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São Paulo, domingo, 26 de junho de 2005 
	
	
	
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+ autores 
O PT, ao se apresentar à sociedade como paradigma da ética na política e recusar a idéia de uma ética própria à política, fica impedido de reconhecer qualquer ato de corrupção de seus membros
Politicagem escrachada 
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
COLUNISTA DA FOLHA 
A politicagem escrachada mata a política. Não há política sem politicagem, sem dissimulação, troca de favores e indulgências. Se no reino animal já existe simulação, no reino humano, reino da linguagem, ela entranha relações de poder e relações de saber. Não vou tocar aqui nas formas do poder/saber, admiravelmente analisadas por Michel Foucault, que dizem respeito às instituições e certas formas de sociabilidade, mas naquele poder que, exercido em nome de uma comunidade, transforma o indivíduo em político e a comunidade como se fosse efetiva associação de interesses ligados a um modo de vida ideal. Nesse nível, o poder político está associado a um saber capaz de lidar com o dissenso e com a dissimulação do outro no quadro do Estado. A palavra "Estado" nomeia aqui as normas que gerem a vida pública e demarcam o território do privado, assim como aquelas instituições acionadas por um governo.
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Nada mais natural do que o bandido a ser excluído tentar, para sobreviver, metralhar todos os outros 
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Quando se elege um representante do povo, espera-se que não se mostre perdedor sistemático e seja capaz de exercer suas funções públicas a contento; espera-se ainda que saiba estabelecer normas de interesse geral válidas para a sociedade como um todo. Mas no limite esse último pressuposto é impossível, já que somente pode ter dela uma visão parcial. Além do mais, atua em nome do povo tratando de preservar sua individualidade como político, isto é, indivíduo precisando de recursos próprios para se eleger. Nessa sua dualidade de indivíduo possessivo e homem público dotado de saber global, está sempre correndo o risco de dissimular, apresentar-se como alguém cujos interesses particulares estivessem sempre subordinados aos interesses gerais e às convicções de seu partido. A isso se acresce a necessidade de ostentar mais poder do que realmente possui, pois não enfrenta o adversário mostrando-lhe todas as armas que tem à mão. Mesmo aquele que se suicida para vencer uma jogada política não está tratando de não sair como perdedor?
Fingimento
Desde Platão se sabe que essa dissimulação de poder e de saber é inerente à política. O político não é como poeta que finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que realmente pensa, lembrando versos de Fernando Pessoa, mas ator que finge um poder tão completamente que chega a persuadir a si mesmo e aos outros que o possui de fato. Daí estar sempre elaborando um discurso cuja veracidade, ao menos no início de sua atuação, precisa ser apenas aparente, pois somente assim adquire e conserva poder. Em contrapartida, o filósofo, que, como se dizia antigamente, estaria à procura da verdade, termina excluído do exercício do poder político, pois no máximo consegue influenciar pessoas conversando na ágora ou participando da mídia, isto é, confrontando conceitos em vista de algum consenso.
Nessa aresta entre o público e o privado, o político cuida para que sua vida privada tenha efeitos públicos, mas para isso necessita associar-se a outros indivíduos que igualmente fingem, obviamente, em vista de manter poder maior do que possui e saber cuja universalidade não existe. Nessa associação se tecem aliados e adversários graças à troca de favores e indulgências, cujo caráter e volume dependem de como a política se insere na sociedade e de como é vista por ela. Assim como todo agir se exerce assumindo os riscos de resultados indesejados, a política está sempre beirando a politicagem, de uma troca de favores e de indulgências que tende a fugir do controle dos parceiros imediatos e das regras definidoras de seu jogo. No entanto essa politicagem precisa ser dissimulada, pois, caso contrário, revelaria o lado não-político da política, as transgressões que negam sua normatividade. Estando sempre em movimento intersubjetivo, torna-se impossível saber precisamente quando a ação feita em vista das normas do jogo político se ajustam ou não a elas. Criando suas próprias regras ao longo do caminho, o jogo se move porque está rodeado por uma zona cinzenta em que a ação não pode ainda ser capitulada como correta ou incorreta. Política não é como jogo de xadrez, cujas regras estão perfeitamente estabelecidas, mas jogo aberto se fazendo ao longo da história. Por isso, seu lado dissimulador depende de como cada sociedade se engana e de quanto ela tolera as ações imprecisas, os atos que depois serão aceitos ou não, em suma, como separa a política da politicagem.
Tudo indica que, depois da queda do regime militar, o grau dessa tolerância tem diminuído com avanços e retrocessos. Desse ponto de vista, o que está acontecendo com o jogo político atual? O PT vence as eleições presidenciais fazendo da ética na política (neutralização da politicagem) um dos eixos de seu programa. Tudo indica que, depois da última derrota, Lula e um grupo do PT perceberam a complementaridade da política e da politicagem, resolvendo então, tapando o nariz, entrar para valer no jogo tal como ele é. Mas se enredou numa contradição. Enquanto os outros partidos se comprometem a lutar contra a corrupção, sem, contudo, fazer dessa promessa o princípio de sua ação política, o PT se viu totalmente emaranhado na necessidade de fazer política sem nunca cair na politicagem, mostrar-se puro como se sua ação fosse exclusivamente política. Por isso, enquanto os outros partidos apontarem a corrupção interna como desvio de seus membros, acidente de percurso, o PT, vendo-se como paradigma da ética na política, recusando a idéia de uma ética política, fica impedido de reconhecer qualquer ato de corrupção de seus membros, a politicagem praticada por eles, sem confessar fissuras num saber que pretende possuir. Não sendo capaz de impedir a corrupção praticada por um petista, ostenta a insuficiência de seu poder, cujo saber não sabe como operar eficazmente no real.
Corrupção sistêmica
Já sabemos que, escudada nessa pureza, muitas vezes a guerrilha, ao ser forçada a reconhecer a inevitabilidade da politicagem, tende à máfia, à regulamentação social da transgressão. Nega a ambigüidade do jogo político e imagina poder superar a complementaridade da política e da politicagem, levanto essa ao limite para recuperar a pureza daquela. Parece-me que isso inspirou um grupo de petistas a montar um extraordinário sistema de corrupção envolvendo os três Poderes da República. Não ignoro que a corrupção existe desde que há política, mas o que me interessa aqui é ressaltar a nova forma sistêmica que a corrupção, por conseguinte a politicagem, assumiu no governo Lula. Sistêmica não somente porque irriga todos os Poderes, mas antes de tudo porque imagina estar longe da possibilidade de ser detectada. Como uma agremiação dissimulada como partido de anjos falantes poderia abrigar a politicagem?
Protegida por essa ilusão, organiza-se, pois, dentro do partido, uma máfia associada a outros mafiosos da República. Mas ela se ilude imaginando possuir um poder e um saber sem limites, o que levou, quando a máfia começou a se tornar pública, a tentar responsabilizar um de seus membros pelos pecados de todos. Nada mais natural do que o bandido a ser excluído tentar, para sobreviver, metralhar todos os outros. Termina assim por escancarar a politicagem, questionando o poder e o saber da política que está sendo jogada. O presidente Lula afirma que tudo será apurado, que não deixará pedra sobe pedra, mas nós, que sabemos que política também é dissimulação, estamos à espera de quanto essa apuração será dissimulada. Até que ponto os brasileiros aceitarão ser enganados?
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José Arthur Giannotti é professor emérito na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e coordenador da área de filosofia doCebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Escreve mensalmente na seção "Autores", do Mais!.
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