sua sustentabilidade depende da manutenção da estabilidade financeira interna e externa. Assim, o facto de se dar maior ênfase às políticas estruturais em nada diminui a importância de políticas adequadas de controle da demanda. Quando há uma pressão excessiva da demanda, refletida numa inflação interna alta, a poupança e o investimento são desestimulados, o que leva à queda do crescimento da produção. Além disso, essas pressões da demanda se fazem ·sentir em desequilíbrios externos persistentes, que, por sua vez, contribuem para uma supervalorização da moeda e para a escassez de divisas. Daí resultam distorções de preços e restrições à importação de produtos intermediários vitais e bens de capital que prejudicam as indústrias de exportação e de similares nacionais, em detrimento do crescimento econômico, Assim sendo, o ajuste não pode ser meramente estrutural ou financeiro,
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