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HISTÓRIA DO JAPÃO Uma Introdução EMILIANO UNZER MACEDO ________________________________________________________________ Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica feita pelo autor ________________________________________________________________ M141h Macedo, Emiliano Unzer, 1977 – História do Japão: uma introdução / San Bernadino, Califórnia, EUA: Amazon Independent Publihing, 2017. 180p. : il. ; 23 cm Inclui bibliografia. ISBN: 978-15-21298-13-8 1. Japão – História. I. Título. CDU: 94(52) ________________________________________________________________ Copyright © 2018 Emiliano Unzer Macedo Todos os direitos reservados. ISBN: 9781521298138 À Míriam, por tudo. E ao Tito, pelos latidos. Ajuntamos trinta raios e chamamos isso uma roda; mas é no espaço onde não há nada que a utilidade da roda depende. Transformamos argila para fazer um vaso: mas é no espaço onde não há nada que a utilidade do vaso depende. Atravessamos portas e janelas para fazer uma casa; e é nesses espaços onde não há nada que a utilidade da casa depende. Portanto, assim como aproveitamos o que é, devemos reconhecer a utilidade do que não é (Tradução nossa) Laozi (séculos 5 ou 6 a. C. – 531 a. C.) , Tao Te Ching, Capítulo 11. SUMÁRIO INTRODUÇÃO DAS ORIGENS AO PERÍODO HEIAN (c. 10000 a. C. – 1185 d. C.) O Período Jomon (c. 10 000 a. C. – c. 300 a. C.) O período Yayoi (c. 300 a. C. – c. 250 d. C.) O período Kofun e o surgimento do Estado Yamato (c. 250 d. C. – 710 d. C.) Período Nara (710 d. C. – 794 d. C.) Período Heian (794 – 987) DE KAMAKURA À IEYASU TOKUGAWA (1185 - 1600) O Período Kamakura (1185 - 1333) O período Muromachi (1333 - 1568) O período Sengoku e a ordem Azuchi-Momoyama (1467 – 1603) DO PERÍODO EDO À ERA MEIJI (1603 - 1912) O Período Edo e a Dinastia dos Tokugawas (1603 – 1868) O declínio e fim do Período Edo e dos Tokugawas A Era Meiji DA ERA TAISHÔ À HEISEI (1912 – início do século 21) Política e sociedade no período Taishô O Império do Sol Nascente BIBLIOGRAFIA OBSERVAÇÕES Os nomes japoneses vem, por tradição, primeiro o nome familiar e depois o nome individual, privilégio para poucos até as reformas do século 19. Optou-se por usar a maneira convencional ocidental, primeiro o nome dado seguido pelo sobrenome, para evitar maiores confusões. Alguns termos japoneses foram preservados e mantidos em itálico sempre que possível com os caracteres japoneses, como daimiôs, shugo e bakufu, pois visou-se apresentar o termo mais rigoroso e uma referência para futuros pesquisadores. Mas em outros, por questões de familiaridade na literatura, manteve-se a grafia mais aportuguesada, como nos casos de “xogum” e “samurai”. O mesmo foi mantido no caso de algumas cidades conhecidas, como Quioto (e não Kyoto) e Tóquio (e não Tokyo), novamente a fim de manter a familiaridade do leitor brasileiro com os termos. Sobre a temporalidade, almejou-se dividir a história em épocas que guardam uma coerência histórica, muitas das vezes em torno de uma capital (como Heian, antigo nome de Quioto, Kamakura, Muramachi e Edo), em torno do imperador (Meiji, Taishô, Showa, Heisei), e em outros foi enfatizada a desunião do reino e os conflitos civis, como no caso de Sengoku. INTRODUÇÃO O Japão desde muito é causa de imaginação e fascinação do mundo ocidental. Nascido nas suas origens envoltos em mitos das disputas entre os deuses, Amaterasu e Susano-o, e partir dos Yamatos sob a liderança de Jimmu, as ilhas japonesas traçaram uma trajetória histórica toda própria que aguçou-lhe o senso de singularidade e, por vezes, de isolamento. Ao final desse percurso histórico, o Japão soube se reerguer como o fez repetidas vezes após prolongados conflitos civis, e se tornar uma das mais desenvolvidas sociedades do mundo atual. Visando apresentar uma narrativa mais política e social do Japão, não foi dada maior análise na obra a questões econômicas e militares. E para a decepção de muitos fãs no mundo, pouco esclareço a respeito das artes marciais e samurais. O intento da obra foi mais apresentar uma visão histórica introdutória do Japão, com alguns enfoques nas mudanças sociais e culturais (como não deixar de se admirar pelas notáveis obras do período Heian ou da época de Yoshimasa Ashikaga?). Ao mesmo tempo, tomou-se a precaução de evitar retratar o Japão como algo exótico, misterioso e atemporal, conforme nos alertou sobre o conceito de orientalismo de Edward Said [1]. Os japoneses sempre tiveram seu protagonismo histórico nas mudanças, conflitos, adaptações e criatividades. Em outras palavras, o Japão não deve ser visto como uma curiosa peça de museu de arte oriental. O Japão, tema dessa obra, sempre fascinou o mundo ocidental desde as narrativas de Marco Pólo no seu livro de viagens do século 13, que se referia à ilha como “Cipango” e que incendiou a imaginação do navegador Cristóvão Colombo, aos portugueses que foram os primeiros ocidentais a aportar no sul do Japão em 1543, quando fundaram a cidade de Nagasaki. Mesma cidade que quase 400 anos depois explodiu uma bomba atômica e forçou o comando japonês à rendição na Segunda Guerra Mundial. Por fim, essa pequena obra visa antes de tudo a oferecer ao leitor brasileiro e aqueles da língua portuguesa mais uma opção de leitura sobre uma dos países asiáticos mais singulares e fascinantes, o Japão. Mapa com as capitais históricas do Japão. Fonte: https://tinyurl.com/y8n76ddp Mapa do Japão com as regiões destacadas. Fonte: https://tinyurl.com/ybwb866l DAS ORIGENS AO PERÍODO HEIAN (c. 10000 a. C. – 1185 d. C.) Há um antigo mito de criação narrado na literatura xintoísta, no Kojiki ("Crônica dos Assuntos Antigos") (711 - 713 d. C.) e no Nihongi (ou Nihon Shoki, "Crônicas do Japão") (720 d. C.) que nos conta que as ilhas japonesas foram criadas pelos deuses, dois dos quais – o elemento masculino, Izanagi, e o feminino, Izanami – desceram dos céus para se encarregar a respeito. Com eles, trouxeram à vida inúmeras forças e divindades (kami, � , “divindade”) como os que atuam nos mares, rios, ventos, florestas e montanhas. Duas dessas divindades criadas, a deusa Sol, a fonte e força primordial de todas as formas de vida, Amaterasu Omikami, e seu irmão, o deus da Tempestade, Susano-o, acabaram se desentendendo e emergiu vitoriosa a deusa, Amaterasu. Nesse sentido, a força ordeira da natureza prevaleceu sobre o caos, a desordem, a tempestade. Vencido mas não suprimido, a força destrutiva da natureza sempre permaneceu à espreita sobre as ilhas japonesas. Amaterasu, subsequentemente, enviou seu neto, Ninigi, a governar sobre as ilhas sagradas criadas. Ninigi levou consigo na sua tarefa, três insígnias imperiais, uma joia curva (magatama, ��), um espelho e uma "espada das nuvens aglomeradas", e assim reinou sobre a ilha de Kyushu. Seu descendente, Jimmu, identificado como o primeiro imperador do Japão, partiu ao nordeste para conquistar Yamato, hoje uma região de planície ao sul da ilha maior de Honshu, em torno da província de Nara. De acordo com a tradição, Jimmu, acompanhado de sua clã (uji) estabeleceu na região conquistada uma linhagem imperial ininterrupta da deusa Amaterasu até os dias de hoje e fundou a Terra do Sol Nascente em 660 a. C. Em bases arqueológicas, as atividades dos hominídeos no Japão remetem há cerca de 200 mil a. C., época em que as ilhas eram ligadas ao continente asiático. Apesar de alimentar vivo debate entre os estudiosos na área, a maioria concorda de que por volta de 40 mil a. C. houve uma conexão das ilhascom a parte continental no período de maior glaciação. Entre 35 mil e 30 mil a. C., o Homo sapiens deu provas de que migrou para as ilhas japonesas advindos do leste e sudeste asiático, e apresentou uma atividade de caça e coleta, assim como o fabrico de ferramentas e utensílios de pedra. Vestígios dessa era são encontrados em todo o Japão, desde habitações, pontas líticas e fósseis humanos. Essa cultura, paleolítica, será em boa parte extinta nas ilhas em fins do período Yayoi no terceiro século d. C., exceto em áreas em Hokkaido ao norte e nas ilhas Okinawa ao sul [2]. O Período Jomon (c. 10 000 a. C. – c. 300 a. C.) Padrões mais sedentários de vida começaram a aparecer por volta de 10 mil a. C., no considerado período Jomon (do japonês Jōmon-jidai, � � � � , “marcado pelo cordão”, c. 10 000 – 300 a. C.) e são esses os possíveis ancestrais dos ainos do Japão em tempos contemporâneos [3]. A cultura Jomon deixou um claro registro arqueológico, pois por volta de 3000 a. C. foram encontradas inúmeras figuras e vasos de argila decorados com padrões sofisticados feitos com o uso de cordas (jômon, ��) e galhos [4]. Esses povos também fizeram uso de utensílios de pedra lascada, armadilhas e arcos nas suas atividades de caça, coleta e pesca. Praticaram uma forma simples de agricultura e há vestígios de suas moradias coletivas em cavernas, covas e abrigos temporários. As evidências de comida encontradas consistiram em carne de urso, peixes, mariscos, inhames, uvas selvagens, nozes, castanhas e sementes. Por volta de 5000 a. C., os povos do período Jomon começaram a se assentar em aldeias sedentárias, uma delas, a maior descoberta, cobriu uma área cerca de 400 metros quadrados a abrigar umas 500 pessoas. Os assentamentos próximos do mar dependeram fundamentalmente da pesca, enquanto os mais interioranos voltaram-se para a caça e a explorar as possibilidades da fauna e flora da estação. Os abrigos desenvolveram-se em torno de um fogo e com indícios de colunas a sustentar uma proteção contra as intempéries. As mudanças nas habitações sedentárias e do meio de vida resultaram em significativa mudança populacional. Por volta de 5000 a. C., a população de Jomon cresceu de cerca de 20 mil para 100 mil, e depois a dobrar para 200 mil por volta de 3000 a. C. Apesar das notáveis mudanças sedentárias, a agricultura somente se estabeleceu com a introdução e o cultivo do arroz no período final de Jomon. Ademais, por volta de 900 a. C., há evidências da forja do ferro, aparentemente originados da região sudoeste japonesa, em Kyushu, mais próxima da península coreana. A tecnologia Jomon, na sua maior parte, consistiu de instrumentos de pedra e madeira como facas e machados, assim como o arco e flecha. Juntamente com essas ferramentas, foram encontradas armadilhas e alçapões na caça. O vestuário advinha principalmente da casca de árvores locais como a amoreira, costuradas com o uso de agulhas de ossos que forneceu meios para tecer cestas de vime. Perto dos mares, instrumentos de pesca como arpões e ganchos foram encontrados, além de grandes canoas escavadas de troncos de árvores como as encontradas num sítio em Nakazato [5], o que se presume de que eram exímios pescadores. A cerâmica Jomon era feita à mão, sem o uso da roda de oleira, no uso de argila mole misturada com fibras e conchas amassadas para maior firmeza. A parte exterior e interior da cerâmica era alisada por ferramentas e depois cozidas no fogo. Os restos da cerâmica Jomon são os mais antigos datados do mundo, remetendo em sua forma incipiente ao período de 10 000 a. C. a 5000 a. C., quando os vasos caracteristicamente apresentam um fundo redondo com a finalidade de cozimento no fogo em pilhas e pedras e areia. De 5000 a. C. a 3000 a. C. os vasos começam a ter um fundo achatado, com a intenção de uso interno doméstico. A fase posterior, de 3000 a. C. a 1000 a. C., os vasos apresentam uma decoração mais elaborada, ilustrada com figuras de fogo, serpentes e outros do imaginário local (fig. 1). No período tardio Jomon que se estende até 300 a. C., os vasos são mais finos e ganharam maior variedade de forma conforme o seu uso [6]. Figura 1 – Cerâmica Jomon do Período Médio (2500 a C. – 1500 a. C.) com destaque para as marcas de corda e elaboradas figuras em forma de fogo e figuras imaginárias. Fonte: https://tinyurl.com/y7eeb269 https://tinyurl.com/y7eeb269 Os rituais e crenças do período Jomon são inferidos a partir das evidências encontradas de enterro de infantes em grandes vasos, adultos em covas e montes de conchas nas proximidades das vilas, assim como a presença de oferendas e ornamentos com significado cerimonial fúnebre dos períodos Médio (2500 a. C. – 1500 a. C. ) e Tardio (1500 a. C. – 300 a. C.). No período Jomon Antigo (4000 a. C. – 2500 a. C.), há evidências de figuras em foram humana feitas de argila chamadas de dogū( � � ) que variam de tamanho e aspecto, de três centímetros a 30 centímetros. No período Médio, essas figuras são mais numerosas e são retratadas com formas femininas com a finalidade de promover a fertilidade e gravidez. No período Jomon Tardio, uma mudança dramática ocorreu de acordo com os achados arqueológicos. Os cultivos agrícolas anteriores deram lugar a uma agricultura sofisticada em torno do arroz, denotando uma forma de organização coletiva maior, e que resultou em sociedades mais populosas [7]. Uma tremenda mudança resultou disso, em termos militares, religiosos e econômicos. O período Yayoi (c. 300 a. C. – c. 250 d. C.) O próximo período histórico, o Yayoi ( � � � � ), assim nomeado pelas localidades no centro de Tóquio onde foram descobertas as suas primeiras evidências, floresceu entre 300 a. C. a 250 d. C. a partir de partes meridionais de Kyushu até ao norte da ilha principal de Honshu. O período foi crucial para a história japonesa, pois os elementos e culturas estrangeiras advindos do leste asiático se misturaram com os aborígines presentes do período Jomon. A proximidade de Kyushu com a península coreana foi provavelmente o trajeto principal por onde migrações populacionais continentais adentraram as ilhas japonesas, e trouxeram consigo novas técnicas de metalurgia do ferro e do plantio do arroz, algo fundamental para o crescimento populacional e agrícola. A mudança conceitual desse período com a anterior foi sumamente nítida [8]. Os debates acerca das contribuições sobre o surgimento do período Yayoi permanecem vivos entre o meio acadêmico, mas a maioria dos estudiosos em tempos recentes aponta para uma mistura de contribuições advindas de povos coreanos com aqueles habitantes aborígines do período Jomon (fig. 2). Ainda não se sabe ao certo a origem do cultivo do arroz que se alastrou pelas ilhas, mas parece indicar, pelos achados na cidade de Okayama em 2005 [9], pela sua variedade genética (Oryza sativa japonica), o sul da China e o Laos que chegou ao Japão pelo sul, através de Okinawa, e deste para a península coreana. Figura 2 – Mapa das possíveis rotas de imigração Yayoi e o posterior deslocamento Jomon ao norte e sul. Fonte: https://tinyurl.com/yaf6yow7 Com o estabelecimento do cultivo do arroz pelo Japão, as sociedades cresceram em tamanho, de uma população estimada em 70 mil ao final de Jomon para até três milhões de habitantes no período final Yoyai à altura de 250 d. C. Um crescimento proporcional único na história japonesa. A maior parte desse crescimento se deu nas partes ocidentais do Japão, onde o cultivo e a distribuição do arroz foram mais impactantes. Ademais, foi nessa região onde chegaram significativas levas migratórias da península coreana próxima a oeste, através do Estreito de Tsushima [10]. Na área da cerâmica, contudo, o período Yayoi não apresentou a mesma riqueza decorativa produzida pelo período tardio de Jomon. Apesar disso, foi produzido usando os mesmos materiais da argila e da técnica do cozimento. As roupas também permaneceram sendo feitas a partir de cascas e do https://tinyurl.com/yaf6yow7 cânhamo, e com algum conhecimento da seda, presentedesde o período Jomon conforme achado em Hokkaido [11]. Os japoneses de Yayoi demonstraram capacidade de forjar objetos feitos a partir do bronze, como evidenciado em sinos (dôtaku) e espelhos (dokyô), além de produtos a partir do ferro como armas e instrumentos agrícolas (fig. 3). O ferro, numa tendência reversa global, foi introduzido antes do bronze no Japão, a partir de 300 a. C. Nesse sentido, o ferro foi material para a confecção de instrumentos funcionais, e o bronze para aqueles mais cerimoniais. Figura 3 – Sino de bronze, dôtaku, do período Yayoi, 3º. Século a. C. Fonte: https://tinyurl.com/y8clh9df Com o crescimento populacional, a sociedade Yayoi se tornou mais complexa e estratificada. Os assentamentos se tornaram em boa parte permanentes, com construções de madeira e pedra. Houve sinais de acúmulo de recursos, como grãos, e de riqueza que distinguiu alguns poucos sobre a maioria. O cultivo em arrozais requereu grande insumo de trabalho humano, o que acarretou numa sociedade agrária estratificada e sedentária. Mas ao contrário da China que desenvolveu sociedades altamente centralizadas a coordenar as obras públicas necessárias para o provimento aquático, no Japão, pela relativa abundância de água, as sociedades agrárias organizaram- se mais a nível local, em múltiplas unidades políticas. O grande número de armas encontrado nos túmulos Yayoi aponta possivelmente para um constante período de turbulências e guerras entre as unidades políticas. De alguns túmulos, foram achados mais de mil esqueletos que tiveram morte violenta. Ademais, nos arredores das vilas, havia quase sempre um monte ou elevação com alguma torre de vigilância à espera de um sinal de uma força inimiga. Em outras vilas, havia grandes fossos ao redor de um conjunto de vilas, como a escavada em Otsuka, em Kanto, em Ogidani, perto de Quioto, e em Yoshinogari, no norte de Kyushu. Nesses, havia sinais do uso de barricadas, paliçadas e muralhas [12] (fig . 4). https://tinyurl.com/y8clh9df Figura 4 – Reconstrução de uma fortificação e fosso do período Yayoi em Tawaramoto, em Nara. Fonte: https://tinyurl.com/yd3a2ak5 As primeiras referências escritas sobre o Japão são de fontes chinesas que aludem a eles como o reino de Wa (�, “anões”) no ano de 82 d. C. na obra Han Shu (História de Han). Os primeiros historiadores chineses do período descreveram Wa como uma terra de múltiplas comunidades dispersas, mais de uma centena, e não unificada como expressa o livro Nihongi que considerou a fundação do Japão como reino em 660 a. C. Outras fontes chinesas, como o Wei Chih (“História de Wei”) de 297 d. C., relataram que as pessoas de Wa viviam de vegetais crus, arroz e peixes servidos em bandejas de bambu e madeira. As relações sociais eram pautadas entre mestre e vassalos, havia cobrança regular de impostos, celeiros e mercados provinciais e, nos cultos religiosos, batiam palmas em adoração (algo ainda feito em cerimônias xintoístas) e construíram grandes túmulos de terra. No aspecto político, há relatos de violentas lutas de sucessão pelo poder, e referência de uma regente feminina, Himiko, de uma federação política chamada de Yamatai que teria florescido no século 3. Himiko reinou como líder espiritual, e os negócios de Estado ficaram no https://tinyurl.com/yd3a2ak5 encargo de seu irmão mais novo que buscou incluir relações diplomáticas com a corte chinesa do reino de Wei (220 d. C. – 265 d. C.) [13]. Nessa busca de relações com a corte chinesa, foi reconhecido o reino de Wa como tributário do imperador chinês. Mas ao contrário de outros regentes pelo mundo sino-asiático, toda a terra de Wa foi aceito como plenamente soberano, e Himiko chegou a receber generosos presentes dos chineses, tecidos, joias e espelhos. Após a morte de Himiko, ainda de acordo com as fontes chinesas, veio o caos pela sucessão e sua irmã de 13 anos de idade, Iyo, acabou chegando ao trono. As referências geográficas do reino são controversas, pois muitos estudiosos identificam o suposto reino de Yamatai, descrito no Wei Chih, como o de Yamato, na bacia de Nara, na região sul de Honshu (fig. 5), que foi local originário do Estado japonês algumas centenas de anos depois, mas outros defendem que Yamatai se localizaria mais próximo ao continente asiático, no norte de Kyushu [14]. Figura 5 – Localização da província de Yamato, ao sul da ilha de Honshu. Ao sudoeste, mais próxima à península coreana, fica a ilha de Kyushu. Fonte: https://tinyurl.com/y9uu5gu7 O período Kofun e o surgimento do Estado Yamato (c. 250 d. C. – 710 d. C.) Por volta do ano de 250 d. C., grandes túmulos fúnebres começaram a aparecer pelo Japão, de acordo com os achados arqueológicos. São de dimensões extraordinárias, como a atribuída a imperadora Jingu, medindo cerca de 275 metros de extensão, com inúmeras armas e outros instrumentos de ferro e outros metais a demonstrar a riqueza e o poder de uma elite. A maioria desses grandes túmulos, (�� , kofun, em japonês), se concentraram em torno das cidades de Nara e Osaka (fig. 6), mas também em várias outras localidades japonesas. Figura 6 – Vista área do maior túmulo kofun do Japão, em Sakai, Nara. Fonte: https://tinyurl.com/y739jmgj Isso condiz com o que as crônicas chinesas relataram sobre o crescente poderio de uma elite sobre as demais entidades políticas do Japão à época. No entanto, esses relatos deixaram de informar sobre as ilhas japonesas nos próximos 170 anos depois de 250 d. C., consistindo esse período de certo mistério e maior especulação histórica. Antes desse período crucial as crônicas japonesas situaram a descendência imperial de Jimmu que provou ser de autenticidade histórica duvidosa. Entre as histórias relatadas estão a da imperadora Jingu, que supostamente comandou uma invasão naval na Coreia https://tinyurl.com/y739jmgj e assim decidiu momentaneamente interromper sua gestação [15]. Entramos mais no campo do mito do que nas comprovações históricas nesse sentido. Além do mais, os túmulos do período Kofun, em que se situa a da imperadora acima, hoje são invioláveis a partir do decreto da Agência da Casa Imperial, órgão criado no século 19 para preservar a ascendência da família imperial japonesa. Outras fontes do período em questão são de coreanos que relataram uma numerosa invasão de povos nômades das estepes asiáticas que assolaram o reino coreano e tenha, possivelmente, invadido e dominado numa casta de elite militar as ilhas japonesas. A situação da Coreia e da China em fins do século 4º. d. C. é bastante turbulenta e desunida e isso pode ter servido de incentivo a povos e militares a migrarem para refúgios mais seguros em algumas ilhas próximas, incluindo as do Japão. O fato é que por volta do ano de 318 d. C., temos o registro da morte do imperador japonês Suijin (ou Sujin), o décimo regente da família Yamato de acordo com o Nihongi e o Konjiki. Suijin foi retratado como líder de uma nação de exímios cavaleiros, que poderiam ter originado dos povos nômades das estepes asiáticas. A partir de seu reino, houve uma gradual expansão em cima das entidades políticas fragmentadas pelo Japão. E assim foi se estabelecendo a hierarquia e administração dos Yamatos sobre as outras linhagens e clãs japonesas. Por volta do século 6º., temos já a informação de que os líderes da região de Izumo, a oeste, mandaram tributos para o regente Yamato [16]. Também no século 6º., o nascente Estado Yamato decidiu adotar o budismo como forma de legitimação ideológica e centralização política e religiosa. Isso decorreu da iniciativa de uma prestigiosa família, a de Soga, de ancestralidade coreana do reino de Baekje [17], que se uniram em matrimônio com a família imperial e buscaram perseguir qualquer forma de culto animista e xamanista na corte japonesa. Sabemos que, ao final desse processo em 587 d. C., o governo imperial começou a endossar e apoiar as construções e cultos budistas nos seus domínios. Ademais, a família Soga trouxe as influências coreanas e chinesas para a corte japonesa, como a definição de cargose postos hierárquicos, a se definido em termos de grupos e não indivíduos, e a correspondente atribuição de chapelaria de acordo com o status. Os Sogas permaneceram guardiões até o século 12 das escritas e das insígnias imperiais (o espelho, espada e miçangas cerimoniais) e foram membros influentes em apontar posições de comando como na monarca Suiko (r. 593 - 628) a quem foi atribuída ascendência divina com a figura de Amaterasu e do imperador Jimmu [18]. A figura do príncipe Shôtoku (574 - 622), filho por parte maternal dos Sogas e segundo filho do imperador Yômei (r. 583 - 587) foi influente ao trazer as influências chinesas para a corte imperial japonesa. Shôtoku foi regente sob o reino de Suiko, e promoveu ativamente o budismo pelo reino, com a construção de templos e da escrita e filosofia chinesa. Foi responsável por reordenar o sistema de governo tornando-o mais centralizado, e encorajou a ordem, harmonia e lealdade diante da autoridade legítima e divina imperial, tudo de acordo com os preceitos do confucionismo. Por volta de 645, contudo, a influência dos Sogas na corte Yamato foi diminuída com a ascensão de uma nova família concorrente, a dos Fujiwaras, que também terão presença na corte imperial nos séculos seguintes. A ascensão desses se deu pela ação de Kamatari (614 – 699) (fig. 7) que buscou, sob o reino do imperador Tenji (r. 661 - 671) ocupar o poder decisório e centralizar ainda mais o sistema imperial, iniciativa que ficou conhecido como a Reforma Taika de 645. Figura 7 – Retrato de Kamatari Fujiwara, responsável pela Reforma Taika. Fonte: https://tinyurl.com/ybft95ce Um dos aspectos mais cruciais dessa reforma foi a redistribuição ao governo de lotes de terra, especialmente os arrozais, o que com o tempo alocou uma parte significativa de arrecadação in natura da produção agrícola. As hierarquias e cargos governamentais foram revistos e vigiados a fim de conter abusos de corrupção. Outra mudança significativa foi o estabelecimento da capital do reino em um local fixo, e não mais a ser itinerante como antes, em Naniwa, atual Osaka. No aspecto legal, a fim de padronizar a justiça e estender a lei e a ordem, houve uma reformulação dos códigos jurídicos que antes era muito mais https://tinyurl.com/ybft95ce propenso a arbitrariedades e privilégios. Ademais, houve, no campo administrativo, apontamentos legais que racionalizaram o funcionamento burocrático do estado. Essas reformas todas se pautaram nas idéias chinesas confucianas e legalistas, referidas na história japonesa como ritsuryô (ritsu, � , “sanções penais”, e ryô, � , “instruções e normas para os oficiais do governo”) [19]. Foi, juntamente com a Reforma Taika, a primeira sistematização administrativa e jurídica no Japão que permitiu o estabelecimento do Estado dos Yamatos sobre uma população estimada em cinco milhões de súditos em meados do século 7º.. Em suma, no referido século, as condições sociais e econômicas do Japão eram densas, populosas e a área de cultivo estava sob expansão. Indústrias como as de laca, talha em pedra, cerâmica, marcenaria e metalurgia estavam consolidadas. As ocupações pelas ilhas eram variadas, desde o cultivo nos arrozais, comércio, caça, pesca e coleta. A mudança não foi apenas quantitativa, foi qualitativa, para uma sociedade mais complexa e diversificada, com o desenvolvimento de graus diversos de diferenciação social muito além da distinção da era anterior de uma pequena elite sobre uma classe de agrários. A nação começou a se consolidar em fins do século 6º., em torno de uma idéia unificada, o reino do Sol Nascente (Nihon ou Nippon, ��), e deixou de gradativamente de ser referida como Wa. Mas isso, todavia, não foi aceito por absolutamente todos das ilhas japonesas, pois muitas entidades políticas, clãs, grupos e famílias encontravam-se distantes demais da capital e da região meridional japonesa, como aqueles habitantes de Hokkaido, que tinham raízes étnicas diversas, os ainos, e praticavam um meio de vida pautado essencialmente na caça e coleta. Mas a estrutura do Estado Yamato já se encontrava erguido, e assim foi legitimando, como narrado nas crônicas Kojiki (711 - 713 d. C.) Nihongi (720 d. C.), o poder imperial em torno dos mitos das origens e linhagem dos Yamatos. Período Nara (710 d. C. – 794 d. C.) Na parte norte da fértil planície de Yamato, foi inaugurada a nova capital planejada do reino, Nara (ou Heijô-kyô, ���, “Cidade da Paz”) em 710. Nos períodos anteriores, os monarcas e governantes japoneses se deslocaram conforme as necessidades e a residência escolhida do regente. A última foi em Fujiwara-kyô em 694. As causas desse nomadismo se explica em parte pela insalubridade acumulada pelos dejetos e as doenças que afetavam continuamente a corte e seus funcionários. Decorrente dessa mobilidade, as residências da corte eram simples de fácil montagem e transporte. Mas em 710, com a fixação na cidade de Nara, houve uma concretização urbana planejada, pautada nos planos confucianos inspirados na capital chinesa de Changan da dinastia Tang (618 - 907), atual Xian. Nara foi sede não somente do governo mas também de templos budistas, encorajado pelo líder político mais poderoso da época, Fuhito no Fujiwara (659 - 720). Como símbolo maior do budismo na nova capital, foi erguido um dos maiores templos de madeira do mundo, o Tôdai-ji (“Grande Templo do Leste”) em 728, com uma imensa estátua de bronze de Buda (fig. 8). Figura 8 – A estátua de bronze de Buda, em Tôdai-ji, Nara. Fonte: https://tinyurl.com/yblrmcyy A política de Nara girou muito em torno dos interesses palacianos e de grupos influentes religiosos. A cidade chegou a abrigar por volta de 200 mil pessoas de uma população total de seis milhões, e foi o único centro urbano japonês por séculos. A figura do imperador, embora respaldado por títulos incontestáveis como o descendente de Jimmu, como o tennō (��, advindo de Jimmu Tennô), tinha uma função mais cerimonial e simbólica do que efetiva na condução política, permanecendo muitas vezes relegado a claustros e mosteiros budistas. Poderosas e influentes figuras e famílias disputaram a https://tinyurl.com/yblrmcyy gerência do poder, com a primazia da época em torno dos Fujiwaras, mas disputados por outros como os Tachibanas. Os rituais e as cerimônias, portanto, guardavam uma associação cada vez maior com a aura imperial, que foi conduzido por um nobre da corte, o kuge (�� ). Nessas funções, era cuidadosamente supervisionado o andamento e execução de músicas (como a kangen), danças (como gagaku e o bugaku), em boa parte importada e adaptada das cortes chinesas. A influência chinesa foi marcante principalmente nesse meio cortesão japonês. Mas nem tudo era assimilação indiscriminada. O sistema hierárquico e dos símbolos de status expressados nos adornos e chapéus, introduzidos pelo príncipe Shôtoku, baseou-se em princípio na China. Mas houve uma mudança nesse sistema, na prática, durante o período Nara, pois não era determinado o status do indivíduo pelo mérito apenas, mas também condição herdada pela sua família. Em outras palavras, o sistema japonês não incorporou muito bem a meritocracia chinesa, e visou preservar mais os privilégios e influência das famílias poderosas da época. O sistema de escrita japonesa teve uma forte carga de influência dos chineses. Isso já é demonstrado nas obras do século 8º., como no Konjiki, mas também em obras poéticas escritas por mãos da corte, como o Manyôshu(���, “Coleção das Dez Mil Folhas”) de 759, esta a mais antiga coleção de poemas nativos japoneses [20]. Os códigos jurídicos, como o Código de Taihô de 703, também seguiram os determinados pelos confucianos chineses, embora no Japão as sanções e castigos fossem mais brandos e tolerantes conforme constava no Código revisto de Yôrô de 718. Nesses códigos japoneses, o mandato do imperador era considerado sagrado, como o “Filho do Céu”, mas, ao contrário do chinês, o imperador não poderia ser objeto de escrutínio pelas suas virtudes e juízos. Ademais, as mulheres japonesas, ao contráriodo sistema chinês, poderiam assumir cargos religiosos e de comando, a basear-se na sua linhagem familiar [21]. Fora da corte, a população japonesa enfrentou períodos de epidemias. Em 735, houve um grande surto de varíola em Kyushu, aparentemente advindo da Coreia via Fukuoka, chegando a matar inclusive alguns membros da família Fujiwara. Somente em Nara, no ano de 737, há relatos de que houve mais de 300 mil mortes [22]. Muitos da época consideraram a doença como uma manifestação vingativa dos deuses, em forma de onryô [23]. Para tanto, a capital foi mudada de Nara em 740, para a ela retornar cinco anos depois. Os efeitos da varíola foram ainda mais devastadores pois impediram o plantio e a colheita do arroz pelos camponeses infectados, gerando uma situação de fome na população. Expressando as angústias da fome e do destino que assombraram a população japonesa à época, com certo senso de fatalismo budista mesclado com os encargos familiares preconizados pelo confucionismo, um dos mais talentosos poetas da geração, Yamanoue no Okura (660 ? – 733 ?) assim escreveu em seu poema, “Sobre a Pobreza” (Hinkyu mondô), presente no Manyôshu [24]: Vastos como dizem ser o céu e a terra Para mim, exíguos se tornaram. Embora luminosos digam o Sol e a Lua, Na minha direção eles nunca brilham. Passa-se o mesmo com todos, Ou é apenas assim comigo? Por um acaso feliz, nasci homem E não pior do que os meus companheiros, Mas, com roupas pendendo dos meus ombros. Sem acolchoados nem mangas E em farrapos como limos ondulando no mar, Sob o desmorando teto, Entre frágeis paredes, Aqui estou eu sobre a palha Espalhada na terra nua, Com os meus pais junto à minha almofada, A mulher e os filhos a meus pés, Todos juntos em dor e lágrimas. Onde se cozinhava, De nenhum fogo se eleva o fumo E no caldeiro Uma aranha tece a sua teia. Sem um grão para cozinhar, Soltamos lamentos como o tordo noturno. (Tradução nossa) Além do mais, a fome foi decorrente muitas vezes do sistema agrícola ineficiente, mais voltado para a produção de subsistência familiar. E houve, nesse sentido, um pesado sistema de taxação da produção. Em boa parte isso foi causa do zelo budista do imperador Shômu (701 – 756) (fig. 9), o mesmo que comissionou a construção da imensa estátua de bronze do Buda Dainichi no templo de Tôdai-ji, com 16 metros de altura identificado e sincretizado com a deusa solar Amaterasu, e a abertura de vários templos (kokubunji) em cada província do reino, a um enorme custo para o tesouro imperial. Foi o regente mais próximo de tornar o Japão uma nação budista [25]. Figura 9 – Imperador Shômu. Fonte: https://tinyurl.com/yb8svdw4 O ônus gerado agravou ainda mais o sofrimento da população pela epidemia e fome referida que chegou a reduzir a população japonesa em mais de um terço, algo que será recorrente em determinados períodos da história japonesa [26]. O budismo floresceu ainda nas regências das filhas de Shômu, como com a imperadora Kôken (718 – 770) que buscou atrair sacerdotes budistas para sua corte. Kôken abdicou em 758 sob os conselhos de seu primo, Nakamaro Fujiwara. Este se rebelou contra a imperadora aposentada quando esta buscou favorecer um curandeiro budista chamado Dokyo, mas a rebelião foi rapidamente controlada, e Kôken mandou depor todos aqueles em conluio com o golpe. Após o evento, Kôken reassumiu o trono como imperadora Shôtoku (r. 764 – 770). Neste seu reinado, a imperadora favoreceu o budismo e fomentou a impressão de mais de um milhão de orações e pagodes em miniatura (hyakumanto dharani, ������) (fig. 10) por volta do ano de 770. Mas as ações da imperadora a favor do clero budista fizeram com que fosse abolida a posição imperial a mulheres e, nos anos seguintes a sua morte, removeram budistas de posições de autoridade política. https://tinyurl.com/yb8svdw4 Figura 10 – Um dos pagodes em miniatura comissionados pela imperadora Shôtoku, século 8º. d. C. Fonte: https://tinyurl.com/ybbeea3w https://tinyurl.com/ybbeea3w No aspecto internacional, do outro lado do Estreito de Tsushima, no continente asiático, houve envio de várias missões diplomáticas da corte Nara à China da dinastia Tang a cada vinte anos. Muitos estudantes japoneses, tanto seculares como budistas, foram estudar em Chagan e em Luoyang. Um desses estudantes, Abe no Nakamaro, chegou a ser aprovado nos exames civis chineses para depois assumir funções governamentais na China. Nakamaro atuou como governador-geral em Annam, no norte vietnamita, de 761 a 767. Outros estudantes voltaram para as ilhas japonesas e foram promovidos a altos cargos governamentais pelo prestígio. A China da dinastia Tang mandou enviados oficiais ao Japão, como contrapartida. Mas os imperadores e regentes japoneses não buscaram a investidura do imperador chinês como era esperado de outros estados tributários ao “Filho do Céu”. As relações com o reino coreano de Silla (57 a. C. – 935 d. C.) foi inicialmente promissor no período Nara. Chegou-se a trocar alguns enviados diplomáticos, mas a ascensão do reino de Balhae (Parhae em coreano, ��, 698 - 926) no nordeste asiático desestabilizou as relações Japão-Silla. Balhae chegou a enviar uma missão através do Mar do Japão em 728, que foi bem recebido pela corte de Nara pois consideraram o reino como uma restauração do antigo reino coreano de Koguryo (Goguryeo) que tinha sido um ex-aliado antes de ter sido conquistado pela China dos Tang e de Silla em 668. As relações com Balhae foram estáveis e durou até o século 10º. [27]. Em contraparte, devido a essas relações, a ligação com Silla deteriorou-se a ponto da corte de Nara reivindicar suserania sobre este reino coreano. Período Heian (794 – 987) Por volta do ano de 781, Kanmu (737 - 806) subiu ao Trono do Crisântemo como o 50º. imperador Yamato (fig. 11). A primeira grande mudança do imperador foi a mudança da capital para Heian-kyô (Kyôto, doravante Quioto), em 794, que permanecerá assim pelos próximos mil anos. O imperador assim o fez não somente para fortalecer sua autoridade imperial sobre as intrigas da antiga corte, como também a procurar uma melhor localização geopolítica. A nova capital tinha um bom acesso ao rio e aos mares e fácil acesso por terra às províncias orientais. Figura 11 – Imperador Kanmu. Fonte: https://tinyurl.com/yddc28tz Inicialmente, o novo período imperial Heian (794 – 987) continuou sob a influência da cultura de Nara, pois a nova capital foi planejada de acordo com o padrão urbano da capital chinesa, Chagan, como foi Nara, mas em escala maior. E a despeito do declínio das reformas Taihō manifestadas no ritsuryô, o governo imperial de Kanmu foi vigoroso em evitar maiores conflitos políticos e sociais a fim de se consolidar um sistema mais estável no Japão em fins do século 8º. d. C. [28]. Contudo, Kanmu ainda manteve ambições de impor a autoridade imperial sobre regiões rebeldes e insubmissas no Japão. Em 794, após ter feito alguns avanços sobre as regiões orientais e setentrionais japonesas, três anos depois decidiu nomear um comandante-geral sob o título de Sei-i Taishōgun (���� �, “generalíssimo subjugador dos bárbaros”, em geral referido como shōgun ou xogum). Em 801, o xogum derrotou as forças rebeldes da nação de Emishi ( � � ), possíveis descendentes de Jomon, e estendeu os domínios imperiais até os confins a leste da ilha de Honshu. Mas o controle imperial sobre as províncias nos séculos 9º. e 10º., quando muito, era tênue, pautado mais em alianças com famílias latifundiárias locais do que uma efetiva imposição política centralizada tal como preconizada pelo sistema do ritsuryô. Em geral, assim se estabeleceu a ordem política Heian, assegurando a sucessão imperial através da hereditariedade com os assuntos governamentais nas mãos de famílias conjugadas de influência na corte como os Fujiwaras. Após a morte de Kanmu, em 806, houve um período de disputas sucessórias entre seus filhos. Essas turbulências, contudo, não deixam de evidenciar as reformas políticas do século 9º. que apontaram para uma tendênciacada vez mais centralizadora. Não em torno do imperador (tennô) que assumiu papéis mais cerimoniais e, frequentemente, nos mosteiros no que ficou conhecido como o governo do mosteiro (insei, �� ). O verdadeiro e efetivo regente passou a ganhar mais proeminência e voz de comando, em torno de um membro da família Fujiwara que tinha já se inserido na família imperial através de gerações de casamentos. Havia sempre um Fujiwara como presidente do Conselho Privado do Imperador e, em várias ocasiões, como regente e tutor de membros da família imperial em situação de menoridade (sesshô, � � ) e na vida adulta (kanpaku, � � ). Isso não significou um incontestado domínio político, pois houve alguns imperadores como Daigo https://tinyurl.com/yddc28tz (r. 897 – 930) que tentaram governar mais diretamente e conter as influências dos Fujiwaras. Os Fujiwaras, no entanto, mesmo com Daigo no trono não foram removidos do poder, mas foram nas décadas seguintes se fortalecendo no controle do reino. A título de exemplo, Michinaga no Fujiwara (966 - 1028) no início do século 11. foi capaz de controlar a corte imperial, a entronar e destronar membros da família imperial conforme sua vontade. Os Fujiwaras governaram no período quase sem nenhuma contestação, algo que o historiador Sir George Sansom denominou de “ditadores hereditários” [29]. A estrutura administrativa e política do Japão, a partir de meados do século 9º. ao século 10º. gradativamente passou a ser controlada em unidades locais (shôen, �� ) por famílias latifundiárias e fundações religiosas. Cada uma dessas localidades começou a ter status jurídico e político, isenções fiscais, imunidade e autonomia diante do governo de Quioto. Os camponeses, nessas unidades, começaram a ter a sua lealdade e trabalho voltado para o senhorio local, efetivamente tornando o Japão, no século 10º., num cenário desunido e fragmentado. A influência da China da dinastia Tang (618 - 907) que tinha sido inspiração para o sistema político e administrativo japonês entrou em declínio com a última missão imperial oficial japonesa enviada em 838. A partir de então, os emissários e monges budistas chineses passaram a ser considerados suspeitos e até perseguidos visando a sua expulsão. O Japão começara a se isolar cada vez mais. A despeito do maior isolamento e da fragmentação da unidade política, o Japão viveu no período Heian um florescimento artístico e cultural nas cortes imperiais e aristocráticas locais. Houve um grande interesse e produção poética e literatura vernácula. A escrita japonesa há muito dependia dos ideogramas chineses (kanji), mas foram gradativamente sendo substituídos por uma escrita fonética japonesa, baseado no kana: o katakana, a usar em parte os ideogramas chineses, e o hiragana, forma cursiva do katakana. Foi o hiragana que possibilitou a expressão das expressões vocais e, nesse sentido, foi o meio que deu nascimento à literatura vernácula propriamente japonesa, escritas e compostas por mulheres da corte que não tinham sido instruídas na língua chinesa clássica como os homens. Algumas obras literárias nos anos finais de Heian nos séculos 9º. e 11 escritas por mulheres apresentaram um rico e complexo universo da vida e relações das cortes. Algumas dessas obras, como o Makura no Sôshi( � � � , “O Livro do Travesseiro”), de Sei Shonagon (c. 966 – 1017 ou 1025), são relatos da vida da autora como dama da corte da imperatriz consorte Teishi no Fujiwara (977 - 1001), a descrever com detalhes as nuances das relações e intrigas da corte. Outro monumento literário, o Genji Monogatari (“Conto de Genji”), de Shikibu Murasaki (973 ou 978 - 1014 ou 1031), considerada a primeira obra de romance do mundo, nos oferece um panorama singular da vida da corte durante o período Heian [30]. A arte pictórica também ganhou alento próprio no período Heian depois de séculos sob influência chinesa da dinastia Tang. Sob os Fujiwaras, pinturas da natureza, paisagens, templos, santuários e da vida da corte foram retratados em obras coloridas, delicadas e sublimes. Pautaram-se principalmente no estilo yamato-e (��� ), no uso de cores vívidas e tons fortes retratando personagens e paisagens célebres feitas em rolos de pergaminho, que estabeleceu os cânones e padrões para o desenvolvimento da arte japonesa nos séculos posteriores [31] (fig. 12). Figura 12 – Pintura no estilo yamato-e do período Heian, uma das cenas do “Conto de Genji”, do capitulo “Hera”. Fonte: https://tinyurl.com/y97juyhc A vida na corte transcorreu no ócio e na busca por um sentido maior da vida, em contraste com a deterioração do governo efetivo centralizado. Os nobres ocupavam-se com passatempos diletantes, a debater o destino e a transitoriedade da vida, tudo isso refletido nos versos e pinturas da época. Os valores não mais residiam na esfera pública, como foi compilado no Código de Taihô de 703 pautadas no ideal do ritsuryô, mas nos assuntos particulares, nos gestos, falas, protocolos e vestuário. Surgiu na produção cultural do período Heian, uma sensibilidade própria japonesa, distante da influência chinesa declinante. Valores estéticos, como o okashi (que refere a algo inesperadamente invulgar e divertido) e, https://tinyurl.com/y97juyhc principalmente, o complexo conceito de mono no aware (algo como a bela fugacidade da existência, da vida). Este último termo encontra-se em milhares de passagens do “Conto de Genji” (Genji Monogatari) [32], e seu sentido pode ser ilustrado num trecho do antigo poeta do século 9º. , Komachi no Ono [33]: Os botões em flor morreram, Enquanto eu envelheço ociosamente, Olhando a chuva. No budismo, as idéias acerca do destino começaram a refletir uma mudança para algo mais fatalista, no conceito da Era do Mappô (“Lei Última”) que prediz que a humanidade irá inevitavelmente sucumbir e desaparecer [34], algo que pautou as idéias de transitoriedade e fugacidade do mono no aware. A vida e o destino, conforme expressado nas obras da época, pareceram não ter maior substância a não ser para algo iminente e fatal num futuro incerto. No mundo do poder, as esferas políticas começaram a se solidificar em torno de grandes unidades políticas pelo país. Cada família latifundiária buscou organizar e financiar um exército particular armado, o que depois se consolidará em torno de um estrato da sociedade. A mudança na estrutura do poder decorreu da crescente privatização da propriedade da terra, tendência que minou a centralização das propriedades fundiárias a partir do século 10º.. Muitas dessas propriedades passaram a gravitar em torno de si mesmas, quebrando a autoridade e receita do governo em Quioto. A descentralização do poder acarretou no envio de administradores e representantes geralmente advindos da família Fujiwara ou de famílias a eles aliados. Alguma dessas famílias aristocráticas foram os Minamotos (ou Genjis) e os Tairas (ou Heikes). Entre essas famílias nobres privilegiadas era permitido, além da ocupação de altos cargos da corte (embora não tivessem direitos hereditários pois dependiam do aval da família imperial e dos Fujiwaras) manter guardas armados, conhecidos como bushi (guerreiros) ou samurai (servidores), tornando-os cada vez mais poderosos caso fizessem amplas alianças de poder. As disputas na corte por essas famílias nobres excluídas do poder central, inevitavelmente, lidou a uma situação de contestação diante do status político. Em 1156, pretendentes rivais dos Fuijwaras lutaram pelo controle da corte, e asseguraram a aliança feita com outras famílias e grupos militares de algumas províncias. Os líderes desses pretendentes foram Kiyomori no Taira (1118 - 1181) (fig. 13), advindo da família Taira das províncias a oeste na região do Mar Interior, e Minamoto no Tameyoshi (1096 - 1156), da família Minamoto originado da região de Kantô, a leste, onde hoje se situa a cidade de Tokyo (doravante Tóquio). Figura 13 – Kiyomori no Taira. Fonte: https://tinyurl.com/y7mgneol https://tinyurl.com/y7mgneol A rivalidade entre esses dois líderes culminou em 1159 e1160 na chamada Rebelião Heiji [35]. Nesta, os Tairas saíram vitoriosos, muito por problemas de lealdades políticas dentro da aliança feita pelos Minamotos. O líder Minamoto, Tameyoshi e seus dois filhos mais velhões foram executados e Kiyomori estabeleceu-se como a figura política e militar mais poderosa do Japão, com as anuências legitimadoras do imperador. Por um gesto de benevolência, Kiyomori decidiu poupar a vida dos filhos restantes do seu rival e exilou Yoritomo, Noriyori e Yoshitsune [36]. Na família Taira, encontrava-se um descendente dos Minamotos, filho mais velho de Tameyoshi, Yoshitomo (1123 - 1160) que tinha se rebelado contra as pretensões de seu pai natural. Foi este que, após a vitória de Kiyomori, em 1159, resolveu organizar uma rebelião, conflitos que depois foram chamados de Rebelião Heiji, e atacou a capital Quioto no qual foi derrotado e morto (fig. 14). O mais crucial foi o que se sucedeu após esse evento. Kiyomori, por influência de uma de suas concubinas, Tokiwa, que tinha sido acompanhante de Yoshitomo, decidiu poupar a vida de seus filhos. Figura 14 – Imperador Nijô (1143 - 1165) escapando do Palácio Imperial em Quioto durante a Rebelião Heiji de 1159. Fonte: https://tinyurl.com/y8ml3tsg A veracidade desses fatos permanece controverso, mas o fato que permanece é que isso levou à queda dos Tairas, pois dos filhos poupados, filhos de Tokiwa, Yoritomo no Minamoto (1147 - 1199) (fig. 15) e Yoshitsune no Minamoto (1159 - 1189), terceiro e nono filho de Yoshitomo respectivamente, foram os protagonistas históricos que abriram um novo episódio na história do Japão à época. https://tinyurl.com/y8ml3tsg Figura 15 – Yoritomo no Minamoto. Fonte: https://tinyurl.com/yb7uwo4j Kiyomori, depois de ter-se assegurado como figura mais influente na corte da capital nos próximos vinte e poucos anos, conseguiu assegurar a nomeação no trono imperial o seu neto, Antoku (1178 – 1185, r. 1180 – 1185). O que ofendeu os outros rivais pretendentes, como o príncipe Mochihito (1151 - 1180), que decidiu buscar o apoio dos Minamotos. https://tinyurl.com/yb7uwo4 Yoritomo, que estava exilado na montanhosa região de Izu, a leste, que começou a organizar suas tropas e aliados, incluindo seu irmão, Yoshitsune, a atender ao pedido do príncipe pretendente. Os eventos históricos ganharam ares ainda mais dramáticos após a morte do príncipe Mochihito, em junho de 1180, e, um ano depois, a de Kiyomori no Taira de febre. O futuro político japonês não poderia ter ficado mais incerto. Yoritomo intensificou sua campanha contra os Tairas, e inaugurou em 1180 outro centro político em Kamakura, próximo de Izu, contestando a tradição imperial em Quioto. Uma guerra civil estava se alastrando pelo reino, a chamada Guerra Genpei (1180 – 1185). Eventualmente, nos eventos da guerra, os Minamotos conseguiram adentrar Quioto em 1183, e os Tairas e seus aliados, liderados por Tomomori (1151 - 1185), filho de Kiyomori, fugiram mais para o oeste, levando consigo o pequeno imperador Antoku. Em abril de 1185, Yoshitsune no Minamoto perseguiu e derrotou definitivamente as forças rivais na batalha naval de Dan-no-ura, na região ocidental da ilha de Honshu. Antoku, o pequeno imperador de apenas seis anos de idade, que tinha sido levado no colo de sua avó, a viúva de Kiyomori, foi levado ao suicídio ao mar no Estreito de Shimonoseki. Um impressionante relato desse evento evidencia o forte senso de fatalismo da época, quando a avó de Antoku explica ao seu neto o seu destino [37]: Vossa Majestade não sabe que renasceu neste mundo para o trono imperial, em resultado do mérito das Dez Virtudes que praticou em vidas anteriores. Agora, porém, há um carma que vos reclama. (...) O Japão é pequeno como um grão de milho, mas é agora um vale de misérias. Há uma terra pura de felicidade sob as ondas, uma outra capital onde não existe sofrimento. É para lá que vou levar o meu Soberano. (Tradução nossa) Até os dias de hoje, os caranguejos do Estreito de Shimonoseki são considerados pelos japoneses como portadores das almas da família Taira nomeados com o outro nome da família, os Heikes. As tribulações dos tempos de guerra foram assomadas com epidemias e calamidades naturais pelo Japão nos últimos anos do período Heian. Em 1180, houve um forte tufão e, em 1184, um grande terremoto, além de incêndios e inundações decorrentes das duas calamidades naturais e da devastação da guerra. Os tempos pareceram ser os definitivos e finais, tal qual pregava a escatologia budista inerente à Era do Mappô, a era do declínio, da degeneração do darma [38]. O Período Heian, em suma, apresentou mudanças fundamentais na história do Japão. Inaugurou-se com a nova capital em Quioto, em 794, com um grande plano urbano conforme a visão do imperador Kanmu (r. 781 - 806). E foi este imperador que tomou para si todas as medidas possíveis para a centralização dos poderes conforme os ideais chineses da dinastia Tang. E, nesse sentido, tentou no seu governo e sucessores reformar e melhorar a administração da máquina governamental através de novos procedimentos, hierarquias e códigos conforme o ritsuryô. Nos próximos séculos, contudo, a autoridade imperial declinou gradativamente, conforme os esforços de sucessão da família imperial ficaram sob a influência política de poderosas famílias como os Fujiwaras. A arrecadação fiscal da capital imperial e a capacidade de mobilização militar declinaram e o poder começou a se sedimentar mais em torno de poderosas famílias latifundiárias das províncias do reino. O imperador começou a se tornar mais uma figura simbólica e cerimonial a legitimar o efetivo comando de líderes proeminentes da época. Ao final do período Heian, já no século 12, o comando político do Japão orbitou em torno das disputas entre duas famílias pretendentes ao poder, os Minamotos e os Tairas. Que resultou num período de guerras civis, na Guerra Genpei (1180 - 1185) (fig. 16), com o resultado do declínio dos Fujiwaras, e a breve ascensão dos Tairas e, depois, dos Minamotos a ocupar a posição do comando máximo efetivo. Nisso, a capital política, embora a de cunho imperial tenha se mantido em Quioto, mudou-se mais para leste, em Kamakura, a partir de 1192 sob a égide de Yoritomo no Minamoto. O poder político japonês permaneceu sob as mãos de líderes militares até a Restauração Meiji de 1868. Figura 16 – Retrato de uma das batalhas entre os Minamotos e Tairas na Guerra Genpei (1180 – 1185). Fonte: https://tinyurl.com/ydauphck Mapa das principais batalhas do Japão Kamakura. Fonte: https://tinyurl.com/yd4ovcwb DE KAMAKURA À IEYASU TOKUGAWA (1185 - 1600) O Período Kamakura (1185 - 1333) Após a turbulência do período de conflitos civis da Guerra Genpei, saiu vitorioso o líder da poderosa clã dos Minamotos, Yoritomo (1106 - 1180), que decidiu estabelecer sua base mais a leste, em Kamakura. Portanto, afastado da cidade imperial de Quioto. Seu governo passou posteriormente a ser referido como o bakufu( � � , governo de tendas, ou a residência do general, do taishô [39]), ressaltando o seu caráter itinerante e de campanha militar. Apesar da aparente diarquia, um governo de dois pólos, o governo efetivamente permanecia em Quioto, pois Yoritomo considerou sua autoridade apenas sobre aqueles seus vassalos, em boa parte a classe guerreira. O poder legítimo estava nas mãos do imperador [40]. Pelo menos como fonte legitimadora e tradicional o que por vezes confrontou-se com o poder crescente e bélico dos líderes de guerra junto com a insatisfação de latifundiários. O momento mais emblemático no inicio do período Kamakura se deu em 1192, quando Yoritomo recebeu o título de xogum do imperador. As últimas décadas do século 12 foi um período crucial de transição na história japonesa. De uma fase de poder centralizado em termos civis e aristocráticos do período Heian para um mais em termos militares e descentralizado. Esse período de transição políticafoi percebida à época como um tempo de mudança e declínio. O que não significou um pessimismo resignado e decadente, pois foi no período Kamakura que houve um incremento das ordens monásticas budistas pelo país, o que resultou em maiores possibilidades ao ensino e leitura pela população em geral [41]. E houve também maior acesso a banhos públicos, um notável avanço na área sanitária. No campo agrícola, boas safras produziram colheitas excedentes, e um incremento na monetarização da economia, como atesta o maior nu número de moedas chinesas da época. Ao todo, houve claros indícios de crescimento do mercado japonês [42]. E esse crescimento forneceu a base para a atividade comercial e urbana, e desenvolvimento institucional de corporações como as guildas (za, �). As transformações ocorridas repercutiram no campo filosófico e religioso. No budismo, as mudanças foram interpretadas como sintomas de uma era terminal, conforme as últimas leis do ensinamento de Sidarta Gautama, o Buda (Shakyamuni). Nesse intento, os budistas dessa vertente ressaltaram o predomínio crescente das classes guerreiras em detrimento da tradicional elite da corte imperial do período Heian, como ficou expressado na obra “Contos de Heike” (Heike Monogatari), em que os guerreiros aparecem retratados como vitoriosos sobre personagens cultos e polidos nos valores clássicos palacianos [43]. Essa tendência cultural da época é ressaltada por Varley [44], em que o autor aponta como um dos traços mais marcantes do Japão na Era Kamakura o pessimismo e declínio (��, mappô) misturados com nostalgia da era Heian. Isso é evidenciado em obras literárias como no “Hojoki” de Kamo no Chomei, além dos “Contos de Heike”. Nessas obras, o princípio do mappô enfatiza os traços sombrios do destino da humanidade: do mistério e profundeza (��, yugen), solidão e humildade (��, sabi). E Varley concluiu que esses traços depois irão compor a singularidade do senso estético japonês. O budismo no Japão da época floresceu com as importantes contribuições de correntes advindas da China e Coreia. Um dos personagens históricos mais importantes na consolidação de um budismo japonês que inspirou-se nos ensinamento advindos do continente asiático foi o monge japonês Hônen (1133 – 1212), do mosteiro no monte Hiei a nordeste de Quioto. Vivenciando os trágicos eventos dos conflitos e turbilhões da Guerra Genpei, o monge buscou enfatizar a salvação da alma dos seguidores de sua seita, a Terra Pura (Jôdo-shu, ���), visando um renascimento num mundo do além. Por sua vez, outra vertente do budismo foi bem recebido no Japão. O zen budismo. Essa corrente popularizou-se principalmente entre a classe guerreira, por oferecer-lhes uma ética de vida simples e ascética. Sua ênfase meditativa e mais voltada ao auto-controle foi também popular entre as camadas da sociedade japonesa desinteressados em aprofundar-se nas complexas doutrinas e esoterismo das sutras budistas [45]. A inserção do Japão no período Kamakura no contexto asiático era bastante singular. Sua condição insular permitiu-lhe durante séculos manter controlado os contatos com a península coreana, costa chinesa e ilhas ao norte e ao sul até as Filipinas. O que não resultou num total isolamento dos outros reinos asiáticos. Além de ocasionais contatos de missionários e estudiosos budistas, em busca de mestres e locais sagrados, houve significativa atividade comercial marítima, mesmo de forma ilegal como na forma de piratas japoneses (wakô, � � ). Entre esses últimos inclui-se expedições organizadas de centenas de embarcações que assaltaram a costa coreana em 1350 [46]. O resultado desse saque em questão acarretou em grandes consequências, possivelmente contribuindo para o crescimento e supremacia do reino coreano de Choson (Joseon) em 1392 [47]. Foi no período Kamakura que ocorreu um dos eventos mais dramáticos da história japonesa. As invasões mongóis de 1274 e 1281. Por volta de 1259, os mongóis tinham se estabelecido em boa parte do território chinês. Kublai Khan (1215-1294) (fig. 17), neto de Gengis Khan, ocupou o trono chinês [48] e comandava um império que se estendia pela península coreana, norte da China mas ainda a subjugar os rebeldes no sul sob o comando da Dinastia Sung (960 - 1279) a partir da capital Linan (atual Hangzhou) [49]. Figura 17 – Kublai Khan, imperador chinês da dinastia Yuan (1271 - 1368). Fonte: https://tinyurl.com/ya4cbdnm Visando estender sua dominação mais ao leste do reino tributário coreano de Goryeo (918 - 1392), esta anterior a Choson (Joseon), Kublai Khan enviou um emissário ao Japão em 1268, após uma primeira tentativa fracassada dois anos antes, exigindo submissão e tributos. As exigências do Grande Khan foram ignoradas pela corte japonesa em Quioto e pelo bakufu em Kamakura. A rejeição foi considerada como um insulto a ser resolvida com uma invasão às ilhas [50]. O primeiro ataque mongol se deu em novembro de 1274, com o desembarque de uma frota de cerca de 900 navios a noroeste da Kyushu. Apesar da superioridade em número de navios e homens, cerca de 40 mil, o comando mongol resolveu retirar-se visando minimizar os efeitos adversos das condições meteorológicas. Mas de pouco adiantou, pois uma violenta tempestade adveio na região, causando danificações em boa parte dos navios e a perda do contingente mongol em dois terços. https://tinyurl.com/ya4cbdnm Uma segunda tentativa de ofensiva mongol ocorreu em junho de 1281, quando uma frota mongol ainda mais numerosa, cerca de quatro mil navios e quase 150 mil homens, desembarcou na mesma região de Kyushu, na baía de Hakata. Tal quantidade de homens era composta por múltiplas lealdades, desde chineses recém subjugados das regiões meridionais até coreanos e mercenários que poderiam desertar ao sinal das primeiras adversidades [51]. Apesar da formidável superioridade numérica dos invasores, os japoneses tiveram tempo e preparo para a segunda investida. Ademais, um tufão castigou a região invadida, que destruiu ou inutilizou boa parte da frota mongol (fig. 18). Parecia, aos olhos japoneses, que os deuses tinham-lhes favorecidos novamente, e esses ventos foram interpretados como de origem divina, shinpu ( � � ) ou kamikaze( � � ), “ventos divinos”. Kublai Kahn resignou-se em planejar novas invasões até sua morte em 1294. Figura 18 – A tempestade castiga as tropas mongóis na segunda tentativa de invasão em 1281. Fonte: https://tinyurl.com/yd59fr4m As vitórias não trouxeram benefícios imediatos aos japoneses, contudo. Os custos de anos de mobilidade bélica e recursos, planejamento estratégico de defesa, construção de fortalezas na região noroeste de Kyushu e o deslocamento de milhares de militares e delegados do xogum acarretaram em sérias conseqüências econômicas e políticas. Muitos dos que lutaram por Kamakura, após os preparos e eventos, sentiram-se abandonados e indevidamente recompensados, gerando um clima crescente de deslealdade e crítica ao bakufu. Nobres locais e latifundiários sentiram-se incomodados https://tinyurl.com/yd59fr4m com a presença e atuação de delegados que supervisionaram os preparos para a guerra. A insatisfação com o xogunato de Kamakura atingiu patamares críticos quando o novo imperador, Go-Daigo (1288 – 1339) (fig. 19), ascendeu ao Trono do Crisântemo [52] em 1318. Este, inspirado pelo seu antecessor, o imperador Daigo (885 - 930), pretendeu concentrar os poderes nas mãos do imperador e enfraquecer o poder decisório do xogum. Para fazer valer seu intento, Go-Daigo reuniu aliados e forças militares descontentes com o nono xogum de Kamakura, Morikuni (1301 – 1333), e dirigiu-se de Quioto para Kamakura em 1331. Plano que se revelou um fracasso, pois as forças leais ao xogum, sob o comando do general Takauji Ashikaga (1305 – 1358), derrotaram o avanço imperial. O imperador, humilhado, foi exilado para a remota ilha de Oki. Figura 19 – Imperador Go-Daigo. Fonte: https://tinyurl.com/y79oel7d Dois anos depois, Takauji Ashikaga reconsiderou sua aliança com o xogum e decidiu apoiara causa do imperador exilado, Go-Daigo. Percebendo a mudança dos ventos históricos, e da decadência das lealdades ao bakufu de Kamakura, Takauji foi atrás de seu destino buscando assegurar-se como o novo xogum seguindo a promessa do imperador. Assim, com renovado vigor e feitas as novas alianças, as forças de Takauji e o imperador atacaram a base do xogunato em Kamakura em 1333. Aliado a Takauji, despontou-se um outro brilhante general em campo, descendente da família Minamoto, Niita https://tinyurl.com/y79oel7d Yoshisada (1301 – 1338) [53]. As vitórias sobre Kamakura abriram um novo capítulo da história japonesa, e uma nova correlação de forças despontava no horizonte. O período Muromachi (1333 - 1568) O Japão entre 1336 até o ano de 1568 atravessou um período de governança militar (bakufu), assim como o foi em boa parte nos tempos de Kamakura. Muromachi refere-se à uma rua, Muromachi-dori, em Quioto, onde era localizada a base do bakufu. Por vezes, o período também é referido como Ashikaga, pois foi esse clã, família mais poderosa do xogunato, que tomou as rédeas do poder no Japão. O período inicia-se em 1336 com as vitórias de Takauji, da família Ashikaga, esta supostamente ligada por descendência aos Minamotos, e as pretensões do imperador Go-Daigo em buscar restaurar o poder imperial na chamada Restauração Kenmu [54]. Essa tentativa, no entanto, despertou a desconfiança de instituições religiosas, militares e latifundiários que viram no ato imperial uma tentativa de enfraquecê-los diante do poder imperial [55]. Diante da ampla resistência, o imperador Go-Daigo fugiu de Quioto capturado por Takauji em 1336. E estabeleceu sua corte imperial em Yoshino. Em Quioto, Takauji (fig. 20) conseguiu ser nomeado como xogum por um novo imperador entronado aliado ao seu projeto de poder, o imperador Kôgon (1313 - 1354), da linhagem Jimyoin [56]. Nesse sentido, o Japão iniciou um curioso período de dualidade imperial, dois tronos e capitais simultâneas. Uma corte meridional, a de Yoshino, perto da cidade de Nara, e outra setentrional, a de Quioto, período referido como o das Duas Cortes Imperiais (Nanbokuchō-jida, �����). Figura 20 – Takauji Ashikaga, o primeiro xogum da dinastia Ashikaga (1336 - 1573). Fonte: https://tinyurl.com/ycfvrowz O imperador Go-Daigo faleceu em 1339, provocando um declínio gradual da corte de Yoshino. Mas isso não resultou numa clara dominação da corte de Quioto nem de Takauji como o xogum. Pois foi nessa época que a estrutura de poder no Japão foi mais descentralizada, com o poder central a delegar o comando local a oficiais a serem designados pelo reino intitulados de governadores (shugo, ��) que posteriormente irão acumular terras e posses e se tornarão poderosos senhores locais (daimiôs, ��) com ampla autonomia https://tinyurl.com/ycfvrowz em suas terras a partir do século 15. O Japão gradualmente tornou-se mais num quadro de hegemonias locais [57]. Cenário esse que muitos historiadores posteriormente interpretaram como similar à relação do mundo feudal europeu, apesar de outros criticarem essa postura comparativa [58]. Com os Ashikagas no poder do xogunato, cedo apareceram disputas no seio dessa família e de seus aliados, o que em parte favoreceu a desunião e certo revigoramento da corte meridional em Yoshino, durante o chamado Incidente Kannô (Kannō Jōran, � � � � ). Nesses eventos, o xogunato Ashikaga se enfraqueceu diante das disputas entre os irmãos Takauji e Tadayoshi (1306 - 1352) em que este tinha se rebelado e se juntado à corte meridional sob o trono do imperador Go-Murakami ( 1328 - 1368). A estrutura única do bakufu e da corte imperial pareceram estar em ruínas no Japão [59]. Durante o segundo xogum Ashikaga, Yoshiakira (1330 - 1367), irrompeu uma disputa no bakufu entre os diversos shugos que, ao realocarem suas lealdades políticas, buscaram se alinhar às pretensões da corte de Yoshino, como o fez Hosokawa Kiyouji. Em Kyushu, um outro Ashikaga, Tadafuyu, levantou armas contra o bakufu e a Casa Imperial de Quioto e lutou contra o príncipe Kaneyoshi, também conhecido como Kanenaga (1329 - 1383), filho de Go-Daigo. Foi este príncipe a quem foi conferido o título de “Rei do Japão” dado pela corte imperial chinesa da dinastia Ming em 1370, supostamente a título de combater os piratas (wakô) nas partes ocidentais de Kyushu [60]. A resistência da corte meridional de Yoshino, contudo, vai perdurar até 1392, quando o terceiro xogum, Yoshimitsu (1358 - 1408) (fig. 21), negociou com Yoshino e unificou as duas cortes. Ademais, Yoshimitsu conseguiu novamente dialogar com vários senhores locais (shugos) e manter-se como líder ao delegar poderes e pessoas nas diversas províncias do reino. E ao exigir a presença constante dos shugos na corte em Quioto, pôde melhorar a vigilância e controle sobre eventuais deslealdades e conspirações. Nesse sentido, Yoshimitsu garantiu ao reino certa unidade depois de décadas de tendências centrífugas. Figura 21 – Yoshimitsu, terceiro xogum Ashikaga. Fonte: https://tinyurl.com/y85krx8r Assim como o foi com o príncipe Kanenaga, Yoshimitsu também expressou lealdade ao imperador chinês, em 1403. A corte Ming, por sua vez, conferiu- lhe como súdito o título de “Rei do Japão”, o que abriu as perspectivas do reino em negociar e tratar com maior regularidade os reinos do continente asiático, em grande parte tributários do império chinês. Somente assumindo o título de súdito dos chineses, os navios japoneses poderiam portar a permissão (kangô) para negócios e acesso aos portos chineses [61]. https://tinyurl.com/y85krx8r No plano doméstico, Yoshimitsu apaziguou os conflitos entre os influentes templos budistas de Nanzen-ji, representando a escola zen, e o do Monte Hiei que defendia a ortodoxia. Buscou implementar um reforma tributária mais padronizada pelo reino, com a criação de um imposto mais amplo e igualitário (hanzei) em 1368 [62], delegando a função de administração a pessoas consideradas capazes e aliadas, como foram os casos do general Yoriyuki Hokosawa (1329 - 1392) e de Yoshimasa Shiba (1350 – 1410), a ocupar um proeminente posto administrativo (kanrei). O xogum criou um guarda militar pessoal (hokôshu), e desarticulou a influência de famílias shugos como os da clã Yamana e Ouchi, conseguindo reunificar e reordenar o reino. A morte de Yoshimitsu, em 1408, provocou uma sensível queda na unidade do xogunato. O quarto xogum dos Ashikagas, Yoshimochi, não apresentou o brilho político e militar de seu pai. No geral, o novo xogum seguiu as políticas de seu antecessor, mas recusou renovar a condição de tributário diante do trono chinês, acarretando numa queda nos contatos e comércio asiático, apesar de ter recebido da corte coreana da dinastia Joseon (Choson) uma representação em 1398 [63]. Em 1423, o cargo de xogum foi passado para o seu filho, Yoshikazu (1407 - 1425), mas este chegou a falecer cedo, dois anos depois sem escolher um sucessor. Ao final de algum tempo, foi eleito em 1429 como o sexto xogum o terceiro filho de Yoshimitsu e tio de Yoshikazu, Yoshinori (1394 – 1441) que foi assassinado durante uma peça de teatro Nô(�) [64] em 1441 em grande parte devido às suas atitudes excessivamente autocráticas [65]. Seu filho, Yoshikatsu, sucedeu-o no cargo com apenas oito anos de idade mas veio a falecer apenas dois anos depois devido à disenteria [66]. As rápidas sucessões e a política incerta dos xoguns sucessores a Yoshimitsu resultaram num gradativo fortalecimento de famílias oligárquicas delegadas como governantes (shugos) nas províncias, que passaram a serem onipotentes nas suas regiões (referidos como damiôs), corroendo a autoridade unitária do bakufu. Nesse cenário foi emergindo um quadro de guerra civil no Japão, com as famílias das províncias combatendo entre si, à medida que as alianças eram desfeitas e frágeis. Os dez anos de conflitos na chamada Guerra de Ônin (Ônin no Ran, ����), entre 1467 e 1477, iniciada entre a poderosa família dos Hokusawas e os Yamanas a disputarem o cargo de kanrei, acentuouainda mais a incapacidade do xogunato para impor sua autoridade [67]. Eventualmente, os conflitos entre as duas famílias acabou se alastrando para todos os daimiôs do país, em particular a região de Kantô - uma ampla planície a leste de Honshu que sofreu uma série de incidentes armados ainda mais longo desde 1454 a 1482 [68], concentrando as atividades militares principalmente na capital Quioto. O que se resultou desse amplo conflito foi uma luta inconclusiva e intermitente que devastou a capital nos anos da guerra. Isso só fez com que o oitavo xogum no poder, Yoshimasa (1435 - 1490) (fig. 22) , amante e patrono das artes e cultura, perdesse ainda mais o interesse na política levando-o a se aposentar e ao indicar seu filho, Yoshihina (1465 - 1489), como sucessor. Figura 22 – Yoshimasa Ashikaga. Fonte: https://tinyurl.com/yak5dfp7 As lutas corroeram o fundamento político e econômico do bakufu que entrou em colapso e o xogum, temido e poderoso no passado, transformou-se em simples figura decorativa e hereditária. Yoshimasa, ao aposentar-se, como meio de afirmação e consolo, buscou sublimar suas energias nos anos seguintes de sua vida a patrocinar amplos projetos de construção, como o do Templo de Jisho-ji em Quioto, conhecido como Ginkaku-ji (Pavilhão de Prata), inaugurado em 1490, símbolo máximo do florescente talento artístico da escola de Higashiyama [69] dessa época conturbada (fig. 23). https://tinyurl.com/yak5dfp7 Figura 23 – O Ginkaku-ji (“Pavilhão de Prata”), em Quioto, 1490. Fonte: https://kaseito.files.wordpress.com/2012/07/ginkakuji3.jpg Houve também generoso incentivo às mudanças estéticas que definiram os padrões culturais japoneses em outras áreas. Buscando os princípios da simplicidade elegante e serena (sabi) e o gosto pela contenção rústica (wabi), esses se conjugaram na manifestação de obras como na arquitetura e jardinagem (como no Ginkaku-ji), na disposição e decoração de ambientes no uso do tatame, portas deslizantes (shôji), prateleiras escalonadas e alcovas nas paredes para exibição de obras de arte (tokonoma). O estilo codificou os padrões e condutas de cerimônias como o do chá (chanoyu), o teatro Nô, o arranjo de flores (ikebana), cultivo de jardins e a composição de versos poéticos (renga) [70]. https://kaseito.files.wordpress.com/2012/07/ginkakuji3.jpg O período Sengoku e a ordem Azuchi-Momoyama (1467 – 1603) As conturbações da Guerra Ônin enfraqueceram a autoridade central e causou uma realocação de forças para as mãos de governadores (shugos) e famílias latifundiárias que passaram a acumular poderes quase autônomos e plenos nas suas províncias, no que se refere o termo daimiô (“grande nome, grande proprietário”). Eram figuras poderosas locais que ignoraram a autoridade do bakufu, que passou a existir somente nominalmente [71]. No decurso desse cenário de mudanças, famílias e clãs se estabeleceram como os Takedas e os Imagawas, e conseguiram expandir suas esferas de influência. E muito desse poder, provincial e descentralizado, se baseou no uso regular de pessoas (samurais) a servir como o poder policial e judiciário a resolver as pendências locais. O quadro geral no Japão, em suma, era de frequentes conflitos e guerras entre as diversas províncias e a incapacidade do poder central em impor a autoridade, período chamado de Sengoku jidai (“Período dos Estados Beligerantes”, ����) que se estendeu desde 1467 até a segunda metade do século seguinte. Em outros casos, cargos e postos de comando foram usurpados por pessoas de posições sociais mais humildes, mas com grande talento e capacidade para a guerra e política. Esse fenômeno social, de certa meritocracia, em que subordinados derrubaram a aristocracia no poder, tornou-se conhecida como gekokujô(��� , “o baixo conquista o alto”). Um dos principais exemplos disso ocorreu com Soun Hojo (1432 - 1519), de origens humildes que, eventualmente, assumiu o poder na província de Izu em 1493 [72]. E com base em suas conquistas sobre a região, o clã tardio dos Hojos permaneceram uma ameaça sobre a região próxima de Kantô (onde depois florescerá a cidade de Edo, atual Tóquio) até a sua subjugação por Hideyoshi Toyotomi (1536 - 1598) em 1590 (fig. 24). O mesmo Hideyoshi, por sua vez, veio de família camponesa sem direito a nome de família e chegou ao posto de general ao apaziguar daimiôs rebeldes e trouxer ordem ao Japão em fins do século 16. Houve também a organização de grupos religiosos e agricultores que se rebelaram contra as autoridades locais dos daimiôs, como ficou demonstrado no caso dos monges budistas da seita Terra Pura (Jôdo Shinshu, ���� ) que lideraram as facções rebeldes dos ikkô-ikki [73] na província de Kaga [74]. Figura 24 – Hideyoshi Toyotomi. Fonte: https://tinyurl.com/ybqd2kcb O cenário japonês, portanto, era de embates e choques entre poderios locais, tal qual placas tectônicas ainda a se consolidarem numa nova situação. E a nova ordem começou a surgir a partir da segunda metade do século 16. Período em que alguns daimiôs se tornaram suficientemente fortes e aliados a influenciar e subjugar o bakufu dos Ashikagas. A primeira tentativa de derrubar o xogum foi feita em 1560, por Yoshimoto Imagawa (1519 - 1560), quando aliado aos Takedas e Hojos marchou rumo à capital Quioto mas chegou a morrer em batalha contra Nobunaga Oda na batalha de Okehazama, nas proximidades da cidade de Nagoia [75]. https://tinyurl.com/ybqd2kcb Cinco anos depois, em 1565, uma aliança entre os clãs dos Matsunagas e Myoshis resultou num golpe contra o bakufu ao assassinar o 13º. xogum, Yoshiteru Ashikaga (1536 - 1565), e instalar o primo de Yoshiteru, Yoshihide (1538 - 1568) como o próximo xogum em 1568, ainda que somente por alguns meses. Pois, houve viva contestação de Nobunaga Oda (1534 - 1582) (fig. 25), da corte imperial e de outro poderoso daimiô dos Hokosawas, Fujitaka (1534 - 1610). Assim, foi instalado como o novo xogum o irmão mais novo de Yoshihide, Yoshiaki (1537 - 1597) que permaneceu no poder até 1573, o último dos xoguns Ashikagas. Figura 25 – Nobunaga Oda. Fonte: https://tinyurl.com/y9duob53 A oportunidade histórica com um aliado como xogum deu a Nobunaga alimentar maiores ambições de poder. Pois Yoshiaki ocupava apenas o cargo, mas quem de fato indicava-lhe e mandava-lhe diretivas era Nobunaga Oda. Mas a essa situação pouco perdurou porque já em 1573, Nobunaga decidiu marchar para a capital, Quioto, uma forma de intimidar o xogum por ele ter iniciado alianças com um clã rival dos Odas, os Takedas. O restante do https://tinyurl.com/y9duob53 tempo do xogunato dos Ashikagas foi insignificante e pouco efetivo até o seu fim em 1588. O protagonismo histórico de Nobunaga vinha desde antes, pois sua vida foi repleta de conquistas provinciais, batalhas contra rivais – daimiôs, líderes guerreiros, mercadores e monges budistas mais intransigentes - e pretendentes, inclusive no seio de sua própria família. Até 1573, Nobunaga já tinha destruído a aliança rival entre os clãs Asakura e Azai, obliterado os centros monásticos budistas de Tendai e do Monte Hiei, perto de Quioto, e evitou um confronto fatal direto contra o líder dos Takedas, Shingen (1521- 1573) daimiô da província de Kai, o maior rival contra as pretensões de unificar sob o comando de Nobunaga. Shingen, o “Tigre de Kai” morreu em batalha em 1573, ao confrontar-se com as forças de um aliado de Nobunaga, Ieyasu Tokugawa (1543 - 1616) [76]. As circunstâncias da morte de Shingen são controversas. Uma das mais difundidas é retratada no filme de Akira Kurosawa, “Kagemusha”, em que o líder dos Takedas sucumbe na calada do noite ao ser atingido, fortuitamente, por um tiro dado por um franco-atirador. Após a morte de Shingen, nenhum outro daimiô no Japão era forte o suficiente para impedir o controle do clã dos Odas sobre Quioto. E durante o período entre 1576 a 1579, Nobunaga Oda mandou construir o imponente Castelo de Azuchi (fig. 26), às margens do lago Biwa. Este castelo, com uma imponente torre de sete andares (tenshu), era o maior símbolo de
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