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Historia da India - Emiliano Unzer

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História da Índia
 
 
 
 
 
EMILIANO UNZER
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
________________________________________________________________
Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha Catalográfica feita pelo autor
________________________________________________________________
U141h Unzer, Emiliano, 1977 –
História da Índia / Columbia, Carolina do Sul, EUA: Amazon Independent Publishing,
2018.
416p. : 21 cm
Inclui bibliografia e índice.
ISBN: 9781790159666
1. Índia – História. I. Título.
CDU: 94(540)
________________________________________________________________
 
 
 
 
 
 
 
Capa: Pintura da trindade divina (trimurti) prestando homenagem à deusa Kali.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Copyright © 2018 Emiliano Unzer
Todos os direitos reservados.
ISBN: 978179015966
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À Míriam, por tudo.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“How can the mind take hold of such a country?''
 
(“Como pode a mente se apoderar de tal país?”)
(tradução nossa)
 
- E. M. Forster (1879 - 1970), ''A Passage to India''.
 
 
 
 
 
"India is, the cradle of the human race, the birthplace of human speech, the
mother of history, the grandmother of legend, and the great grandmother of
tradition. our most valuable and most instructive materials in the history of
man are treasured up in India only."
 
("A Índia é o berço da humanidade, o lugar de nascença da fala humana, a
mãe da história, a avó das lendas, e a bisavó das tradições. Nossos mais
valiosos e instrutivos materiais da história humana estão entesourados na
Índia, apenas") (tradução nossa)
 
– Mark Twain (1835 - 1910), “Following the Equator”.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO
 
INTRODUÇÃO
DO VALE DO RIO INDO AOS SATAVANAS
Harappa e Mohenjo-Daro
Os arianos
Os Vedas
Os Mahajanapadas e a ascensão do império Mágada
O Budismo e o Jainismo
A Dinastia Máuria - auge do Império Mágada
A Dinastia dos Sungas e Kanvas – o declínio do Império Mágada
O Império Cuchana
As narrativas da mitologia hindu e o florescimento cultural indiano
Os Guptas
Literatura Sangam
O reinos de Calinga e de Satavana
DOS PANDIAS AOS CHALUKYAS
O Tamilakam – Os impérios Pandia, Chola e Chera no sul da Índia
Os Pandias
Os Cholas
Os Cheras
Harsha
O Império Pratihara dos Gurjaras
Rashtrakuta
Os Palas
Os Pallavas
Os Chalukyas
O florescimento das culturas regionais indianas
DE MAHMUD DE GHAZNI A VIJAYANAGARA
Mahmud de Ghazni
O Sultanato de Delhi
No Planalto do Decão e o Sul da Índia
O Sultanato de Bamani
O reino Gajapati de Orissa
Vijayanagara
DE BABUR A BAJI RAO
Babur
Humayun
Akbar
Jahangir
Shah Jahan
Aurangzeb
A Guerra Mogol-Marata
DE DUPLEIX A CORNWALLIS
Os europeus e a Índia
Robert Clive
Warren Hastings e as Guerras Anglo-Mysore
Lord Cornwallis
Fatores para a dominação britânica na Índia
DE WELLESLEY A CURZON
Wellesley a Hardinge
Dalhousie
As Revoltas de 1857 e as Reformas Britânicas
O Raj Britânico - de Canning a Curzon
DE GOKHALE A GANDHI
Reformas Políticas e Nacionalismo na Índia
Gandhi
As Conferências de 1930 a 1932 e a Lei do Governo da Índia de 1935
A Missão Cripps, “Deixem a Índia” e a 2ª. Guerra Mundial
A Partição e a Independência
DE JAWAHARLAL NEHRU A MANMOHAN SINGH
Os Estados Principescos e a Adesão
A Questão da Caxemira e Jammu
A Assembleia Constituinte
Governo de Nehru
Indira Gandhi
Rajiv Gandhi
Narasimha Rao
A era das coligações partidárias
Vajpayee
Manmohan Singh
CONCLUSÃO
ÍNDICE
REFERÊNCIAS
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO
 
Como definir a Índia? Em termos históricos, a Índia tem origem no Vale do
Rio Indo hoje em território paquistanês. Em termos culturais e religiosos, a
Índia foi berço das crenças do hinduísmo, budismo, jainismo, siquismo entre
outros, e abrigou os zoroastrianos advindos das terras persas a oeste, assim
como foi local onde prosperou o Islã desde o século 7º. através do Gujarate e
Sind, no noroeste indiano. Em termos geográficos o país desde 1947
delimita-se ao norte com o Paquistão, Bangladesh, Butão, Nepal e a China.
Com a ex-Birmânia, hoje o Mianmar, ao leste. Além da proximidade com a
ilha de Sri Lanka ao sul. Ou seria a Índia também a sua numerosa
comunidade de diáspora pelo mundo estimada em mais de 30 milhões? Seria
a Índia simplesmente hindu que perfaz quase 80% de sua população? Se
assim fosse, seriam os hindus apenas os ortodoxos bramanistas, ou também
os xivaístas, vixnuístas e outras correntes populares? E as grandes
comunidades hindus no Nepal, nas ilhas Maurício, em Bali e em outras partes
do mundo? Seriam elas a Índia também? E os aproximadamente 14% da
população indiana que se declaram muçulmanos, em torno de 172 milhões de
pessoas, segunda maior comunidade muçulmana do mundo, não seriam eles
também indianos? E a comunidade budista, sikh, jainista e cristã [1] na Índia?
Em termos linguísticos, a Índia abriga mais de 20 línguas oficiais, mais de
1500 dialetos e grupos étnicos. Quem desses seriam mais indianos que os
outros?
 
O conceito de Índia, portanto, é mais complexo do que parece ser à primeira
vista. Para entendermos esse estonteante e caleidoscópico país, devemos
buscar sua história que poderá nos fornecer alguma perspectiva de como a
Índia se formou, se consolidou, influenciou e assimilou suas políticas,
identidades, valores e culturas. Enfim, a Índia é talvez muito mais um
conceito civilizacional do que uma mera expressão definida apenas em
termos geográficos, religiosos e étnicos.
 
Esse estudo, naturalmente, tem seus limites e adota uma abordagem histórica
e política em forma narrativa, com algumas ênfases culturais e sociais. Por
vezes serão enfocados alguns personagens históricos, por outras vezes
eventos, ideias e locais - como não considerar o vital rio Ganges ou o Passo
Khyber, por exemplo? O estudo também busca partir das perspectivas
indianas, evitando uma ênfase histórica eurocêntrica principalmente a partir
da chegada de navegadores europeus com Vasco da Gama em 1498. No
entanto, inevitavelmente será considerado o protagonismo dos britânicos a
partir da presença e atuação da Companhia Britânica das Índias Orientais
desde a vitória de Robert Clive em Plassey em 1757.
 
Em certo sentido, os estrangeiros fazem parte da história da Índia. A
passagem terrestre mais acessível à Índia fica localizada a noroeste, pela
porção mais ocidental da cadeia dos Himalaias, o Hindu Kush, no norte
afegão, através do chamado Passo Khyber, passagem pelos quais muitos
nômades das estepes asiáticas chegaram e invadiram as férteis planícies do
vale do rio Indo, do Ganges e Yamuna. Foi por onde o Islã chegou de
maneira predominante às terras indianas a partir dos afegãos e dos infames
saques de Mahmud de Ghazni (971 - 1030) ao templo hindu xivaísta de
Somnath em Gujarate em 1024. E depois foram sucedidos pelas sucessivas
invasões de povos centro-asiáticos como os timúridas sob Tamerlão (1336 -
1405), e dos túrquicos e mogóis, a partir de meados do século 16. Os mogóis
estabeleceram-se no norte indiano após a vitória sobre a dinastia túrquica dos
Lodis em Délhi (na batalha de Panipat, em 1526) e fundaram um império
unificado sob comando político e militar muçulmano - e que deixaram como
heranças inconfundíveis o mausoléu do Taj Mahal (1632 - 1653) e o conjunto
do Forte Vermelho em Agra (1648) – até a predominância dos britânicos a
partir de meados do século 18 em diante.
 
A história indiana defronta-se com certa novidade na chegada dos europeus a
partir de fins do século 15 na costa a sudoeste de Malabar. Esse elemento
inovador, de acordo com Pannikar [2], foi o uso armado das embarcações
oceânicas. O Oceano Índico sempre foi cenário de um intenso comérciointernacional entre árabes, malaio-indonésios, chineses, e mercadores
indianos gujaratis (de Gujarate) e sindis (do Sind). As atividades entre esses
eram feitas, no geral, de maneira pacífica visando zelar pela continuidade da
prática comercial, até a chegada das caravelas portuguesas, embarcações
fortemente armadas e com uma atitude bélica irrestrita, com ameaças de
sequestro e tomada de cargas valiosas no mar, prática antes pouco concebidas
e consideradas desleais à boa prática do comércio. Posteriormente, a
predominância europeia sobre a Índia se tornará evidente com a atuação
política e militar de agentes britânicos da Companhia Britânica das Índias
Orientais, apesar das amplas resistências indianas organizadas por líderes
como Baji Rao (1700 – 1740) e Tipu Sultan (1750 - 1799). Em 1857, após
massivas rebeliões indianas, as autoridades de Londres e Calcutá decidiram
rever e administrar diretamente a Índia como colônia da Coroa Britânica.
Nessas propostas de reformas administrativas, surgiram dentro do criado
corpo de funcionários públicos, o Serviço Público Indiano (Indian Civil
Service), as primeiras lideranças indianas que depois inspirou o movimento
pela independência no século 20.
 
Nos estudos asiáticos toda obra corre o risco de exotizar o Oriente, baseado
no clássico estudo de Edward Said [3], algo como um complexo de Marco Pólo
em considerar os costumes e valores asiáticos como muito diferentes ou até
mesmo antípodas aos costumes ocidentais, resultado seja do nosso
maravilhamento, seja pela tentação de tornar algo mais exótico e diferente às
nossas habituais percepções. Nesse sentido, o risco maior é considerar as
categorias religiosas (hindus [4], muçulmanos, sikhs, cristãos, budistas,
jainistas, zoroastrianos, judeus etc.), ou étnicas, linguísticas e de castas
(varna), como atemporais e estanques, sem enxergar nelas as possibilidades
de convivência, sincretismo e tolerância num ambiente diversificado que
historicamente predominou na Índia, emblematizado no minarete de Qutub
Minar (1193 - 1368) em Delhi [5] que mescla os elementos artísticos hindus e
islâmicos túrquicos. Esse fenômeno histórico indiano de coexistência na
pluralidade, considerado nesse estudo, se pauta no conceito do
“cosmopolitismo indiano”, defendido por indologistas como o professor
Vinay Lal [6].
 
Em termos temporais, esta obra foi organizada por uma sequência
cronológica com ênfase nos personagens, locais e eventos de destaque na
história indiana. Foi evitado, na medida do possível, o uso de marcos
históricos como o período da antiguidade, medieval e moderna, visando
enfatizar uma temporalidade própria indiana, apesar de sempre estar ligada
aos eventos históricos mundiais. O estudo buscou também fugir de uma
excessiva simplificação da história indiana como categorizou James Mill
(1773 - 1836) em sua monumental obra The History of British India [7], em
que foi seccionada a história em três grandes fases – a fase hindu, muçulmana
e cristã (britânica).
 
Este livro, em suma, pretende narrar mais as complexidades, convivências,
ambiguidades, tolerâncias e conflitos da diversidade política, étnica,
linguística, religiosa e cultural indiana. Ao que remete ao resultado histórico
da Índia em tempos atuais: é a maior democracia do mundo, com estimado
um bilhão e duzentos milhões de pessoas, a se valer num de seus lemas
oficiais, “unidade na diversidade”.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DO VALE DO RIO INDO AOS SATAVANAS
 
Harappa e Mohenjo-Daro
 
A noroeste da Índia e leste do Paquistão há uns quatro mil anos atrás, corriam
rios abundantes e perenes que propiciaram um acesso regular à água potável,
vital para o sustento de animais e humanos. Terra essa que é chamada de
Punjab, “cinco rios”, pois assim corriam os rios a desaguarem todos como
afluentes do rio Indo. E desse nome adveio, através dos cronistas e viajantes
estrangeiros a nos relatar pelos séculos seguintes, o que se convencionou
referir-se a toda a região como a “Índia” [8].
 
Foi então no vale do rio Indo que foram encontrados os primeiros vestígios
de assentamentos planejados e permanentes de comunidades humanas
datando por volta de 2200 a.C. Em locais hoje referidos como Harappa e
Mohenjo-Daro (mapa) ficou evidenciado um avançado sistema de
planejamento urbano e sanitário, com largas ruas pavimentadas e locais que
parecem remeter a banhos públicos e tanques de água (fig.).
Mapa do Vale do Indo e dos sítios de Harappa e Mohenjo-Daro.
 
Figura – Ruínas de Mohenjo-Daro.
 
Nesses dois sítios podemos identificar, portanto, as primeiras evidências de
uma sociedade sedentária organizada com algum controle centralizado e as
primeiras manifestações civilizacionais do passado indiano. Havia
necessidade, diante demonstra o avançado planejamento dos sítios, de um
comando centralizado e de um mínimo de especialização social demandada
para o planejamento e execução de construções que teriam servido ao bem
público – como as reservas de água para tempos de seca – ou a um rico e
poderoso membro sobre o restante da sociedade. Mas isso são ainda
conjecturas, pois tudo ainda permanece um mistério.
 
Há outros vestígios materiais que podemos inferir sobre as sociedades dos
locais citados. Uma escultura de pedra, hoje num museu de Carachi,
Paquistão, nos mostra uma pessoa de vestes elaboradas e aparência serena e
imponente que sinaliza uma pessoa proeminente, talvez um sacerdote. Em
outra gravação, é retratada uma pessoa em posição peculiar, talvez
meditativa, indicando remotas origens de posições defendidas pelas escolas
iogues. E pelos símbolos e retratos silvestres na gravação, talvez seja até
mesmo uma divindade, um antecessor de Xiva, deus indiano
caracteristicamente próximo do meio silvícola e da animália, num dos seus
atributos como Pashupati, “senhor dos animais”.
 
Há evidências de continuado assentamento em outros sítios. E mais recuados
no tempo, como em Mehrgarh, no Baluchistão, ao oeste indiano em direção
ao atual sudeste iraniano. Nesse local as datas vão desde o sétimo milênio
a.C., na transição da vida nômade para a sedentária. Em Amri, no Sind,
também ao oeste indiano, a datação situa-se em torno de 3600 a.C., e neste
parece indicar que o desenvolvimento de sua cerâmica, por exemplo, se deu
em termos autóctones, sem, portanto, ser influenciado por contatos com
outros povos. Algo extraordinário, pois há evidências de cerâmicas e outros
produtos originados dessa região encontrada mais ainda ao oeste, na
Mesopotâmia, no sul do Iraque, e ao norte, nas estepes da Ásia Central.
 
A partir de 2500 a.C. além dos centros como Harappa e Mohenjo-Daro,
outros locais como Kalibangan, indicam que o padrão de construção
convergiu num mesmo padrão e estilo, possivelmente apontando para uma
confederação política unida. E já no fim do mesmo milênio, em Harappa,
houve a construção de muralhas e fortes para fins defensivos contra
invasores.
 
Sobre as hipóteses de seu declínio dessa cultura do vale do Indo, a maior
parte dos arqueólogos concorda situar num período entre 1800 a.C. a 1700
a.C. Alguns estudiosos [9] apontam para as crescentes invasões de estrangeiros
vindos do norte, com uso de armas de bronze e a cavalo, povos chamados de
arianos [10], sustentando os seus argumentos nos achados de ferramentas e
utensílios que foram subitamente abandonados nos sítios escavados. Outro
fator considerado foram os fatores de mudanças ambientais. Com o clima
alterado, grandes inundações do vale do Indo alteraram de maneira definitiva
o curso dos rios, gerando erosão do solo e seca do clima na região.
Os arianos
 
Por volta do segundo milênio a.C. uma onda migratória de povos advindos da
Ásia Central começou a avolumar-se nas regiões do noroeste indiana e do
Punjab. Com esses chegaram o uso de armas de cobre, bronze, montagem em
cavalos e carruagens. A origem desses povos, chamados em sânscrito de
aryas [11], arianos, ainda é motivo de viva controvérsia entre historiadores e
arqueólogos. Alguns apontam para a vasta estepeda região central asiática,
outros em regiões meridionais russas ou até mesmo mais a oeste, na Europa
[12]. O grande estudioso britânico, Sir William Jones, no seu clássico estudo [13]
sobre a escrita sânscrita trazida com esses povos, buscou estabelecer a origem
dessa cultura com as línguas europeias. Atestando para uma suposta
dominação inerente dos povos indo-europeus sobre outros povos asiáticos,
uma forma de legitimar a dominação britânica sobre a Índia em fins do século
18.
 
Não se sabe ao certo a relação desses povos arianos com o que é recitado pelo
mais antigo dos sagrados quatro épicos védicos, o Rig Veda. Neste, não é
descrito nenhuma forma urbana de organização social, algo que já era notável
em locais como em Harappa, local onde, a partir de 2000 a.C. a 1400 a.C., os
arianos gradativamente começaram a se mesclar com os elementos locais.
Talvez fosse mais apropriado considerarmos um extenso período de contato e
miscigenação entre os elementos pré-arianos anteriores no noroeste indiano
com a chegada de povos arianos. Interpenetrações que irão combinar
elementos harappanos de culto a divindades e animais, como visto na figura
do proto-Xiva, com o culto ariano do cavalo, do fogo e do raio (como nos
deuses Agni e de Indra, respectivamente). E que depois se inseriu uma
relação de dominação e diferenciação social, em castas sociais hierarquizadas
(varnas) com os setores dominantes arianos, sacerdotes (brâmanes) e
guerreiros (xátrias), a prevalecer sobre outros (shudras) da sociedade [14]. Na
convivência dos tempos, os arianos foram ordenando a hierarquia social
conforme sua posição de dominação.
 
 
Os Vedas
 
O conjunto dos épicos védicos é a mais importante fonte de informação a
respeitos dos arianos, e é a base mais antiga de crenças, práticas, valores e
línguas da Índia. Em sua consideração a respeito da importância dos Vedas,
Rabindranath Tagore (1861 - 1941)[15] com propriedade assim os descreveu:
 
Um testamento poético da reação coletiva de um povo pela admiração e respeito da existência.
Um povo de vigorosa e simples imaginação que foi despertado logo no início da civilização a um
sentido do mistério inesgotável que está implícito na vida.[16] (tradução nossa)
 
Os épicos são compostos por quatro categorias de textos. Os mantras, que
tratam de palavras sagradas, os brâmanas que ordenam os rituais sacrificiais,
os upanixades que são tratados esotéricos e filosóficos e os sutras, instruções
ritualísticas. Essas categorias, conforme Kulke & Rothermund [17], expressam
etapas históricas dos arianos desde a vida seminômade nas estepes asiáticas
até o seu gradual assentamento e incorporação dos elementos urbanos
sedentários no vale do rio Indo e posteriormente nas planícies a leste do rio
Ganges [18].
 
Os mantras, conjunto mais sagrado transmitidos apenas entre os sacerdotes
(brâmanes), são compostos por quatro grupos: o Rig Veda (o mais antigo
deles), o Sama Veda, o Iajur Veda e o Atarva Veda. O Rig é a mais completa
e valiosa fonte histórica que temos sobre a sociedade ariana, pois se considera
que fora composto por volta de 1300 a 1000 a.C. Os primeiros livros do Rig
tratam mais de assuntos filosóficos e sagrados, além de ordenamentos sociais
e familiares. Os livros posteriores do épico Rig têm como assuntos a política
e a guerra, ao abordar os confrontos entre os arianos e povos do vale do rio
Ganges. Nesses, há relatos de povos não-arianos de pele escura, chamados de
dasas ou dasyus que serão gradativamente incorporados, expulsos ou
dominados. Nas inúmeras campanhas de guerra descritas, há hinos védicos
do Rig que glorificam uma das mais destacadas divindades arianas, o deus do
fogo, raio e destruidor de fortes (purandara), Indra:
 
Armado com seu raio e confiante em sua proeza, ele vagou
quebrando os fortes dos dasas.
 
Lança o seu dardo, (...) ó Trovejante, sobre os dasyus; a aumentar o
poder e glória dos arianos , ó Indra.
 
(Rig Veda, Livro 1, Hino CIV)
 
Indra, (...) o destruidor de fortes, dispersou os anfitriões dasas que habitavam nas trevas (...).
 
A ele rendido (...), a Indra no tumulto da batalha.
Quando em seus braços estendeu o raio, ele massacrou os dasyus e derrubou seus fortes de ferro.
 (Rig Veda, livro 2, Hino XX) [19] (tradução nossa)
 
A expansão dos povos arianos se deu em etapas subsequentes advindos da
região da Ásia Central para o noroeste indiano, e em direção a leste ao longo
da planície dos rios Ganges e Yamuna, local de excepcional fertilidade para o
plantio de culturas como o arroz e propício para rebanhos de animais
domesticados como o gado bovino. Junto com os rios da região do Punjab, a
importância das regiões fluviais, cultivo de culturas agrícolas e gado parecem
ter ganhado proeminência entre esses povos antes seminômades das estepes.
Assim como nos revela trechos do Rig Veda:
 
Quando dois exércitos opostos entram em contenda em batalha
por sementes e proles, águas, vacas ou milho da terra.
 
(Rig Veda, livro 6, Hino 25) [20] (tradução nossa)
 
A vida sedentária, portanto, começou a partir de meados do primeiro milênio
a. C. entre os arianos, com o estabelecimento de vilas e cidades, e de campos
cultivados descerrados da condição silvestre resultado de uso de ferramentas
(e armas) de ferro. O comércio e o artesanato ganharam proeminência na
sociedade ariana, a surgir uma casta nova, os vaixás. E houve,
concomitantemente, um incremento nas reflexões e preocupações filosóficas
a respeito da vida, sociedade e universo.
 
Nessas sociedades assentadas, várias entidades políticas arianas começaram a
despontar na região do vale do Ganges-Yamuna, entre eles os báratas e os
purus que uniram-se como a clã dos kurus e predominaram sobre outros
povos da terra que a partir de então passou a ser chamada de kurukshetra, lar
dos kurus. E são os kurus, suas glórias e feitios que são recitados no épico
Maabárata, como na batalha de Bárata, supostamente ocorrida por volta de
950 a.C., combatida entre duas grandes tribos arianas dos kurus, os kauravas
e os pandavas.
 
Os arianos se mesclaram com o passar dos séculos com outras etnias locais,
resultando numa sociedade cada vez mais indo-ariana. Em tempos de paz
como nos é revelado nos textos védicos, é distinguida uma diferenciação
social entre aqueles membros livres (vish) e aqueles nobres guerreiros
(xátrias) dentre dos quais era selecionado um rei (rajan). Os sacerdotes
(brâmanes) também são mencionados como grupo distinto nos textos. Povos
não-arianos submetidos ao trabalho manual eram considerados à parte de
todos. E todos foram sistematizados em castas, (varnas). Essa ordem
estabelecida aparece em textos védicos:
 
 Quando os deuses prepararam o sacrifício de Purusha [21]
Seu óleo era a primavera, o dom era o outono, verão era a madeira
Quando dividiram Purusha, quantas porções eles fizeram?
Do que eles chamam de sua boca, seus braços? Do que eles chamam suas coxas
e os pés ?
O Brâmane era sua boca, de ambos os braços foi o Raj feito
[Xatriá]
Suas coxas se tornaram o Vaixá, de seus pés o Shudra foi
produzido.
 (Rig Veda, Livro 10, hino 90) [22] (tradução nossa)
 
A estratificação social foi mais explicitada no período tardio védico, ou seja,
por volta de 1100 a.C. a 500 a.C., com a necessidade de ordenamento social e
político a consolidar as conquistas e o poderio sobre os povos submetidos.
Nesse sentido, o topo do poder residia na mão de um gramani, espécie de
líder guerreiro da sociedade ariana advindo, portanto, da casta dos guerreiros,
vaixás. A inserção de sacerdotes, brâmanes, junto à elite, constituiu sinal de
que entre os arianos desde tempos seminômades era reservada a líderes
espirituais uma posição de destaque e influência na sociedade. Tal é atestado
com a cerimônia anual de um rei, o rajasuya, que deveria ser guiada e
conduzida segundo rituais sacrificiais e preceitos guardados por sacerdotes.
 
Abaixo desses vinham os artesãos e trabalhadores, carpinteiros, ceramistas e
ferreiros, normalmente advindos de sociedades submetidas. Compostos de
povos de pele maisescura. Eles são mencionados nos textos védicos pela sua
importância na manutenção de carruagens e fabrico de armas e instrumentos.
Muitos eram desconsiderados pela elite, que os enxergavam como shudras, o
estrato mais baixo social, indicando sua posição marginal na sociedade
védica. Com relação ao comércio, a atividade não era considerada tão impura,
podendo brâmanes e xátrias participar dessa ocupação considerada crucial
para a economia e prosperidade das sociedades arianas [23].
 
O que nos remete ao conceito de jati (“nascimento, origem”) que somente
aparece no corpus védico num período tardio. Esse conceito social é uma
forma de casta que conviveu com o sistema de varnas e buscou organizar as
diferentes comunidades, tribos, nações e grupos religiosos e linguísticos da
Índia designando-lhes determinadas ocupações na sociedade. Assim, as
milhares de categorias jatis iam desde as funções militares (srivastava) até
vendedores de perfume (gandhi), nomes que depois foram incorporados
como nomes de famílias e clãs. E cada categoria era dinâmica, pois dependia
do prestígio e poder de cada jati numa determinada sociedade, o grupo
poderia ascender ou decair dentro da ordem social. O aparecimento tardio
desse conceito aos Vedas parece indicar uma incorporação posterior de uma
antiga prática social em vigor em outras partes da Índia além do compasso
dos varnas [24].
 
O Maabárata e os Upanixades
 
O maior épico da literatura indiana, o Maabárata [25] nos conta a respeito das
guerras e intrigas no Kurukshetra – região ocidental do vales do Ganges e
Yamuna – de duas entidades políticas arianas tardias relacionadas, e o drama
dos regentes de ambos os lados. Há controvérsias de sua autoria, mas atribui-
se tradicionalmente a compilação dos seus cantos ao lendário sábio Vyasa
(literalmente, “compilador”) e ao deus Ganesha [26] [27], e sua datação remete
acerca de 800 a. C. até suas versões finais por volta de 400 a. C.
 
Seu tema trata das intrigas e disputas pelo trono dos kurus, na capital
Hastinapura, disputado pelos regentes dos kauravas e pandavas. Ambos os
lados discordavam sobre o casamento da princesa kuru Draupati. As disputas
políticas pelo poder culminaram na Guerra de Kurukshetra, em que os
pandavas saíram vitoriosos. Muita além das batalhas, o foco maior é em
torno da tragédia humana em busca de poder, riqueza, glória acompanhada de
mortes, perdas e miséria. As lealdades de família e política se entrelaçam e
resultam, com frequência, em conflitos dramáticos revelados no épico.
 
Entre as inúmeras histórias que compõe o Maabárata, a mais notória é o
Bhagavad Gita. Num momento dramático no campo de batalha, um avatar [28]
do deus Vixnu, Krishna, aparece ao angustiado príncipe pandava, Arjuna, a
aconselhá-lo sobre o seu dever (darma) de um guerreiro (xátria) diante do seu
destino. Em determinado momento, Arjuna começa a questionar a real
divindade de Krishna e este, após hesitar, decide então revelar todo o
esplendor divino e do universo, uma forma de teofania (vishvarupa) (fig.):
 
 
Ó Mestre (...), se você acha que é possível, em seguida, gentilmente mostra-se em sua forma
imortal para mim.
 
(...) Krishna respondeu: (...) eis minhas formas divinas ilimitadas de vários matizes e formas.
 
Ó descendente de Bharata [Arjuna], eis aqui os Adityas, Vasus, Rudras, os Ashvini-Kumaras e
os Marutas [29]. Eis as múltiplas formas surpreendentes, nunca antes vistas.
 
Ó conquistador do sono, eis que neste único lugar todo o cosmos, incluindo todos os seres
móveis e imóveis, tudo dentro dessa Minha forma, juntamente com qualquer outra coisa que
você deseja ver.
 
No entanto, você é incapaz de perceber isso com os olhos do presente, por isso vou dar-lhe visão
divina. Agora, eis meu esplendor místico!
 
(...) Krishna revelou a Sua forma de bocas infinitas e os olhos, adornado com muitos ornamentos
divinos e levantando muitas armas celestes. Ele foi decorado com guirlandas e roupas divinas e
ungiu com fragrâncias celestiais. Ele era o mais maravilhoso, esplendoroso, ilimitado e que a
tudo permeia.
 
(Bhagavad Gita, Capítulo 11, versos 4 a 11) [30] (tradução nossa).
 
Figura – A revelação (vishvarupa) de Krishna a Arjuna, de acordo com o Bhagavad Gita.
 
A filosofia indiana no período tardio védico começou a refletir uma mudança
de atitude diante do destino e do universo, diferentemente da atitude anterior
dos arianos seminômades de fatalismo, magia e transitoriedade. A partir de
então, a visão enfatiza cada vez mais a vulnerabilidade e brevidade do
indivíduo, e da importância de sua conduta na vida com relação aos outros,
surgindo conceitos como o carma (“ação”, em sânscrito), uma boa conduta a
gerar consequências no futuro e em outras formas de vida. E samsara
(“perambulação”), em que nossas ações irão se refletir nas subsequentes
reencarnações, consistindo estas num ciclo incessante de renascimentos.
Esses dois conceitos talvez tenham sido incorporados pelos arianos védicos
diante das mudanças sociais e políticas ao estabelecerem-se e ordenarem-se
em reinos permanentes e dinásticos, a refletirem sobre os efeitos da guerra,
morte e fragilidade da vida humana [31].
 
Esses acréscimos filosóficos e religiosos foram sendo adotados pela
sociedade, desde os brâmanes aos shudras e incorporados como comentários
finais aos textos védicos, conhecidos como os Upanixades, ao final dos textos
védicos (por isso conhecido como vedanta, “fim dos Vedas”) entre 750 a.C. e
500 a. C. A ênfase dada no período final dos Vedas e dos Upanixades,
portanto, se voltam mais para o caminho místico do indivíduo, para a sua
alma (atma) e sua relação com a alma do universo (brahman), acreditando
numa relação entre esses dois universos em termos de conciliação e unidade,
através de transmigrações e renascimentos [32].
 
Os Mahajanapadas e a ascensão do império Mágada
 
Por volta de 700 a.C. ocorreram assentamentos indo-arianos na região de
Ujjain, capital do reino de Avanti, a mais de 800 km ao sul de Kurukshetra.
Ao norte e a leste, houve deslocamentos para regiões de altitude com
temperaturas amenas e menos florestadas em comparação ao sul e ao leste
indiano. Mas foram as terras férteis a leste, em direção ao vale do rio Ganges
e Yamuna, hoje nos estados indianos de Bihar e Uttar Pradesh, que provaram
ser irresistíveis aos povos indo-arianos. Da região do Kurukshetra no século
6 a. C., a maior migração foi em busca de kshetra, termo que designa terras
propícias ao cultivo e gado.
 
As terras do leste indiano forneceram também as condições para a formação
de estados unificados sob comando militar e sacerdotal, em categorias
chamadas de janapadas. Algumas dessas unidades após anexações e
ampliações resultaram em mahajanapadas, ou grandes reinos. Entre esses
constaram alguns com maior projeção: os reinos de Mágada (Magdha ou
Magadha), Kosala, Vatsa e Avanti a disputarem entre si a supremacia. Em
essência, foi essa a história política da Índia do século 6 a.C., com a gradual
predominância do reino de Mágada [33]. A maior expansão deste reino se deu
na dinastia dos Haryankas (c. 600 a 413 a. C.), especificamente sob o reinado
de Bimbisara (r. 542 – 492 a.C.). Com este, o reino ganhou contornos
imperiais, abarcando as regiões indianas de Bihar e Bengala a leste, além
mais de Uttar Pradesh e Odisha ao longo da costa sul.
 
A estrutura desses estados Mahajanapadas foi, em essência, um conjunto
fluido de alianças e lealdades entre lideranças políticas. O comando central
direto exercia-se apenas sobre territórios nos arredores da capital e algumas
entidades tribais adjacentes. Os reinos mais afastados e aliados tinham
considerável autonomia, somente sendo exigida lealdade em casos de guerra
e atendimento a ocasionais cerimônias reais. As fronteiras imperiais
confinaram-se em grande parte a limites naturais, como rios, desertos e
montanhas. Esse sistema político de alianças, conceituado como rajamandala
(“círculo de estados”) [34] por Cautília (Kautilya) [35], foi praticado em tempos
posteriores entre regentes hindus e o sistemaimperial indo-britânico a partir
do século 18.
 
O Budismo e o Jainismo
 
Na fase histórica entre o final do século 7 a.C. ao final do século 5 a.C., foi
decisivo o desenvolvimento da cultura indiana e regiões próximas. Foi uma
fase de intensa urbanização e efervescência cultural [36]. E foi sob o império
Mágada que o budismo e o jainismo foram fundados e floresceram. Nos
cânones budistas em língua páli [37] consta que Bimbisara concedeu proteção e
culto à primeira destacada personalidade histórica da Índia, o príncipe Sidarta
Gautama (563 a. C. ou 480 a.C. – 483 a.C. ou 400 a. C.), o Buda, na região
onde ele caminhou e atingiu a Iluminação pelos estados de Uttar Pradesh,
Bihar e na sagrada cidade de Bodh Gaya (fig.).
 
Figura – O imponente templo de Mahabodhi, em Bodh Gaya, em Bihar.
 
Os ensinamentos de Buda foram uma expressão espiritual de reforma. Nas
crônicas budistas que narram sobre a vida e as encarnações de Buda, como no
Jataka [38], há vivo retrato de que Sidarta cresceu e pregou em inquietos e
florescentes ambientes urbanos ao longo do Ganges, a questionar a
dominação da elite guerreira e sacerdotal (xátrias e brâmanes). Outro grande
reformista da época, talvez um contemporâneo, foi o fundador do jainismo,
Mahavira (599 a.C. – 527 a.C.), uma religião ascética que se popularizou
entre os mercadores e comerciantes indianos, pois condenava veementemente
a agressão e violência contra qualquer forma de vida – desde insetos a
mamíferos – algo impeditivo para agricultores e pastoralistas.
 
Ambos os movimentos religiosos do século 5 a.C. caracterizaram-se como
uma transição de um período magicista e místico dos textos védicos e dos
Upanixades para um novo tipo de racionalidade. O Buda centrou seu
pensamento na busca pela salvação individual a romper o ciclo de
reencarnações e sofrimentos (samsaras), a atingir a libertação (moksha).
 
Após a morte de Buda, um concílio de monges começou a editar o conjunto
de seus ensinamentos a ser preservado em 404 a.C na cidade de Rajgir, no
Bihar (fig.) [39]. Em concílios posteriores, ocorreram cismas entre aqueles que
defenderam os ideais ascéticos da comunidade dos monges (sanga), enquanto
outros defenderam um maior envolvimento dos monges com a população
leiga, alargando o conceito estrito de sanga. Este novo movimento, mais
amplo, originou depois o chamado “Grande Veículo” (Maaiana), enxergando
os outros movimentos budistas como mais restritos e ortodoxos,
considerando-os como “Pequeno Veículo”, Hinayana, expressão pejorativa
de referência à escola teravada. Esse cisma foi de crucial importância para o
posterior alastramento do budismo por regiões além da Índia.
Figura – O Primeiro Concílio Budista de Rajgir. Pintura no mosteiro de Jetavana em Uttar Pradesh.
 
A Dinastia Máuria - auge do Império Mágada
 
Por volta de 320 a.C., um comandante militar local em campanha conseguiu
um feito extraordinário à época. Entra triunfante pelos portões da capital dos
Mágadas, Pataliputra (atual Patna), uma das maiores e mais fortificadas
cidades indianas. Seu nome era Chandragupta. Tal evento ocorreu em
momento pouco propício ao que restava do passado Mágada, pois ao oeste
ocorreram desde o século 6 a.C. invasões persas aquemênidas nas regiões do
Sind e Punjab. A noroeste, sucessivas incursões gregas macedônicas,
resultado do espetacular avanço de Alexandre, o Grande (356 a. C. – 323 a.
C.) sobre o Império Persa, tinha estabelecido uma dinastia local, Greco-
Báctrio (250 a.C. – 125 a.C.) sob comando de governadores macedônicos
(sátrapas). Foram sucedidos por um reino indo-grego (180 a.C. – 10 d. C.),
na região da Báctria [40], que sintetizou as heranças indianas e Greco-
Macedônicas como ficou demonstrado no reinado de Menandro I (r. 155 a. C.
– 130 a. C.), patrono do budismo e protagonista nos sagrados textos Milinda
Panha [41].
 
Chandragupta Máuria (r. 321 a. C. – 297 a. C.) (fig.) ascendeu ao poder em
período conturbado da ordem Mágada e de retraimento dos macedônicos no
norte-noroeste indiano em Punjab (Báctria). A partir de 325 a. C. o líder
indiano avançou mais ao leste, e foi derrotando as forças do Império Mágada,
em Pataliputra, e fundou a dinastia Máuria. Teve como mentor e professor o
sábio brâmane Cautília, que o aconselhou na manutenção e expansão do
poder e efetiva administração política. De acordo com textos jainistas, o
Parisistaparvan, Chandragupta converteu-se ao jainismo no final de sua vida
quando abdicou do trono em favor de seu filho, Bindusara (r. 298 – 272 a.
C.). Há relatos de que realizou o rito jainista de fome até a morte (sallekhana)
em Belgola, perto de Mysore, hoje no estado de Karnataka [42].
 
Figura – Chandragupta Máuria, primeiro governante do Império Máuria.
 
Bindusara, conhecido pelos gregos como Amitrochates (do sânscrito,
Amitraghata, o “destruidor de inimigos”), empreendeu grandes campanhas
militares e expansão de alianças políticas na direção sul, no planalto do
Decão, a estender o controle Máuria até a região de Mysore. De acordo com
relatos históricos, sua conquista chegou à “terra entre os dois mares”,
presumivelmente entre o Mar Arábico e a Baía de Bengala. No entanto, na
costa leste indiana, o reino de Calinga (hoje Orissa ou Orisha) manteve-se
hostil e somente foi conquistada após longas batalhas no reinado de seu filho,
Asoka (Asoca ou Ashoka) (r. 268 – 232 a. C.), um dos mais famosos
imperadores indianos [43].
 
A morte de Bindusara em 272 a. C. levou a uma luta pela sucessão entre seus
filhos que durou quatro anos. Em 268 a. C. ascendeu ao trono Asoka. De
acordo com o Asokavadana (“narrativa de Asoka”), a mãe do imperador,
Subhadrangi, era filha e descendente de brâmanes de Champa. O que lhe
conferia certo status e legitimidade, diferentemente das origens humildes e
obscuras de Chandragupta Máuria. Segundo a lenda, Asoka tinha sido
enviado para acabar com uma revolta na cidade de Taxila, notável centro de
estudos budistas, durante o reinado de seu pai. A sua missão foi bem-
sucedida após negociações pacíficas. Após o fato, sua fama aumentou, e
ganhou o controle como vice-rei de Ujjain, quando se casou com Devi de
Vedisa em 286 a.C. (Vidisamahadevi ou Sakyani), além de duas outras
consortes [44]. Ademais, Asoka concedeu amplas doações religiosas e de
caridade pelo seu reino.
 
Após uma vida de prazeres mundanos, período em que era chamado de
Kamasoka, de acordo com Taranatha [45], viveu uma fase de extrema crueldade
que lhe valeu o nome de Candasoka. Após sua conversão ao budismo, passou
a ser conhecido como Dhamaasoka. O evento mais importante do reinado de
Asoka após a sua conversão ao budismo foi a vitória sobre o reino de Calinga
em 260 a. C., ganhando o controle das rotas para o sul da Índia, tanto por
terra como por mar, expandindo e prosperando o Império Máuria (mapa).
Mapa do império Máuria por volta de 265 a. C.
 
Os horrores e misérias da guerra contra Calinga causaram profundo remorso
a Asoka, conforme descrito em um dos seus éditos em pedra (mapa) [46]: “150
mil pessoas foram deportadas, 100 mil foram mortos e muitos mais
pereceram posteriormente”. Conta-se que foi essa experiência que o fez
converter ao budismo e a evitar qualquer forma de violência. A conversão
parece não ter sido imediato, contudo, mas após um período de autorreflexão
e reclusão de dois anos sob influência de um monge budista, Upagupta, de
acordo com o Édito Bhabra [47] da região do Rajastão. Neste também constam
a sua aceitação dos ensinamentos de Buda e compromisso com a retidão e
caminho espiritual (darma) e o senso de comunidade (sanga).
 
Mapa dos Éditos de Asoka pela Índia.
 
Foi durante o seu reinado que ocorreu o Terceiro Concílio Budista em
Pataliputra, em 250 a.C., no qual resultaram importantes avanços de
definições doutrinárias e proselitismo da escola Teravada [48] para outras
regiões como o sul indiano, a ilha de Sri Lanka, ao leste em direção à
Birmânia (atual Mianmar) e Sudeste Asiático, e envio de missionários da
escola Maaiana ao norte em direção ao Tibete, Ásia Central e China [49].
Emergiramdo concílio importantes discussões dos mais ortodoxos teravadas
sobre a necessidade de conter heresias e outras versões heterodoxas do
budismo.
 
No aspecto externo, Asoka trocou intensas relações diplomáticas com o
mundo helênico, via os gregos macedônicos do Império Selêucida (312 a.C. –
63 a.C.) na Báctria, a noroeste da Índia. Conforme consta em seu 13º. Édito,
parte escrito em sânscrito, parte em aramaico e grego, o imperador indiano
chegou inclusive a enviar representantes budistas para o mundo helênico no
Mediterrâneo [50]. Tudo isso demonstrou a capacidade de projeção e diálogo
internacional de Asoka na época. Segundo a tradição a Caxemira, no norte
indiano, foi incorporada pelo Máurias e ali foi construída a cidade de
Srinagar. O Nepal tinha relações estreitas como parte do império, e foi dito
que uma das filhas de Asoka, Charumati, tenha se casado com um príncipe
das montanhas nepalesas, Devpala [51]. Conta-nos a lenda de que a grandiosa
estupa budista de Boudhanath, nos arredores de Katmandu, foi engrandecida
por ordens da princesa indiana.
 
A leste, a influência de Asoka se estendeu até o delta do rio Ganges.
Tamralipti (hoje Tamluk) foi um importante porto na costa da baía de
Bengala a partir do qual os navios zarpavam para a Birmânia (hoje Mianmar),
Ceilão (hoje Sri Lanka) e partes meridionais da Índia. Na extensão mais
ocidental, o Império Máuria controlou os povos Gandharis, Kambojas e
Yonas – este último termo genérico, uma referência a muitas nações a oeste,
inclusive os indo-gregos macedônicos – como seus aliados de fronteira. No
Ceilão, ao sul, as relações foram intensas e próximas, chegando Asoka a
enviar seu filho Mahendra (“conquistador do mundo” em sânscrito) e sua
filha Sanghamitra para pregar o budismo pela ilha no 3º. Século a.C
atendendo aos pedidos do rei cingalês Devanampiya Tissa (r. 307 a.C. – 267
a.C.) [52]. E na região meridional indiana, há referência de contatos
diplomáticos amigáveis com vários reinos, como consta no 2º. Édito: Cholas,
Pandyas, Stiyaputras e Keralaputras.
 
A desintegração do império da dinastia iniciada por Chandragupta Máuria foi
um processo lento e desintegrante iniciado após a morte de Asoka em 232
a.C. Fontes como os Puranas [53], além da literatura budista e jainista não
fornecem dados consistentes sobre a decadência imperial. O único consenso,
como nos Puranas é de que a dinastia perdurou 137 anos. A morte de Asoka
acarretou em maiores divisões do império, em partes ocidentais e orientais. A
parte oriental do Império, com sua capital em Pataliputra, passou a ser
governado por Dasarata Máuria (r. 252 a.C. – 242 a.C.), provável neto de
Asoka. De acordo com os Puranas, Dasaratha reinou por oito anos.
 
As províncias ao oeste e ao norte, Gandara e Caxemira, foram governadas
por um de seus filhos – que fora cegado na infância pela madrasta – Kunala
(r. 263 a.C. - 242 a.C. ?) e, em seguida, por Samprati (r. 224 a.C. – 215 a.C.).
Este último foi, segundo algumas fontes [54] como no capítulo Theravali (ou
Sthaviravali) do sagrado livro Kalpa Sutra [55], um importante patrono e devoto
do jainismo. Essa região foi posteriormente ameaçada pelos helênicos vindos
da Báctria a quem foi praticamente perdida em 180 a.C.
 
Kunala provavelmente deve ter morrido aproximadamente em período
próximo ao de Dasarata; de modo que Sampriti passou a governar tanto a
leste como ao norte e oeste e pode ter recuperado a unidade imperial e o trono
em Pataliputra. Este evento ocorreu em 223 a.C. Após algumas décadas, no
entanto, a tendência desagregadora ficou mais uma vez evidente. O último
regente da dinastia Máuria, Briadrata (r. c. 187 a.C. – 185 a.C.), governou por
territórios bastante encolhidos desde os tempos de Asoka. Em 185 a.C., foi
assassinado em um desfile militar por seu comandante-chefe de sua guarda,
pelo general Pusiamitra Sunga, que tomou então as rédeas do poder e fundou
uma nova dinastia, a Sunga [56].
 
As causas do declínio da dinastia dos Máurias foram múltiplas. Guerras
sucessivas exauriram os recursos imperiais, como na desgastante conquista
de Calinga por Asoka em 232 a. C. Outros fatores apontam o declínio como
resultado de uma sucessão de reis ineptos e fracos após Asoka. A partição do
império em partes ocidentais e orientais após Asoka fragmentou a unidade
política e pulverizou a rede de lealdades imperiais. Os demais motivos podem
ter sido a inquietação de brâmanes na conversão budista de Asoka e ao
jainismo de Samprati. Ou a tendência em fase posterior da vida de Asoka e
adotada por seus sucessores de promover a não-violência que resultou em
descontentamento das castas militares e alentando possíveis usurpadores ao
poder.
 
A Dinastia dos Sungas e Kanvas – o declínio do Império Mágada
 
Com a queda dos Máurias em 185 a.C. a história da Índia derivou para uma
tendência centrífuga. Os acontecimentos políticos se tornaram mais difusos,
envolvendo uma variedade de reis, guerreiros e pessoas. O norte da Índia viu-
se apanhado num turbilhão de acontecimentos advindos da Ásia Central, uma
questão sempre permanente na sua história, pois muitos invasores nômades,
habitantes das montanhas, alvejaram as riquezas dos vales indianos. Os
arianos foram os mais remotos.
 
Os sucessores imediatos da dinastia dos Máurias do Império Mágada e nas
províncias vizinhas foram, de acordo com os Puranas, os da dinastia Sunga
(180 a.C. – 73 a. C.) considerados descendentes de uma família brâmane
pertencente ao clã Bharadvaja. Os sungas vieram da região de Ujjain, no
oeste da Índia, onde eles eram funcionários sob os Máurias. O fundador da
dinastia sunga foi Pusiamitra Sunga (r. 180 a. C. – 149 a. C.) um general do
último rei Máuria Brihadratha que conseguiu usurpar o trono matando seu
mestre. Ele não tomou títulos régios, mas foi durante todo o seu reinado
referido pelo simples título Senapati, ou “General”. Pusiamitra era um
defensor da fé bramânica ortodoxa, e reviveu os antigos sacrifícios védicos,
incluindo o sacrifício de cavalos [57].
 
A literatura budista o retrata como um perseguidor de budistas, destruidor dos
seus mosteiros e lugares de culto especialmente aqueles que tinham sido
construídos por Asoka. Isso claramente foi um exagero, já que as evidências
arqueológicas revelam que diversos monumentos budistas no período foram
renovados [58]. Apesar de praticar o infame regicídio para subir ao poder,
Pusiamitra teve seu valor histórico ao defender o Império Mágada contra as
invasões dos gregos macedônicos bactrianos a noroeste e ao restaurar seu
poder e prestígio a uma extensão considerável pelo norte da Índia.
 
Quando Pusiamitra morreu por volta de 149 a. C., após um reinado de 36
anos, ele foi sucedido por seu filho, o príncipe Agnimitra (r. 149 a.C. – 141
a.C.) que havia governado as províncias meridionais durante a vida de seu
pai. Agnimitra governou por apenas oito anos. E serviu de inspiração a
Calidasa [59] para a figura do herói da sua obra Malavikagnimitram [60].
 
Agnimitra foi sucedido por sucessores ineptos e fracos. A exceção por ser
dada à Bagabadra (r. c. 110 – 83 a.C.), rei Sunga de certa proeminência, pois
foi para sua corte em 113 a. C. que o grego Heliodoro representou como
embaixador os interesses do rei bactriano Antialcidas (r c. 115 a.C. – 95
a.C.), e não poupou admiração e elogios aos palacianos e cortesãos. Isso não
só mostra que os sungas mantiveram estreita relação com os reis gregos
bactrianos, mas também demonstra a vitalidade da cultura indiana quando
Heliodoro se converteu ao hinduísmo na vixnuísta, conforme fica claro nos
escritos na chamada Coluna de Heliodoro (fig.) próximo da cidade de
Bhophal [61]. Bagabadra mostrou ser um ativo patrono das crenças de Buda,
pois foi no seu reinado que a estupa de Sanchi, em Madhya Pradesh, foi
ampliada. Ao fim de sua vida, foi sucedido por Devabuti (r. 83 – 75 a.C.),
que foi derrubado por seu ministro brâmane Vasudeva que fundou a dinastia
Kanva em 75 a.C.
Figura – Coluna de Heliodoro, século 2 a. C.
 
Os Kanvas, de acordo com os Puranas, governaram apenas por 45 anose
tiveram quatro reis sucessivos. Após assassinar o rei dos sungas, Devabuti,
Vasudeva Kanva (r. 75 – 66 a.C.) governou por nove anos para ser sucedido
por seu filho, Bumimitra (r. 66 – 52 a. C.) e depois por Naraiana (r. 52 – 40 a.
C.) e Susarma (r. 40 – 28 a. C.). A dinastia Kanva teve curta duração e
testemunhou o declínio absoluto do Império Mágada que se desintegrou em
vários mahajanapadas. O epicentro político da Índia se deslocou mais para o
noroeste, onde várias dinastias estrangeiras, como entre os gregos bactrianos,
lutaram pelo controle da região. Em 28 a. C. o último rei Kanva, Susarma, foi
derrotado por outro regente, antes vassalo dos Mágadas, da dinastia Satavana
da região central indiana [62]. Este fato não só sinalizou o fim do Império
Mágada após cinco séculos de eminência, mas também a ascensão de outras
regiões indianas ao centro e sul do subcontinente.
O Império Cuchana
 
Os cinco séculos entre o declínio dos Máurias e a ascensão do Império Gupta
em 320 d. C. tem sido frequentemente considerado como um período obscuro
e de instabilidades na história indiana, em que dinastias diversas digladiaram-
se por controles políticos efêmeros e de curta duração na região norte da
Índia. Com exceção dada ao império dos Cuchanas (30 – 375 d. C.) sob
Kanishka, o Grande [63] (r. 127 – 163 d. C.) que rivalizou em extensão com o
dos romanos e partas a oeste e à dinastia Han dos chineses ao nordeste, o
período no restante da Índia certamente faltou em grandeza e unidade
imperial.
Mas essa suposta desordem, especialmente nos dois primeiros séculos d. C.,
foi um período de intensos contatos e trocas comerciais e culturais,
encontrando-se a Índia na encruzilhada entre partes do continente asiático
com o mundo budista e muçulmano ao norte e europeu mais ao ocidente. A
resultar, como exemplo, em ambiente de múltiplas religiosidades, crenças e
sincretismos, como ficou atestado no reinado de Kanishka em Gandara [64].
 
O Budismo, que tinha sido fomentado por regentes indianos desde Asoka,
ganhou notáveis projeções internacionais através do reino grego bactriano e
depois de Cuchana na região noroeste indiana. E a partir dali, através de
estudiosos, monges e missionários, seguindo os caminhos da Rota da Seda,
expandiu-se para a Ásia Central e para as terras chinesas. Ao mesmo tempo
em que houve relatos de conversão de gregos ao budismo, como o fez o
governante Menandro I (r. 165/155 a.C. – 130 a. C.), elementos culturais
helênicos bactrianos foram incorporados ao budismo maaiana, como a
adaptação da figura de Hércules como uma entidade budista, um bodisatva [65]
(Vajrapani, Jingang Shou na China ou Kongo Rikishi no Japão) (fig.),
protetor e guarda de Buda [66]. Ao sul da Índia e ao sudeste asiático, as ligações
estabelecidas através da expansão budista provaram ser fundamentais para o
futuro curso da história asiática. Nessa vertente, a escola teravada foi
determinante [67].
Figura – Vajrapani (ou Hércules) a proteger a figura de Buda. Obra do século 2 d. C. de Gandara.
 
Mas foi na Índia mesmo que experiências sociais e culturais cruciais tomaram
seus cursos. Estrangeiros e castas inferiores na Índia começaram a enxergar o
budismo como uma comunidade mais igualitária distante das barreiras de
castas do hinduísmo ortodoxo. Isso não significou um declínio do hinduísmo.
Ao contrário, formas populares de cultos hindus como ao deus asceta Xiva e
a Krishna – que tinham sido figuras marginalizadas no passado ortodoxo
predominado pelos arianos e bramânicos – ganharam proeminência nos
primeiros cinco séculos de nossa era [68].
 
A rivalidade entre o budismo adotado oficialmente por algumas autoridades
desde os tempos de Asoka e o hermetismo das castas bramânicas pelo
ortodoxismo hindu fez com que cultos heterodoxos ganhassem terreno entre a
maioria da população (camponeses, trabalhadores em geral, comerciantes,
mulheres entre outros) e de comunidades de estrangeiros. De grande
importância para a renovação do hinduísmo foi a promoção realizada pelos
regentes Cuchanas e sua legitimação ao identificarem-se com certas
divindades do panteão hindu. Ademais, a legitimação religiosa foi de crucial
importância para regentes estrangeiros a serem aceitos pela sociedade
indiana. Assim o fez Menandro I ao se converter por volta do ano 100 a.C.
após discussões com o sábio Nagasena, e suas cinzas foram espalhadas de
obedecendo aos ritos budistas [69]. Kanishka foi identificado com Mitras,
divindade zoroastriana, mas também por vezes retratados em moedas como
relacionado à Xiva.
 
Com relação às artes do período, as realizações foram nada menos que
sublimes. As esculturas e imagens budistas de herança indo-grega-bactriana
em Gandara formaram parâmetro antropomórficos para as posteriores
representações artísticas em escolas como em Matura, além das esculturas de
Bamiyan e alhures na China. Matura se tornará o epicentro de toda a arte
budista indo-cuchana possibilitando a ascensão da escola Sarnath que definiu
o estilo artístico do período Gupta. Vindos do oeste, as influências pérsicas
foram incorporadas no período dos sungas e resultaram em interessantes
resultados em esculturas como visto na estupa de Sanchi.
No campo social, o período testemunhou a grande codificação dos costumes,
valores e normas das leis hindus (darmashastra) no Código de Manu [70]
(Manu Smriti) provavelmente escrito entre os séculos 2 e 3 d. C. A ordenação
geral que permeia a obra foi fruto de sua época, de incertezas e
questionamentos depois do declínio dos Máurias e sungas, a buscar fontes
tradicionais de normas sociais. Todos esses elementos, de renovação popular
de cultos, de novos sincretismos e escolas artísticas e codificações de normas
formaram a base social e cultural de uma nova era indiana, a do império dos
Guptas (320 d. C. – 550 d. C.).
As narrativas da mitologia hindu e o florescimento cultural
indiano
 
Procederemos a compreender como foi construída a narrativa e estrutura
mitológica indiana. Foi no período desde os Vedas até os primeiros séculos d.
C. que obras e narrativas foram feitas a ordenar não somente a sociedade e
suas normas, como o Código de Manu, mas a dos deuses e outras entidades
do vasto panteão hindu. Essa vastidão se explica em boa parte por essa
religião ter sido uma construção de séculos, a incorporar e ordenar diferentes
divindades do universo indiano. Há estimativas nos tempos atuais de que são
aproximadamente 330 milhões de entidades e deuses [71].
 
Nessa imensa estrutura, no topo, situam-se na trindade sagrada (trimurti) os
deuses Brama (representa a força criativa ativa no universo), Vixnu (a
manutenção e preservação da ordem do universo) e Xiva (destruição e
renovação do universo). Brama é considerado muito distante dos anseios da
humanidade e pouco cultuado, apenas em raríssimos templos na Índia, como
na vila sagrada de Pushkar no Rajastão. Vixnu e Xiva dividem os corações da
maior parte dos adeptos hindus, vixnuístas e xivaístas, respectivamente.
 
Vixnu (também chamado de Naraiana e Hari) é comumente retratado com
pele pálida azul e segurando nos seus quatro braços uma concha
(representando os cinco elementos da criação ao soprá-la, Om), lótus, disco
de energia (suprema arma a controlar os demônios) e um cajado (força física
e mental originária de todo o universo) (fig.). Segundo os Puranas, ele
encarnou-se em avatares [72] através de dez personagens (dashavatara) sendo
os mais conhecidos Rama, Krishna e, segundo algumas interpretações, Buda.
Assim descreve o Bhagavad Gita sobre os avatares de Vixnu:
 
Em qualquer lugar e sempre que a verdade vacilar e a mentira dominar, Eu me manifestarei, ó
descendente de Bárata.
Para restabelecer os princípios religiosos, para salvar os devotos e aniquilar os canalhas, Eu surjo
em cada milênio.
 
(Bhagavad Gita, canto IV, versos 7 e 8)[73]
Figura –Vixnu.
Segundo um dos Puranas, os dez avatares de Vixnu serviram para ordenar a
sociedade humana e o cosmos, atendendo aos seus princípios. Os avatares
manifestaram-se em partes zoomórficas e antropomórficas.O primeiro foi
Matsya, em parte forma de peixe, e foi o que resgatou Manu de um dilúvio,
apesar dos avisos prévios feitos. Assim ele resgatou o ordenador das
sociedades humanas da catástrofe maior da natureza.
 
Em segundo, Vixnu veio como Kurma, parte em forma de tartaruga. Em que
foram salvas a figura da imortalidade (Amrita), as divindades com relação às
asuras (“demônios”) e a ordem cósmica ao garantir o fluxo dos oceanos de
leite do universo (kshir sagar) a representar a galáxia Via Láctea. Varaha
veio em parte como javali. Que combateu e derrotou o demônio Hiranyaksha
ao mergulhar nas águas e erguer a Terra das profundezas. E depois como o
leão Narasimha, que se manifestou para novamente derrotar Hiranyaksha
quando testou a fé de seu filho.
 
Esse ciclo de quatro avatares, chamada Era da Satya Yuga (“Era da
Verdade”), em o mal e a mentira eram desconhecidos e prevaleciam o bem e
a verdade. A era subsequente foi a dos homens, na Treta Yuga, em que a
ganância dos homens é maior e suas virtudes são menores, mais materialistas
e menos propensos à espiritualidade.
 
Nessa era, primeiro veio Vixnu como Vamana, um brâmane anão, que foi
derrotar o deus dos demônios, Bali, a pedido do deus Indra, irmão mais velho
de Vixnu. Vamana teve audiência com Bali que resolveu atender ao pedido
do brâmane por um pedaço de terra para viver. Ao constatar a sua reduzida
estatura, Bali concedeu ao seu pedido a ser definido em três passos dados.
Mas Vixnu, na forma do anão, deu o primeiro passo do tamanho da galáxia, o
segundo abarcando o Universo e o terceiro sobre a cabeça de Bali. Segundo a
tradição da época, Bali, inteligentemente, forçou este último ato, pois a sola
sobre a cabeça significa a submissão de quem coloca o pé, em forma de
autoridade, vida e posses [74].
 
Parashurama, um brâmane guerreiro, foi o avatar seguinte, no qual Vixnu
veio vingar todos aqueles guerreiros (xátrias) arrogantes que mataram
injustamente brâmanes. O avatar seguinte foi Rama, grande e perfeito
homem, com suas façanhas descritas no épico Ramaiana [75]. Neste maior
épico da mitologia indiana, uma miríade de tópicos é abordada, incluindo a
guerra, o amor, a fraternidade, a conduta ideal, amor filial entre outros. É
essencialmente a história de um governante ideal, filho, pai e homem. Uma
das histórias mais dramáticas do épico retrata Rama a obedecer lealmente aos
desejos de seu pai, o rei Dasaratha, de viver 14 anos na floresta, junto com
sua esposa, Sita, e seu irmão Lakshman. Durante sua estadia na floresta, o
demônio Ravana sequestra Sita. Rama vai prontamente atrás dela, e nisso ele
busca aliados na floresta e faz amizade com o rei dos macacos, Sugriva e seu
devoto Hanuman. No final, ele trava grandiosa guerra com Ravana,
supostamente imperador da ilha de Lanka (Sri Lanka), e resgata Sita para
depois governar por mais mil anos. Sita, ao final de sua vida, precisa provar
de que o filho dela não é fruto com Ravana, e assim deu luz a gêmeos e foi
resgatada de volta ao ventre da Terra por sua mãe, a deusa Bhumi, provando
sua suprema lealdade e pureza [76].(fig.)
 
Figura – Sita retornando ao seio da Terra pela sua mãe, Bhumi, para consternação de Rama.
 
Em momento posterior, Vixnu encarna-se como Krishna, conforme descrito
no Bhagavad Gita, além Maabárata e nos Puranas. Krishna foi um avatar
complexo e nem sempre de conduta exemplar, apresentando-se com todas as
contradições humanas. Num dos episódios mais conhecidos descritos nos
textos purânicos (Bhagavata Purana) Krishna, que era afeito aos prazeres
mundanos da vida, depara-se com várias donzelas solteiras (gopis) a
banharem-se desnudas no rio Yamuna. Na ocasião, Krishna decide por roubar
as roupas delas e anuncia sua presença em cima de uma árvore, conforme
narrado (fig.):
 
No início da manhã, as gopis costumavam ir ao rio Yamuna para tomar banho. Elas se reuniram
em conjunto, segurando as mãos umas das outras, e em voz alta cantaram hinos louvando
Krishna. É um costume antigo entre meninas e mulheres que quando tomam banho no rio
colocam suas vestes sobre a margem e mergulham na água completamente nuas. A parte do rio
onde as meninas e as mulheres tomam banho era estritamente proibido a qualquer membro do
sexo masculino, e este ainda é o sistema.
 
(...)
 
Quando as gopis viram Krishna que permanecia forte e determinado [em cima de uma árvore
próxima com as vestes delas], viram que não tinham alternativas a não ser obedecer Sua ordem
[de sair da água e ir buscar as vestes com ele]. Uma após outra, elas saíram da água, mas porque
elas estavam completamente nuas, elas tentaram cobrir sua nudez, colocando a mão esquerda na
região pubiana. Todas elas foram assim tremendo. A atitude delas foi tão pura que o Senhor
Krishna tornou-se imediatamente satisfeito [77] (tradução nossa).
 
Figura – Krishna na árvore com as roupas das donzelas (gopis).
 
Buda é considerado como avatar de Vixnu apenas entre alguns da
comunidade de vixnuístas, pois muitos desconfiam de que isso foi uma
maneira de incorporar o budismo de volta ao sistema religioso hindu [78]. E,
por fim, aquele último avatar que está por vir, Kalki, a apresentar-se em cima
de um cavalo branco e com espada flamejante a eliminar todo o mal e
restaurar a ordem, darma, no universo [79].
 
Xiva, o deus asceta, é a terceira divindade da Tríade (trimurti) hindu (fig.).
Como todas as coisas e formas de vida estão sujeitas a deteriorar e decair, um
destruidor era necessário; e destruição é considerada como a função peculiar
de Xiva. Isso parece pouco em harmonia com a forma pela qual ele é
normalmente representado. Deve-se lembrar, porém, que, de acordo com o
ensinamento do hinduísmo, a morte não é o fim, no sentido de passar para a
não-existência, mas simplesmente uma mudança para uma nova forma de
vida. Aquele que destrói, portanto, faz com que os seres a assumir novas
fases de existência, o Destruidor é realmente um re-Criador; daí o nome Xiva,
o brilhante ou feliz, que é dado a ele, o que não teria sido o caso, se ele
tivesse sido considerado como apenas como o destruidor, no sentido comum
do termo [80].
Figura – Xiva.
 
Xiva normalmente é representado com um terceiro olho na sua testa (tri
netra) e nu com o cabelo preso em um coque. No seu cabelo aparece uma lua
crescente e uma caveira, a simbolizar a quinta cabeça de Brama que foi
punido por desejar a sua filha, Sandhya. Um colar de cabeças e serpentes
como pulseiras atestam ao seu caráter impiedoso e de ligação ao mundo da
natureza, como Pashupati, “senhor dos animais”. Com frequência Xiva está
em postura de dança (Nataraja), com um fogo (agni, “fogo divino”) numa
das mãos e na outra um tambor (damaru, “o som da criação”) representando
o ritmo da destruição criativa do universo (fig.). Ao aparecer pisando num
anão (Apasmara), representa-se a vitória sobre a ignorância. O ciclo que
aparece ao seu redor, na figura, é o ciclo da vida e morte do universo. No
pedestal, abaixo do anão, há uma referência à flor de lótus, significando
renascimento [81].
Figura – Escultura em bronze de Nataraja.
 
A esposa de Xiva era Parvati, muitas vezes representada como seu lado mais
destrutiva e terrível, Kali e Durga. Ela é, de fato, uma reencarnação de Sati
(ou Dakshayani), a filha do deus Daksha. Daksha não aprovava o casamento
de Sati a Xiva e até foi mais longe e realizou uma cerimônia de sacrifício
especial a todos os deuses, exceto a Xiva. Indignado com esta desfeita, Sati
se jogou no fogo sacrificial. Xiva reagiu a esta tragédia através da criação de
dois demônios (Virabhadra e Rudrakali) de seu cabelo, que causaram grandes
estragos na cerimônia e decapitou Daksha. Aos outros deuses, Xiva apelou
para que acabassem de vez com a violência e, cumprindo a sua promessa,
trouxe Daksha de volta à vida, mas com a cabeça de um carneiro (ou cabra).
Sati acabou por ser reencarnada como Parvati em sua próxima vida e
novamente casou-se com Xiva [82].
 
De com os Puranas, Xiva teve um filho com Parvati, o deus Ganesha. O
menino foi na verdade criado a partir de terra e argila parafazer companhia a
ela e protegê-la, enquanto Xiva continuou suas andanças meditativas. No
entanto, Xiva voltou um dia e, encontrando o menino que guardava a sala
onde Parvati foi tomar banho, ele perguntou quem era. Não acreditando que o
menino era seu filho, mas um mendigo impudente, Xiva invocou os
demônios bhutaganas que lutaram contra o menino que, eventualmente,
conseguiram distraí-lo com a aparência da bela Maya (“ilusão”). Enquanto
admirava a sua estonteante, mas ilusória beleza, Maya cortou-lhe sua cabeça.
No tumulto, Parvati apressada saiu de seu banho e gritou que seu filho tinha
sido morto. Percebendo seu erro, Xiva, em seguida, enviou o pedido
desesperado para fazer com que o menino fique inteiro de novo, e a única
cabeça por perto era a de um elefante. E assim Ganesha, o deus com cabeça
de elefante, nasceu [83]. Outros filhos de Xiva são Skanda ou Karttikeya, o
deus da guerra e Kuvera, o deus dos tesouros.
 
Entre os feitos de Xiva que atestam seu caráter virtuoso e exemplar,
aparecem episódios de auto-sacrifício, quando Vasuki, o rei das serpentes,
ameaçou vomitar veneno de cobra através dos mares. Xiva, assumindo a
forma de uma tartaruga gigante, recolheu o veneno na palma da mão e o
bebeu. O veneno queimou sua garganta e deixou uma cicatriz permanente
azul, daí um dos seus muitos títulos se tornou Nilakanta ou “Pescoço Azul”
[84].
 
Xiva está intimamente associado com o linga (ou lingam) - um falo ou
símbolo de fertilidade ou energia divina encontrada em templos ao deus.
Após a morte de Sati, e antes de sua reencarnação, Xiva ficou de luto e foi
para a floresta Daru para viver com os sábios (rishis). No entanto, as esposas
dos rishis logo começaram a se interessar por Xiva. Movidos pelo ciúme, os
rishis enviaram um grande antílope e, em seguida, um tigre enorme contra o
deus, que foram rapidamente dominados e Xiva passou a vestir a pele do
tigre. Os sábios então amaldiçoaram a masculinidade de Xiva que, em
consequência, cujo órgão caiu ao chão. Quando seu falo atingiu o chão,
terremotos de grandes proporções começaram e os rishis se apavoraram e
clamaram por seu perdão. Isto foi dado, mas Xiva disse-lhes que o culto do
falo como o linga simbólico deveria ser observado para toda a eternidade [85].
 
Uma infinidade de outras divindades e entidades recheia os contos dos épicos
e dos Puranas, que por volta dos últimos séculos antes de nossa era estavam
ganhando suas versões definitivas. Além dessa literatura, um ramo literário
laico, a tratar de leis, costumes, valores e contos morais foram escritos,
classificados como xastras (shastras). Um conjunto importante de
compêndios e tratados que se subdivide em aqueles que tratam das questões
morais de contos populares, Nitixastra (Neeti Shastra), como a coleção de
poemas no Sumati Satakam de Baddena Bhupaludu (1220 – 1280?), que
inspirará a literatura desse gênero de outros povos como entre os persas.
 
O Artaxastra (Arta Shastra), como o de Cautília, trata essencialmente das
questões de política e governo [86]. Outro gênero, Darmaxastra (Dharma
Shastra), lida com os deveres, direitos e responsabilidades da pessoa, família
e sociedade [87]. E aquela tradição que enfatiza os prazeres, desejos sensuais e
espirituais, agrupados como Kamaxastra (Kama Shastra) – do qual deriva
uma parte relacionada a conselhos sexuais, como o Kama Sutra de
Vatsyayana (segundo século d. C.) [88].
 
Para as questões do corpo, higiene, respiração, concentração e meditação,
houve a influente compilação de sutras (coletânea de aforismos) por Patanjali
(fig.) (c. 400 d. C.) voltadas para a Ioga (do sânscrito yuj, “somar, juntar,
unificar”) tirando de tradições e práticas mais recuadas no tempo [89]. Entre
esses escritos iogues, o Hata Ioga ganhou maior popularidade, principalmente
no Ocidente, que trata mais das posturas físicas. Mas há uma enormidade de
outras escolas, o jnana, o raja, o karma, o laya, o tântrico, o bakhti entre
outros.
Figura – Estátua de Pantajali.
 
Em suma, tal como no Japão no período Heian (794 – 1185) ou como o fez o
Venerável Beda (673 – 735) durante a decadência do Império Romano
Ocidental, foi num período de desunidade e crise política que a Índia
testemunhou um fervor social e cultural. Épicos antigos como o Maabárata,
Ramaiana, o conjunto dos Puranas foram compilados nesses tempos
conturbados da Índia. Assim como os xastras (shastras) de cunho laico, ou os
escritos iogues. E o Código de Manu. Serviram de orientação, ensino,
exemplo de vida e conduta, ética e filosofia para aqueles que viveram num
período de desorientação.
 
Os Guptas
 
O Império Gupta representou um zênite unificado da Índia, entre 320 a 550 d.
C. No período, ficaram conhecidas as notáveis realizações nas artes,
arquitetura, ciência, religião e filosofia indiana. E foram sintetizadas e
amplificadas as criações culturais do período anterior. Foi no reinado de
Chandragupta I (r. 320 – 335) que os Guptas consolidaram sua mais ampla
dominação sobre grande parte da Índia, algo inexistente desde a queda dos
Máurias. Ademais, houve um período sustentado de prosperidade durante
dois séculos e meio que veio depois a ser considerado na história indiana
como a “Idade de Ouro”.
 
Ainda permanecem obscuras as origens da dinastia Gupta. Escritos de
monges budistas consistem na fonte mais recorrida sobre isso, como os
diários de viagem dos monges chineses Faxian (337 – 422), Xuazang (602 –
664) e I Tsing (635 – 713), valiosos e únicos a respeito. O primeiro
governante (adiraja) que é narrado da dinastia remete a Sri-Gupta (c. 240 –
280), que aparentemente governou, tal como os Máurias, a partir de
Pataliputra e partes da região de Bengala mais a leste. Sri-Gupta foi sucedido
no trono por seu filho Gatotkacha (c. 280 – 319) [90].
 
Mas foi a partir do governo de Chandragupta I (r. 305 – 335) que o domínio
dos Guptas ganhou maior extensão. E isso foi em parte resultado de anos de
alianças e casamentos com poderosas famílias e clãs a assegurar uma
dominação maior no norte indiano. A cavalaria ligeira, assim como uma
disciplinada infantaria garantiram campanhas bem sucedidas dos Guptas em
campos de batalha. No campo político, um dos maiores feitos políticos
iniciais de Chandragupta I foi seu casamento com a princesa Kumadevi do
reino Licchiavi [91], no atual estado de Bihar e partes do Nepal, região onde
viveu Sidarta (Buda). Com isso, o estadista Gupta garantiu uma ampla base
territorial com abundantes minas de minério de ferro, a fornecer material para
a metalurgia, para a confecção de armas e uma valiosa mercadoria para o
comércio.
 
Quem sucedeu Chandragupta foi seu filho, Samudragupta (r. c. 335 – c. 380),
um gênio militar que expandiu as fronteiras do império Gupta. Além de
consolidar a dominação no norte indiano, Samudragupta avançou e
incorporou as terras mais meridionais ao sul dos Montes Víndias. Alguns
estimam que os Guptas nesse período estenderam-se desde os Himalaias ao
norte, até os rios Krishna e Godaveri ao sul, de Balkh no Afeganistão a oeste
até o rio Brahmaputra na região de Assam no leste (mapa).
 
Mapa do império Gupta sob Chandragupta II e extensões feitas por Samudragupta, século 4-5 d. C..
 
O testamento mais eloquente dos feitos de Samudragupta é a grande
quantidade de moedas de ouro achadas com sua figura e uma inscrição
presente numa coluna antes erguida por Asoka em Allahabad. Neste, constam
as qualidades do regente (prashasti, espécie de elogio) que promoveu a
convivência entre as diversas crenças no seu império [92]. Como exemplo,
concedeu ao rei do Ceilão (hoje Sri Lanka), Sri-Meghavanna [93] (304 - 332),
permissão para a construção do imponente mosteiro budista na cidade de
Bodh Gaya, em Bihar, onde Buda atingiu a Iluminação.
 
No aspecto político, Samudragupta seguiu cuidadosamente os conselhos de
Cautília e assegurou alianças e lealdades com regentes locais, como
recomenda os deveres de um rei (rajdarma) no Artaxastra. Como filantropo,
doou grandes valores de dinheiro, e promoveu de acordo com sua paixão, as
artes, a educação, a poesiae a música.
 
Chandragupta II (380 – 413) (fig.), após uma breve luta sucessória pelo
poder, sobe ao trono após desbancar seu irmão mais velho, Ramagupta.
Assim nos é contado nos fragmentos achados da obra perdida
Devichandragupta de Visakhadatta (séculos 4 a 5 d. C.) [94]. Também em
versões diferentes como no Harshacharita (“Vida de Harsha”) de Banabhatta
(século 7 d. C.). Nesta última, o escritor conta-nos de que Ramagupta
manteve apaixonado interesse por uma rainha, Dhruvadevi, que acabou
desistindo de sua mão para seu adversário político e concorrente amoroso, o
rei de Matura [95]. Somente após esses eventos dramáticos que o irmão mais
novo de Ramagupta, Chandragupta II, com seus aliados mais próximos, foi
ao encontro do inimigo, resgatou Dhruvadevi e assassinou o regente rival.
Eventualmente, Ramagupta foi morto por seu irmão mais novo que se casou
com Dhruvadevi tempos depois. Mas essa versão pode ter suas dúvidas, pois
as evidências de Ramagupta não aparecem em inscrições nem em moedas do
período [96].
 
Figura – Moeda de ouro com Chandragupta II a cavalo, como símbolo inconteste de autoridade e virilidade.
 
Seguindo os feitos imperiais de seu pai, Chandragupta II foi um governante
tolerante, capaz e administrador qualificado. Chegou a expandir seu reino a
oeste para a costa do Mar Arábico. Sua coragem e audácia lhe renderam o
título de Vikramaditya [97] (“Bravo como o Sol”). Para melhor governar a
vastidão do império expandido de forma mais eficiente, Chandragupta II
fundou sua segunda capital em Ujjain. Ele também teve o cuidado de reforçar
sua frota marítima. Os portos de Tamralipta e Sopara consequentemente
tornaram-se centros movimentados de comércio [98]. Ele foi um grande patrono
da arte e da cultura também. Alguns dos maiores estudiosos do dia, incluindo
os chamados Navaratna (“Nove Gemas”) enfeitaram sua corte [99]. Numerosas
instituições de caridade, orfanatos e hospitais beneficiaram de sua
generosidade. E locais de repouso para os viajantes foram criadas ao longo
das estradas.
 
Em termos políticos e administrativos, o império Gupta foi dividido em
províncias, pradesh, nome até os dias atuais usados na Índia – como em Uttar
Pradesh, Madhya Pradesh, Andhra Pradesh, Arunachal Pradesh – e foram
nomeados a partir da capital (visando assim maior centralidade e disciplina
administrativa) chefes administrativos para cada província. Em regiões mais
meridionais, pela grande distância da capital, houve prudência ao delegar a
autoridade aos regentes originais após as campanhas vitoriosas, assim como o
fez Samudragupta, exigindo apenas certa parcela da cobrança de impostos.
 
No aspecto jurídico, na área penal, as penas foram mais brandas e a tortura
banida [100]. As pessoas podiam circular entre bairros e cidades livremente, a lei
e a ordem prevaleceram sobre os furtos e roubos. Assim constatou um dos
primeiros dos peregrinos budistas chineses a escrever sobre os costumes
indianos, Faxian (Fa-Hien ou Fah-Hian) (337 – c. 422) (fig.). As condições
sociais e econômicas da população em geral foram descritas como
satisfatórias e seguras pelo chinês. Muitos optaram pelo vegetarianismo e
evitaram as bebidas alcoólicas. Assim segue Faxian sobre a condição da
população à época de Chandragupta II na cidade de Matura:
 
As pessoas são prósperas e contentes, livres de qualquer imposto ou restrições oficiais. Apenas
aqueles que trabalham na terra do rei pagam um imposto, e eles são livres para ir ou ficar como
desejam. Os reis governam sem recorrer à pena capital, mas os infratores são multados pouco ou
muito de acordo com a natureza do seu crime. Mesmo aqueles que conspiram alta traição só têm
a mão direita cortada. Todos os serventes do rei recebem emolumentos e pensões. As pessoas
neste país não matam seres vivos, não bebem vinho, e não comem cebola ou alho. A única
exceção a isso são os chandalas, que são conhecidos como "homens maus" e são separados dos
outros. Quando eles entram em cidades ou mercados, alardem com um pedaço de madeira para
anunciar sua presença, para que os outros possam saber que eles estão chegando a evitá-los
(tradução nossa)[101]. 
Figura – Faxian, peregrino budista e viajante chinês que retratou aspectos da sociedade à época dos Guptas.
 
As moedas de ouro e prata foram emitidas em grande número, um indicativo
geral da vitalidade da economia Gupta. O comércio floresceu tanto dentro do
reino e quanto fora. Algodão, especiarias, pedras preciosas, pérolas, metais
preciosos foram exportados por via marítima. As relações comerciais com
Oriente Médio, África e Extremo Oriente foram notáveis. Da África vinham
marfim e cascas de tartaruga. Seda e plantas medicinais da China e do
Extremo Oriente. No mercado interno, alimentos, grãos, especiarias, sal,
pedras e barras de ouro constituíram os produtos mais negociados [102].
 
O período Gupta mostrou-se tolerante diante da diversidade religiosa nos
primeiros séculos de nossa era. Os regentes e brâmanes dominantes eram em
geral devotos vixnuístas, que adoram Vixnu. O que não os impediu de serem
tolerantes com os outros crentes hinduístas, budistas e jainistas. Os mosteiros
budistas receberam doações generosas, como constatou outro cronista chinês
budista à época, Yijing [103], assim como a construção e manutenção de casas
de repouso a monges e peregrinos budistas. Nalanda, no atual estado de
Bihar, foi local proeminente de estudo e educação budista na era Gupta. O
jainismo floresceu em várias regiões indianas, como demonstra as cavernas
em Udayagiri em Orissa, e as inúmeras estátuas de tirthankaras [104] em
Bengala, Gorakhpur, e Gujarate.
 
No campo artístico, o sânscrito alcançou status de lingua franca e
estabeleceu-se como a norma culta da corte e das artes. Foi nessa língua que
Calidasa(fig.) escreveu os épicos Abhijnanasakuntalam (“O Reconhecimento
de Sakuntala”), Meghaduta (“O Mensageiro das Nuvens”), Raghuvansha
(“As Façanhas de Raghu”) e Kumarsambhaba (“O Nascimento de Kumara”).
Harisena, outro poeta de renome, panegírico e flautista, compôs no pilar em
Allahabad os grandes feitos de Samudragupta, por volta de 345. Sudraka
escreveu três obras consideradas seminais para o teatro indiano:
Vinavasavadatta, o monólogo Padmaprabhritaka e a sua mais famosa peça,
Mrichchhakatika (“Pequeno Carrinho de Argila”). Vishnu Sarma escreveu as
famosas fábulas indianas, Panchatantra (“Os Cinco Princípios”), que
influenciaram outras literaturas depois de traduzidas como no persa (na obra
“Kelileh o Demneh”) e árabe (em “Kalila wa dimna”)[105].
Figura – Estátua contemporânea de Calidasa.
 
As obras literárias e científicas foram publicadas tanto em sânscrito, em páli e
também em forma mais corrente, o prácrito. Varahamihira (505 -587)
escreveu a obra enciclopédica Brihat-Samhita que abrangeu os campos da
astrologia, órbitas planetárias, eclipses, chuvas, nuvens, arquitetura,
crescimento das plantações, fabricação de perfume, matrimônio, relações
domésticas, pedras preciosas, pérolas e rituais. O gênio matemático e
astrônomo Ariabata (fig.) (476 – 550) escreveu o seu magnum opus Aria
Batiia, abrangendo aspectos da geometria, trigonometria e cosmologia,
chegando inclusive a sugerir o modelo heliocêntrico cerca de mil antes de
Copérnico [106]. E as inúmeras publicações de medicina indiana ayuvérdica
refinaram as práticas cirúrgicas e inoculação contra doenças contagiosas.
 
Figura – Ariabata, gênio matemático e astrônomo do século 6 d. C.
 
Os melhores exemplos da pintura, escultura e arquitetura dos Guptas podem
ser encontrados em Ajanta, Ellora, Sarnate, Matura na Índia, e Anuradhapura
e Sigiriya no Sri Lanka. Floresceu nos templos o uso da música vocal,
instrumentos musicais como a flauta e mridangam (espécie de tambor),
símbolos de devoção. Em suma, as realizações artísticas e filosóficas no
período foram profundas e férteis. Artistas e literatos foram encorajados a
meditar sobre a capacidade humana conjugada com a divina e capturar sua
essência em suas criações. Como foi sugerido em um dos Puranas, no Agni
Purana,

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