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História da Psicossomática

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HISTÓRICO 
Psicossomática – termo cunhado no século XIX relacionado a 
condições como insônia, tuberculose, epilepsia e cancro (câncer). 
A história da psicossomática pode ser dividida em 2 grandes 
correntes: 
- correntes inspiradas na psicanálise 
- correntes de inspiração biológica, alicerçada no conceito de 
estresse 
(Dantzer, 1989). 
 
Mello-Filho (1992) aponta a evolução da psicossomática 
abrangendo 3 fases distintas: 
1) Fase inicial/psicanalítica (interesse voltado para estudo da 
origem inconsciente das doenças – início século XIX) 
Alicerçada nos trabalhos de Freud sobre mecanismos de 
conversão. Embora Freud nunca tenha falado de fato sobre a 
psicossomática, ele não tinha como explicar na época como uma 
paralisia surgia sem nenhuma evidência de alteração ou lesão 
anato-patológica. 
O corpo serviria de expressão de um conflito inconsciente. 
Para Freud, existe uma interação entre psique e soma, que 
proporcionava aos “processos psíquicos inconscientes uma saída 
corporal”. 
 
2) Fase intermediaria (influenciada pelos estudos de Pavlov e 
fisiologistas como Bernard, Cannon e Selye – início século XX) 
2.1. Escola Psicossomática Americana 
Estados Unidos: interesse pela psicossomática surge por volta 
de 1930. 
1929 – Cannon propõe conceito homeostase: qualquer 
estímulo, inclusive psicossocial, que perturba o organismo, perturba 
a sua totalidade. 
O movimento da Escola Psicossomática Americana vai se 
consolidar dos trabalhos de Alexander (1952) que propunha que 
fatores psicológicos causam e predispõe vários estágios 
patológicos. Para ele, o sintoma conversivo é uma expressão 
simbólica de um conteúdo “psicológico emocionalmente definido, 
cuja finalidade é expressar e aliviar tensões”. 
 
 
 
O alívio das tensões ocorreria através dos sistemas 
neuromusculares voluntário (lisa – gastrite, dermatite, rinite, 
bronquite...) e perceptivo. 
 
Teoria da especificidade (especificidade orgânica que é 
responsável pela fragilidade de determinados órgãos) 
Essa especificidade orgânica aliada a determinados conflitos 
psíquicos poderia levar ao aparecimento de determinadas doenças. 
1956 – Hans Selye propõe o conceito de estresse e Síndrome 
Geral de Adaptação: ideia de como o corpo se modifica sob 
condições desfavoráveis – dirige os estudos para uma etiologia 
multifatorial das doenças. 
O corpo utiliza os sinais e sintomas sinalizando o adoecimento. 
 
2.2. Escola Psicossomática Francesa 
Em oposição à escola americana, no final dos anos 1950, a 
França inicia a investigação em psicossomática com os trabalhos 
dos psicanalistas Marty e M’Uzan. 
Analisando a vida de pacientes psicossomáticos, perceberam 
que possuem uma vida onírica precária, pobreza simbólica e pouca 
capacidade de elaboração psíquica. Trata-se de um pensamento 
aprisionado ao concreto e à orientação pragmática. 
 
2.3. Escola de Boston e o conceito de Alexitimia 
1972 – Nemiah e Sifneos, analistas americanos, atentaram 
para a dificuldade de alguns pacientes psicossomáticos em 
expressar ou descrever emoções através da palavra. 
Perceberam nítida diferença entre a maneira de se 
comunicar entre pacientes psicossomáticos e neuróticos: 
- Neuróticos se queixam de sintomas emocionais e dificuldades 
psicológicas nas sessões. Conseguem fazer ligação entre o 
sofrimento emocional e o sintoma no corpo. 
- Alexitímicos davam maior importância aos sintomas 
somáticos (doenças corpóreas); os pensamentos são voltados para 
o mundo exterior em detrimento do mundo interior. 
 
Há então um funcionamento que, embora diferentes, andam 
em conjunto. O pensamento operatório está no concreto, já o 
Alexitímico é incapaz de descrever um estado interno (ex: medo, 
ansiedade, raiva...). Ambos podem vir juntos. 
 
PSICOSSOMÁTICA 
3) Fase atual ou multidisciplinar (interdisciplinar, segundo a 
Vanessa): incorpora aspectos socio-culturais na etiologia da 
doença – todo ser humano é um ser humano biopsicossocial. 
Se ele adoece por estresse, pelo lugar que ele vive 
(marginalidade, esgoto a céu aberto, etc) se fala de uma doença 
psicossomática. 
1981 – Ader marcou o início de uma nova abordagem 
multidisciplinar com a publicação de seu artigo: 
 
Psiconeuroimunologia: áreas que explora interações entre 
psíquico, sistema nervoso central e sistema imune e endócrino. 
Tálamo envia comandos para o hipotálamo que envia sinais para 
hipófise que envia comandos para as glândulas liberar hormônios. 
Nesta fase também são retomados conceitos de como o 
ambiente sociocultural pode influenciar na saúde e na doença. (Ex: 
controle do mosquito da dengue) 
Damásio (2004): homem é um organismo integrado e singular, 
“onde pensamentos desencadeiam emoções e estas, modificações 
no corpo”. 
 
PSICOSSOMÁTICA HOJE 
Mente X Corpo 
Visão dividida do homem. 
Muitos acreditam em um corpo que AGE e uma cabeça 
constituída por uma mente que SENTE. 
 
Especialização (fragmentação) conhecimento: 
Medicina: trata o ser humano como “mula sem cabeça”. 
Psicologia Clínica: vê o homem como um “fantasma”, que possui 
um psiquismo e que predomina sobre o corpo. (Rodrigues, 2000) 
Esse diálogo vai permitir a construção de novas informações 
e intervenções sobre o ser humano e o processo de adoecer. 
Psicossomática 
“Somos seres psicossomáticos” (Debray, 2001) fim 
da dualidade psique/soma ou mente/corpo. 
Toda doença é psicossomática porque incide em um ser 
provido sempre de soma e psique, inseparáveis, anatômica e 
funcionalmente. (Mello Filho, 1978) 
É uma palavra que designa a interface entre processos 
somáticos e psicológicos e que não deve ser utilizado no sentido de 
causalidade, mas no sentido de relações complexas que se dão 
entre mente e corpo. 
Doenças enunciam dificuldades do organismo em se ajustar a 
mudanças do ambiente interno e/ou externo. 
O adoecer, portanto, não deve ser visto do ponto de vista 
causal (seu filho “fez” febre/câncer...), mas como uma 
representação ou resposta do organismo. 
O indivíduo está em relação recíproca com outras 
pessoas, faz parte ativa de uma microestrutura familiar que está 
inserida na macroestrutura social, engajado na resolução de 
problemas referentes à sua existência no mundo. 
 
Da emoção ao sintoma 
Desde que o sujeito está inserido no mundo e se vê 
inserido no contexto das relações, vive conflitos, que é um estado 
de incongruência cognitiva. É querer algo e não poder fazer ou não 
querer fazer algo e ter que fazer. Oposição entre duas forças 
muito grandes entre desejo X prescrições morais. 
Esses estados de conflitos geram sensações de 
desconforto que desencadeiam processos emocionais. À medida 
que o sujeito vai se inserindo na cultura, isso tende a se repetir 
com mais frequência. 
Querer algo e alguém ou cultura impor que não pode/não 
deve, ou vice-versa, gera mobilização de afeto. 
Qual a relação que temos entre as emoções e as 
alterações fisiológicas? 
A emoção e alterações fisiológicas são processos que 
devem ser considerados separados, sendo um resultado do outro? 
A elevação da pressão arterial pode ocorrer sob a 
influência da raiva; é um componente fisiológico de um fenômeno 
complexo (Alexander, 1989). Então, não se trata de modificações 
fisiológicas produzirem modificações nos processos mentais. 
Alterações no nível do corpo ocorrem em termos fisiológicos e 
funcionais concomitantemente. Estados/alterações afetivas 
ocorrem simultaneamente a alterações funcionais nos órgãos. 
Estes se modificam conjuntamente (Pontes, 1980). 
Quando a mobilização de afeto é gerada, essa emoção 
busca forma de expressão por meio da linguagem. Se a expressão 
da emoção é bloqueada (normalmente por questões 
ideológicas/culturais): esta se expressa de forma de doença (via 
indireta). Desenvolve uma série de processos em SNC que faz com 
que aquele desconforto se manifeste de forma de doença. 
Se a interpretação gerou mudança no tônusafetivo, 
gerando um incomodo/desconforto, há ativação de algumas 
estruturas, principalmente ativação do eixo neuroendócrino e 
secreção de alguns hormônios. Em termos de resposta afetiva, há 
ativação de estruturações do sistema límbico. O mesmo ocorre 
com o tônus funcional dos órgãos (motilidade, secreção, circulação 
sanguínea da mucosa ou pele). 
A situação de conflito (geradora de emoção) é suficiente 
para originar transtornos funcionais (fisiológicos). A persistência 
dessa condição altera o funcionamento celular, acarretando lesões 
orgânicas (Pontes, 1980). 
 
As alterações no nível somático (decorrente da emoção) 
pode resultar na alteração da fibra muscular lisa que reveste 
vários órgãos e quando as perturbações ocorrem na motilidade: 
- Disfunções motoras no nível do aparelho digestivo; 
vômitos, diarreia, prisão de ventre; síndrome hipoestênica 
(disfunções do aparelho gastrointestinal) 
- Disfunções do aparelho respiratório: asma, bronquite 
- Disfunções do aparelho circulatório: hipertensão, 
enxaqueca, cefaleia tensional 
- Disfunções da pele: dermatites, eczemas, pruridos 
(coceira) 
 
Quando a disfunção é secretora, manifesta-se não só na 
produção de muco, mas também na produção de secreção 
endócrinas: 
- Alterações na produção de hormônios do aparelho 
digestivo, secreção gástrica, pancreática e biliar 
A disfunção na irrigação sanguínea nos órgãos pode 
ocasionar diminuição da resistência da mucosa a outros agentes 
agressivos – hemorragias e ulcerações. 
As alterações dessas 3 funções parciais ocorrem em 
combinações múltiplas, ao saber das mais variadas situações da 
vida e em variados graus: raiva, sentimentos de hostilidade, medo, 
dor (mal-estar), fome, humilhação, depressão, desesperança, 
tristeza, etc. 
Os sintomas são tentativas do organismo se ajustar. 
Enquanto ele tentar se ajustar, é visto como algo bom. 
 
A Medicina psicossomática – estuda relação dos 
processos mentais e corporais com ênfase na explicação da 
patologia somática (orgânica) (Alexander, 1989). 
Também se revela restritivo estudar a emoção em si; só 
poderemos entender o processo considerando o ser humano na 
interação com seu ambiente físico e psicossocial. 
Sabe-se que agentes estressores ambientais são tão 
potentes quanto microorganismos ou a insalubridade no 
desencadeamento de doenças. 
 
ALEXITIMIA E PENSAMENTO OPERATÓRIO 
Autores franceses e americanos encontraram 
características comuns e frequentes durante acompanhamento 
de pacientes definidos como psicossomáticos (que apresentavam 
quadros clínicos e nenhuma explicação biológica). Encontraram uma 
forma peculiar de pensamento e manejo de emoções. 
Marty e Múzan (1983) postularam a hipótese de uma 
estrutura psíquica, que não se encaixaria em nenhuma das 
estruturas neurótica, psicótica e perversa: Pensamento 
Operatório. Essa proposição não vingou muito. 
Sifneos (1983) assinalou que tais pacientes apresentavam 
dificuldades em descrever suas emoções e consequentemente até 
mesmo senti-las/vivenciar as emoções. 
Este autor criou o termo alexitimia: (do grego) 
A= ausência 
LEXIS= palavra 
TIMIA= ânimo, emoção 
Ausência de palavras para nomear e descrever emoções. 
A alexitimia e o pensamento operatório são termos 
amplamente utilizados. Deve-se ressaltar que estas características 
também são encontradas em outros paciente: a frequência é 
significativamente maior nos psicossomáticos. 
A clínica nos mostra que a característica dos pacientes 
operatórios, é muito comum em indivíduos que tem pouca 
capacidade de reflexão. Mas será que a pessoa realmente não tem 
capacidade de reflexão e descrever emoções ou porque nunca 
tiverem a oportunidade de estimulação a descrever emoções e 
sentimentos? 
 
Pensamento Operatório: pessoas que investem intensamente 
na realidade externa (pouca capacidade de simbolização, 
excessivamente pragmático, voltado para o concreto). 
Le Shan (1994) – pesquisa com pacientes com câncer: “todos 
davam a impressão de possuir maior energia emocional do que 
formas para manifestá-las”. Há afeto em sua vivência, mas muito 
provavelmente esse sujeito não encontra formas adequadas a 
demonstrar esse aspecto. 
A ausência de formas de expressão para as emoções e a 
incapacidade de manifestá-las afetavam os pacientes de duas 
formas: 
1- Eram incapazes de dar vazão (expressar) seus 
sentimentos; de deixar que os demais soubessem quando 
estavam magoados, zangados ou hostis. 
Ficava claro que pacientes com câncer, nas mais variadas 
situações, sentiam dificuldade para demonstrar raiva ou 
agressividade em defesa própria. 
2- Sempre achavam que o outro é que estaria certo e não 
protestavam. 
O sujeito que manifesta sintoma, ainda é uma tentativa de 
adaptação (na maioria dos casos). 
 
Para os pacientes Alexitimicos e Operatórios, essa dificuldade 
de expressar afeto e capacidade de reflexão faz com que eles 
tenham com mais frequência sintomas psicossomáticos. 
Pensamento Operatório trata o tempo dentro de limites 
preciosos e curtos; se liga somente a coisas concretas (pouca 
simbolização) e vê no médico uma figura que vai resolver seus 
problemas articulando-os com o real, de forma concreta, como se 
fosse um operador. 
 
Cuidado para não realizar correlações diretas entre 
características alexitímicas e psicossomáticas: pessoas com 
manifestações somáticas podem não apresentar características 
alexetímicas. Assim como os alexetímicos, são vistos sem indícios 
de manifestações somáticas (Nemiah, Freyberger e Signeos, 1976). 
 
Kristal (1973) coloca que o termo infans (de infância), do latim, 
significa “que não pode falar ainda”. É o meio ambiente 
(mãe/cuidadores) que nomeia os afetos do filho no início. 
Muitas vezes os pais criticam ou deixam dúvida quanto ao 
afeto da criança – lhe indicam o que deve ou não sentir, ou mesmo 
proíbem de sentir. 
O adulto alexitímico funciona como a criança não verbal, no 
que se relaciona a seus afetos. Não sabe medir seus afetos, 
ficando prejudicada. 
Nos operatórios ou alexitímicos, pensa-se que a família 
também seria alexitímica. Se esse alexitímico não teve referência 
em distinguir seus sentimentos e afetos, provavelmente ele 
cresceu em um ambiente o qual tinha essas características 
também. 
 
Sifneos e Nemiah (1974) levantaram a hipótese de que estes 
pacientes teriam uma predisposição biológica em dois níveis: 
- Nível central – neurológico: caracterizado por anormalidades 
morfológicas ou neuroquímicas no sistema límbico (que gera e 
modula emoções); 
Nem todos alexitimicos e operatórios são necessariamente 
psicossomático. 
- Nível periférico – visceral (simpático e parassimpático): 
caracterizada por alterações hormonais ou funcionais, sem as 
quais os estados psicossomáticos não apareciam. 
Sistema nervoso periférico > as entradas são sensoriais e 
saídas são viscerais. 
No sistema nervoso periférico tem um componente sensorial 
(entra no Sistema Nervoso Central) e um componente visceral (sai 
do Sistema Nervoso Central). Eles entram e saem dos nossos 
órgãos. Exemplo: o coração tem um componente sensorial que 
entra nele, e um componente visceral que sai do coração. 
 
A diferença entre um pensamento (sentimento) e uma 
emoção, do ponto de vista em ativação no corpo: quando nosso 
corpo muda, houve uma ativação da emoção – sistema nervoso 
simpático (ex: raiva, o coração bate mais forte, ativa secreção 
visceral). 
Por conta de uma deficiência visceral o sujeito não consegue 
descrever. 
 
O Operatório é aquele sujeito pragmático, que tem o 
pensamento muito voltado para o concreto, pouca capacidade de 
simbolização, pouca vida onírica... Normalmente ele é alexitimico, 
porque ele tem dificuldade em identificar seus afetos. 
O Alexitimico tende a ter dificuldade importante nas 
verbalizações e expressões de afeto. É aquele sujeito que não só 
tem dificuldade para falar o que estão sentindo,mas também para 
descrever/nomear. Nem todos são operatórios. 
Por que ele tem dificuldade em expressar suas emoções? 
Uma possibilidade está no SNC na questão de alterações 
morfológicas em sistema de neurotransmissão. Há uma dificuldade 
da expressão/reconhecimento do afeto/emoção, portanto, o 
corpo dele não muda. Esse problema em nível visceral impediria a 
ativação corpórea das emoções, que um estado emocional produz. 
 
Comum aparecer junto = operatório + alexitímico 
Comum aparecer isolado = alexitímico 
-- 
Processo de somatização e seus padrões de atribuição 
O paciente somatizador tende a ser ignorado/rejeitado, 
porque ele frequenta muito os serviços de saúde. São vistos como 
“pacientes-problema”, “poliqueixosos” e não são considerados 
verdadeiros doentes. 
Somatização é o processo onde diversos fatores e 
mecanismos interagem para o surgimento de queixas físicas 
(sintomas) sem a presença de alterações anatomopatológicas. 
Quando o indivíduo se vê diante de uma sensação 
somática a normal, este pode considerá-la como tendo uma de três 
distintas origens: 
• Sujeitos chamados de normatizador, de origem nas “coisas da 
vida”: ele considera que alguma coisa na rotina normal causou 
a sensação anômala no corpo dele. 
• Sujeitos chamados de somatizadores, de origem do próprio 
corpo: ele explica a sensação anômala que ele teve no corpo 
como causa de uma alteração orgânica digna de uma 
investigação. 
• Sujeitos chamados de psicologizador: ele explica os sintomas 
com base nos sintomas emocionais como origem. 
 
O somatizador vai ser somente um padrão de explicação e não 
uma tentativa de adaptação!!!! 
 
Como os fenômenos Ilness e Disease se relacionam à 
psicossomática 
Eisenberg formulou os seguintes conceitos abaixo, 
originados na antropologia médica, que foi utilizado por Helman em 
2005: 
• Disease (doença – disfunção que ocorre no organismo) 
• Ilness (adoecimento – experiencia subjetiva que cada um vive, 
repercutindo nas relações sociais) 
A diferença entre os dois conceitos resume grande 
parte das dificuldades na relação médico-paciente. 
Para que se estabeleça um vínculo terapêutico realmente 
eficaz, deve-se cuidar da pessoa que adoeceu e não da sua doença. 
Porem, para cuidar da pessoa que adoeceu é preciso olhar para o 
processo de adoecimento. 
A grande dificuldade é que as queixas físicas são 
reconhecidas como legítimas pelos familiares e profissionais da 
saúde, enquanto as queixas psicológicas não encontram o mesmo 
grau de aceitação. 
Segundo Goldberg, Garcia e Kirmayer, existem as 
seguintes formas de apresentação do sofrimento emocional na 
busca de cuidados: 
• Pacientes psicologizadores: apresentam queixas psicológicas 
na consulta; padrão geralmente associado ao diagnostico mais 
rápido do problema por parte dos profissionais. 
• Pacientes somatizadores: apresentam queixas somáticas nas 
consultas. 
São divididos em: 
➢ Opcionais ou de apresentação: 
o Geralmente agudos, muitas vezes sem 
transtorno psiquiátrico associado (como 
ansiedade ou depressão) 
o Facilmente reconhecem a origem psíquica de 
suas queixas quando o sofrimento emocional é 
abordado na consulta; 
o Tem pouca adesão ao papel de doente 
o Praticamente nenhum ganho secundário 
estabelecido 
o Pequeno comprometimento funcional e social 
➢ Verdadeiros: 
Geralmente as queixas ocorrem em associação com 
transtornos psiquiátricos: 
o Correspondem as síndromes ditas funcionais 
(fibromialgia, colón irritável, fadiga crônica, 
entre outras) 
o Demonstram grande adesão ao papel de 
doente (normalmente há ganho secundário) 
o Geralmente negam a presença de qualquer 
queixa de sintomas psicológicos (porque não 
conseguem fazer a conexão entre sintomas 
psicológicos e somáticos) 
o Apresentam curso crônico com grande 
comprometimento funcional, social e laborativo 
 
Diante disso, Lipowsky coloca que a somatização se 
refere à: 
o Presença de sintomas físicos sem explicação médica 
o Os sintomas não apresentam substrato 
anatomopatológoco que os justifiquem 
o Verifica-se que os sintomas estão associados a 
sofrimento psicológico e ate mesmo a transtornos 
mentais – pode ocorrer dessa associação não ser 
reconhecida pelo paciente 
o Levam a busca de tratamento médico com uma 
demanda de cuidado para a sua solução 
Ex: na fibromialgia, como na maioria das síndromes 
funcionais, não se detecta lesão específica. O 
sintoma não é a dor, embora para o paciente seja. 
O sintoma é o processo inflamatório. 
Mas estudos já consideram alterações fisiopatológicas 
que aparecem envolver alterações neuroquímicas e processos de 
hipersensibilização neuronal: 
o Hipersensibilização neuronal: anormalidades no 
sistema aferente envolvido no processamento de 
informações sensoriais – ampliação de estímulos. 
o No caso da fibromialgia, parece haver também 
diminuição da atividade descendente inibitória 
córtico-espinhal e alterações nos níveis de 
serotonina e noradrenalina. 
 
Psicoimunologia e doenças psicossomáticas 
Quando o sujeito está sob estresse crônico, o eixo 
neuroendócrino será ativado. O hipotálamo secreta o hormônio CRH 
(corticotrófico) que irá agir na hipófise liberando o hormônio ACTH 
(adrenocorticotrófico, alimentando o córtex da adrenal). O 
hormônio ACTH vai agir nas glândulas adrenais (na parte externa) 
secretando cortisol. 
Com uma interpretação de ameaça (pq o sujeito está sob 
estresse), a amígdala vai enviar um sinal para todas as estruturas 
do SNC e o hipotálamo vai secretar CRH, precursor adrenal. Será 
estimulado então, a hipófise a liberar hormônio 
adrenocorticotrófico na corrente sanguínea. Quando o hormônio é 
liberado na corrente sanguínea, ele chega nas adrenais para fazer 
o córtex das glândulas adrenais liberar cortisol. 
Então, os estressores psicológicos e vivenciais são mais 
poderosos e potentes na ativação do SNS e eixo HHA. 
Temos 2 tipos diferentes de resposta: 
• Resposta imediata/aguda ao estresse: a hipófise vai estimular 
a medula (parte interna da adrenal) a liberar adrenalina, sob a 
influência de citocinas, servindo de sinalização inicial e 
consequentemente inflamação (é aí que acontece a 
estimulação do sistema imune – daí os clássicos sinais de dor, 
rubor, turgor e calor, febre e lassidão). 
• Resposta prolongada ao estresse: há uma mudança de padrão 
– quando o sujeito é exposto de forma prolongada a 
estressores, seja real ou fruto de interpretação, mas de 
forma crônica, sai de um padrão que desloca a homeostase o 
tempo todo desse indivíduo, ocorrendo a ativação do sistema 
de defesa que está no encéfalo. Esse sistema de defesa é 
composto pela amigdala e pelo hipocampo, que passa a ativar 
cronicamente a hipófise, que passa a estimular cronicamente 
o córtex da adrenal a produzir cortisol (hormônio do estresse). 
Pensamentos e emoções são produtos de atividade física 
do encéfalo. Se os pensamentos e a evocação de afeto é produto 
de atividade física do encéfalo, quando interpreto um contexto 
como ameaçador, meu sistema de defesa acende a sirene da 
amigdala enviando mensagem de alerta para todo o encéfalo. A 
amigdala também envia projeções ao córtex atribuindo significado 
às coisas. 
 
 
 
Sistema imune 
Se um micro-organismo penetrar no organismo (através 
do sistema respiratório, digestório e/ou dermatológico), este é 
transportado do líquido intersticial (líquido extracelular – citosol) 
pelos vasos linfáticos até o linfoide para ser destruído (pela 
fagocitose, liberando enzimas no micro-organismo degradando-o). 
 
Tipos de linfócitos: 
• Linfócitos T (células T – três tipos): 
o Linfócitos Th (linfócitos auxiliares – do inglês helper): 
auxiliam na produção de anticorpos pelos linfócitos 
B; atuam também no que diz respeito a rejeição de 
transplantes. 
 
o Linfócitos T citotóxicos (eliminam as células que 
estão em processo de degradação): reconhecem 
antígenos (proteínas) em células infectadas e as 
matam. 
 
o Linfócitos T regulatório ou supressor:limitam a 
ativação de outros linfócitos, prevenindo atividade 
autoimune, das doenças autoimunes. 
 
• Linfócitos B (células B). 
 
Sistema imune e sistema neuroendócrino 
Linfócitos Th são divididos em Th1 e Th2: 
• Linfócitos Th1: são importantes por promover reação 
inflamatória que é benéfica para o início da resposta imune. 
Liberam citocinas (sinalizadoras) que ativam os macrófagos 
(células que fazem fagocitose), estimulando a ingestão e 
morte de micro-organismos. 
Sem resposta inflamatória inicial, nosso sistema imune não 
vale de nada. 
 
• Linfócitos Th2: liberam citocinas que induzem a produção de 
anticorpos (principalmente o IgE). 
 
 
A regulação do SNC sobre o sistema imune se estabelece 
principalmente pela resposta hormonal de liberação de 
gicocorticóides. 
O cortisol é o regulador do sistema imune. 
Quando os níveis de cortisol começam a oscilar demais, o 
que bagunça é o sistema imune (principalmente o sistema 
respiratório, gastrointestinal e dermatológico). 
 
Nas fases de estresse, no modelo quadrifásico de Lipp 
(fase de alerta, resistência, quase exaustão e exaustão): 
• Na fase de alerta, há o hiperfuncionamento (ativação do SNS) 
do eixo HHA, aumentando o cortisol e a resposta imune (inata 
+ adaptativa). 
Quando o estresse se torna crônico, há persistência e 
conicidade dos altos níveis de cortisol. Com isso, há um 
desequilíbrio no funcionamento do sistema imune – esse 
desequilíbrio é abarcado principalmente entre os sistemas Th1 
e Th2. 
O sistema imune pode ser: 
o Inato: composta por células componentes do sistema 
imune que nascem com o indivíduo. É ativada pela 
penetração de patógenos dotados de propriedades 
proliferativas no meio orgânico. 
 
o Adaptativo (adquirido): varia à medida que um conjunto de 
células (linfócito T e B) reage em um primeiro contato 
com o antígeno. A resposta adaptativa possui memória e 
passa de uma resposta inicial para uma resposta 
altamente eficaz, muito rica em anticorpos e células de 
defesa. 
 
• Na fase de resistência, continua um hiperfuncionamento do 
eixo HHA, com alto nível de cortisol e alto nível de 
funcionamento do sistema imune (inata e adaptativa). 
A amígdala está sendo estimulada, estimulando o hipotálamo 
mandando a hipófise secretar CRH, e a hipófise está secretando 
o cortisol. Quando a adrenal secreta cortisol, os altos níveis de 
cortisol chegam até o SNC. 
O próprio hipotálamo, enquanto funções do SNC, é a 
homeostase corpórea (temperatura, pressão arterial, frequência 
respiratória e cardíaca) e quando ele detecta que tem muito 
cortisol na corrente sanguínea, ele deixa de estimular a hipófise, 
uma vez que ele entende que já há muito cortisol no sistema, 
deixando de estimular a adrenal. 
Quando o hipotálamo deixa de estimular a hipófise, esta deixa 
de estimular a adrenal e os níveis de cortisol despencam 
bruscamente. Essa diminuição acontece por feedback negativo 
(porque os próprios aumentos geram a sua diminuição em uma 
tentativa de reestabelecer equilíbrio e homeostase). 
Esse feedback negativo coincide com a fase de exaustão, 
ocorrendo um hipofuncionamento do eixo HHA (funcionamento 
diminuído) onde os níveis de cortisol caem e a partir disso o sistema 
imune (inata). 
É nesta fase que o indivíduo apresenta sintomas de fato, 
ocorrendo o adoecimento. Em contrapartida, a resposta imune 
intermediada pelas células Th1 diminuem e ficamos mais suscetíveis 
a infecções, havendo um aumento na intensidade e duração das 
respostas inflamatórias mediadas por células Th2 (imunidade 
adaptativa – ativação dos anticorpos IgE) promovendo alergias e 
doenças autoimunes. 
Supõe-se ainda que uma atividade diminuída de células T 
supressoras permitiria esse tipo de reação. Seu objetivo é regular 
o funcionamento de outras células do sistema imune. 
Sabe-se que o estresse via ação neuroendócrina pode 
modificar o funcionamento do sistema imune, incluindo sua atividade 
supressora. 
Doença autoimune é falta de ação supressora do sistema 
imune. 
 
Doenças alérgicas 
Os alérgicos possuem predisposição genética a formar 
anticorpos em maior quantidade para antígenos (proteínas) que são 
comuns/inócuos do meio ambiente (fungos, epitélios de animais, 
microparasitos). 
Imagina-se que alérgicos sofram de um desequilíbrio 
entre citocinas produzidas por células Th1 e citocinas produzidas 
por células Th2, predispondo-os às reações alérgicas. 
Os linfócitos Th dos alérgicos diante desses antígenos dão 
origem a linfócitos Th2 (favorecem reações alérgicas). 
À medida que o sujeito vai entrando em contato com os 
antígenos, é como se a reação alérgica ficasse cada vez mais 
violenta. Exposições posteriores ao antígeno geram uma 
hipersensibilização (respostas imunes exageradas). Essas reações 
de hipersensibilidade mediada por IgE são denominadas alergia ou 
atopia (reações alérgicas muito fortes). 
Essas reações de hipersensibilidade podem ocorrer de 2 
formas: 
1. As respostas a antígenos tornam-se desequilibradas, 
resultando em lesão tecidual: ocorre uma reação entre 
anticorpos IgE e mastócitos (células do sistema imune que 
teriam função de liberar enzimas para digerir esses 
microorganismos) a determinados antígenos que resulta em 
dilatação vascular e secreções de mucosas, geralmente 
acompanhado por inflamação. 
 
2. As respostas imunes podem ser direcionadas contra 
constituintes do próprio organismo (auto-antígenos) 
resultando nas doenças auto-imunes: anticorpos não IgE 
podem se ligar a proteínas do próprio corpo nas células ou 
nos tecidos ou formar complexos imunes que se depositam 
nos vasos sanguíneos, gerando manifestações sistêmicas que 
se apresentam pela vasculite difusa (inflamação da parede do 
vaso: estreitamento calibre vascular e isquemia/obstrução). 
Quando esses complexos imunes não IgE se ligam e se 
depositam também nos vasos sanguíneos, causa a artrite. 
A reação antígeno-anticorpo estimula uma cadeia de reações 
que culmina na destruição celular e necrose tissular, com 
consequências para o órgão ou sistema atingido. 
Manifestações autoimune mais comuns: 
• Hipertireoidismo: anticorpos se ligam aos receptores do 
hormônio que seria o estimulador da tireóide (TSH). 
 
• Miastenia grave: o anticorpo impede a ligação de um 
neurotransmissor importante (acetilcolina) na junção muscular. 
Fraqueza muscular, falta de ar, cansaço excessivo, dificuldade 
para mastigar e engolir, visão dupla e pálpebras caídas. Doença 
neurodegenerativa. 
Uma tentativa de tratamento seria introduzir 
imunossupressores para tentar diminuir atividade exagerada do 
sistema imune. Mas o problema é que o sistema imune dessa 
pessoa irá rebaixar, ficando suscetível a uma infecção e pode até 
mesmo morrer. 
 
• Lúpus Eritematoso Sistêmico: nesta condição, há a formação 
de inúmeros auto-antígenos e auto-anticorpos que “encalham” 
nos vasos sanguíneos de múltiplos tecidos nobres do 
organismo produzindo lesões: Eritema cutânceo, Artrite, 
Nefrite, Lesão Cerebral. 
Doenças Multissistêmicas: não se pode determinar qual órgão 
ou sistema será afetado. 
Alterações Dermatoloficas: alopcia, sensibilidade solar, lesões 
cutâneas 
Alterações SNC: convulsões, confusão mental, psicoses 
Alterações Rins: lesão tecido renal – insuficiência renal 
 
• Doenças Inflamatórias do Intestino (DII): caracterizada por um 
processo inflamatório da parede intestinal. Em função dessa 
inflamação, existe um quadro marcado por diarreia, que pode 
ser acompanhada de muco e sangue, podendo ocorrer 
verdadeiras hemorragias intestinais. 
 
• Esclerose múltipla: ocorre uma desmielinização no SNC, 
causando disfunção sensorial e motora. 
Anticorpos nas bainhas de mielina e não deixa transitar entre 
os neurônios. 
 
• Diabetes melito tipo 1: lesão das ilhotas pancreáticas – 
pâncreas não produz insulina porque o sistema imune da 
criança ataca as células pancreáticas, prejudicando o 
metabolismo de glicose e causando doença vascular. 
 
• Artrite reumatoide: inflamação sinovial e erosão de cartilageme ossos nas articulações. Entre a articulação tem um líquido 
que lubrifica a articulação, chamado de sinovial.

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