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Ouvir o paciente: a anamnese no 
diagnóstico clínico
João Barberino Santos* 
Resumo
          Mais do que o exame físico e os exames complementares, a anamnese é essencial para a formulação diagnóstica e para o estabelecimento das condutas médicas que irão beneficiar o paciente. A própria anamnese tem um efeito psicológico positivo e terapêutico sobre a recuperação do doente. A anamnese é, ainda, o melhor caminho para o estabelecimento da boa relação médico-paciente, indispensável no manejo clínico. A anamnese deve ser realizada de acordo com determinadas etapas, necessárias ao estabelecimento de ordem nas informações. A obtenção de uma boa anamnese requer certas qualidades e uma atitude primordialmente ética do entrevistador. Entre as dificuldades que o médico, hoje, defronta nesse mister, desponta o desleixo com que as escolas médicas estão cuidando da formação semiotécnica, o que está a exigir uma revisão dos propósitos e dos métodos de ensino da Semiologia. 
Palavras-chave
          Anamnese; Relações Médico-Paciente; História Clínica.
____________________________________________________________________
* Professor Adjunto, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, C.P. 4517, CEP 70919-970, Brasília, DF. 
A arte de ouvir 
          Etimologicamente, a palavra anamnese vem do grego anamnesis, e significa recordar19. A anamnese, na prática clínica, consiste na rememoração dos eventos pregressos relacionados à saúde, e na identificação dos sintomas e sinais atuais, no intuito principal de fazer entender, com a maior precisão possível, a história da doença atual que traz o paciente à consulta. A anamnese clínica, ao rememorar os acontecimentos referentes às condições de saúde, será tanto mais fidedigna quanto mais for relatada pelo próprio paciente. Somente o paciente pode expressar suas próprias sensações; exceções se fazem em condições de incapacidade deste, em urgências, ou quando o paciente é ainda uma criança muito nova. 
          A anamnese clínica é em si, essencialmente, um ato de comunicação entre o médico que inquire e o paciente que relata. Essa habilidade interpessoal de comunicação e a execução adequada do exame físico, constituem essencialmente os elementos venerados daquilo que se denomina a arte da Medicina21. Ora, para haver comunicação, é preciso antes de tudo saber ouvir, ou seja, deixar o doente falar para que explique, de forma suficiente, os seus males. O papel do profissional será particularmente de um ouvinte atento e de um orientador experiente à narração dos fatos. É justamente nesta tarefa de constituir-se um ouvinte interessado e competente, que reside, nos dias de hoje, o empecilho maior para se obter uma boa anamnese. Estabeleceu-se um paradoxo: ultimamente, tem havido um aumento do número de médicos e diminuído o número de horas para o paciente. Defrontado com a falta de tempo para o atendimento de filas, que se fazem cada vez maiores nos consultórios da Medicina socializada, o médico hodierno, especialmente aqueles assalariados em serviços públicos, não têm mais tempo para ouvir, ou não querem mais ouvir o seu paciente. A redução do tempo dedicado à anamnese tem sido considerada uma das principais causas da perda de qualidade do trabalho médico, de insucesso no estabelecimento da indispensável interação médico-paciente, e concorrido para a crescente desvalorização da profissão médica18. 
          A anamnese inexpressiva, cada vez mais restrita a um mínimo insignificante de informações e, portanto, cada vez mais superficial e incompleta, resulta incapaz de sugerir uma idéia aproximada do diagnóstico. As esperanças de encontrar sinais esclarecedores, concentradas no exame físico, poderão ser decepcionantes, principalmente em pacientes ambulatoriais, onde o exame físico é pobre e pode não dar nenhuma contribuição diagnóstica. Restará, então, ao médico aturdido, mas embevecido pelos avanços da tecnologia, apelar com sofreguidão aos exames laboratoriais, como último recurso para desvendar o mal que acomete o seu paciente. Mas, não é a técnica e sim a arte, enquanto arte, que permanecerá eterna: “Ars longa, vita brevis”. “Nenhuma tecnologia pode substituir a consideração cuidadosa das queixas do paciente, a arte da Medicina pela mente esclarecida do médico”11. Logo, o médico haverá de concluir que a técnica jamais prevalecerá sobre a arte: exames complementares de nada valerão à correta compreensão do que se passa com o enfermo, se não houver a devida correlação com a sintomatologia relatada pelo paciente. 
A importância da anamnese na prática clínica
          “A anamnese mantém a posição de ser a mais importante fonte de informação sobre número elevado de doenças”10. Enganam-se, portanto, os que insistem em buscar o diagnóstico essencialmente no exame físico ou, pior ainda, baseando-se apenas nos exames complementares. As informações obtidas pelo médico durante a anamnese do paciente não poderão ser obtidas de nenhuma outra fonte24. É freqüente observar-se a inquietante preocupação dos iniciantes em Medicina em fazer, por exemplo, uma ausculta cardio-respiratória perfeita, antes de se preocuparem em obter uma boa anamnese que os irá nortear na pesquisa dos sinais físicos e orientar sobre quais exames complementares devem ser solicitados. Relativo ao exemplo citado, é expressivo que apenas a história clínica tem decidido 90% de diagnósticos corretos em casos de dor torácica22.
          As deficiências decorrentes da má formação semiotécnica, ou de sua má aplicação, estão impelindo o médico a apelar ao que hoje constitui a grande distorção da prática clínica, representada pela solicitação indiscriminada de exames laboratoriais, que não só irão onerar desnecessariamente o paciente, ou o serviço público, como também poderão em nada contribuir para o esclarecimento diagnóstico. Estudo realizado por Peterson e colaboradores mostrou que a história cuidadosa foi capaz de apontar 76% de diagnósticos corretos entre os diagnósticos diferenciais, previamente listados por internistas, em pacientes de clínica geral16. Pesquisa realizada em serviços ambulatoriais da Inglaterra22 concluiu que diagnósticos corretos foram alcançados em 56% dos casos apenas com a história clínica; com o exame físico foi possível acrescentar mais 17% de acertos. Desta forma, não usando quaisquer exames complementares, houve precisão de 73% nos diagnósticos. Os exames de rotina de patologia clínica não chegaram a contribuir com 1% de certeza diagnóstica.
          É claro que o valor dos novos métodos propedêuticos tornam-se necessários à Medicina moderna, mas critica-se o exagero do uso de modo supérfluo e inútil. Condena-se a atitude eminentemente ou exclusivamente técnica daqueles preocupados com a mecânica de dados laboratoriais, de detalhes imagenológicos, esquecendo-se de todas as considerações sociais e psicológicas da pessoa enferma, que representam o tipo do profissional que se interessa mais pela doença do que pelo doente. Os exames laboratoriais são complementares, “a máquina complementa o homem e não o homem comple-menta a máquina”5. Justamente essa atração pelas novidades da ciência perante a monotonia das queixas dos enfermos tem levado, de maneira progressiva, a uma redução na visão do enfermo como ser humano e a uma exaltação das técnicas utilizadas, dando lugar à chamada Medicina desumana5,8. 
          Além da importância incontestável ao diagnóstico, a coleta dos dados anamnésticos permitirá estabelecer uma empatia entre os comunicantes, fundamental para a boa relação médico-paciente. Empatia significa colocar-se no lugar do outro e sua essência reside no acurado entendimento dos sentimentos da outra pessoa, na capacidade de entender mais claramente o significado da doença para o doente3. A boa relação médico-paciente melhora a qualidade do atendimento, promove a satisfação do cliente, afeta positivamente o seguimento, permitindo cuidados efetivos e satisfatórios14,25. A boa relação médico-paciente estabelece, portanto, a plenaconfiança, colaboração e adesão interessada do paciente às condutas diagnósticas e terapêuticas, facilitando o processo de cura, objetivo do mister médico.
          A anamnese não é somente básica para o raciocínio clínico mas, constitui, mesmo, início de tratamento5,7,10,14. A chave terapêutica pela qual a excelente comunicação médica pode curar o mal-estar e ou a doença está na redução da depressão e da ansiedade14, presentes em mais de 35% dos pacientes que procuram os consultórios27. A anamnese exerce um efeito psicológico positivo sobre a recuperação do paciente, “uma relação terapêutica”23, a ponto de Balint & Novell 1 afirmarem que “quando o doente não se sente melhor depois da consulta ao médico, é porque este é um mau médico”. Essa melhora, por mais momentânea que seja, corresponde ao estabelecimento de uma relação de confiança entre o médico e o paciente, que começa a ser alicerçada na entrevista médica.
As etapas da anamnese
          Com a finalidade de clareza nas informações e de estabelecer uma ordem na exposição dos diferentes fatos informados, é de praxe desenvolver-se a anamnese por etapas. 
          A anamnese começa com a “Queixa Principal” do paciente, o motivo principal que o trouxe à procura dos cuidados médicos. A queixa principal, geralmente, é o sintoma ou sinal-chave para o diagnóstico, em torno da(o) qual giram todas as informações complementares da história clínica. A queixa principal é, pois, a informação soberana, à qual se segue o chamado cortejo clínico, constituído por todos os demais sintomas e sinais. É possível que, após completados a anamnese e o exame físico, o médico venha a concluir pela existência de um outro sinal, ou até mesmo de um sintoma, mais importante do que aquele relatado como principal. Contudo, o clínico não pode absolutamente ignorar nem menosprezar aquilo a que o paciente empresta importância capital, ao relatar a sua doença. Deve-se sempre ter em mente que a queixa principal é a do paciente, e não a do médico. 
          A seguir, inquire-se sobre a “História da Doença Atual” propriamente dita. Dentro da anamnese, é a história clínica o elemento fundamental para a formulação da hipótese diagnóstica ou, até mesmo, em muitos casos, do diagnóstico exato. Aqui, em verdade, é o paciente quem irá dizer, ao médico, qual é o seu diagnóstico. É claro que ele não irá nomear explicitamente o seu mal mas, como toda doença se manifesta sob a forma de sinais e de sintomas, ele o irá dizê-lo nas entrelinhas da história. Caberá ao médico ouvinte a concatenação e a interpretação corretas dos fatos, valendo-se dos seus conhecimentos clínicos. 
          A anamnese é complementada pelos “Antecedentes Fisiológicos, Familiares, Epidemiológicos, Patológicos e Sociais”, que investigam fatos pretéritos ou presentes da vida do paciente, precursores da enfermidade, ou a sua ligação com a doença atual. Além disso, os antecedentes permitem descobrir o significado orgânico, psíquico e social que a doença traz para o paciente, para a sua família e para o seu trabalho. 
Qualidades do médico para fazer uma boa história
          Para obter uma história clínica, além de saber ouvir e de ganhar a confiança do doente, o historiador deverá reunir três qualidades essenciais.
          Em primeiro lugar, deve ter a perspicácia de um DETETIVE, na tarefa de reunir o maior número de pistas diagnósticas, representadas pelos sintomas e pelos sinais, e estudá-las em profundidade, dissecando-as em todos os itens cabíveis de investigação. Depois, pela reunião de todos os indícios levantados, ordenando-os como peças de um quebra-cabeça das quais deve conhecer todos os detalhes, ângulos e arestas, poderá então ter a visão geral do quadro clínico e a formulação diagnóstica. Em histórias muito longas, com vários anos de duração, há de ter-se o cuidado de não se perder em um verdadeiro mar de informações prestadas, muitas vezes colaterais, irrelevantes ou inúteis, capazes de confundir e desviar o rumo do relato da doença básica para caminhos acessórios, distanciando-se e perdendo-se a objetividade da história principal. Essa é uma característica de pacientes hipocondríacos mas, também, ocorre freqüentemente com pacientes da área rural, devido ao pouco contacto com os profissionais de saúde, ou por falta destes ou por falta de oportunidades para consultas, os quais, quando se vêem diante do médico, parecem querer contar tudo o que já sentiram, tudo o que estão sentindo e, até mesmo, previdentemente, tudo o que têm mêdo de virem a sentir. 
          A segunda qualidade do bom historiador clínico é a de ser um bom REDATOR, tendo a capacidade de ordenar todos os fatos em ordem cronológica e sistemática, respeitando os sintomas e sinais ligados a cada sistema do organismo, tanto quanto possível. É obvio que também deverá obedecer às regras gramaticais do vernáculo, em português técnico e correto. Dessa forma, a história deverá ter a qualidade de clareza cristalina para quem a lê, quanto ao início, evolução e estado atual do processo mórbido. Uma história bem feita é aquela que, lida em qualquer tempo ou espaço, mesmo na ausência do paciente, proporcionará a visão mais clara e completa possível da situação clínica relatada. 
          Enfim, obviamente, ninguém poderá fazer uma boa história clínica se não tiver a formação médica básica. Essa qualidade é que permitirá saber o que perguntar, como perguntar, o que ligar à doença principal, que pistas deverão ser melhor e completamente investigadas, e quais deverão ser colocadas em plano secundário, senão desprezadas, a fim de que todo o painel da história resulte completo e objetivo. Em outras palavras, é preciso que o historiador clínico seja... MÉDICO! Sem essa premissa, qualquer um detetive policial, qualquer um dos nossos maiores historiadores ou romancistas poderiam redigir a melhor das histórias clínicas...
Atitude do médico durante a obtenção da anamnese
          Há, na extensa literatura sobre a Semiologia Médica2,4,10,13,14,20, inúmeras recomendações de como o médico deve apresentar-se e comportar-se durante a anamnese e como conduzi-la. A recapitulação de algumas delas, como é feito a seguir, é indispensável:
          - O médico deve apresentar-se com sobriedade, devidamente uniformizado, pelo menos com um jaleco branco e limpo. A figura do médico há de sempre inspirar segurança, equilíbrio, respeito e confiança, condições básicas para a boa relação médico-paciente.
          - A abordagem deve ser feita de uma maneira confiante, delicada e competente. É recomendado iniciá-la com um caloroso bom-dia e da apresentação do médico pelo seu nome e especialidade. Por outro lado, o examinador deverá conhecer, com antecipação, o nome do paciente, pelo qual este será sempre mencionado e, se for adulto, de senhor fulano ou dona fulana. Jamais deve se referir ao paciente, principalmente em sua presença, pelo número de registro ou do leito de enfermaria, conduta que caracteriza despersonalização e distanciamento para com a pessoa atendida. 
          - Ao paciente, deve ser assegurado o caráter de confidência, de segredo médico à entrevista, aos detalhes de sua vida íntima que irá revelar. 
          - A entrevista deve transcorrer em clima de absoluta tranqüilidade e privacidade, sem pressa, evitando-se a tensão e a precipitação que possam atrapalhar a memória do informante. A melhor maneira de conduzir a anamnese é permitir ao paciente expressar-se livremente em suas próprias palavras, sem lhe impor idéias ou sugestões diagnósticas. Pode-se interpelá-lo, eventualmente, sobre o significado de termos e expressões usados, quando se faz necessário conhecer a real conotação que o paciente lhes empresta. Ao médico, é importante a capacidade de observar o problema, do ponto de vista do paciente. Além disso, carece-lhe ser um ouvinte atento e possuir muita paciência para ouvir, evitando interrupções desnecessárias, a não ser quando for preciso para direcionar o curso da narrativa que interessa ao diagnóstico, devendo fazê-lo com toda gentilezae, não, à “maneira de uma corte de justiça”13.
          - Atitudes como fumar, sentar-se ou por os pés no leito do paciente, colocar a pasta sobre a mesa de suas refeições, denotam menosprezo, falta de respeito, invasão do território do enfermo. O médico há de ter uma atitude elegante e ética, tanto quanto lhe for possível, no trato com os seus pacientes. 
          - À medida que avança a anamnese, o médico vai estreitando a relação médico-paciente, conhecendo a personalidade e o temperamento do seu cliente, o que irá lhe valer como importante indicador na condução do interrogatório24. Há pacientes introvertidos, que se sentem mais seguros e melhor atendidos quando o médico é sério e circunspecto, não admitindo quaisquer brincadeiras no curso da entrevista; outros há, extrovertidos, que apreciam e se apegam a médicos também extrovertidos, alegres, que por vezes lhes contam algo engraçado; mesmo assim, não se deve atingir os excessos. São indecorosas, ao médico, as piadas e as gargalhadas inconvenientes diante do doente, humilhado com suas reações de insegurança, pleno de ansiedades quanto à sua doença e às suas perspectivas; pior ainda quando, ao lado, podem estar os seus familiares apreensivos, não raro entre lágrimas, a ouvir o gargalhar insensível daquele de quem esperam a compaixão e o interesse genuíno pelo bem-estar do seu parente enfermo. A inversão da conduta médica, nesses aspectos, certamente irá render dissabores ao profissional, processos jurídicos contra atitudes anti-éticas ou, no mínimo, a desistência do paciente em continuar com aquele que o atende25. 
Dificuldades na obtenção da anamnese
          Inerente à condição humana, existe uma gama imensa de tipos de pacientes10,13,17. Há os que falam demais, outros que se escondem sob um mutismo inviolável, outros evasivos, tímidos, melancólicos, emotivos, paranóicos, maníacos, histéricos e, até, hostis diante do médico e das ações médicas. A abordagem e o estilo da entrevista irão variar em cada caso, devendo-se acomodá-los aos diferentes estilos de pacientes. No entanto, em todas as situações, entrará em ação o preparo profissional, a formação ética, a habilidade do interrogador, a boa relação médico-paciente e, sobretudo, o dom da verdadeira vocação. O paciente deve ser estimulado à colaboração espontânea e encorajado a falar livremente. É expressamente vedado ao médico o engodo, a ameaça, a chantagem, a coação ou qualquer outro método agressivo para obter a informação desejada. A Medicina é, antes de tudo, uma ciência de relações humanas: todo o processo de curar pode admitir-se como resultante de uma perfeita comunicação entre o paciente e o médico. 
          Outras situações clínicas ainda mais complexas tornam mais difícil a obtenção da anamnese e a definição da doença atual13: existência de mais de uma doença, doenças crônicas recurrentes, complicações de uma doença pré-existente, complicações do tratamento, etc. Na maioria das vezes, essas dificuldades são dirimidas através da investigação objetiva dos antecedentes e pela definição das associações mórbidas presentes, no decorrer da entrevista. 
          Contudo, talvez a maior de todas as dificuldades hoje enfrentada pelos médicos para uma necessária boa anamnese tem sido o desleixo no ensino da Semiologia na Faculdade de Medicina e a falta de consolidação da base do conhecimento semiológico, ao longo do período de graduação e pós-graduação6,15,24. Nos Estados Unidos, o assunto é motivo de grande preocupação entre educadores e pesquisadores em ensino médico, que chamam a atenção para a urgente necessidade de programas de treinamento dentro do currículo da Residência em Medicina interna, a fim de assegurar que a proficiência nessas habilidades seja continuamente objetivada e avaliada9,12,24,26,28. Em nosso meio, embora ainda não avaliada quantitativamente, observa-se uma perda gradual da riqueza e da precisão das informações obtidas na anamnese, no transcorrer da graduação, após concluída a disciplina de Semiologia, durante as fases de Internato e de Residência Médica. A perícia na arte de efetuar uma história detalhada e completa passa a ser vista, desdenhosamente, como exigência exagerada que o professor deva fazer, exclusivamente, ao aprendiz iniciante. No entanto, a revalorização da anamnese está sendo considerada o movimento mais importante, no momento atual, para que se possa recuperar o prestígio da profissão médica18. Diversas estratégias para a revigoração da prática da semiologia, em nosso meio, têm sido propostas15. Com referência específica à anamnese, no âmbito do curso de Medicina, devem ser enfatizados os seguintes pontos:
          1) melhor estruturação e atualização do ensino teórico e prático da anamnese, inclusive com a utilização dos recursos modernos da multimídia e de laboratório de habilidades; 
          2) maior tempo destinado ao aperfeiçoamento da obtenção da história, durante o treinamento clínico-semiológico;
          3) manutenção da continuidade de ensino e avaliação, primordialmente prática, da habilidade na entrevista médica e da competência de interação médico-paciente, durante o Internato e a Residência Médica;
          4) maior empenho na valorização da história clínica, na formulação diagnóstica e na conduta clínica, nas discussões em visitas, sessões clínicas e sessões anátomo-clínicas;
          5) maior interesse das escolas médicas em prover adequado número de professores clínicos peritos no ensino da anamnese, dotados de interesse e entusiasmo naturais para ensiná-la à beira do leito;
          6) incluir a apreciação da formação semiológica, de habilidades anamnésicas e da capacidade de correlacionar a sintomatologia na construção diagnóstica, dos candidatos em concursos de seleção para pós-graduação e, principalmente, para a docência em Medicina;
          7) encorajar a pesquisa sobre a utilidade da anamnese no diagnóstico, na terapêutica e na satisfação do paciente com a consulta médica.
Conclusão
          O exercício do verdadeiro mister da Medicina exige, no momento, um retorno à intensificação da prática de normas mais médicas, realmente dirigidas ao bem-estar total daquele que sofre, dentro da visão integral do ser humano. As escolas médicas têm a responsabilidade inalienável de exigir e vigiar a manutenção de um melhor ensino da anamnese. Não se pode conceber que em países ricos, dotados de maiores recursos técnicos, a classe médica esteja mais engajada na maior valorização da anamnese e da boa relação médico-paciente, enquanto médicos dos chamados países em desenvolvimento estejam solicitando, cada vez mais, dispendiosos exames laboratoriais, em detrimento da Semiologia. A anamnese é, ainda hoje, o elemento mais importante da clínica para o estabelecimento da relação médico-paciente, do diagnóstico e das condutas terapêuticas que irão determinar a cura ou o alívio do padecente. Trata-se de um ato de comunicação, que exige do médico a qualidade primordial de um bom ouvinte, uma interação perfeita e uma identificação recíproca com o seu paciente.
Agradecimento
          O autor expressa seu agradecimento ao professor Leopoldo Santos Neto, Coordenador da disciplina de Semiologia na Faculdade de Ciências da Saúde (UnB), pelas valiosas sugestões e revisão do texto.
_______________________________________
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