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SUMÁRIO 1. Núcleo ............................................................................ 3 2. Complexo De Poro Nuclear ................................... 4 3. Transporte Núcleo-Citoplasma ............................ 6 4. Mitocôndria ................................................................... 9 5. Transporte Núcleo – Mitocôndria ......................12 6. Retículo Endoplasmático .....................................15 7. Glicosilação Proteica ...............................................20 8. Movimentação das Proteínas entre os Compartimentos .........................................25 9. Complexo de Golgi ..................................................26 10. Lisossomos ..............................................................39 11. Peroxissomos .........................................................43 Referências Bibliograficas .........................................46 3COMPARTIMENTOS INTRACELULARES Distintamente da célula bacteriana, ou procariótica, que apresenta apenas um único compartimento intracelular envolto por membrana, a célula euca- riótica apresenta vários compartimen- tos funcionalmente distintos envoltos por membrana. Cada compartimento ou organela executa uma função es- pecífica, através de um conjunto pró- prio de enzimas e vias de distribuição que conduzem o conteúdo produzido para outro compartimento. Toda e qualquer célula eucarióti- ca tem o mesmo conjunto básico de organelas circundadas por membrana que incluem o núcleo; mitocôndrias, e no caso da célula vegetal, cloroplas- tos, envolvidos no metabolismo ener- gético; lisossomos e peroxissomos, especializados na digestão de molé- culas e em reações oxidativas, res- pectivamente; retículo endoplasmá- tico e complexo de Golgi, que lidam com a organização e o transporte de proteínas com diferentes destinos (Fi- gura 1). Discutiremos a seguir, mais detalhadamente, sobre cada uma destas estruturas. Figura 1. Principais componentes da célula eucariótica animal. Fonte: COOPER, 2007. 1. NÚCLEO O núcleo é o principal elemento que distingue células eucarióticas das procarióticas. O núcleo funciona como depósito da informação gené- tica e do controle regido pela célula. Por restringir o acesso de proteínas ao material genético, o envelope nu- clear garante maior rigidez no contro- le da expressão gênica. Importantes processos como replicação do DNA, transcrição e processamento do RNA ocorrem dentro do núcleo. Ribossomos Citoesqueleto Lisossomo Retículo endoplasmático liso Complexo de Golgi Nucléolo Núcleo Retículo endoplasmático rugoso Mitocôndria PeroxissomoCentríolo 4COMPARTIMENTOS INTRACELULARES O núcleo, porém, não está isolado do citoplasma. A membrana que o en- volve é perfurada por complexos do poro nuclear (Figura 2). Ainda que as membranas internas e externas se- jam contínuas, elas apresentam dife- rentes elementos proteicos. A porção interna, exibe sítios para ligação de cromossomos e para a lâmina nu- clear, que é constituída por proteínas que dão suporte estrutural ao enve- lope. Esta lâmina também pode atu- ar como ponto de ancoragem para cromossomos e para o citoesqueleto citoplasmático. Figura 2. Envoltório nuclear. Observe a membrana dupla, perfurada pelo complexo de poros. A lâmina nuclear, aderida ao folheto interno, apresenta constituição proteica fibrosa. Observe também a continuidade entre o lúmen do RE e o folheto externo nuclear. Fonte: ALBERTS, 2017 2. COMPLEXO DE PORO NUCLEAR Cada complexo do poro nucle- ar (NPCs, do inglês, nuclear pore complexes), é constituído por um grupo de cerca de 30 proteínas dis- tintas, ou nucleoporinas (Figura 3). Algumas destas guardam semelhan- ças com proteínas do revestimento 5COMPARTIMENTOS INTRACELULARES de vesículas, como clatrina e COPII, o que levanta a hipótese de uma possí- vel origem evolutiva comum. A membrana nuclear exibe cerca de 3 mil a 4 mil NPCs, variando este núme- ro conforme o tipo celular. Cada NPC tem a capacidade de transportar até 1000 macromoléculas por segundo em ambas direções, ao mesmo tem- po. Ainda não está claro como este fluxo é coordenado de modo que se evite colisões ou bloqueios. As NPCs apresentam canais aquosos por meio dos quais pequenas molé- culas solúveis em água podem pas- sar de modo passivo. Moléculas de até 5 mil dáltons conseguem difundir rapidamente. Grandes moléculas, no entanto, atravessam esta estrutura mais lentamente, sendo que aquelas maiores que 60 mil dáltons não con- seguem ultrapassar por difusão pas- siva. Assim, o que determina a estru- tura que passará ou não pelos poros passivamente é a estrutura da NPC. É de se esperar, desta forma, que os compartimentos nuclear e citosólico, apresentem distintas composições proteicas. Com base na sua localização, as nu- cleoporinas podem ser classificadas em: proteínas transmembrana do anel, que atravessam o envelope nu- clear e ancoram o NPC ao envelope; nucleoporinas de suporte, que for- mam arranjos em camadas de anéis, estabilizando a curvatura acentuada da membrana no local em que o en- velope nuclear é penetrado; e nucle- oporinas do canal, que delimitam o poro central. Muitas nucleoporinas do canal apre- sentam regiões não estruturadas, onde as cadeias polipeptídicas são intrinsecamente desordenadas. O poro central é preenchido com uma malha emaranhada destes domínios desordenados, o que bloqueia a di- fusão passiva de macromoléculas. As regiões desordenadas contêm um grande número de repetições feni- lalanina-glicina (FG). 6COMPARTIMENTOS INTRACELULARES Proteínas como DNA-polimerase e RNA-polimerase têm subunidades de 100 mil a 200 mil dáltons. Diante disso, um questionamento a ser fei- to é como elas adentram o envelope nuclear. 3. TRANSPORTE NÚCLEO-CITOPLASMA Sinais de localização nuclear Sinais de endereçamento chama- dos de sinais de localização nuclear (NLSs, do inglês, nuclear localiza- tion signals) são os responsáveis pela seletividade desse processo nu- clear de importação. Em muitas pro- teínas nucleares, os sinais consistem em uma ou duas sequências curtas ricas em aminoácidos carregados positivamente, lisina e arginina, com a sequência exata variando para di- ferentes proteínas. Outras proteínas nucleares, no entanto, exibem dife- rentes sinais, os quais ainda não fo- ram caracterizados. Os sinais de localização podem es- tar presentes em qualquer região da sequência de aminoácidos; acredita- -se que no local da sua apresentação, Figura 3. Arranjo de NPCS. A, Em NPC de vertebrados, as nucleoporinas são organizadas com simetria rotacional óctu- pla. A simetria transversa duplicada e rotacional octuplicada explica como estas estruturas enormes podem se formar a partir de apenas 30 diferentes proteínas: muitas das nucleoporinas estão presentes em 8, 16 ou 32 cópias. B, Micrografia eletrônica de varredura do lado nuclear do envelope nuclear de um oócito. C, Micrografia eletrônica mostrando uma vista lateral de dois NPCs (colchetes). D, Micrografia eletrônica mostrando uma vista frontal dos NPCs. Observe que alguns NPCs contêm materiais nos seus centros, que poderiam representar macromoléculas em trânsito. Fonte: ALBERTS, 2017. 7COMPARTIMENTOS INTRACELULARES existam alças ou regiões na superfície da proteína. Assim, é presumido que a localização exata do sinal não é im- portante, sendo suficiente que ape- nas uma região do complexo proteico exiba o sinal para que todo o comple- xo seja translocado para o núcleo. Experiências com partículas de ouro tornaram visíveis a atividade de im- portação através das NPCs. As par- tículas ligam-se às fibrilas, que se es- tendem das nucleoporinas de suporte na borda do NPC para o citosol e, en- tão, prosseguem através do centro do NPC. O transporte macromolecu- lar pelos NPCs é fundamentalmente diferente do transporte de proteínas pelas membranas das outras organe- las, pois ocorre por um grande poro aquoso, ao invés de usar uma prote- ína transportadora abrangendouma ou mais bicamadas lipídicas. Assim, as proteínas nucleares podem ser transportadas para o núcleo por uma NPC quando estão em confor- mação completamente enovelada. Ainda, pela mesma forma, uma subu- nidade ribossômica recém-formada é transportada para fora do núcleo como uma partícula já montada. Ao contrário, as proteínas devem ser ex- tensivamente desenoveladas duran- te seu transporte para a maioria das outras organelas. Para iniciar a importação nuclear, a maioria dos sinais de localização nuclear deve ser reconhecida pelos receptores de importação nuclear, al- gumas vezes chamados de importi- nas. Cada membro dessa família codi- fica uma proteína receptora que pode se ligar e transportar subconjuntos de proteínas, as quais exibem sinal de localização nuclear apropriado. Os receptores de importação nuclear nem sempre se ligam diretamente a proteínas nucleares, sendo necessá- rias algumas proteínas adaptadoras adicionais. Algumas proteínas adap- tadoras são estruturalmente relacio- nadas aos receptores de importação nuclear, sugerindo uma origem evo- lutiva comum. O uso de uma varieda- de de receptores de importação e de adaptadores permite que a célula re- conheça o amplo repertório de sinais de localização nuclear exibidos pelas proteínas nucleares. Os receptores de importação são proteínas citosólicas solúveis que se ligam tanto no sinal de localização nuclear da proteína a ser transporta- da quanto nas sequências repetidas fenilalanina–glicina (FG) nos domínios não estruturados do canal. Acredita- -se que as repetições FG no ema- ranhado não estruturado interagem fracamente, resultando em uma pro- teína com propriedades semelhantes a um gel que impõe uma barreira de permeabilidade a grandes macromo- léculas e serve como local de ancora- gem para os receptores nucleares de importação. 8COMPARTIMENTOS INTRACELULARES De acordo com um modelo de trans- porte nuclear, complexos receptor- -carga se movimentam ao longo da via de transporte, ligando-se, dis- sociando-se e então religando-se, repetidas vezes, às sequências ad- jacentes contendo repetições FG. Dessa forma, os complexos podem saltar de uma nucleoporina para ou- tra para atravessar o interior emara- nhado do NPC de maneira aleatória. Como os receptores de importação se ligam às repetições FG durante o caminho, eles poderiam interromper as interações entre as repetições e localmente dissolver o gel proteico do emaranhado que preenche os poros, permitindo a passagem do complexo receptor-carga. Uma vez no núcleo, os receptores de importação dissociam-se da sua carga e retornam ao citosol. Como veremos, essa dissociação ocorre apenas no lado nuclear do NPC, con- ferindo direcionalidade ao processo de importação. Exportação nuclear A exportação de grandes moléculas do núcleo, como novas subunidades ribossômicas e moléculas de RNA, ocorre por meio de NPCs e depende de um sistema seletivo de transpor- te. O sistema de transporte se baseia nos sinais de exportação nuclear nas macromoléculas a serem exporta- das, assim como nos receptores de exportação nuclear complementares, ou exportinas. Ou seja, o processo é o mesmo que aquele envolvido na im- portação, porém, ocorrendo no sen- tindo inverso. Muitos dos receptores de exportação nuclear são estruturalmente relacio- nados aos receptores de importação nuclear e são codificados pela mes- ma família de genes dos receptores de transporte nuclear, ou carioferinas. Com base apenas na sequência de aminoácidos, em geral, não é possível distinguir se um membro da família atua como um receptor de importa- ção ou de exportação nuclear. Como poderia ser esperado, portanto, os sistemas de transporte de importa- ção e de exportação funcionam de modo similar. Direcionalidade do processo A direcionalidade da carga, ou seja, se será ela importada ou exportada, dependerá da atividade da GTPase Ran monomérica. Assim como outras GTPases, a Ran é um interruptor mo- lecular que pode existir em dois esta- dos conformacionais, dependendo se o GDP ou o GTP está ligado. A conversão entre os dois estados é desencadeada por duas proteí- nas reguladoras Ran-específicas, uma proteína ativadora de GTPase (GAP: GTPase-activating protein) citosólica, que aciona a hidrólise de GTP e, assim, converte Ran-GTP em 9COMPARTIMENTOS INTRACELULARES Ran-GDP; e um fator de troca de gua- nina (GEF: guanine exchange factor) nuclear, que promove a troca de GDP para GTP e, assim, converte Ran-G- DP em Ran-GTP. Visto que o Ran-GAP está localizado no citosol e o Ran-GEF está localiza- do no núcleo ancorado à cromatina, o citosol contém principalmente Ran- -GDP, e o núcleo contém sobretudo Ran-GTP. Este gradiente das duas formas conformacionais de Ran di- rige o transporte nuclear na direção apropriada. Receptores de importação, facilitados pela ligação à repetição FG, entram então no canal. Se atingirem o lado nuclear do complexo do poro, Ran-G- TP liga-se a eles, e se chegarem car- regados com moléculas-carga, a li- gação de Ran-GTP faz os receptores de importação liberarem sua carga. Como Ran-GDP no citosol não se liga a receptores de importação (ou ex- portação), o descarregamento ocorre apenas no lado nuclear do NPC. Dessa maneira, a localização nucle- ar de Ran-GTP cria a direcionalidade do processo de importação. Depois de descarregar sua carga no núcleo, o receptor de importação vazio com Ran-GTP ligado é transportado de volta ao citosol através do comple- xo do poro. Lá, Ran-GAP estimula Ran-GTP a hidrolisar seu GTP ligado, convertendo-o, assim, a Ran-GDP, o qual dissocia-se do receptor. O re- ceptor está pronto, então, para outro ciclo de importação nuclear. A exportação nuclear ocorre por um mecanismo similar, exceto pelo fato de que Ran-GTP no núcleo promo- ve a ligação da carga ao receptor de exportação, ao invés de promover a dissociação da carga. Uma vez que o receptor de exportação se movimen- ta através do poro para o citosol, ele encontra Ran-GAP que induz o re- ceptor a hidrolisar seu GTP a GDP. Como resultado, o receptor de expor- tação libera sua carga e Ran-GDP no citosol. Os receptores de exportação livres retornam ao núcleo para com- pletar o ciclo. 4. MITOCÔNDRIA Até 20% do volume citoplasmático das células é ocupado pelas mito- côndrias. Plásticas e dinâmicas, mo- vem-se pela célula, mudando cons- tantemente de forma, dividindo-se e fusionando-se. As mitocôndrias costumam estar associadas ao cito- esqueleto microtubular, o que deter- mina sua orientação e distribuição em diferentes tipos celulares. 10COMPARTIMENTOS INTRACELULARES As mitocôndrias também interagem com outros sistemas de membranas na célula, principalmente com o retí- culo endoplasmático (RE). Presume- -se que esta interação define domí- nios especializados que facilitam a troca de lipídeos entre os dois siste- mas de membranas. A aquisição de mitocôndrias foi um pré-requisito para a evolução de ani- mais complexos. Sem as mitocôn- drias, as células dos animais moder- nos teriam de produzir todo o seu ATP por meio da glicólise anaeróbica. Quando a glicose é convertida em pi- ruvato pela glicólise, apenas uma pe- quena fração de toda a energia livre potencialmente disponível é libera- da. Nas mitocôndrias, o metabolismo de açúcares é completo, o piruvato é importado para dentro da mitocôn- dria e, em última instância, oxidado pelo O2 em CO2 e H2O, o que pos- sibilita a produção de 15 vezes mais ATP do que o produzido apenas pela glicólise. Como explicaremos adian- te, isso se tornou possível somente quando foi acumulada uma quanti- dade suficiente de oxigênio molecular na atmosfera terrestre para permitir que organismos pudessem aprovei- tar completamente, por meio da res- piração, as grandes quantidades de energia potencialmente disponíveis a partir da oxidação de compostos orgânicos. Estrutura mitocondrial Assim como as bactérias a partir das quais se originaram, as mito- côndriaspossuem duas membranas, uma externa e outra interna. As duas membranas possuem funções e pro- priedades distintas, e delineiam com- partimentos separados dentro da or- ganela. A membrana interna define o espaço da matriz mitocondrial interna e é altamente enovelada para formar invaginações conhecidas como cris- tas. Estas contêm proteínas da cadeia transportadora de elétrons. O espaço estreito entre a membra- na interna e a membrana externa é conhecido como espaço intermem- branas. A membrana mitocondrial externa é livremente permeável a íons e a moléculas pequenas de até SAIBA MAIS! A localização da mitocôndria na célula é variável. Em células altamente polarizadas, como os neurônios, as mitocôndrias podem se mover por longas distâncias, até mais de 1 m. Em outras células, as mitocôndrias permanecem fixas em locais de alta demanda energética. Em células musculares cardíacas, elas se empacotam entre miofibrilas, enquanto nos espermato- zoides, elas envolvem o flagelo. 11COMPARTIMENTOS INTRACELULARES 5 mil dáltons. Isso ocorre porque ela contém muitas moléculas de porinas (proteínas de membrana que criam poros aquáticos através da membra- na). Como consequência, o espaço intermembranas tem o mesmo pH e composição iônica do citoplasma, não existindo gradiente eletroquímico através da membrana externa. A membrana mitocondrial interna é altamente diferenciada. Nela, su- põe-se que exista a maquinaria para importar proteínas, novas inserções de membrana e a montagem dos complexos da cadeia respiratória. As membranas das cristas contêm a en- zima ATP-sintase que produz a maior parte do ATP celular; aí também se encontram os grandes complexos proteicos da cadeia respiratória (nome dado para a cadeia transportadora de elétrons mitocondrial). O enovelamento da membrana in- terna formando as cristas aumenta grandemente a área de membrana disponível para fosforilação oxida- tiva. Em células musculares cardía- cas altamente ativas, por exemplo, a área total das membranas das cristas pode ser até 20 vezes superior à área da membrana plasmática celular. Ao todo, a área de superfície das mem- branas das cristas no corpo humano corresponde ao tamanho de cerca de um campo de futebol americano. Funções mitocondriais As mitocôndrias têm muitos papéis essenciais no metabolismo celular. Além de gerar ATP, também forne- cem muitos dos recursos para bios- síntese e crescimento celular. Elas são fundamentais para o tamponamento do potencial redox no citosol, aceitan- do os elétrons doados do NAD+, for- mando NADH. Como parte da resposta celular a si- nais de crescimento, grandes quanti- dades de acetil-CoA são produzidas no citosol a partir de citrato exporta- do pelas mitocôndrias, acelerando a produção de ácidos graxos e esteróis que constroem novas membranas. Células cancerosas são frequente- mente mutadas de forma a estimular esta via como parte do seu programa de crescimento anormal. O ciclo da ureia é uma via metabóli- ca central nos mamíferos que con- vertem a amônia (NH4+), produzida pela quebra de compostos contendo nitrogênio (como aminoácidos), na ureia excretada pela urina. Dois pas- sos críticos do ciclo da ureia ocorrem dentro das mitocôndrias das células hepáticas, enquanto os passos res- tantes ocorrem no citosol. As mitocôndrias também desempe- nham uma parte essencial na adap- tação metabólica das células às di- ferentes condições nutricionais. Por exemplo, em condições de inani- ção, proteínas são degradadas em 12COMPARTIMENTOS INTRACELULARES aminoácidos, e os aminoácidos são importados para as mitocôndrias, onde são oxidados para produzir NADH destinado à produção de ATP. As mitocôndrias desempenham um papel central na biossíntese de mem- branas. A cardiolipina é um fosfoli- pídeo de “duas cabeças” restrito à membrana mitocondrial interna, onde ele também é produzido. Além dis- so, as mitocôndrias são também uma das principais fontes de fosfolipídeos para a biogênese de outras membra- nas celulares. Fosfatidiletanolamina, fosfatidilglicerol e ácido fosfatídico são sintetizados na mitocôndria, en- quanto fosfatidilinositol, fosfatidilcoli- na e fosfatidilserina são sintetizados primariamente no retículo endoplas- mático (RE). Por fim, as mitocôndrias são impor- tantes como tampões de cálcio, cap- turando cálcio do RE e retículo sarco- plasmático em junções de membrana especiais. Os níveis de cálcio celula- res controlam a contração muscular, e alterações nesse processo estão implicadas na neurodegeneração e apoptose. FUNÇÕES MITOCONDRIAISTamponamento do potencial redox citosólico Biossíntese de membranas Participa do ciclo da ureia Tamponamento do cálcio Auxilia no crescimento celular Respiração celular Formação de ATP Adaptação metabólica MAPA MENTAL FUNÇÕES MITOCONDRIAIS 5. TRANSPORTE NÚCLEO – MITOCÔNDRIA As proteínas importadas para as mi- tocôndrias, em geral, são captadas do citosol dentro de segundos ou minu- tos após sua liberação pelos ribosso- mos. Proteínas mitocondriais são to- talmente sintetizadas como proteínas precursoras mitocondriais no citosol para, então, serem translocadas para a mitocôndria por um mecanismo pós-traducional. Uma ou mais sequências-sinal diri- gem todas as proteínas precursoras mitocondriais para o seu subcompar- timento mitocondrial apropriado. Mui- tas proteínas que entram no espaço da matriz possuem uma sequência-sinal 13COMPARTIMENTOS INTRACELULARES na sua região N-terminal, que é rapi- damente removida por uma peptidase após a importação. Outras proteínas importadas, incluindo todas as pro- teínas da membrana externa, muitas da membrana interna e proteínas do espaço intermembrana, possuem se- quências-sinal internas que não são removidas. As sequências-sinal são necessárias para a localização correta das proteínas. As sequências-sinal que direcionam proteínas precursoras para dentro do espaço da matriz mitocondrial são bem entendidas. Elas formam uma alfa-héli- ce anfifílica, na qual resíduos carregados positivamente se agrupam em um lado da hélice, enquanto resíduos hidrofóbi- cos não carregados se agrupam no lado oposto. Proteínas receptoras específi- cas, que iniciam a translocação de pro- teínas, reconhecem essa configuração, além da sequência precisa de aminoá- cidos da sequência-sinal. Complexos proteicos com várias subu- nidades atuam como translocadores de proteínas fazendo a mediação do movi- mento de proteínas através das mem- branas mitocondriais. O complexo TOM transfere proteínas através da mem- brana externa, e dois complexos TIM (TIM22 e TIM23) transferem proteínas através da membrana interna. O complexo TOM é necessário à im- portação de todas as proteínas mito- condriais codificadas no núcleo. Inicial- mente, ele transporta a sequência-sinal dessas proteínas para o espaço inter- membrana e ajuda a inserir proteínas transmembrana na membrana externa. O complexo TIM23 transporta algu- mas dessas proteínas para o espaço da matriz e auxilia na inserção de pro- teínas transmembrana na membrana interna. O complexo TIM22 medeia a inserção de uma subclasse de proteí- nas da membrana interna, incluindo a proteína transportadora que transporta ADP, ATP e fosfato para dentro e fora da mitocôndria. As proteínas precursoras mitocondriais são importadas como cadeias polipeptí- dicas desenoveladas. Elas permanecem nesta conformação por meio de intera- ções com outras proteínas no citosol. Como um passo inicial no processo de importação, os receptores de importa- ção do complexo TOM ligam-se a se- quências-sinal de proteínas precursoras mitocondriais. As proteínas de interação são, então, removidas e a cadeia poli- peptídica desenovelada é encaminhada para o canal de translocação. Em princí- pio, uma proteína pode atingir o espa- ço da matriz mitocondrial cruzando as duas membranas, uma de cada vez, ou ambas de uma só vez. O complexo TOM primeiramente transporta o sinal de localização mi- tocondrial atravésda membrana ex- terna para o espaço intermembrana, onde se liga ao complexo TIM, abrin- do o canal no complexo. A cadeia poli- peptídica é translocada para o espaço 14COMPARTIMENTOS INTRACELULARES da matriz ou inserida na membrana interna. Embora as funções dos com- plexos TOM e TIM, em geral, sejam acopladas para translocar proteínas através de ambas membranas ao mesmo tempo, os dois tipos de pro- teínas translocadoras podem atuar independentemente. A importação de proteínas para a mi- tocôndria é sustentada pela hidrólise de ATP em dois sítios diferentes, um fora da mitocôndria e um no espaço da matriz. Além disso, outra fonte de energia para importação de prote- ínas é necessária, que é o potencial de membrana através da membrana mitocondrial interna. Uma vez que a sequência-sinal tenha passado pelo complexo TOM e se li- gado a um dos complexos TIM, a con- tinuidade do transporte pelos canais de translocação TIM necessita de um potencial de membrana, o qual é cria- do por meio do bombeamento do H+ através da membrana interna. As proteínas hsp70 mitocondriais também têm um papel crucial no pro- cesso de importação. A hsp70 mi- tocondrial é parte de um agregado proteico de múltiplas subunidades que se encontra ligado ao comple- xo TIM23 pelo lado da matriz e age como um motor para puxar proteínas precursoras para o espaço da matriz. Após a interação inicial com hsp70 mitocondriais, muitas proteínas im- portadas da matriz são transferidas para outra proteína chaperona, a hsp60 mitocondrial. Esta proteína, por fim, auxilia as cadeias polipeptídicas desenoveladas a se enovelarem pela sua ligação e liberação por meio de ci- clos de hidrólise de ATP (Figura 4). Figura 4. Desenho esquemática da translocação da proteína para a matriz mitocondrial. Fonte: ALBERTS, 2017. 15COMPARTIMENTOS INTRACELULARES 6. RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO Todas as células eucarióticas apre- sentam retículo endoplasmático (RE), e sua membrana constitui mais do que a metade da membrana total de uma célula animal. O RE está organizado em um labirinto de túbulos ramifica- dos e de vesículas achatadas que se estendem através do citosol. Os tú- bulos e sacos são interconectados, e suas membranas são contíguas com a membrana nuclear externa. Dessa forma, o RE e as membranas nucleares formam uma folha contínua envolvendo um espaço interno único, o lúmen do RE ou espaço cisternal do RE. Esta organela tem um papel cen- tral na biossíntese de lipídeos e pro- teínas, servindo também como um local de armazenamento intracelular de Ca2+. A membrana do RE é o sítio de produ- ção de todas as proteínas transmem- brana e lipídeos para a maioria das organelas celulares, incluindo o pró- prio RE, o aparelho de Golgi, os lisos- somos, os endossomos, as vesículas secretoras e a membrana plasmática. A membrana do RE é também o local onde há produção da maioria dos li- pídeos para as membranas mitocon- driais e peroxissômicas. Além disso, quase todas as proteínas que serão secretadas para o exterior celular – acompanhadas daquelas destinadas ao lúmen do RE, ao aparelho de Golgi ou aos lisossomos – são enviadas ini- cialmente ao lúmen do RE. Classificações do RE Enquanto as várias funções do RE são essenciais para cada célula, suas importâncias relativas variam muito entre tipos celulares individuais. Para satisfazer demandas funcionais di- ferentes, regiões distintas de RE tor- nam-se altamente especializadas. Ribossomos ligados à membrana co- brem a superfície do RE, criando re- giões chamadas retículo endoplas- mático rugoso, ou RE rugoso; regiões do RE sem ribossomos ligados são chamadas de retículo endoplasmáti- co liso, ou RE liso (Figura 5). A gran- de maioria das células possui regiões limitadas de RE liso, e o RE é, com frequência, parcialmente liso e par- cialmente rugoso. Áreas de RE liso a partir das quais vesículas carregando proteínas recém-sintetizadas e lipí- deos se desprendem para transporte até o aparelho de Golgi, são chama- das de RE transicional. 16COMPARTIMENTOS INTRACELULARES As células de mamíferos começam a importação de proteínas para o RE antes da síntese completa da ca- deia polipeptídica, isto é, a importa- ção é um processo cotraducional. Ao contrário, a importação de proteínas nas mitocôndrias, nos cloroplastos, no núcleo e nos peroxissomos é um processo pós-traducional. No trans- porte cotraducional, o ribossomo que está sintetizando a proteína está di- retamente aderido à membrana do RE, permitindo que uma ponta da proteína seja translocada para o RE enquanto o restante da cadeia está sendo sintetizada. RE LISO RE RUGOSO Não apresenta ribossomos aderidos Ribossomos aderidos à superfície Síntese de lipídios Síntese proteica Armazenamento de glicogênio - Desintoxicação celular - Tabela 1. Diferenças estruturais e funcionais entre RE liso e RE rugoso SAIBA MAIS! Em certas células especializadas, o RE liso é abundante e tem funções adicionais. Em células que se especializam no metabolismo de lipídeos, como células que sintetizam hormônios esteroides, o RE liso é expandido e acomoda as enzimas que produzem o colesterol e o mo- dificam. O hepatócito também possui uma quantidade significativa de RE liso. Ele é o principal sítio de produção de lipoproteína. No RE liso de hepatócitos também estão localizadas enzi- mas que catalisam uma série de reações para detoxificar substâncias. Figura 5. A imagem à esquerda trata-se de uma micrografia eletrônica de RE rugoso em uma célula pancreática exó- crina. Em cima e à esquerda está mostrada uma porção do núcleo e seu envelope nuclear. A imagem à direita traz uma reconstrução tridimensional de uma região do RE liso e RE rugoso em uma célula de fígado. O RE rugoso forma pilhas sobre cisternas achatadas e a membrana do RE liso está conectada a estas cisternas. Fonte: ALBERTS, 2017. 17COMPARTIMENTOS INTRACELULARES Uma bomba de Ca2+ transpor- ta Ca2+ do citosol para o lúmen do RE. O armazenamento de Ca2+ no lúmen do RE é facilitado pelas altas concentrações de proteínas que se li- gam ao Ca2+ existentes no RE. Em alguns tipos celulares, regiões espe- cíficas do RE são especializadas nes- te transporte. As células musculares possuem um abundante RE liso modificado, de- nominado retículo sarcoplasmático. A liberação e a recaptação de Ca2+ pelo retículo sarcoplasmático dispa- ram, respectivamente, a contração e o relaxamento das miofibrilas, duran- te cada ciclo de contração muscular. Sequências-sinal O RE captura proteínas selecionadas do citosol assim que elas são sinte- tizadas. Estas proteínas são de dois tipos: proteínas transmembrana, que são apenas parcialmente transloca- das através da membrana do RE e tornam-se “embutidas” na membra- na; e proteínas solúveis em água, que são totalmente translocadas através da membrana do RE e liberadas no lúmen do RE. Algumas das proteínas transmem- brana funcionam no RE, mas muitas são destinadas à membrana plasmá- tica ou à membrana de outra organe- la. As proteínas solúveis em água são destinadas tanto à secreção quanto à residência no lúmen do RE ou de outra organela. Todas essas proteí- nas, apesar do seu subsequente des- tino, são dirigidas para a membrana do RE por uma sequência-sinal do RE, a qual inicia a sua translocação por um mecanismo comum. A sequência-sinal do RE é guiada à membrana do RE por, pelo menos, dois componentes: uma partícula de reconhecimento de sinal (SRP: sig- nal-recognition particle), que circula entre a membrana do RE e o citosol e liga-se à sequência-sinal, e um re- ceptor SRP na membrana do RE. A SRP é um grande complexo de seis diferentes cadeias polipeptídicas li- gadas a uma única pequena molécula de RNA. As sequências-sinal do RE variam na sequência de aminoácidos, mas cada uma possui oito ou mais aminoáci- dos apolares no seu centro. Como a SRP pode ligar-se especificamente a tantas sequências diferentes? A res- posta veio da estrutura cristalina da proteínaSRP, a qual mostra que o sítio de ligação da sequência-sinal é uma grande cavidade hidrofóbica co- berta por metioninas. Devido ao fato de as metioninas possuírem cadeias laterais flexíveis não ramificadas, a cavidade é suficientemente plástica para acomodar sequências-sinal hi- drofóbicas de diferentes sequências, tamanhos e formas. A SRP é uma estrutura do tipo haste, que envolve a subunidade 18COMPARTIMENTOS INTRACELULARES ribossômica maior com uma pon- ta ligando a sequência-sinal do RE à medida que emerge do ribossomo como parte da cadeia polipeptídi- ca recém-produzida; e a outra ponta bloqueando o sítio de ligação do fator de elongamento na interface entre as subunidades grande e pequena do ribossomo. Este evento provoca uma pausa na síntese proteica tão logo o peptídeo-sinal tenha emergido do ribossomo. A pausa transitória provavelmente dá tempo suficiente ao ribossomo para ligar-se à membrana do RE antes de completar a síntese da cadeia poli- peptídica, garantindo, desse modo, que a proteína não seja liberada no citosol. Esse dispositivo de seguran- ça pode ter importância especial para hidrolases secretadas e lisossômicas que poderiam causar danos ao citosol. A pausa também assegura que grandes porções de proteína, que poderiam enovelar-se em uma estru- tura compacta, não sejam originadas antes de chegarem ao translocador na membrana do RE. Então, ao con- trário da importação pós-traducional de proteínas em mitocôndrias e clo- roplastos, proteínas chaperonas não são necessárias para capturar proteí- nas não enoveladas. Quando uma sequência-sinal se liga, a SRP expõe um sítio de ligação para o receptor SRP, que é um complexo proteico transmembrana localizado na membrana do RE rugoso. A ligação da SRP ao seu receptor, traz o com- plexo ribossomo-SRP a um transloca- dor proteico não ocupado na mesma membrana. A SRP e o receptor SRP são liberados, e o translocador trans- fere a cadeia polipeptídica crescente através da membrana (Figura 6). O translocador, então, insere a cadeia polipeptídica na membrana e a trans- fere através da bicamada lipídica. 19COMPARTIMENTOS INTRACELULARES Esse processo de transferência cotra- ducional cria duas populações espa- cialmente separadas de ribossomos no citosol. Os ribossomos ligados à membrana, empenhados na síntese de proteínas que estão sendo simul- taneamente translocadas para o RE; e os ribossomos livres, não ligados a membranas, que sintetizam todas as outras proteínas codificadas pelo ge- noma nuclear. Os ribossomos ligados à membrana e os livres são estrutural e funcionalmente idênticos, diferindo apenas quanto às proteínas que es- tão sendo produzidas por eles em um dado momento. Uma vez que muitos ribossomos po- dem se ligar a uma única molécula de mRNA, um polirribossomo costu- ma ser formado. Se o mRNA codifica uma proteína com uma sequência-si- nal, o polirribossomo torna-se ane- xado à membrana do RE, dirigindo-a pelas sequências-sinal em múltiplas cadeias polipeptídicas crescentes. Ri- bossomos individuais associados a tais moléculas de mRNA podem re- tornar ao citosol quando acabam a tradução e misturam-se com a popu- lação de ribossomos livres. Por muito tempo se debateu se as cadeias polipeptídicas são transfe- ridas através da membrana do RE em contato direto com a bicamada lipídica, ou através de um canal em uma proteína translocadora. O de- bate se encerrou com a identificação do complexo Sec61, que consiste em três subunidades que são altamente conservadas. Figura 5. Observe o processo descrito acima de direcionamento dos ribossomos para a membrana do RE, a partir da sequência-sinal do RE e a SRP. Fonte: ALBERTS, 2017. 20COMPARTIMENTOS INTRACELULARES A estrutura do complexo Sec61 suge- re que alfa-hélices cercam um canal central através do qual uma cadeia polipeptídica atravessa a membrana. O canal é bloqueado por uma alfa- -hélice pequena que parece manter o translocador fechado quando está inerte, e se move para o lado quando o canal está ocupado passando uma cadeia polipeptídica. Por essa razão, o poro é um canal dinâmico que se abre apenas brevemente quando uma cadeia polipeptídica atravessa a membrana. No caso mais simples, uma sequên- cia-sinal N-terminal inicia a transloca- ção, como para uma proteína solúvel, mas um segmento hidrofóbico adicio- nal na cadeia polipeptídica interrom- pe o processo de transferência antes que a cadeia inteira seja transporta- da. Este sinal de parada da transfe- rência ancora a proteína na membra- na depois que a sequência-sinal do RE tenha sido clivada e liberada do translocador. A sequência de parada da transferência é transferida para a bicamada pelo mecanismo de contro- le lateral. Em outros casos, a sequência-sinal é interna, e não na extremidade N-ter- minal da proteína. Como uma sequ- ência-sinal N-terminal do RE, a SRP liga-se a uma sequência-sinal interna mediante reconhecimento hidrofóbi- co de características da alfa-hélice. A SRP leva o ribossomo que está sinte- tizando a proteína para a membrana do RE, e a sequência-sinal do RE ser- ve como um sinal de início da trans- ferência que inicia a translocação da proteína. Após a liberação do trans- locador, a sequência interna de início da transferência permanece na bica- mada lipídica como uma alfa-hélice que atravessa a membrana uma úni- ca vez. As combinações de sinais de início e de parada da transferência determi- nam a topologia das proteínas trans- membrana de passagem múltipla. Nas proteínas transmembrana de passagem múltipla, a cadeia polipep- tídica passa para frente e para trás repetidamente ao longo da bicamada lipídica, como uma alfa-hélice hidro- fóbica. Acredita-se que uma sequên- cia-sinal interna sirva como um sinal de início de transferência nessas pro- teínas para iniciar a translocação. 7. GLICOSILAÇÃO PROTEICA A adição covalente de oligossacaríde- os às proteínas é uma das principais funções biossintéticas do RE. Muitas proteínas no citosol e núcleo são gli- cosiladas, mas não com oligossacarí- deos; elas carregam uma modificação com açúcar muito mais simples, na qual um único grupo N-acetilglico- samina é adicionado a uma serina ou treonina da proteína. Durante a forma mais comum de glicosilação da proteína no RE, um 21COMPARTIMENTOS INTRACELULARES oligossacarídeo precursor pré-forma- do (composto de N-acetilglicosamina, manose e glicose, contendo um total de 14 açúcares) é transferido em blo- co para proteínas. Esse oligossaca- rídeo é transferido ao grupo NH2 da cadeia lateral de um aminoácido as- paragina na proteína, sendo, por isso, considerado ligado ao N ou ligado a asparagina. A transferência é catalisada por uma enzima ligada à membrana, uma oli- gossacaril transferase, que tem seu sítio ativo exposto no lado do lúmen da membrana do RE; este fato explica por que as proteínas citosólicas não são glicosiladas dessa forma. Uma molécula lipídica especial denomina- da dolicol abriga o oligossacarídeo precursor na membrana do RE. O oli- gossacarídeo precursor é transferido para a asparagina-alvo em um único passo enzimático imediatamente de- pois de o aminoácido ter alcançado o lúmen durante a translocação da proteína. O oligossacarídeo precursor é liga- do ao lipídeo dolicol por uma ligação pirofosfato de alta energia, que pro- videncia a energia de ativação para conduzir a reação de glicosilação. Uma cópia da oligossacaril transfera- se é associada a cada proteína trans- locadora, permitindo a ela procurar e glicosilar as cadeias polipeptídicas que entram de maneira eficiente. Os açúcares são primeiro ativados no citosol pela formação de um interme- diário açúcar-nucleotídeo (UDP ou GDP), que, então, doa seu açúcar, di- reta ou indiretamente, ao lipídeo, em uma sequência ordenada. Ao longo desse processo, o oligossacarídeo li- gado ao lipídeo é movido do lado cito- sólico para o lado do lúmen da mem- brana do RE. Toda a diversidade de estruturas de oligossacarídeosliga- dos ao N em glicoproteínas maduras resulta da modificação tardia do oli- gossacarídeo precursor original. Enquanto ainda no RE, três glicoses e uma manose são rapidamente remo- vidas dos oligossacarídeos da maio- ria das glicoproteínas. Essa “poda” ou “processamento” do oligossaca- rídeo continua no aparelho de Golgi. Os oligossacarídeos ligados ao N são os mais comumente encontrados, estando presentes em 90% das gli- coproteínas. Com menos frequência, os oligossacarídeos são ligados ao grupo hidroxila na cadeia lateral dos aminoácidos serina, treonina ou hi- droxilisina. Um primeiro açúcar des- ses oligossacarídeos O-ligados é adi- cionado no RE e o oligossacarídeo é, então, mais estendido no aparelho de Golgi. Tem sido longamente debatido por- que a glicosilação é uma modificação comum das proteínas que entram no RE. Uma observação particularmen- te intrigante reside no fato de que algumas proteínas necessitam de 22COMPARTIMENTOS INTRACELULARES glicosilação ligada ao N para o enove- lamento adequado no RE, ainda que a localização precisa dos oligossaca- rídeos aderidos na superfície da pro- teína não pareça ser importante. Um indício para o papel da glicosi- lação no enovelamento da proteína deriva de estudos de duas proteínas chaperonas do RE denominadas cal- nexina e calreticulina, que necessitam de Ca2+ para suas atividades. Essas chaperonas são proteínas de ligação de carboidratos, ou lectinas, que se li- gam a oligossacarídeos nas proteínas que não estão completamente eno- veladas e as retêm no RE. Como outras chaperonas, elas im- pedem que as proteínas enoveladas incompletamente sofram agregação irreversível. Tanto a calnexina quan- to a calreticulina também promovem a associação de proteínas incomple- tamente enoveladas com outra cha- perona do RE, que se liga a cisteínas que ainda não formaram ligações dis- sulfeto. Calnexina e calreticulina re- conhecem oligossacarídeos ligados ao N que contêm uma única glicose terminal e, portanto, elas se ligam a proteínas apenas depois que duas das três glicoses do oligossacarídeo precursor tenham sido removidas du- rante a remoção de glicose por glico- sidases do RE. Quando a terceira glicose é removi- da, a glicoproteína dissocia-se da sua chaperona e pode deixar o RE. Como, então, a calnexina e a calreticulina distinguem proteínas enoveladas das incompletamente enoveladas? A res- posta está, ainda, em outra enzima do RE, a glicosil transferase, que conti- nua adicionando uma glicose àqueles oligossacarídeos que perderam sua última glicose. Ela adiciona a glicose, entretanto, somente a oligossacarí- deos que estão associados a proteí- nas desenoveladas. Proteínas enoveladas inadequadamente Apesar de todo o auxílio das chape- ronas, muitas moléculas proteicas transportadas para o RE falham na tentativa de alcançar seu enovela- mento adequado ou seu estado oligo- mérico. Tais proteínas são exportadas de volta do RE para o citosol, onde são degradadas em proteassomos. Em muitas vias, o mecanismo de re- trotranslocação é similar a outros mo- dos de translocação pós-traducional. Por exemplo, assim como a translo- cação para mitocôndrias ou cloro- plastos, proteínas chaperonas são necessárias para manter a cadeia po- lipeptídica em um estado desenove- lado antes e durante a translocação. De maneira semelhante, a fonte de energia é necessária para dar direcio- nalidade ao transporte e para puxar a proteína para o citosol. Enfim, um translocador é necessário. 23COMPARTIMENTOS INTRACELULARES A seleção de proteínas do RE para degradação é um processo desafia- dor. Proteínas mal enoveladas ou su- bunidades proteicas não montadas devem ser degradadas, mas interme- diários de dobramento de proteínas recém-formadas não. Os oligossa- carídeos ligados ao N ajudam a fazer essa distinção, o que serve como cro- nômetro da medida de quanto tem- po uma proteína deve permanecer no RE. As células monitoram cuidadosa- mente a quantidade de proteínas mal enoveladas contidas em vários com- partimentos. Um acúmulo dessas proteínas no citosol, por exemplo, de- sencadeia uma resposta ao choque térmico, que estimula a transcrição de genes que codificam chaperonas citosólicas que auxiliam no reenove- lamento das proteínas. De maneira similar, um acúmulo de proteínas mal enoveladas no RE dis- para uma resposta à proteína dese- novelada, o que inclui um aumento na transcrição de genes que codifi- cam proteínas envolvidas na retro- translocação e degradação de pro- teínas no citosol, chaperonas do RE e muitas outras proteínas que aju- dam a aumentar a capacidade de dobramento de proteínas no RE. SE LIGA! Como as proteínas mal eno- veladas no RE sinalizam ao núcleo? As proteínas mal enoveladas no RE si- nalizam a necessidade de mais chape- ronas ao núcleo. No RE elas se ligam e ativam uma cinase transmembrana; a cinase ativada revela uma atividade en- dorribonuclease; a endorribonuclease corta moléculas específicas de RNA em duas posições, removendo um íntron. Dois éxons são ligados para formar um mRNA ativo. O mRNA é traduzido para produzir um regulador da transcrição. O regulador da transcrição entra no núcleo e ativa genes codificando chaperonas do RE. Chaperonas são produzidas no RE, onde ajudam no enovelamento de proteínas. O RE na montagem de bicamadas lipídicas A membrana do RE é o local de sínte- se de quase todas as principais clas- ses de lipídeos da célula, incluindo fosfolipídeos e colesterol necessários à produção de novas membranas ce- lulares. O principal fosfolipídeo sin- tetizado é a fosfatidilcolina, também chamada de lecitina, que pode ser formada em três etapas a partir de colina, de dois ácidos graxos e de gli- cerol fosfato. Cada etapa é catalisada por enzimas na membrana do RE que têm seus sítios ativos voltados para o citosol, onde são encontrados todos os meta- bólitos necessários. Assim, a síntese de fosfolipídeos ocorre exclusivamen- te no folheto citosólico da membrana 24COMPARTIMENTOS INTRACELULARES do RE. Devido ao fato de os ácidos graxos não serem solúveis em água, eles são conduzidos dos seus sítios de síntese ao RE por proteínas de li- gação a ácidos graxos no citosol. De- pois de chegarem na membrana do RE e serem ativados com coenzima A (CoA), aciltransferases adicionam dois ácidos graxos sucessivamente ao glicerol fosfato para produzir ácido fosfatídico. O ácido fosfatídico é suficientemente insolúvel em água para permanecer na bicamada lipídica, e não pode ser extraído dela por proteínas de liga- ção a ácidos graxos. Este é, então, o primeiro passo para que a bicamada lipídica seja aumentada. As etapas posteriores determinam o grupo da cabeça de uma molécula de lipídeo recém-formada e, portanto, a natu- reza química da bicamada, mas não resultam em crescimento líquido da membrana. Os outros dois principais fosfolipíde- os – fosfatidilserina e fosfatidiletano- lamina, assim como o menor fosfolipí- deo – fosfatidilinositol (PI), são todos sintetizados nessa via. Como a sín- tese de fosfolipídeo ocorre no folheto citosólico da bicamada lipídica do RE, é necessário que exista um mecanis- mo que transfira algumas das molé- culas de fosfolipídeos recém-forma- dos para o folheto do lado do lúmen da bicamada. No RE, os fosfolipídeos equilibram-se através da membrana em minutos, o que é quase cem mil vezes mais rá- pido do que o flip-flop espontâneo. Esse movimento transbicamada rá- pido é mediado por um translocador de fosfolipídeos pobremente carac- terizado, denominado embaralhador (scramblase) que, de maneira não se- letiva, equilibra fosfolipídeos entre os dois folhetos da bicamada lipídica. A membrana plasmática contém um tipo diferente de translocador fos- folipídico que pertence à família de transportadores de absorção do tipo P. Essas flipases reconhecem espe- cificamente fosfolipídeos que contêm grupos amino livres nos seus grupos da cabeça (fosfatidilserina e fosfatidi- letanolamina)e os transfere a partir do meio extracelular para o folheto ci- tosólico, utilizando a energia da hidró- lise do ATP. A membrana plasmática, portanto, apresenta uma composi- ção fosfolipídica altamente assimé- trica, que é ativamente mantida por flipases. A membrana plasmática também contém um misturador, mas, ao con- trário do misturador do RE, que é sempre ativo, a enzima da membrana plasmática é regulada e ativada ape- nas em algumas situações, como em apoptose e em plaquetas ativadas, onde age para cancelar a assimetria da bicamada lipídica. A exposição de fosfatidilserina na superfície de célu- las apoptóticas serve como um sinal 25COMPARTIMENTOS INTRACELULARES para células fagocíticas ingerirem e degradarem a célula morta. O RE também produz colesterol e ce- ramida. A ceramida é sintetizada pela condensação do aminoácido serina com um ácido graxo para formar o aminoálcool esfingosina; um segundo ácido graxo é então adicionado cova- lentemente para formar a ceramida. A ceramida é exportada ao aparelho de Golgi, onde serve como um precursor para a síntese de dois tipos de lipíde- os. As cadeias oligossacarídicas são adicionadas para formar glicoesfin- golipídeos, e os grupos da cabeça de fosfocolina são transferidos da fosfa- tidilcolina a outras moléculas de cera- mida para formar esfingomielina. 8. MOVIMENTAÇÃO DAS PROTEÍNAS ENTRE OS COMPARTIMENTOS A síntese de todas as proteínas co- meça em ribossomos no citosol, ex- ceto as poucas proteínas que são sintetizadas nos ribossomos das mi- tocôndrias e dos plastídeos. Seu des- tino subsequente depende da sua sequência de aminoácidos, a qual pode conter sinais de endereçamento que direcionam seu envio a locais fora do citosol ou a superfícies de organe- las. Algumas proteínas não possuem um sinal de endereçamento e, conse- quentemente, permanecem no cito- sol como residentes permanentes. Para entender os princípios gerais pelos quais os sinais de endereça- mento operam, é importante distin- guir três caminhos fundamentalmen- te diferentes pelos quais as proteínas se movem de um compartimento a outro. Esses três mecanismos são o transporte controlado por comportas, a translocação proteica e o transporte vesicular. No transporte controlado por com- portas, proteínas e moléculas de RNA se movimentam entre o citosol e o núcleo através de complexos do poro nuclear no envelope nuclear. Os com- plexos do poro nuclear funcionam como canais seletivos que auxiliam o transporte ativo de macromoléculas específicas e conjuntos macromole- culares entre os dois espaços equi- valentes topologicamente, embora também permitam a difusão livre de pequenas moléculas. Na translocação de proteínas, translo- cadores de proteínas transmembrana transportam diretamente proteínas específicas através da membrana do citosol para um espaço que é topolo- gicamente diferente. A molécula de proteína transportada, em geral, pre- cisa desdobrar-se para passar pelo translocador. O transporte inicial das proteínas selecionadas do citosol para o lúmen do RE ou para a mitocôndria, por exemplo, ocorre dessa forma. No transporte vesicular, interme- diários de transporte envoltos por 26COMPARTIMENTOS INTRACELULARES membrana levam proteínas de um compartimento topologicamente equivalente a outro. As vesículas e os fragmentos de transporte são car- regados com uma leva de moléculas derivadas do lúmen de um comparti- mento à medida que se desprendem da sua membrana; o conteúdo é des- carregado em um segundo compar- timento por fusão com a membrana que o envolve. A transferência de proteínas solúveis do RE ao aparelho de Golgi, por exemplo, ocorre dessa maneira. Detalharemos adiante acer- ca deste. Devido ao fato de as proteínas trans- portadas não cruzarem uma mem- brana, o transporte vesicular pode mover proteínas somente entre com- partimentos topologicamente equi- valentes. Cada uma das formas de transferência de proteínas normal- mente é guiada por sinais de ende- reçamento na proteína transportada que são reconhecidos pelos recepto- res de endereçamento. As sequências-sinal e os receptores de endereçamento direcionam prote- ínas aos destinos celulares corretos A maioria dos sinais de endereçamento de proteínas envolvidos no transporte transmembrana encontra-se em uma sequência de aminoácidos, em geral um trecho de 15 a 60 resíduos. Como dito anteriormente, tais sequ- ências-sinal são frequentemente en- contradas na porção N-terminal da cadeia polipeptídica, e em muitos ca- sos peptidases-sinal especializadas removem a sequência-sinal da prote- ína finalizada, uma vez que o proces- so de endereçamento está completo. Sequências-sinal também podem ser extensões internas de aminoácidos, as quais permanecem como parte da proteína. 9. COMPLEXO DE GOLGI O complexo ou aparelho de Golgi apresenta a função de processar e separar proteínas recebidas do RE, direcionando-as para endossomos, lisossomos, membrana plasmática ou secreção. Desempenham ainda a função de produzir glicolipídeos esfingomielina. Estruturalmente, é composto por cis- ternas (sacos) envolvidos por mem- branas achatadas e vesículas asso- ciadas. Apresenta polaridade, com regiões funcional e morfologicamente distintas. Proteínas oriundas do RE entram pela face cis, convexa e orien- tada para o núcleo, são então trans- portadas através de Golgi e saem pela face trans, côncava. Enquanto atravessam Golgi, as proteínas so- frem alterações para que sejam guia- das aos destinos. Funcionalmente, divide-se o comple- xo de Golgi em 4 regiões: a rede Golgi cis; a pilha de Golgi, subdividida em medial e trans; e a rede de Golgi trans. Proteínas oriundas do RE entram no 27COMPARTIMENTOS INTRACELULARES complexo pela rede Golgi cis, avan- çam para os compartimentos medial e trans, dentro dos quais acontecem as maiores atividades metabólicas na organela e, por fim, direcionam-se para região trans, de onde serão en- tão distribuídas (Figura 6). Glicosilação de proteínas Como visto anteriormente, as proteí- nas são modificadas no RE pela adi- ção de oligossacarídeo que apresente 14 resíduos de açúcar; 3 de glicose e 1 manose são removidos enquanto peptídeos ainda estão no RE. Em Gol- gi, os resíduos são novamente modi- ficados. Mais 3 oligossacarídeos, de proteínas destinadas à secreção ou à membrana, são removidos. Adiciona- -se então sequência N-acetilglicosa- mina. Por fim, são colocados mais 3 resíduos de ácido siálico. Vale desta- car que diferentes glicoproteínas so- frem distintas alterações. Estas modi- ficações variam conforme a estrutura proteica e a quantidade de enzimas processadoras presentes em Golgi. Assim, as proteínas podem sair de Golgi com uma grande variedade de oligossacarídeos N-ligados. Face cis Face trans Compartimento intermediário do RE-Golgi Rede de Golgi cis Cisternas de Golgi Medial Rede de Golgi trans Membrana plasmática, secreção, endossomos, lisossomos Figura 6. A, Micrografia eletrônica do Complexo de Golgi evidenciando suas cisternas, e suas faces cis e trans. B, Regiões do complexo de Golgi e direcionamento proteico. Fonte: COOPER, 2007. 28COMPARTIMENTOS INTRACELULARES O processamento de oligassacarí- deos de proteínas que apresentam como destino os lisossomos, é dife- rente do apresentado acima. Inicial- mente, há fosforilação da manose, seguida por remoção do grupo N-a- cetilglicosamina, deixando resíduos de manose-6-fosfato no N-ligado. Estas alterações fazem com que a porção glicosilada seja reconhecida por um receptor de manose-6-fosfa- to na rede de Golgi trans, direcionan- do o transporte para os lisossomos (rota das hidrolases ácidas). Uma enzima específica é a chave deste processo, visto que esta reco- nhece proteínas que irão para lisosso- mos, mas não àquelas da membrana ou que serão secretadas. Esta enzima reconhece regiões-sinal nas proteí- nas. As modificações podem ocorrer ainda pela adição de carboidratos às cadeias laterais dos resíduosserina e treonina (glicosilação O-ligada). Metabolismo de lipídeos e polissacarídeos O complexo de Golgi metaboliza lipí- deos, principalmente a esfingomieli- na e os glicolipídeos. A esfingomieli- na, único fosfolipídio não-glicerol nas membranas, obtida a partir da cera- mida (sintetizada no RE), é sintetizada a partir da transferência de fosforilco- lina da fosfatidilcolina para ceramida. A esfingomielina é obtida no lúmen de Golgi, mas a glicose é adicionada no lado citosólico de Golgi. Nem a es- fingomielina, nem outros glicolipídios são capazes de atravessar a mem- brana de Golgi. Depois do transporte, serão encontrados apenas na mem- brana plasmática. Transporte vesicular O transporte vesicular medeia uma troca contínua de componentes entre os dez ou mais compartimentos en- voltos por membranas quimicamente distintos que, coletivamente, consti- tuem as vias secretora e endocítica. Com essa troca massiva, como cada compartimento pode manter o seu caráter especializado? Para responder a essa questão, de- vemos considerar primeiro o que de- fine o caráter de um compartimento. Acima de tudo, é a composição da membrana circundante, ou seja, mar- cadores moleculares dispostos na su- perfície citosólica da membrana ser- vem como sinais de orientação para o tráfego de entrada para garantir que as vesículas transportadoras se fundam somente ao compartimento correto. Muitos desses marcadores de mem- brana, entretanto, são encontrados em mais de um compartimento, e é a combinação específica de moléculas marcadoras que atribui a cada com- partimento o seu endereço molecular. 29COMPARTIMENTOS INTRACELULARES Vesículas transportadoras A maioria das vesículas transpor- tadoras se forma a partir de regiões revestidas especializadas das mem- branas. Elas brotam como vesículas revestidas que possuem grades dis- tintas de proteínas cobrindo as suas superfícies citosólicas. Antes de se fusionarem com uma membrana-al- vo, elas descartam seu revestimento. O revestimento desempenha duas funções principais: primeiro, selecio- nar as moléculas de membrana apro- priadas para o transporte; segundo, uma camada externa do revestimen- to se arranja como uma treliça curva, com formato de cesta, que deforma a porção da membrana e dá forma à vesícula. Há três tipos bem caracterizados de vesículas revestidas, distinguidos pe- las suas principais proteínas de re- vestimento: vesículas revestidas por clatrina, revestidas por COPI e reves- tidas por COPII. Cada tipo é utilizado para diferentes etapas de transporte. As vesículas revestidas por clatrina, por exemplo, medeiam o transpor- te a partir do aparelho de Golgi e da membrana plasmática, ao passo que as vesículas revestidas por COPI e COPII medeiam, com mais frequên- cia, o transporte a partir do RE e das cisternas de Golgi. As vesículas revestidas por clatri- na, as primeiras vesículas revestidas a serem descobertas, transportam material originado na membrana plasmática e entre os compartimen- tos endossômicos e de Golgi. As ve- sículas revestidas por COPI e COPII transportam material no início da via secretora: as vesículas revestidas por COPI brotam dos compartimentos de Golgi, e as vesículas revestidas por COPII brotam do RE. O principal componente proteico das vesículas revestidas por clatrina é a própria clatrina, que forma a cama- da externa do revestimento. Cada subunidade de clatrina consiste em três cadeias polipeptídicas grandes e três pequenas que, juntas, formam uma estrutura de três pernas chama- da de tríscele. Os trísceles de clatrina determinam a geometria da grade de clatrina. As proteínas adaptadoras, outro com- ponente principal do revestimento das vesículas revestidas por clatrina, formam uma discreta camada inter- na no revestimento, posicionada en- tre a grade de clatrina e a membrana. Elas ligam o revestimento de clatrina à membrana e aprisionam várias pro- teínas transmembrana, incluindo os receptores transmembrana que cap- turam moléculas-carga solúveis para dentro das vesículas, os chamados receptores de carga. Desse modo, as proteínas adapta- doras selecionam um conjunto espe- cífico de proteínas transmembrana, junto com as proteínas solúveis que 30COMPARTIMENTOS INTRACELULARES interagem com elas, e as empacotam dentro de cada vesícula de trans- porte revestida por clatrina recém- -formada. Existem vários tipos de proteínas adaptadoras. Cada tipo de proteína adaptadora é específico para um diferente conjunto de receptores de carga. As vesículas revestidas por clatrina que brotam de diferen- tes membranas utilizam diferentes proteínas adaptadoras e, portanto, empacotam diferentes receptores e moléculas-carga. Figura 7. Montagem e desmontagem do revestimento de clatrina. A montagem do revestimento introduz uma curva- tura para dentro da membrana, que leva, por sua vez, à formação de um broto revestido. As proteínas adaptadoras se ligam nos trísceles de clatrina e nos receptores de carga ligados à membrana, mediando, assim, o recrutamento sele- tivo tanto de moléculas-carga de membrana quanto de moléculas solúveis para dentro da vesícula. Outras proteínas de curvatura e de fissão da membrana são recrutadas para o pescoço da vesícula em brotamento, onde a curvatura acentuada da membrana é introduzida. Fonte: ALBERTS, 2017. As forças geradas somente pela montagem do revestimento de cla- trina não são suficientes para formar e destacar a vesícula da membra- na. Outras proteínas de curvatura da membrana e geradoras de força participam de cada estágio do pro- cesso. As proteínas de curvatura da membrana que contêm os domínios na forma de crescente, chamados do- mínios BAR, ligam-se e impõem sua forma sobre a membrana subjacente via interações eletrostáticas com os grupos de cabeça lipídica. Algumas dessas proteínas também contêm hélices anfifílicas que indu- zem a curvatura da membrana de- pois de serem inseridas como cunhas no folheto citoplasmático da mem- brana. Outras proteínas com domínio BAR são importantes para formar o pescoço de uma vesícula em brota- mento, onde a estabilização de cur- vaturas acentuadas na membrana é 31COMPARTIMENTOS INTRACELULARES essencial. Por fim, a maquinaria de clatrina agrupa o arranjo local de fi- lamentos de actina que introduzem tensão para ajudar a destacar e pro- pelir a vesícula em formação. À medida que um broto revestido por clatrina cresce, proteínas citoplasmá- ticas solúveis, incluindo a dinamina, arranjam-se no pescoço de cada bro- to. A dinamina contém um domínio de GTPase que regula a frequência na qual as vesículas se liberam da mem- brana. O processo de liberação apro- xima os dois folhetos não citoplas- máticos da membrana intimamente e os fusiona, isolando a vesícula em formação para fora. Para realizar essa tarefa, a dinamina recruta outras proteínas para o pes- coço do broto. Junto com a dinami- na, elas ajudam a curvar a porção da membrana pela distorção direta da estrutura da bicamada, ou pela mu- dança da sua composição lipídica me- diante recrutamento de enzimas mo- dificadoras de lipídeos, ou ainda por meio de ambos mecanismos. Uma vez liberada da membrana, a vesícula rapidamente perde seu revestimento de clatrina. Para assegurar um fluxo ordenado no tráfego de vesículas, as vesículas de transporte devem ser altamen- te precisas no reconhecimento da membrana-alvo correta com a qual se fundirão. Devido à diversidade e à po- pulação de sistemas de membranas no citoplasma, uma vesícula irá, pro- vavelmente, encontrar muitas mem- branas-alvo potenciais antes de en- contrar a correta. A especificidade para o alvo é asse- gurada porque todas as vesículas de transporte exibem marcadores de su- perfície que as identificam de acordo com sua origem e o seu tipo de carga, e as membranas-alvo exibem recep- tores complementares que reconhe- cem os marcadores apropriados. Esse processo crucial ocorre em duas eta- pas. Primeiro, as proteínas Rab e efe- torasde Rab direcionam a vesícula a locais específicos na membrana-alvo correta. Segundo, proteínas SNARE e reguladores SNARE intercedem na fusão das bicamadas lipídicas. As proteínas Rab desempenham um papel central na especificidade do transporte vesicular. Como as GTPa- ses de recrutamento de revestimento discutidas anteriormente, as proteínas Rab também são GTPases monomé- ricas. A subfamília Rab é a maior das subfamílias de GTPases monoméri- cas. Cada proteína Rab está associa- da a uma ou mais organelas envoltas por membrana das vias secretora ou endocítica, e cada uma dessas orga- nelas possui, pelo menos, uma prote- ína Rab em sua superfície citosólica. Sua distribuição altamente seletiva nesses sistemas de membrana tor- na as proteínas Rab marcadores mo- leculares ideais para identificar cada 32COMPARTIMENTOS INTRACELULARES tipo de membrana e guiar o tráfego de vesículas entre elas. As proteínas Rab podem atuar nas vesículas de transporte, nas membranas-alvo ou em ambas. À semelhança das GTPases de re- crutamento de revestimento, as pro- teínas Rab alternam entre a membra- na e o citosol e regulam a montagem reversível dos complexos proteicos da membrana. Em seu estado ligado a GDP, elas são inativas e ligadas a outra proteína (inibidor de dissocia- ção Rab-GDP, ou GDI) que as man- têm solúveis no citosol; em seu es- tado ligado a GTP, elas são ativas e intimamente associadas à membra- na de uma organela ou vesícula de transporte. Uma vez no estado ligado a GTP e ligado a membrana por uma âncora lipídica agora exposta, as proteínas Rab se ligam a outras proteínas, cha- madas de efetoras de Rab, que são mediadores a jusante do transporte vesicular, entrelaçamento da mem- brana e fusão da membrana. A taxa de hidrólise de GTP determina a con- centração de Rab ativa e, como con- sequência, a concentração de suas efetoras na membrana. Ao contrário da estrutura altamente conservada das proteínas Rab, as estruturas e funções das efetoras de Rab variam bastante, e as mesmas proteínas Rab muitas vezes podem se ligar a vários efetores diferentes. Algumas efetoras de Rab são pro- teínas motoras que propulsionam as vesículas ao longo de filamentos de actina ou de microtúbulos para as suas membranas-alvo. Outras são proteínas de aprisionamento, algu- mas das quais têm longos domínios filamentosos que servem como “li- nhas de pesca” que podem se esten- der para ligar duas membranas que estão separadas por mais de 200 nm. Outras proteínas de aprisionamen- to são complexos proteicos grandes que unem duas membranas que es- tão mais próximas e interagem com uma ampla variedade de outras pro- teínas que facilitam a etapa de fusão da membrana. As efetoras de Rab também podem interagir com SNAREs para acoplar o aprisionamento da membrana à fu- são. A montagem das proteínas Rab e de suas efetoras sobre uma mem- brana é cooperativa e resulta na for- mação de fragmentos de membrana grandes e especializados. 33COMPARTIMENTOS INTRACELULARES Uma vez que uma vesícula de trans- porte tenha sido amarrada à sua membrana-alvo, ela descarrega a sua carga pela fusão de membra- nas. A fusão de membranas requer a aproximação das bicamadas lipídicas de duas membranas a 1,5 nm uma da outra para que possam se juntar. Quando as membranas estão com tal proximidade, os lipídeos podem fluir de uma bicamada para a outra. Para tal aproximação estreita, a água deve ser deslocada da superfície hi- drofílica da membrana, um processo que é energeticamente muito desfa- vorável e requer proteínas de fusão especializadas que superam essa barreira energética. As proteínas SNARE catalisam as reações de fu- são das membranas no transporte vesicular. Existem, pelo menos, 35 SNAREs diferentes em uma célula animal, cada uma associada a uma organe- la particular nas vias secretora ou endocítica. Essas proteínas trans- membrana existem como conjuntos complementares, sendo que as v-S- NAREs, em geral, são encontradas nas membranas das vesículas, e as t-SNAREs costumam ser encontra- das nas membranas-alvo. Uma v-SNARE é uma cadeia polipep- tídica única, enquanto uma t-SNARE geralmente é composta por três pro- teínas. As v-SNAREs e as t-SNAREs possuem domínios helicoidais carac- terísticos e quando uma v-SNARE interage com uma t-SNARE, os do- mínios helicoidais de uma envolvem os domínios da outra para formar um feixe estável de quatro hélices. Os complexos trans-SNARE resul- tantes mantém as duas membranas juntas. Ensaios bioquímicos de fusão de membranas com todas as diferen- tes combinações de SNARE mostram que o pareamento das v e t-SNAREs é altamente específico. Assim, as SNA- REs proporcionam uma etapa adicio- nal de especificidade no processo de transporte, ajudando a garantir que as vesículas se fusionem somente com a membrana-alvo correta. Os complexos trans-SNARE catali- sam a fusão de membranas ao utili- zar a energia que é liberada quando as hélices participantes se enrolam SAIBA MAIS! Cascatas de Rab podem alterar a identidade de uma organela Um domínio Rab pode ser desmontado e substituído por um domínio Rab diferente, mudan- do a identidade de uma organela. Tal recrutamento ordenado de proteínas Rab atuando de forma sequencial é chamado de cascata de Rab. 34COMPARTIMENTOS INTRACELULARES uma na outra para juntar as faces das membranas, enquanto expelem as moléculas de água para fora da interface. Na célula, outras proteínas recrutadas para o sítio de fusão, pre- sumivelmente efetoras de Rab, coo- peram com as SNAREs para acelerar a fusão. Para que o transporte vesicular fun- cione normalmente, as vesículas de transporte devem incorporar as pro- teínas SNARE e Rab apropriadas. Não é surpresa, portanto, que muitas vesículas de transporte serão forma- das somente se incorporarem o com- plemento apropriado de proteínas SNARE e Rab em suas membranas. Este processo de controle crucial ope- ra durante o brotamento da vesícula e ainda permanece um mistério. A maioria das proteínas SNARE nas células já participou de turnos múlti- plos de transporte vesicular e, algu- mas vezes, estão presentes em uma membrana como complexos estáveis com SNAREs parceiras. Os comple- xos devem ser desmontados antes que as SNAREs possam mediar novos turnos de transporte. Uma proteína crucial, chamada de NSF, alterna-se entre as membranas e o citosol e ca- talisa o processo de desmontagem. A NSF é uma ATPase hexamérica que usa a energia da hidrólise do ATP para resolver as interações estrei- tas entre os domínios helicoidais das proteínas SNAREs. A necessidade da reativação das SNAREs, mediada por NSF pela desmontagem dos comple- xos, ajuda a evitar que as membra- nas se fundam indiscriminadamente, uma vez que se as t-SNAREs de uma membrana-alvo estivessem sempre ativas, qualquer membrana conten- do uma v-SNAREs apropriada pode- ria se fusionar sempre que as duas membranas fizessem contato. Não se sabe como a atividade da NSF é controlada de forma que a maquinaria da SNARE seja ativada no momento e local corretos. Tam- bém não se sabe como as v-SNA- REs são seletivamente recuperadas e devolvidas ao seu compartimento de origem para que possam ser reuti- lizadas em vesículas transportadoras recém-formadas. SAIBA MAIS! As membranas plasmáticas de um espermatozoide e de um óvulo se fusionam durante a fertili- zação, e os mioblastos se fusionam um com o outro durante o desenvolvimento de fibras muscu- lares multinucleadas. Todas as fusões de membranas celulares demandam proteínas especiais e são reguladas rigidamente para garantir que somente as membranas apropriadas se fusionem. As fusões de membranas catalisadas por proteínas de fusão virais são bem conhecidas. Tais proteínas têm papel crucial ao permitirem a entrada de vírus envelopados (que possuem um revestimento de membrana baseado em bicamada lipídica) nas células que eles infectam. 35COMPARTIMENTOS INTRACELULARES Para iniciar a sua jornada ao longo da via secretora,as proteínas que entra- ram no RE e que são destinadas ao aparelho de Golgi ou além, são pri- meiramente empacotadas em vesí- culas de transporte revestidas por COPII. Essas vesículas brotam de re- giões especializadas do RE chama- das de sítios de saída do RE, cujas membranas não possuem ribosso- mos ligados. A entrada em vesículas que saem do RE pode ser um processo seletivo ou pode acontecer por padrão. Mui- tas proteínas de membrana são re- crutadas ativamente para dentro de tais vesículas, onde elas ficam con- centradas. Essas proteínas-carga de membrana apresentam sinais de sa- ída (transporte) na sua superfície ci- tosólica, que as proteínas adaptado- ras do revestimento interno de COPII reconhecem. Alguns desses componentes agem como receptores de carga e são reci- clados de volta para o RE depois que entregam sua carga no aparelho de Golgi. As proteínas-carga solúveis no lúmen do RE, ao contrário, possuem sinais de saída que as ligam aos re- ceptores de carga transmembrana. Proteínas sem sinais de saída tam- bém podem entrar nas vesículas de transporte, incluindo moléculas pro- teicas que, em geral, funcionam no RE, algumas das quais vazam lenta- mente para fora do RE e são entre- gues no aparelho de Golgi. A etapa de saída do RE é o principal ponto de verificação no qual o controle de qualidade é exercido sobre as pro- teínas que a célula secreta ou dispõe na sua superfície. Os sinais de saída que direcionam as proteínas solúveis para fora do RE para serem transpor- tadas para o aparelho de Golgi e para além dele, não são bem conhecidos. 36COMPARTIMENTOS INTRACELULARES Trísceles de clatrina Crescimento do broto Associação com dinamina Ajudam a curvar a membrana Agrupam filamentos de actina Destaca e propele a vesícula Vesícula liberada TRANSPORTE VESICULAR PROTEÍNAS DE CURVATURA DE MEMBRANA COP ICOP IIClatrina Fusão com membrana-alvoProteína NSF desmonta v e t-SNARES Proteínas Rab – guiam vesícula para destino v-SNARE e T-SNARE Proteínas adaptadoras Revestimento interno da vesícula Selecionam a carga Selecionam proteínas transmembranas Receptores de carga Marcadores celulares orientam o transporte REVESTIMENTO: FLUXOGRAMA TRANSPORTE VESICULAR 37COMPARTIMENTOS INTRACELULARES Via de recuperação A via de recuperação traz de volta ao RE as proteínas que escaparam, e depende dos sinais de recuperação do RE. As proteínas de membrana re- sidentes no RE, por exemplo, contêm sinais que se ligam diretamente aos revestimentos de COPI e são, assim, empacotadas nas vesículas de trans- porte revestidas por COPI para a en- trega retrógrada ao RE. O sinal de recuperação deste tipo mais bem ca- racterizado consiste em duas lisinas, seguidas por quaisquer outros dois aminoácidos, na extremidade C-ter- minal das proteínas de membrana do RE. Esse sinal é chamado de sequência KKXX, baseado no código de amino- ácidos de uma letra. As proteínas so- lúveis residentes no RE, como a BiP, também contêm um curto sinal de recuperação do RE nas suas extremi- dades C-terminais, mas este é dife- rente, ele consiste em uma sequência de Lys-Asp-Glu-Leu ou uma sequên- cia semelhante, chamado de sequên- cia KDEL. Diferentemente dos sinais de recupe- ração das proteínas de membrana do RE, que podem interagir diretamente com o revestimento de COPI, as pro- teínas residentes no RE solúveis de- vem se ligar a proteínas receptoras especializadas, como o receptor de KDEL, uma proteína transmembrana que empacota qualquer proteína que apresente tal sequência nas vesículas de transporte retrógrado. Para execu- tar essa tarefa, o próprio receptor de KDEL deve alternar entre o RE e o aparelho de Golgi, e a sua afinidade por sequências KDEL deve ser dife- rente nesses dois compartimentos. O receptor deve ter uma alta afinida- de pela sequência KDEL nos agrupa- mentos tubulares de vesículas e no aparelho de Golgi, de forma a cap- turar proteínas solúveis residentes no RE que escaparam e que estejam presentes em baixas concentrações nesses locais. Entretanto, ele deve ter uma baixa afinidade pela sequência KDEL no RE, para descarregar a car- ga apesar da concentração muito alta de proteínas solúveis residentes no RE que contêm KDEL. Como a afinidade do receptor de KDEL muda dependendo do compartimen- to onde ele reside? A resposta pro- vavelmente está relacionada ao bai- xo pH nos compartimentos do Golgi, que é regulado por bombas de H+.A maioria das proteínas de membrana que funcionam na interface entre o RE e o aparelho de Golgi, incluindo as v e as t-SNAREs e alguns receptores de carga, também entra na via de re- cuperação para o RE. 38COMPARTIMENTOS INTRACELULARES Transporte através do aparelho de Golgi Ainda não se sabe como o aparelho de Golgi alcança e mantém sua es- trutura polarizada e como as molécu- las se movem de uma cisterna para a outra, e é provável que mais de um mecanismo esteja envolvido em cada caso. Uma hipótese, chamada de modelo de maturação de cisternas, considera as cisternas de Golgi como estruturas dinâmicas que maturam de primária a tardia, adquirindo e depois perden- do proteínas específicas residentes no Golgi. De acordo com essa visão, as cisternas cis se formam continua- mente à medida que agrupamentos tubulares de vesículas chegam do RE e progressivamente amadurecem para se tornar uma cisterna média e depois uma cisterna trans. O modelo de maturação de cisternas é sustentado por estudos utilizando enzimas de Golgi de diferentes cis- ternas que foram marcadas com di- ferentes colorações de fluorescência. Também sustentando tal modelo, observações de micrografias eletrô- nicas revelaram que grandes estrutu- ras como os bastões de procolágeno em fibroblastos e escamas de certas algas, se movem progressivamente através da pilha de Golgi. Uma visão alternativa descreve que as cisternas de Golgi são estruturas duradouras que mantêm seu conjunto característico de proteínas residentes de Golgi firmemente no lugar, e as proteínas-carga são transportadas de uma cisterna para a próxima pelo transporte de vesículas. De acordo com esse modelo de transporte vesi- cular, o fluxo retrógrado de vesículas recupera as proteínas que escaparam do RE e do Golgi e as devolve aos compartimentos anteriores no fluxo. O fluxo direcional pode ser alcança- do porque as moléculas de carga que avançam são seletivamente empa- cotadas em vesículas que se movem adiante. Ainda de maneira alternativa, o deslo- camento das vesículas de transporte entre as cisternas de Golgi pode não ser de todo direcional, transportando carga aleatoriamente para trás e para frente; o fluxo direcional ocorreria, en- tão, por causa da entrada contínua na cisterna cis e saída na cisterna trans. É provável que aspectos de ambos modelos sejam verdadeiros. Um nú- cleo estável de cisternas duradouras pode existir no centro de cada cister- na de Golgi, enquanto as regiões ao redor podem sofrer contínua matu- ração, talvez usando as cascatas de Rab que mudam sua identidade. À medida que partes de cisternas ma- duras são formadas, elas podem se partir e se fusionar com cisternas se- guintes no fluxo por mecanismos de fusão homotípica, carregando gran- des moléculas-carga com elas. Além 39COMPARTIMENTOS INTRACELULARES disso, pequenas vesículas revestidas por COPI poderiam transportar pe- quenas cargas na direção para frente e recuperar enzimas que escaparam do Golgi, devolvendo-as à sua cister- na retrógrada apropriada. 10. LISOSSOMOS Os lisossomos são organelas que contêm uma variedade de enzimas capazes de hidrolisar todos os tipos de polímeros biológicos – proteínas, ácidos nucleicos, carboidratos e lipí- dios. Funcionam como o sistema di- gestivo da célula, servindo tanto para degradar material do exterior quanto da própria célula. São encontrados em todas as células eucarióticas. Eles foram inicialmente descobertos pelo fracionamento bio- químico de extratos celulares; somen- te mais
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