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A TINTA E O TURBANTE Uma História do Irã Emiliano Unzer Amazon Publishing Seattle New York Grand Haven London Luxembourg Paris Madrid Milan Munich Columbia San Bernadino Amazon Corporate Headquarters 410 Terry Ave N, Seattle, WA 98109, USA Impresso nos Estados Unidos da América pela Amazon Publishing www.amazon.com © Amazon Inc. 2021 Primeira impressão em 2021 ___________________________________________________ Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica feita pelo autor ___________________________________________________ U141aUnzer, Emiliano, 1977 – A Tinta e o Turbante – uma história do Irã / Columbia & San Bernadino, EUA: Amazon, 2021. 317 p.: il. ; 23 cm Inclui bibliografia. ISBN: 9798597811628 1. Irã – História. I. Título. CDU: 94(55) ___________________________________________________ Copyright © 2021 Emiliano Unzer Todos os direitos reservados. ISBN: 9798597811628 Capa: Detalhe do domo, as muqarnas, do iwan da Mesquita do Sheik Lotfollah, Isfahan, Dinastia Safávida, 1619. A gloriosa obra acabou, na terra natal O boato sobre mim não vai parar de agora em diante. Agora sou imortal, Senhor eterno. Pois espalhei as sementes das palavras. E todos em quem a mente e os pensamentos são brilhantes, Honrará minha memória com palavras de louvor. (Tradução Nossa) - Linhas finais do Shahnameh de Ferdusi (935/940 – c. 1019/1026) - SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1 O PROFETA QUE RIU – IRÃ (8º Milênio a. C. – 3º Século a. C.) 2 REI DOS REIS – IRÃ (3º Século a. C. ao 7º d. C.) 3 OS GRANDES POETAS – IRÃ (8º Século ao 15) 4 A IMAGEM DO MUNDO – IRÃ (Século 15 ao 17) 5 MONTANHA DA LUZ – IRÃ (Século 17 ao 19) 6 A TEMPESTADE – IRÃ (Século 19 e início do 20) 7 O GOLPE – IRÃ (1925 - 1979) 8 A REVOLUÇÃO E ALÉM – IRÃ (1979 em diante) REFERÊNCIAS APRESENTAÇÃO Esse livro deve ser considerado como uma introdução à história do Irã, visto que o país e região desperta vivo interesse acadêmico e do público interessado nos países de língua portuguesa e, especificamente, no Brasil. Para tanto, essa obra tem a intenção de contribuir a atender tal demanda, a oferecer ao leitor uma possibilidade de adentrar num campo tão fascinante. O livro, ao ser escrito, almejou atender mais ao público leitor em geral, tal como os esquisses de autores franceses ao proporem um livro interessante e sem grandes pretensões acadêmicas. No entanto, busquei equilibrar tais objetivos. Por um lado, busquei simplificar a narrativa histórica, sem me aprofundar em conceitos e fontes a ponto de não tornar o texto desinteressante do público em geral. Mas, ao mesmo tempo, busquei indicar as fontes nas referências e, sempre que possível, explicar alguns conceitos e termos. Também procurei simplificar o possível com relação a localidades, mapas. E igualmente mantive os termos mais convencionais de nomes, locais e conceitos, sempre que possível indicando o termo em português. Essa obra baseou-se principalmente e teve como inspiração fundamental os livros de Michael Axworthy, Empire of the Mind: A History of Iran, Revolutionary Iran: A History of the Islamic Republic e The Sword of Persia: Nader Shah, from Tribal Warrior to Conquering Tyrant. Igualmente inspirador foi o clássico de Abbas Amanat, Iran – A Modern History, e dos belos livros de Ervand Abrahamian: A History of Modern Iran e Iran Between Two Revolutions. Sem esses autores, nada dessa pequena obra iria se concretizar. Caberá ao leitor, caso se sinta interessado, em buscar maiores fontes a partir desses, que certamente estarão bem acompanhados. INTRODUÇÃO A história do Irã nos inspira a olhar para seus valores, costumes, práticas e nuances ao longo do tempo. Personagens e eventos aparecem quase como manifestações dessas ideias, ora num sentido plural e diversificado, ora para a intolerância e condenações. Sua história remonta aos últimos milênios antes de nossa era, época em que entidades históricas se organizaram na Cordilheira de Zagros nas proximidade com a Mesopotâmia e depois se estabeleceram numa poderosa confederação dos medos. Desses emergiu um líder que depois estendeu as dominações persas numa extensão imperial, sob Ciro, o Grande (c. 600 a. C. – 530 a. C.). A religião persa também passou a se consolidar em seus dogmas antes de nossa era, emergindo figuras proféticas que propunham explicar o universo em termos da luta da luz, do bem contra o mal, a escuridão, vindos do que foi depois atribuído a Zoroastro (segundo milênio a. C.). Conceitos poderosos que depois terão suas influências entre várias crenças e entre os judeus que voltaram da Babilônia para sua terra santa em 539 a. C. A dinastia estabelecida por Ciro, a dos Aquemênidas, revelaria o aspecto mais universal dos primeiros tempos dos persas, nas inscrições de Behistun, na grandeza única de Persépolis e Pasárgada. Tempos depois, vindos da extremidade longínqua ocidental viria outra grande figura que passaria como uma tempestade sobre o império persa, Alexandre, o Grande (356 a. C. – 323 a. C.). As consequências de suas conquistas ecoarão em reinos selêucidas posteriores como em Báctria, onde Menandro (342/341 a. C. – c. 290 a. C.) depois se converteu e promoveu o budismo. No segundo capítulo, veremos sobre a ascensão de uma nova dinastia após os escombros e desunião deixados após as campanhas alexandrinas. Os partas da dinastia arsácida (247 a. C. – 224 d. C.) vieram dos cavaleiros das estepes asiáticas ao norte, e foram formidáveis como o vento nas intermináveis batalhas contra os romanos. Nesse tempo de turbulências, as ideias fermentaram e novas interpretações dos ensinamentos zoroastrianos emergiram, como o maniqueísmo e mazdaquismo. Por fim, da casa de Sasan veio uma nova dinastia, os sassânidas (224 - 651). Foi nessa época que xás como Cosroe foram idealizados como a de uma Era de Ouro na literatura e mitologia persa, como expresso no grande épico de Ferdusi do século 11, o Shahnameh, “Livro dos Reis”. No seguinte capítulo, teremos a entrada de outra magnífica força que veio do oeste dos persas, o Islã. Que deram fim ao período dos sassânidas, mas que não findaram a tenacidade da cultura e identidade iraniana presentes nas suas letras, administração, religião e nas artes. Depois da crise do califado omíada em meados do século 8º, uma revolta liderada por Abu Muslim, na região oriental persa, em Khorasan, lutando pelo martírio de Husein em Karbala, acabou resultando num novo califado centrado mais ao leste, em Bagdá: o dos abássidas (750 - 1258). Aqui, o califado passa a se persianizar e isso refletirá na mentalidade ocidental nos contos de Sherazade na corte de Harun Al-Rashid. Foi um momento de efervescência e prosperidade de um império pujante e aberto aos novos conhecimentos de todas as partes e povos. No crepúsculo dos abássidas, brilharam os mais talentosos escritores da literatura persa, como Ferdusi, e das linhas inebriantes do misticismo sufi de Hafez, Saadi e Rumi. Em meados do século 13, cavaleiros mongóis passaram como um furacão sobre as terras persas, chegando a saquear Bagdá em 1258. A cultura persa, contudo, não se perdeu, mas persistiu nas cortes dos samânidas, gasnávidas e timúridas. Testemunha disso vem da inspiradora arquitetura persianizada do centro histórico de Samarcanda. No quarto capítulo, analisaremos sobre a dinastia dos Safávidas (1501 - 1736), cujas origens advêm de cavaleiros túrquicos do montanhoso Cáucaso que desenvolveram um forte sentido de lealdade e devoção baseados nas suas crenças sufis e xiitas. Foram seus quizilbaches que varreram toda aPérsia e um de seus descendentes, Abbas I (1571 - 1629), tornará a capital do império numa das joias das cidades pelo mundo, Isfahan. As fronteiras com o tempo passaram a novamente pressionar os domínio persas, dos otomanos ao oeste e uzbeques e túrquicos ao norte e leste. Em seguida, veremos como a crise dos Safávidas abrirá um período de guerras e conflitos entre os persas. Um líder afegão dos Afsharidas, Nader, se tornará líder inconteste em meados do século 18, à altura de um Napoleão e Wellington, mas sua queda ainda gerou ainda mais instabilidades. Os afegãos chegaram a impor uma nova ordem, mas acabaram sendo dominados por um líder implacável dos Zands, Karim Khan, que depois irá tornar Shiraz a sua capital, local dos túmulos de Saadi e Hafez. Os Qajars, do norte persa, sucedem no poder em fins do século 18. E foi sob a dinastia desses (1789 – 1925) que russos, britânicos e outros estrangeiros passaram a atuar cada vez mais nas fronteiras. A arte Qajar irá florescer no reinado do xá Fath Ali (1772 - 1834). Em fins do século 19, acordos e concessões com governos estrangeiros irão corroer a soberania persa, apesar das tentativas de reformas modernizadoras de mentes como o do ministro Amir Kabir, que acabou sendo destituído do poder e morto em 1857. No sexto capítulo, abordaremos sobre os anos finais da dinastia Qajar e o início do século 20, tempo que trouxe novas reinvindicações sobre uma constituição e parlamento (Majles) que acabou se reunindo pela primeira vez em 1906, poucos dias antes da morte do xá Mozzafar. As interferências britânicas e russas se fazem sentir no meio militar e na política. Contra isso, houve protestos de nacionalistas, da classe clerical, os ulemás, e de comerciantes descontentes com a entrada de produtos estrangeiros. Os acordos assinados com Knox D’Arcy em 1901 de britânicos a explorarem reservas de petróleo inaugurará um novo capítulo na história iraniana. Em 1921, com a iminente retirada britânica, oficiais identificam um militar enérgico a buscar novas alianças, Reza Khan (1878 - 1944). No penúltimo capítulo, a dinastia Pahlavi inaugurada por Reza Kahn tentará implementar as reformas modernizadoras no Irã, inspirados no exemplo de Kemal Atatürk da Turquia. Reza, como xá, impaciente com as discussões e opiniões políticas, decide passar por cima dos compromissos constitucionais e persegue ou prende seus opositores. Durante a Segunda Guerra Mundial, os soviéticos e britânicos decidem atuar na região persa, para depois passarem a desconfiar das intenções ambivalente do xá que foi deposto em 1941. Quem o sucede foi seu filho, Mohammad Reza, o últimos dos xás. Depois da guerra, cresceram as vozes contra os valores pagos à companhia britânica na exploração do petróleo iraniano. Isso veio principalmente de nacionalistas que, durante um breve período de abertura política, passaram a se organizar no Majles sob a liderança de Mossadegh. Eventualmente, em 1953, com a ajuda do serviço secreto britânico e americano, Mossadegh será deposto do poder, algo que marcará a mentalidade iraniana. Nas décadas seguintes, Mohammad Reza, vendo-se fortalecido com o petróleo e aliança com os EUA, passa a propor um plano de amplas reformas ocidentalizantes, chamada de Revolução Branca. Mas seus limites aparecem na década de 1970, quando a recessão econômica produz uma massa de desempregados, ociosos, recém migrados do interior nas grandes cidades que encontram apoio em lideranças clericais e nacionalistas descontentes com a repressão da polícia secreta, o SAVAK. Do exílio, desde 1964, um desconhecido aiatolá, Khomeini, passa a vociferar contra o impopular xá e propõe um novo regime islâmico xiita, único no mundo. No último capítulo, começamos com a descida de Khomeini de seu voo vindo de Paris a Teerã em fevereiro de 1979. Um novo sistema de governo islâmico é implementado, com amplas perseguições de opositores e ex-aliados. Ano seguinte, o Irã é invadido por tropas iraquianas de Saddam Hussein que resultará numa longa e desgastante guerra de oito anos. Milhões de iranianos irão morrer, resultando numa geração de mártires tal como Husein em Karbala. Isso afetará o regime iraniano, que depois da morte de Khomeini em 1989, passará gradativamente a abrir seu sistema político, apesar do controle último ainda permanecer nas mãos do Líder Supremo (Ali Khameini desde então), do Conselho dos Guardiães e de militares. Apesar disso, a sociedade iraniana buscou o sonho de maiores reformas na eleição de Khatami em 1997 que acabou sendo frustrado pelos setores conservadores iranianos e da hostilidade de governos estrangeiros. O ressentimento veio com a eleição do populista Ahmadinejad em 2005, que sustentou uma retórica de provocações e endossou a retomada do programa nuclear iraniano, causando ainda mais rejeição das potências estrangeiras. Em momento derradeiro, Rouhani foi eleito em 2013, que buscou novas esperanças nos acordos assinados em 2015 visando o controle do programa nuclear em troca do fim das sanções econômicas que prejudicam a economia e sociedade iraniana. A história iraniana é repleto de crises, conflitos, esperanças e sonhos. Subjacente a todos esses períodos, persiste o orgulho e a afirmação de uma cultura própria, resultado de interações e misturas de vários povos ao longo de seu passado. A riqueza dos iranianos vem das suas linhas escritas à tinta dos letrados, e da complexidade das ideias filosóficas e religiosas de suas cabeças e turbantes. Hoje, quando as crianças pequenas nas escolas no Irã escutam as linhas de Ferdusi, do Shahnameh, somos lembrados da tenacidade e resiliência dos iranianos ao longo dos tempos. Cabe a nós tentarmos vislumbrar um pouco disso, de sua história. E isso nos remete às vastas estepes asiáticas no segundo milênio antes de nossa era... 1 O PROFETA QUE RIU – IRÃ (8º MILÊNIO A. C. – 3º SÉCULO A. C.) As origens mais remotas do Irã remetem às vastas estepes asiáticas no segundo século a. C. Povos nômades da família linguística indo-europeia em uma série de migrações começaram a descer para regiões na Europa, terras hoje pertencentes ao Irã, Ásia Central e norte da Índia. Essa é, ao menos, a explicação mais plausível para entendermos a estreita ligação entre as línguas europeias, de partes setentrionais do subcontinente indiano (como o sânscrito e hindi) e das línguas antecessoras do persa (ou como alguns defendem o termo, “farsi” ou “pársi”) moderno. Isso foi em grande parte descoberto por Sir William Jones (1746 - 1794), ao constatar em seu clássico estudo, The Sanscrit Language (1786) , o nexo do sânscrito com o grego e latim. Essa constatação por si já é notável, pois assim percebe-se que os iranianos guardam uma relação mais próxima com culturas indo-europeias do que seu entorno geográfico ao oeste, entre os povos semitas, embora a língua persa moderna tenha assimilado considerável vocábulo (e adotado a escrita) da língua árabe. Vocábulos do persa indicam a evidência linguística com as línguas indo- europeias. A palavra “mês” em português, é “mâh” ( هام ) em farsi (persa), “mes” em espanhol, “mese” em italiano, “month” em inglês e “Manat” em alemão. “Door” em inglês (porta em português) é “dar” ( رد ) em persa. Enquanto “mordan” ( گرم ) em persa corresponde a “morrer” em português, “mortus” em latim, “mourir” em francês. “Robudan” ( ندوبر ), “roubar” em português, e por assim vai. A língua persa, com o tempo, não se restringiuaos limites do Irã. Foi muito além, falado amplamente entre os uzbeques, afegãos, tajiques, iraquianos, turcos, emiradenses e bareinitas. Foi a língua da corte entre vários reinos da região sul e centro-asiático e mesmo entre os mogóis que reinaram a Índia do século 16 ao 19. Ao estudarmos a cultura persa, estamos, por conseguinte, estendendo nosso alcance para toda a região afetada pelos persas indo muito além das fronteiras iranianas. Por isso, por vezes, é mais apropriado referir-nos a um “Grande Irã” (Iran zamin) a abarcar toda a região ampliada influenciada pelos persas. Entretanto, a língua persa nem sempre se manteve como é atualmente. Historicamente teve ampla influência da língua aramaica, disseminada no Oriente Médio nos últimos séculos a. C. Muito antes dos indo-europeus nômades terem chegado do norte, outros povos já habitaram o planalto iraniano remetendo suas primeiras evidências no Período Paleolítico (c. 100.000 a. C.). Por volta de 6500 a. C., há evidências de assentamentos sedentários e agrícolas ao redor da Cordilheira de Zagros que mantiveram relações com os sumérios mais ao oeste, na Mesopotâmia. Vestígios encontrados na região de Zagros, por volta de 7000 a. C., apontam para manchas de vinho encontrados em restos de jarros, descoberto e analisado por arqueólogos americanos em 1968 e se encontra exposto no museu da Universidade da Pensilvânia. O comércio desses povos habitantes dos planaltos iranianos, chamados de gútios (do sumeriano gu-tu-um) e maníacos no noroeste iraniano (do acadiano, mannai, e possivelmente dos povos bíblicos minni), foram conhecidos pelos contatos com os povos do sul da Mesopotâmia, atual sul do Iraque. Antes das migrações dos nômades do norte, floresceram reinos organizados na região ocidental iraniana que se tornaram as províncias de Cuzistão (Ostān-e Khūzestān) e Fars (Ostān-e Fārs), o império de Elam (2700 – 539 a. C.) centrado nas cidades de Susa e Anshan (mapa). Mapa do império de Elam. Os elamitas falavam uma língua não relacionada aos mesopotâmicos, nem aos povos iranianos, embora tenham sofrido influência pelos sumérios, assírios e babilônicos da região, e certamente transmitiram elementos de sua cultura para as dinastias iranianas nos séculos posteriores. Um exemplo da influência elamita se mostra no sul da atual cidade de Kashan, num templo em foram de zigurate, o de Tepe Sialk (fig.), datado por volta de 2900 a. C. Figura – O zigurate elamita de Tepe Sialk, perto de Kashan, c. 2900 a. C. Com o tempo, novos imigrantes chegaram e se assentaram nas terras iranianas. O que nos leva à reflexão de que a nação e história iraniana, como grande parte da humanidade, é feita de diferenças e migrações, de culturas que coexistem e se misturam. Por isso, temos que considerar a ideia do “Irã” como muito além da atual nação e fronteiras políticas. E a ideia do Irã, foi muito mais em torno do resultado de povos e migrações, de habitantes nômades e seminômades, pecuaristas e agricultores, que assentaram e comerciaram seus produtos na região iraniana. O Irã é uma região de contrastes de climas e de geografia. De densas florestas úmidas do Mazandaran, no norte, até a aridez e calor da costa do Golfo Pérsico. Das montanhas altas e frias de Alborz, de Zagros e do Cáucaso, até os desertos do Dasht-e Lust e do Dasht-e Kavir. Além das terras cultiváveis, as áreas impróprias para a agricultura nas terras acidentadas, semidesértica e de altitude serviram para o pastoreio, embora por alguns meses por ano. A atividade do pastoreio, de nômades que acompanharam seus rebanhos, foram de povos que tinham se deslocado para regiões áridas e montanhosas no Irã. Como dito, muitos desses vieram das estepes asiáticas, e com eles trouxeram o exímio domínio do arco e flecha, e da montagem equestre, conferindo-lhes superioridade bélica frente aos povos agrícolas. A riqueza desses povos nômades iranianos se dava em torno do gado, uma riqueza móvel, permitindo-lhes escapar de ameaças e violência com pouca perda. Ademais, esses nômades poderiam atacar mais facilmente assentamentos de camponeses com relativa impunidade, em caso de desunião e desorganização política e militar. Sociedades agrícolas, sedentárias, tornaram-se vulneráveis aos nômades, especialmente em tempos de colheita, e poderiam perder o valor acumulado e estocado de um ano inteiro de trabalho. Em tempos de paz, os nômades poderiam ser contentar e trocar seus produtos, como carne e lã com os camponeses em troca de grãos, por exemplo. Mas a coerção e ameaça eram um recurso que os nômades poderiam recorrer em tempos de crise. Quando nômades indo-europeus entraram nas regiões iranianas em várias levas migratórias (mapa), por volta de 1000 a. C., passaram a conquistar e controlar as várias regiões iranianas por meio de cobrança de tributos a garantir a proteção das vilas e cidades. Ou seja, os camponeses eram obrigados a conceder parte de suas colheitas para serem deixados em paz, e assim a garantir a ordem. Essa relação e animosidade, entre povos sedentários e nômades (muitos vindos de regiões não-iranianas), persistiu até início do século 20 no Irã. Mapa das levas migratórias de nômades indo-europeus sobre regiões da Ásia Central e Meridional, e Europa. As áreas em laranja no sul foram as últimas levas que se assentaram no Irã e regiões próximas, por volta de 1000 a. C. A leva migratória para o Irã e área circundante por volta de 1000 a. C. não era de uma única tribo ou grupo. Esses migrantes com o tempo depois se mesclaram e geraram descendentes, alguns do quais depois ficaram conhecidos como medos, mais ao norte, e persas, mais ao sul iraniano. Havia outros, partas, sogdianos e avianos, esses últimos iriam consolidar em sua cultura as liturgias e valores de uma religião nova a combinar com as crenças dos povos arianos que migraram para o norte indiano, o zoroastrismo. Esses nomes, naturalmente, vieram somente séculos depois. Mas os medos e persas, termos simplificados de uma miríade de grupos migrantes, foram se unindo, criando alianças e confederações de tribos. A primeira menção desses povos veio dos assírios, por volta de 836 a. C., em um relato de campanha militar de Salmanaser III (859 – 824 a. C.) ao avançar contra a região de Zagros e Alborz. Esse primeiro relato, inscrito no Obelisco Negro, hoje se encontra no Museu Britânico (fig.). Figura – O Obelisco Negro, no Museu Britânico. No obelisco, há relato de vários outros povos que foram submetidos pela autoridade do rei assírio. Medos e persas (referidos como “parsua”) são considerados como tributários. As terras dos medos foram situados no noroeste iraniano, nas províncias do Azerbaijão, Curdistão, Hamadã e Teerã na atualidade. No Zagros, ao sul do território dos medos, os assírios apontaram como local dos persas, “parsuash”, que depois com o tempo passou a ser então referidos como Pars ou Fars. Esses relatos assírios mudaram de destino depois de mais de um século. No 8º século a. C., medos e persas estavam contestando a autoridade tradicional e invadindo o território assírio. O historiador Heródoto de Halicarnasso (484 – 425 a. C.) relatou que no século 5º a. C. líderes dos medos, como o reis Deioces (ou Déjoces) (709 – 656 a.C.) e Ciáxares (645 – 585 a.C.), e dos persas, como o lendário rei Aquêmenes (do grego Achaiménēs) (c. 705 – c. 675 a. C.) (chamado pelos assírios como Hakhamanish, em persa antigo, Haxāmaniš) ganharam proeminência, evidenciando a independência desses povos. Aquêmenes depois, de acordo com a grandiosa inscrição de Behistun (fig.), se tornaria figura fundadora da dinastia Aquemênida. Figura – A Inscriçãode Behistun, na província de Kermanshash. A primeira proeminência adveio, contudo, dos medos que, por volta de 700 a. C., se aliaram aos povos citas e estabeleceram um Estado independente que depois se tornaria no primeiro império iraniano. Em 612 a. C. os medos atacaram e destruíram a capital dos assírios, Nínive, cujas ruínas se encontram perto da cidade iraquiana de Mosul. No seu auge no século 6º a. C., o Império Medo se estendeu desde as fronteiras ao oeste da Ásia Menor até o Hindu Kush ao leste, e ao Golfo Pérsico ao sul (mapa). Governaram com os persas como vassalos, assim como muitos outros povos submetidos ou aliados. Mapa do Império Medo no seu auge no século 6 a. C. (em verde). A figura histórica mais importante nas terras iranianas à época foi Zoroastro (ou Zaratustra, em persa moderno, Zardosht) (fig.). Não há consenso de seu tempo de vida, mas a maioria acredita que viveu entre cerca de 1500 a 1000 a. C. Sua estatura lendária compara-se a Jesus, Maomé, mas muito pouco se sabe sobre sua vida. A melhor evidência é de que tenha vivido na região nordeste iraniano, no que depois se tornou a Báctria, e depois Afeganistão. Mas outras tradições apontam para mais a noroeste, no Azerbaijão, na região do rio Arax ou mesmo em outros lugares. Figura – Zoroastro. Zoroastro foi figura chave na história das religiões, no que nos ensina os textos mais antigos a ele atribuído, o Avesta, que foram escritos e compilados mais de mil anos depois que o profeta viveu, no final da era dos sassânidas, no século 6º d. C. As histórias contadas são em formas de fábulas com curiosas passagens, como a que nos diz que o profeta tenha nascido rindo. A teologia apresentada é indubitavelmente antiga com incorporações que vieram mais tarde. Mas as origens do zoroastrismo nessas linhas se encontram nos textos do Avesta de cerca de 600 a. C. A antiguidade dos textos zoroastrianos, os Gatas dentro do Avesta, 17 cânticos atribuídos ao próprio Zoroastro, é evidenciada pela linguagem que expressa a vida pastoral e a ausência de povos como os medos e persas, ou nomes de reis célebres da época. É plausível supor que a revelação de Zoroastro tenha surgido em tempos de transição, de novas demandas e transformações sociais e culturais com a chegada de imigrantes para as terras iranianas. Os escritos mais antigos zoroastrianos revelam as contradições e questionamentos sobre as mudanças históricas. E a nova fé foi o resultado desse turbilhão, ao tentar entender a complexidade das transformações. Foi até certo ponto uma tentativa de compreensão e a apontar novos princípios para o seguidor zoroastriano. Há evidências, no entanto, de que Zoroastro não tenha criado do nada, mas reformulou e simplificou práticas religiosas preexistentes, com a resistência da classe sacerdotal, infundindo na nova crença uma filosofia mais sofisticada e maior ênfase na moralidade e senso de justiça. A nova formulação doutrinária se deu em torno de denúncias das práticas religiosas correntes da época. Foi condenado a prática da classe sacerdotal que se fundamentava em escritos (de raízes semitas e de novos povos migrantes) considerados alheios à compreensão da população em geral. Outro fator revelador foi o uso no Avesta da palavra persa, “div”, cognata com o latim e sânscrito para “deuses”, usado no contexto zoroastriano para a classe de espíritos malignos opostos a Zoroastro e seus seguidores, sugerindo que o profeta buscou desqualificar e combater as divindades anteriores. Esses espíritos malignos, demônios, foram associados ao caos e desordem, antítese dos princípios da bondade e justiça representados pela nova religião. No nível mais mundano, essas malignidades estavam por trás das desgraças e doenças que assolavam as pessoas, animais, o tempo e desastres naturais. No centro da teologia de Zoroastro estava, a oposição entre Ahura Mazda (ou Aúra- Masda), o criador, deus da verdade e da luz, e Ahriman (ou Arimã), a encarnação das mentiras, trevas e do mal, embora esse último não esteja no mesmo plano espiritual de Ahura Mazda que situava-se muito além. Foi esse dualismo que tornou-se tema central no pensamento iraniano por séculos. Para ser mais preciso, Ahura Mazda e Ahriman seriam além do Bem e o Mal, seriam a Verdade e a Mentira, asha e druj. Esses termos aparecem com frequência no Avesta, juntamente com o conceito de Justiça. Nos primeiros séculos de existência, os estudiosos decidiram enfatizar a centralidade de Ahura Mazda a distinguir dos períodos posteriores do zoroastrismo, por isso consideram o período inicial de masdeísmo. Com o tempo, outras divindades preexistentes foram incorporadas à estrutura masdaica, como anjos e arcanjos, notavelmente Mitra, deus sol, e Anahita (ou Anaíta), deusa dos rios e riachos. Outros seis arcanjos imortais também foram incorporados, a representar a vida vegetal, mineral, a terra, o fogo e a água. Os nomes desses arcanjos, por exemplo, Bahman, Ordibehesht, Khordab, persistem até hoje nos nomes de alguns meses mesmo no calendário iraniano islâmico moderno. Ahura Mazda personificava o ar e do céu, tal como o deus grego Zeus. Bahman foi homenagem ao arcanjo Vohu Manu, segundo apenas de Ahura Mazda, caracterizado pelos bons valores e conduta, e identificado com o gado que era considerado como segunda classe de seres vivos criados por Ahura Mazda depois do próprio homem. Parte interessante do mito de criação zoroastriano remete à história de que, depois de ter sido criado por Ahura Mazda, o maligno Ahriman, acompanhado por seis espíritos malevolentes, chegou a provocar Ahura Mazda ao buscar matar os homens, o gado representando Vohu Mazda e depois indo poluindo as águas e o fogo. A importância do gado para os primeiros iranianos nômades é demonstrado pelo frequente aparecimento de sua figura, em forma de touros e gados, nas esculturas e imagens no período posterior Aquemênida (c. 550 – 330 a. C.). O dualismo inerente ao pensamento zoroastriano foi resultado de um problema a ser equacionado sobre a questão do mal e da criação divina. Como pode o mal existir se Ahura Mazda, Senhor da Sabedoria, criou o homem? O livre arbítrio foi a solução ao problema, pois foi dado ao homem a faculdade de escolha e pensamento, a pensar sobre seus atos e decisões sobre o bem e o mal. A bondade seria recompensada das boas ações e seria julgado após a morte. Restava o inferno aos maus. Após alguns séculos, antes de 600 a. C., o masdeísmo adicionaria a figura de um messias, o Saoshyant (“Aquele que traz o bem”), que nasceria milagrosamente no fim dos tempos de uma mãe virgem e da semente de Zoroastro. Outras dificuldades apareceram mais tarde no pensamento masdeísta. Como Ahura Mazda e Ahriman vieram a existir? Para tal, alguns explicaram que houve uma entidade anterior, um deus criador, Zurvan, identificado com o tempo e destino, que orou por um filho e foi recompensado com gêmeos. Esses gêmeos se tornaram Ahura Mazda e Ahriman. Este ramo do masdeísmo depois foi chamado de zurvanismo. Esse novo ramo religioso passou depois a deificar (em forma de entidade chamadas de yazatas) todos os seres celestes e naturais. Um exemplo é a ideia de daena, que apareceu após o homem criado como uma bela donzela, personificando todas as boas obras que o homem havia feito na vida. Daena passou a representar a consciência, revelação e discernimento. Outro exemplo são as cinco entidades pertencentes a cada ser humano, não apenas o corpo, alma e espírito, mas também adhvenak e fravashi. Adhvenak seria o protótipo celestial de cada ser humano, associadoao sêmen e à regeneração. Fravashi, embora também uma entidade espiritual, era mais ativo, associado à força do heroísmo, à proteção dos vivos e ao acolhimento das almas após a morte, similar às Valquírias na mitologia germânica. Essas e outras personificações prefiguram o papel dos anjos no judaísmo, cristianismo e islamismo, mas também possivelmente tenha influenciado o pensamento de Platão que estudou o masdeísmo. Elementos pré-zoroastrianos foram incorporados ao universo religioso. A classe sacerdotal, os magos (relatado por Heródoto como uma tribo dentro dos medos) tinham existência antes da vida de Zoroastro, e essa classe com o tempo passou gradativamente a incorporar e interpretar os rituais e doutrinas do Avesta a servir seus propósitos como casta religiosa. A relação dos iranianos com outras religiões também merece destaque. Com os judeus, o vínculo remete aos séculos a. C. Estudiosos[1] acreditam que o judaísmo mudou significativamente sob a influência do masdeísmo, quando os judeus estavam no exílio na Babilônia. Após a conquista do norte de Israel pelos assírios por volta de 720 a. C., houve uma leva de judeus que foram levados para o reino dos medos, entre outros lugares, e ali estabeleceram comunidades judaicas, especialmente em Ecbátana. Uma segunda onda de deportações, dessa vez para o território babilônico, ocorreu nas décadas de 590 e 580 a. C. sob Nabucodonosor II (c. 605 – c. 562 a. C.), que destruiu o Templo de Salomão em 586 a. C. (fig.). Figura – A destruição do Templo de Salomão em Jerusalém em 586 a. C. Babilônia ficou sob controle dos Aquemênidas na década de 530, e muitos dos judeus retornaram para terras israelenses sob Ciro, o Grande (559 – 530 a. C.). O trauma do exílio babilônico jamais foi esquecido, e marcou um divisor de águas na história judaica de várias maneiras. Acredita-se que um dos líderes do retorno da Babilônia, o escriba Esdras, tenha sido o primeiro a escrever em hebraico os livros do Torá (os cinco primeiros livros da Bíblia, os livros de Moisés). O Torá irá começar a dar maior ênfase no monoteísmo, algo que terá influência decisiva e duradoura entre os israelitas e judeus. Centenas de anos depois, sob o império dos Aquemênidas e depois sob os helenísticos, as comunidades religiosas judaicas e masdeístas da diáspora viveram em vizinhança nas cidades em todo o Oriente Médio. Isso talvez possa apontar para a troca de influências religiosas e culturais entre as duas comunidades, como aponta os Manuscritos do Mar Morto, da caverna de Qumran. Outro período importante para o judaísmo adveio após a Revolta dos Macabeus contra os helenistas selêucidas em 167 a. C., e depois com a versão definitiva do Talmude quando foi compilada e editada na Mesopotâmia nos séculos 4º e 5º d. C., novamente num contexto iraniano, sob o império dos sassânidas (224 d. C. – 651 d. C.). Ainda permanece um assunto controverso, mas há indícios da influência do zoroastrismo e do masdeísmo no judaísmo, depois de séculos de convivência histórica no Oriente Médio. Talvez outro sinal dessa influência seja os relatos em geral positivos dos textos judaicos para com os persas. Os conceitos de céu e inferno, de livre arbítrio entre o bem e o mal, de julgamento divino, de anjos, de um único deus-criador, todos parecem ter sido características da religião persa que influenciou outras religiões posteriores. O masdeísmo foi a primeira religião, pelo menos nessa região do mundo, a ir além do culto e do totemismo para abordar problemas morais e filosóficos em sua teologia, partindo de um ponto de vista individual, enfatizando a responsabilidade e escolha de cada um. No plano político, por volta de 559 a. C., um regente persa, chamado Ciro II (fig.) (em persa moderno, Kurosh) ou Ciro, o Grande tornou-se rei de Anshan com a morte de seu pai. A Pérsia e Anshan, naquela época ainda eram submetidos aos medos, mas Ciro liderou uma revolta contra o rei dos medos, Astíages e em 549 a. C. capturou a capital dos medos, Ecbátana. Assim, Ciro inverteu a relação entre os medos e os persas, tornando-se rei da Pérsia, submetendo os medos, e tornando-se rei de um império. Figura – Relevo de Ciro, o Grande, em Pasárgada. Ciro não parou por aí. Anos depois, passou a avançar mais para o oeste e conquistou a Lídia (atual região ocidental da Turquia no continente asiático), na Ásia Menor, tomando posse em 546 a. C. do lendário tesouro do rei Creso (c. 560 – c. 546 a. C.). Ciro também conquistou os territórios remanescentes da Ásia Menor, e também a Fenícia, Judeia e Babilônia, criando um enorme império que se estendia das cidades gregas na costa leste do Mar Egeu até as margens do rio Indo, uma extensão poucas vezes vista na história (mapa). Mapa do auge do Império Persa sob Ciro, o Grande. A novidade de Ciro foi de ter forjado esse grande império sobre novas bases de governança. Embora tenha tomado controle de diversos povos e culturas anteriores, desde elamitas, assírios, fenícios, lídios, helenos e babilônicos, parece que Ciro quis governar de maneira mais tolerante e benevolente, a respeitar as diferenças e particularidades de cada região, desde que, naturalmente, se submetessem em último momento à sua figura imperial. Uma espécie portanto de um rei acima de outros reis. Essa atitude de Ciro, diferente do que os reis assírios impuseram sobre seus subjugados, é expressa numa argila encontrada no século 19, escrita em cuneiforme, conhecido como o Cilindro de Ciro (fig.) de cerca de 539 ou 538 a C. Esse cilindro tinha sido encontrado nas fundações de uma muralha da Babilônia, e tem sido considerado como precursora dos Direitos Universais do Homem na Era Antiga. A mensagem do cilindro expressa o respeito de Ciro sobre toda a diversidade, ao considerar o deus Marduk dos babilônicos e seu apreço pela paz e ordem na cidade da Babilônia, após ter sido conquistada em 539 a. C., e consideração aos deuses e costumes de outros povos conquistados na região da Mesopotâmia. Figura – O Cilindro de Ciro, no Museu Britânico, Londres. Ciro era certamente um governante ambicioso e implacável, mas esses termos conciliatórios foi um marco diante das mensagens anteriores impetuosas como era das declarações dos assírios, como Senaqueribe (705 –681 a. C.), ou dos faraós egípcios sobre povos conquistados. Os judeus, sobre os quais Ciro governou, relatam que ele e seus sucessores permitiram que eles voltassem para casa do exílio e reconstruíssem o Templo em Jerusalém. Ao fim da vida, Ciro terminou de maneira não tão gloriosa, de acordo com o que nos relatou Heródoto. Tendo avançado a oeste, o regente persa voltou-se depois para o leste do Mar Cáspio e foi derrotado e morto em batalha por volta de 530 a. C. por uma rainha, Tômiris dos Masságetas (fig.), de uma nação de exímios cavaleiros, como os citas, das estepes asiáticas. Figura – Tômiris recebe a cabeça de Ciro num vaso de sangue. Pintura de Rubens, 1622 – 1623, no Museu de Belas Artes (Museum of Fine Arts), Boston, EUA. Ainda de acordo com a tradição, o corpo de Ciro foi trazido de volta à Pérsia, em Pasárgada (Pāsārgād), para descansar num túmulo que ainda hoje pode ser visto, embora seu conteúdo há muito tenha desaparecido. O túmulo é maciço e simples, um sepulcro de dimensões de uma pequena casa elevado num pedestal e escalonado (fig.). As características do túmulo de Ciro nos traz questões sobre a religião dos regentes Aquemênidas, embora muitos reis posteriores a Ciro tenham sido enterrados em túmulos de pedra a meio caminho de um penhasco. O sepultamento dos Aquemênidas seguiram os preceitos zoroastrianos, que consideravam como sacrilégiopoluir a terra com cadáveres. Em vez disso, o corpo deveria ficar exposto nas chamadas Torres de Silêncio (dakhma) para serem consumidos por pássaros e animais. Figura – Túmulo de Ciro, o Grande, Pasárgada. Os reis Aquemênidas poderiam ter sido zoroastrianos, embora isso ainda não seja consenso entre os historiadores. Os regentes poderiam ter sido considerados como pertencentes à uma casta privilegiada dentro do masdeísmo, embora essa crença não tenha sido amplamente praticada entre a sociedade Aquemênida da época. Assim, muitas tradições pré-zoroastrianas ainda persistiram, e de que o enterro em posições elevadas num penhasco seja características de valores religiosos que precederam o zoroastrismo. Esses túmulos de reis Aquemênidas (fig.) talvez expressassem o meio caminho entre o céu e terra. E ao redor do túmulo de Ciro, havia uma jardim profusamente cuidado e regado por canais de irrigação, a remontar a uma ideia de paraíso (palavra que tem origem do persa antigo, paridayda, “jardim murado”). E em volta de seu túmulo, Ciro recebeu sacrifícios ritualizados de cavalos de acordo com a classe sacerdotal dominante à época, dos magos (do persa, magus, “sábio”). Embora Ciro tenha sido uma figura histórica impressionante, outro líder nos séculos posteriores iria ser igualmente notável na história dos persas, embora tenha vindo das regiões periféricas do império ao oeste, nas terras macedônicas. Mas antes disso, Ciro foi sucedido por seu filho, Cambises II (Kambujiya) (530 – 522 a. C.), que ampliou o império conquistando o Egito em 525 a. C. Cambises, no entanto, não guardou tão boa fama quanto seu pai, e morreu inesperadamente em 522 a. C., alguns atribuindo sua morte por suicídio depois que o regente recebeu notícias de revoltas no coração do Império Persa. Há relato do que veio a acontecer na referida Inscrição de Behistun, na atual província de Kermanshah (Quermanxá). De acordo com a inscrição, a revolta foi liderada por um sacerdote mago, de nome Gaumata (também conhecido como Esmérdis), que alegou falsamente de que ele era o verdadeiro irmão mais novo de Cambises, Bardiya. Heródoto nos dá uma versão similar, dizendo que Cambises havia assassinado o verdadeiro Bardiya alguns anos antes. A revolta, liderada por Gaumata, parece ter origens das insatisfações sociais e tributárias do Império Persa. A pressão aumentou ainda mais com as custosas campanhas de Ciro e Cambises. Mas Gaumata demonstrou ser um extraordinário líder religioso, denunciando a decadência dos tempos e defendendo maior entusiasmo religioso, e perseguindo outros religiosos no século 6º a. C. Essa atitude de intolerância, liderado por um clérigo carismático, a denunciar o regente opressor e a afirmar a ortodoxia religiosa prefigura algo que será recorrente ao longo da história iraniana. A vida de Gaumata parece não ter durado muito, pois foi morto depois de alguns meses em 522 a. C. por um grupo de confederados persas liderados por Dario (Dāryuš). A Inscrição de Behistun foi feita por ordem de Dario (522 – 486 a. C.) (fig.) depois que ele se tornou rei, e assim ele apresenta sua versão dos eventos. A inscrição em si nos informa que cópias foram feitas por todo o império persa da época. E nos diz sobre as inúmeras revoltas, Babilônia se insurgiu duas vezes, e Dario chegou a reprimir dezenove insubordinações somente em um único ano de seu governo. Figura – Retrato de Dario I, na Inscrição de Behistun. Dario se destaca pela estatura, e tem em sua frente representantes de prisioneiros de várias nações. Acima dele, o símbolo zoroastriano de faravahar, disco alado representando a alma humana antes do nascimento e depois da morte. Qualquer que seja a natureza dessas rebeliões e suas causas, parece não terem sido motivados por uma tentativa maior de deposição e golpe ao poder central. Parece ter sido antes uma série de revoltas locais, inspiradas e lideradas por religiosos, manifestando suas insatisfações diante do poderio imperial persa. Disso podemos inferir das declarações feitas em Behistun, local escolhido por Dario por ter sido próximo de onde havia matado o impostor Gaumata. Behistun nos traz outras informações históricas preciosas. Por perto há cavernas que foram habitadas por neandertais há 40 mil anos ou mais. Em outros locais próximos, há relevo na pedra de uma figura de Hércules do período Selêucida (312 a.C. – 63 a.C.) do governo helênico posterior. E também de uma representação do culto ao fogo, típico dos zoroastrianos, dos sassânidas (224 d. C. – 654 d. C.), restos de uma edificação dos mongóis (início do século 13) e fortificações do período de Nader Xá do século 18. O fato é que a Inscrição de Behistun, feita por Dario, foi amplamente usada para propaganda de suas conquistas, mas também para legitimar sua ascensão ao poder. Dario não foi um sucessor natural ao trono imperial persa. Ele era descendente de uma parte insignificante da família real dos Aquemênidas. Sua forma de se legitimar foi, portanto, de perseguir os oponentes e desacreditar rivais, como o fez a Gaumata. Acusou pessoas ímpias e injustas, e assim fez-se valoroso diante dos preceitos zoroastrianos, um soberano que obedecia ao justo, ao verdadeiro (asha) e contra a falsidade (druj). Assim agindo, Dario personificou o seguidor ideal de Ahura Mazda. Em outras inscrições, Dario se diz como exemplo de um arqueiro e cavaleiro, valores apreciados pela classe guerreira e da elite persa da época, ecoando a vida dos nômades que chegaram às terras iranianas nos séculos anteriores. Anos depois da Inscrição de Behistun, Dario resolveu dignificar seu governo ainda mais e mandou construir um enorme palácio nas terras persas originais, mais ao sul do Irã. Local onde depois os gregos iriam se referir como Persépolis (“Cidade dos Persas”). Assim fazendo, Dario buscou afastar-se da figura e capital de Ciro, em Pasárgada. Persépolis demonstra todo o vigor e monumentalidade dos Aquemênidas para a posteridade. O visitante hoje caminha estonteado diante de suas incontáveis colunas e maciças colunas encimadas no capitel por animais míticos duas cabeças (fig.). Figura – Capitel de uma coluna em Persépolis de duas cabeças, representando o touro. A figura bovina (Gavaevodata) no zoroastrismo é associado ao vigor e beneficência, pois foi uma das criaturas primordiais de Ahura Mazda. Persépolis serviu como manifestação da legitimidade de Dario, e depois como modelo nos século posteriores de associação mística ao reinado persa. O rei, o palácio e suas conquistas seriam a manifestação divina da retidão contra a opressão e injustiça, de acordo com os preceitos zoroastrianos. O tema de submissão e tributo também aparecem em Persépolis e em Behistun. Filas e mais filas de figuras representando prisioneiros e capturados de todo o império, apresentando-se nos relevos de pedra. O propósito da construção do palácio de Persépolis ainda não está totalmente claro em certos aspectos. Possivelmente tenha sido planejado como local para celebrações e cerimônias do equinócio da primavera, o Ano Novo persa (Noruz, comemorado a cada ano no dia 21 de março até os dias atuais). As filas de portadores de tributos esculpidos nos relevos (fig.) sugerem que o local pode ter sido para demonstrações de grandeza e lealdade do império persa dos Aquemênidas, pois Persépolis não era a capital principal e permanente. A capital era em Susa, antiga capital dos elamitas. Isso demonstra o sincretismo do regime persa, pois Ciro era ligado por origem às famílias dos medos. Elam, contudo, era importante por sua posição central, pelasua língua escrita e estrutura administrativa herdada dos elamitas. O império dos Aquemênidas, portanto, era flexível e absorvia as entidades políticas anteriores e menores para compor sua unidade imperial, não confrontadores de seu domínio. Figura – Fila dos povos tributários representados na escadaria leste da apadana, em Persépolis. Cada tributo representa uma particularidade de cada nação dentro do amplo império persa dos Aquemênidas. Essa relativa paz e ordem imperial persa irá persistir em larga medida depois do reinado de Dario (522 - 486 a.C.) e seus herdeiros até o século 4º a. C. O início dos tempos de mudanças começou a soprar do longínquo oeste, nas regiões montanhosas da Macedônia. Por volta de 380 a. C., Filipe da Macedônia (359 - 336 a.C.) (ou Filipe II) nasceu e tornou-se rei em 359 a. C. dando vazão ao seu desejo de expansão de seu reino. Fator decisivo nas vitórias das batalhas foram o novo corpo de infantaria bem treinado e equipado com lanças mais longas do que o normal na região helênica da época. Em condições favoráveis, essas lanças cerradas tem um efeito bélico considerável, e quando não necessárias, poderiam ser deixadas convenientemente de lado para a luta por espadas ou atuação da cavalaria. Estabelecido como principal poder no norte da Grécia e da Trácia, Filipe passou a atacar e derrotou a aliança de Atenas e Tebas na Batalha de Queroneia em 338 a. C. e assim estabeleceu a Liga de Corinto, sedimentando de vez a hegemonia macedônia e pondo fim às autonomias das cidades-estados helênicas. A exceção mais notável foi Esparta. Quando Filipe exigiu sua submissão e ameaçou escravizar todos os rebeldes, o macedônio foi prontamente desafiado pelo termo lacônico, “se”. Temendo a heroica resistência espartana demonstrada em Termópilas (480 a. C.), Filipe decidiu por bem não se engajar contra os espartanos. De qualquer maneira, Filipe tinha outros planos em mente. Pretendia invadir as terras do império persa mais ao leste, na Ásia Menor (ou Anatólia) (mapa), ditas como carregadas de lendária riqueza. Os preparativos foram cuidadosos e foi justificada a invasão pela profanação de templos atenienses pelos persas na invasão feita em 480 a. C., à época sob os Aquemênidas de Xerxes (486 - 465 a.C.) (Kshaiarsha). Mas antes que Filipe pudesse pôr em prática seus planos, ele foi misteriosamente assassinado em outubro de 336 a. C., alguns sugerindo a participação de sua quarta esposa, Olímpia (Olímpia de Epiro) e seu filho, Alexandre (Alexandre III, que passaria a depois ser conhecido como Alexandre, o Grande), mas parece mais plausível que os persas tenham instigado a sua morte. Mapa dos domínios de Filipe da Macedônia em 336 a. C., parte ocidental das terras persas estão situadas ao leste na Ásia Menor (Anatólia), à direita no mapa. Alexandre (fig.) assumiu o trono de seu pai, e prosseguiu com sua ambição contra os persas ao leste. O jovem macedônio consolidou sua autoridade sobre os gregos prontamente esmagando uma rebelião em Tebas e depois cruzou o mar para a Ásia Menor em 334 a. C. Ali ele derrotou um exército persa no rio Grânico (perto de Dardanelos), conquistou as cidades da costa jônica, incluindo a estratégica cidade de Sárdis (ou Sardes) na Lídia, e depois passou a marchar mais para o leste. Figura – Alexandre, o Grande, em relevo numa tumba do período helenístico (século 4º a. C.), hoje no Museu Arqueológico de Istambul. Ano seguinte, em 333 a. C., Alexandre entrou em batalha e derrotou o próprio imperador persa, Dario III (c. 336 – 330 a.C.), na Batalha de Isso, na costa mediterrânica, perto da fronteira atual da Síria com a Turquia. Dario seria o último dos regentes dos Aquemênidas. Depois desse heroico feito, Alexandre passou a avançar para o sul, tomando as cidades costeiras e conquistando o Egito, ali fundando Alexandria. Seguindo para o leste novamente, em 331 a. C., Alexandre derrotou Dario III numa outra batalha em Gaugamela, perto das atuais Mosul e Arbil, no que hoje é o Curdistão iraquiano (mapa). Nessa batalha, Dario III abandonou o campo de guerra e depois foi morto algum tempo depois, em julho de 333 a. C., por Bessos, um governador (sátrapa) das províncias orientais de Báctria e Sogdiana do império persa. Mapa das espetaculares ofensivas de Alexandre contra o Império dos Aquemênidas. Alexandre depois continuou e tomou as cidades da Babilônia, Susa e finalmente Persépolis em 330 a. C. Uma versão da história nos conta que o palácio de Persépolis foi incendiada por vingança à queima da Acrópole de Atenas feitas sob comando de Xerxes. Mas o mais provável é que Persépolis foi destruída antes por um ato político deliberado, a mostrar que a dinastia Aquemênida tinha terminado para sempre. Apesar disso, Alexandre passou a se apresentar não como uma figura vingativa, mas como sucessor dos Aquemênidas. Os governantes persas anteriores das províncias (sátrapas), como o de Babilônia e Susa, foram mantidos em seus postos. Daquele momento em diante, o macedônio passou a seguir uma política de continuidade e persuasão, incentivando suas tropas a se casarem com mulheres locais e estabelecerem suas residências nas terras recém conquistadas. Alexandre mesmo chegou a se casar com várias princesas persas, incluindo Statira, filha de Dario III, e mais tarde com Roxana (que vem do termo persa, roshan, “luz”), filha de Oxiartes da Báctria. As campanhas de Alexandre prosseguiram para as regiões limítrofes do império persa, e indo muito além ao leste, na região noroeste da atual Índia e região do Punjab. Mas suas forças ficaram cada vez mais cansadas depois de anos de batalhas e marchas intermináveis. Alguns começaram a desconfiar e criticaram a postura pró-persa do líder macedônio. Em momento derradeiro, Alexandre veio a falecer na Babilônia em 323 a. C., provavelmente de causas naturais, depois de uma sessão de bebedeira. A sucessão ao império de Alexandre não tinha ficado claro, e o resultado foi uma série de conflitos entre os seus principais generais para dividir as regiões conquistadas. Nesses embates, o filho de Alexandre com Roxana chegou a ser cogitado como único herdeiro, mas ele junto com sua mãe foi assassinado em 310 ou 309 a. C. Apesar da morte imatura, Alexandre deixou um rico legado da civilização helênica para as terras persas, criando uma mistura da cultura ocidental e oriental. A Pérsia passou a ser governada por descendentes de Seleuco (Seleuco I Nicátor) (306 - 281 a.C.), um dos generais de Alexandre, por mais de um século, e a influência helenista persistiu, juntamente com elementos locais. Os regentes dessa nova dinastia persa, a dos selêucidas (323 - 64 a.C.), portaram-se mais como governantes persas do que helênicos, assim como o foi o caso a dinastia dos ptolomaicos (305 – 30 a.C.) que governaram o Egito. Quando Roma ascendeu e dominou toda a região do Mediterrâneo, a região leste do império romano acabou adquirindo contornos mais grego e oriental do que o oeste latino. Apesar da presença helênica marcante, os persas conservaram seus valores e cultura própria. O zoroastrismo e o masdeísmo persistiram mesmo depois de Alexandre e os selêucidas. Sob a ótica da tradição zoroastriana, diferentemente das fontes ocidentais, Alexandre (Iskander, como foi referido entre os persas) passou a simbolizar o belicismo numa conotação negativa. Isso parece ter ocorrido devido à perseguição que os helenistas promoveram principalmente contra líderes sacerdotais (magos) rebeldes e do saque e pilhagem dos templos zoroastrianos (e pela infame extinção das chamas sagradas dentro desses). Seguindo essa tradiçãozoroastriana, Alexandre passou a ser referido com o título em comum à Ahriman, guzastag, “maldito” [2]. 2 REI DOS REIS – IRÃ (3º SÉCULO A. C. AO 7º D. C.) O império dos selêucidas, estabelecido em 312 a. C. parecia ser o mais poderoso Estado que sucedeu às conquistas de Alexandre. Seus limites incluíam a Síria, Mesopotâmia e terras do planalto iraniano, assim como aliados mais ao leste. A capital inicial, Babilônia, mudou-se depois para um novo local ao longo do rio Tigre, apropriadamente nomeada como Selêucia (do grego Σελεύκεια, Seleúkeia). Algum tempo depois, visando manter-se mais próximo ao Mar Mediterrâneo, centrou-se o império em Antioquia (do grego, Ἀντιόχεια, Antiókheia). Os regentes dos selêucidas seguiram a política de Alexandre, de adaptação aos costumes e protocolos locais. Contudo, estabeleceram um corpo militar helênico visando manter a lealdade e disciplina nessa área crucial, apesar de terem usado mão-de-obra persa nos escalões inferiores. Colônias foram fundadas no leste, mas a atenção primordial voltou-se para o oeste, região onde alimentaram ambições sobre outra dinastia macedônica, a dos ptolomaicos no Egito. No leste, as satrapias (províncias) periféricas de Sogdiana e Báctria gradualmente passaram a ser tratadas com maior autonomia, e seu relativo abandono criou uma cultura que fundiu as tradições helênicas com o budismo [3] e valores locais (fig.). Figura – Um dos maiores legados da cultura greco-bactriana foi a escola de Gandara, que fundiu elementos da arte helênica e budista. Escultura do século 1º ou 2º d. C., no Museu Nacional de Tóquio. O vento das mudanças no século 2º a. C. nas terras iranianas adveio com a crescente atuação de nações nômades originadas das estepes ao norte, na região sul do Mar Cáspio, a destacar os das tribos dahae (do persa dahan) e sakae. Essas tribos eram exímios cavaleiros e arqueiros, provando serem ágeis e móveis no campo aberto de batalha. Decorridas duas gerações depois da morte de Seleuco Nicator, em 281 a. C., um grupo entre os dahaes, os parnos (ou parni), estabeleceram-se como supremos na região da Pártia e terras ao leste do Cáspio, suplantando o governante selêucida local (sátrapa), Andrágoras, por volta de 250 a. C. e consolidando um governo autônomo na região. A família Parni que se instaurou no poder nomeou-se como a dinastia dos Arsácidas (247 a. C. — 224 d. C.), em homenagem à Arshak (Ársaces) (? – 211 a. C.), figura histórica que assumiu o controle da Pártia. Os soberanos arsácidas foram cuidadosos o suficiente para manter a estrutura e poderio local dos helênicos nas cidades onde passaram a governar. Isso se deu pois boa parte da riqueza do império da Pártia (ou dos partas) vinha do comércio que vinha das regiões ao leste, no Império Chinês ao oeste na região mediterrânica, controlada pelos selêucidas (e que depois seriam suplantados pelos romanos a partir do início do século 2º a. C. na Anatólia). Mas isso não impediu a ambição dos partas em buscar expandir nas regiões orientais, visando controlar a região da Báctria antes governada por regentes selêucidas há muito autônomos do restante dos helênicos. Apesar das ambições orientais, os partas sabiam que as regiões ocidentais eram cruciais. No reinado de Mitrídates I (171 a. C. – 138 a. C.), os partas ocuparam a região de Sistão (Sistan), Elam e Media. Em 142 a. C., capturaram a cidade da Babilônia, e um ano depois, a própria Selêucia ao longo do rio Tigre. Em 126 a. C., os selêucidas tentaram contra-atacar os partas, aliando-se aos sakaes, chegando a matar o rei parta, Fraates II (132 – 126 a. C.). Mas pouco depois, o rei parta Mitrídates II (ou Mitrídates, o Grande) conseguiu novamente consolidar-se no poder num longo reinado, de 123 a. C. a 88 a. C., quando passou a usar o antigo título dos Aquemênidas de “Rei dos Reis” (shahanshah). O motivo das disputas entre os selêucidas e partas estão em boa parte sob o controle das rotas comerciais que depois seriam denominado de Rota da Seda. O envolvimento dos gregos selêucidas explica em parte a própria sobrevivência da cultura helênica no periodo dos partas quanto o respeito dos regentes partas por ela. Os partas efetivamente buscaram tanto quanto o possível manter-se aliados ou em termos amigáveis com os gregos selêucidas, não por sensibilidade estética ou deferência cultural, mas por razões econômicas e comerciais. Mitrídates, o Grande, manteve contatos diplomáticos com o imperador chinês Wu da dinastia Han (141 a. C. – 87 a. C.) e também igualmente com a República Romana sob o ditador Sula (Lúcio Cornélio Sula Felix). Com o objetivo de estabelecer uma presença duradoura na Mesopotâmia, Mitrídates e depois seu sucessor, Gotarzes I (95 a. C. – 90 a. C.), fundaram uma nova cidade, Ctesifonte, perto de Selêucia. Esta última ainda continuou como capital por mais de setecentos anos, embora fosse mais centro administrativo, do outro lado do rio Tigre. Ecbátana (atual Hamadã, no oeste do Irã) passou a servir como sede de verão, a fugir do sufocante calor mesopotâmico. Assim, os partas estabeleceram um poderoso império e passaram a controlar um vasto território, mas com um toque de tolerância e respeito às diversidades locais, com os regentes partas contentando-se em tolerar os padrões religiosos, linguísticos e culturais das províncias. Em termos políticos, praticaram o que se chamou de “poder devolvido” (parakandeh shahi), ou seja, com a prática de conceder a governantes hereditários locais, sátrapas, o efetivo comando local assim como havia sido feito entre os selêucidas. Funcionários e escribas do império parta continuaram a usar a lingua franca da época, o aramaico, como nos tempos dos Aquemênidas. A diversidade religiosa é sinalizada pela própria nomenclatura dos imperadores partas. Mitrídates e Fraates (este último, relacionado ao termo fravashi, do Avesta) atestam a lealdade dos partas arsácidas ao masdeísmo. Babilônios, gregos, judeus e outros foram autorizados a seguir suas tradições religiosas. Na literatura judaica, os partas são lembrados como tolerantes e amigáveis, como diz um velho ditado judeu: “Quando você vê um parta acorrentado a uma lápide na terra de Israel, a hora do Messias estará próxima”. A escultura parta demonstra um estilo particular, com forte ênfase na frontalidade, diferente da escultura iraniana em tempos anteriores (fig.). A arquitetura parta, tal como nos mostra em Nisa, atual Turcomenistão, mostra um elemento inédito que depois seria incorporado na arquitetura islâmica e sassânida, o auditório ou ivan (do persa e árabe ناویا em árabe, eyvan ou iwan) (fig.). Em suma, os partas toleraram a diversidade e ao mesmo tempo souberam apresentar características novas diante dos novos tempos imperiais, expressão de sua ascendência e autoconfiança. Figura – Escultura de um parta, enfatizando a frontalidade da figura. Hoje, no Museu Nacional do Irã em Teerã. Figura – Fotos do século 19 mostrando o arco do ivan do que restou do palácio de Ctesifonte. Na arte da guerra, os partas não ficaram atrás dos romanos. Estes foram direcionados cada vez mais para o leste na ambição de líderes como Pompeu (106 – 48 a. C.), Lúculo (118 – 56 a.C) e Crasso (114 – 53 a. C.), que viam na conquista militar um meio para a glória dentro da República Romana na primeira metade do século 1º a. C. Foi nessa época que os romanos haviam sido bem sucedidos em tomar o controle do Mediterrâneo oriental dos helenísticos, e a partir disso passaram a se concentrar no controle das terras ao leste, pressionando as fronteiras com os partas na Armênia, Síria e norteda Mesopotâmia. Eventualmente, em 53 a. C., Marco Licínio Crasso, um romano fabulosamente rico que tinha reprimido a revolta dos escravos liderados por Espártaco (c. 109 – c. 71 a.C.) no sul italiano nos anos anteriores, foi nomeado como governador da Síria romana. Esperando pela mesma glória no leste e buscando rivalizar com as conquistas recentes de Júlio César na Gália, Crasso resolveu marchar um contingente de cerca de 40 mil homens rumo a Carras (atual Harã, na Turquia), ignorando o conselho do rei da Armênia oferecendo passagem pelo norte. Em Carras, Crasso defrontou-se em planície aberta com uma força menor, mas ágil e veloz, de cerca de 10 mil cavaleiros partas, a incluir um grande número de arqueiros a cavalo apoiados por cavaleiros blindados e fortemente armados com longas lanças (catafractários). Os romanos, por sua vez, eram compostos na sua maior parte por infantaria blindada flanqueados por cavaleiros gauleses levemente armados. Em momento derradeiro, os partas confrontaram os romanos num embate não esperado por Crasso e seus estrategistas. Com o avanço da infantaria romana, os arqueiros a cavalo dos partas repetidamente fustigavam com levas de tiros nos flancos romanos (fig.). Hora após hora, chuvas de flechas caíram sobre os romanos, com o pronto retiro dos cavaleiros partas. Essa tática acabou esgotando o moral e paciência dos romanos, cansados com o lento avanço e calor do campo de batalha. A frustração por não conseguirem defrontar-se frontalmente com os partas começou a se tornar insuportável com o tempo. Figura – Representação artística de cavaleiros arqueiros partas em ataque de retirada na batalha de Carras de 53 a. C. Diante disso, em determinado momento, um filho de Crasso, Públio Licínio Crasso (88 – 53 a. C.) decidiu mobilizar o destacamento dos cavaleiros gauleses a avançar contra os partas. Nisso, novamente os cavalos partas recuaram como se estivessem em retirada, mas a real intenção era afastá-los do corpo principal da infantaria e comando. Quando os gauleses tinham se afastado o suficiente, sofreram o avanço da cavalaria pesada dos partas. Em desespero, os gauleses tentaram atacar em solo os cavalos dos inimigos, mas a situação já não era favorável, pois logo em seguida veio a chuva de flechas vindos dos arqueiros partas. Desorientados e confusos com a nuvem de flechas e poeira levantada pelos cavalos partas, o destacamento romano do filho de Crasso tentou buscar retirar-se para uma colina onde foram eventualmente cercados, com muitos escravizados ou mortos em 53 a. C. A derrota dos romanos desmoralizou-os ainda mais. Finalmente, Crasso resolveu tentar negociar com o general parta, Suren, apenas para ser morto numa briga e ser decapitado. Os sobreviventes do exército romano se retiraram em desordem da Síria. Enquanto isso, cerca de 10 mil prisioneiros romanos foram expulsos pelos partas para a remota região nordeste do império. Segundo o historiador grego Plutarco (c. 46 – c. 120 d. C.), a cabeça de Crasso foi enviado ao rei parta, Orodes II (g. 57 – 38 a. C.), enquanto este assistia a uma peça de Eurípedes, “As Bacantes”. O general Suren, mais tarde, seria representado como um herói, lembrando os feitos do mítico Rostam imortalizado no grande épico persa do século 10, o Shahnameh (“Épico dos Reis”) de Ferdusi. O resultado da batalha de Carras fora desastrosa para o prestígio romano no leste, e possibilitou aos partas expandir seu controle sobre a região da Armênia. Mas no ambiente competitivo de Roma nos tempos finais de sua república em fins do primeiro século a. C., o destino de Crasso serviu mais como um desafio. Suceder onde Crasso fracassara tornou-se um triunfo a ser conquistado. Outro fator de atração aos romanos foi a riqueza advinda das rotas comerciais que vinham do leste asiático e que passavam pelas terras do Império Parta e leste do Mediterrâneo. Enquanto os partas enriqueceram com o controle da maior parte das rotas terrestres, os romanos viram grande parte de seu ouro a pagar tecidos de seda advindos do leste. Nesse contexto, outro líder ambicioso romano, Marco Antônio (83 – 30 a. C.) buscou novamente atacar pelas fronteiras ao leste os partas. Mas antes mesmo de Marco Antônio houvera outras campanhas de lutas entre romanos e partas, com resultados mistos. Em 51 a. C., alguns romanos conseguiram emboscar uma força parta perto de Antioquia. Em 40 a. C., os partas comandados pelo filho de Orodes II, Pácoro I (63 – 38 a. C.), irrompeu da Síria e conquistou a Palestina e todas as províncias da Ásia Menor. E no cenário do caos político logo após o assassinato de Júlio César em 44 a. C., houve considerável ofensiva dos partas nas províncias romanas no continente asiático. Um ano depois, um dos subordinados de Marco Antônio, Públio Ventídio, conseguiu retomar o controle das províncias orientais com a decisiva atuação de algumas legiões veteranas do exército de Júlio César. Vendo a glória de Ventídio apenas serviu para alimentar a ambição de Marco Antônio sobre os partas. Em 36 a. C., o líder romano mobilizou um exército mais do que o dobro do tamanho do de Crasso e marchou para a região da Mesopotâmia. Ao se deparar com a chuva de flechas, a infantaria romana passou a formar-se em campo de batalha fechando-se em fileiras cerradas com os escudos nos flancos e sobre as cabeças, na chamada formação de testudo (“tartaruga”). Embora tenha se revelado uma defesa eficaz contra as flechas dos partas, isso também diminuiu a mobilidade da infantaria romana, permitindo a cavalaria de arqueiros partas mover-se à vontade ao redor dos romanos em marcha, além de expor as colunas de suprimento dos romanos criando dificuldade no fornecimento de comida e água. Tendo assim sofrido baixas em campo, Marco Antônio decidiu então deslocar-se mais para o norte do território parta, no que hoje é o Azerbaijão. Mas ele conseguiu pouco com isso, forçando-o a recuar para a Armênia no frio do inverno e perdendo assim mais de 20 mil homens. A mensagem ao final da expedição de Antônio foi clara: os romanos defrontaram-se com um inimigo com táticas e mobilidade desconhecidas em terreno que ditava um impasse para a pesada infantaria romana. Os romanos eram presa fácil em terreno aberto. A cavalaria parta, por sua vez, revelou-se frágil às emboscadas dos romanos em terreno montanhoso. Depois que Augusto tomou o poder romano após derrotar Marco Antônio em 31- 30 a. C., o imperador romano buscou uma política mais voltada para a conciliação e diplomacia com os partas. Com isso, os partas passaram a mirar mais o leste, criando um império indo-parta na região noroeste indiana atual, no Punjab. No entanto, os conflitos no oeste com os romanos foram retomados no reinado de Nero (r. 54 – 68 d. C.) depois que o rei parta, Vologases I (Valkash) (r. 51 – 78 d. C.) (fig.) nomeou um novo soberano na Armênia (mapa), Estado considerado pelos romanos a eles subordinados. Assim, o general romano, Cneu Domício Córbulo, avançou e conquistou a Armênia em 58 – 60 d. C., mas os partas logo contra-atacaram com algum sucesso anos depois. O resultado desses conflitos entre romanos e partas foi o estabelecimento de uma dinastia arsácida (54 d. C. – 428 d. C.) independente na Armênia, servindo a partir de então como um Estado-tampão entre as duas potências. Figura - O soberano parta, Vologases I, numa moeda parta (dracma). Mapa do reino da Armênia (centro) por volta do ano de 50 d. C., entre os domínios romanos ao oeste e dos partas ao sul. No campo religioso, Vologases foi um regente crucial paraa história do masdeísmo e sua transição para a moderna crença do zoroastrismo. Nos textos zoroastrianos posteriores há relatos de que o rei Vologases (referido como Valkash) foi o primeiro a mandar reunir todas as tradições orais religiosos para registrá-los sistematicamente. Isso deu início que resultou nos textos do Avesta e de outras escrituras sagradas do zoroastrismo. Se de fato o referido Valkash foi Vologases I, isso condiz com sua decisão política durante seu reinado de reafirmar o caráter iraniano, a diferenciar das outras nações vizinhas. Acredita-se que Vologases I tenha, nesse intuito, buscar evitar as influências helenísticas da região e manifestou-se a favor da escrita aramaica da língua parta como as que constam em alguma de suas moedas. Há também sinais de que o regente parta apresentou-se hostil aos judeus, prefigurando alguns séculos depois a política dos sassânidas (224 d. C. – 651 d. C.), a buscar fortalecer a identidade iraniana contra as influências e comunidades consideradas estrangeiras. Outra crença iraniana da época teria notável expansão e influência ao oeste que se popularizou entre os soldados romanos, o mitraísmo. Mitra é uma divindade dentro do panteão do masdeísmo que depois tornou-se central quando o seu culto expandiu-se em direção ao ocidente. O fato é que Mitra depois vai ser cultuado como uma divindade diferente do seu contexto anterior nas terras persas e asiáticas, pois Mitra foi considerado entre os romanos como um deus dos soldados e importante elemento de senso de lealdade e comunidade militar. Embora Mitra estivesse associado ao sol, o mitraísmo assumiu parte do caráter de culto ritualizado do paganismo ocidental, perdendo a maior parte do conteúdo ético do masdeísmo iraniano e tornando-se um tipo de sociedade secreta. Os princípios desse mitraísmo inclui cerimônias secretas (mistérios), ritos de iniciação e uma acentuada hierarquia de seus associados. Os templos subterrâneos e cavernas (chamadas de mitreu ou mithraeum no plural) de iniciação foram depois encontrados pelo Império Romano, desde as fronteiras com as terras iranianas, sírias até em Óstia na Itália e Muralha de Adriano, no norte da Inglaterra. O período de alastramento e popularidade do mitraísmo depois se juntou às significativas influências religiosas e intelectuais das terras iranianas no Ocidente. Acredita-se que tenha havido influência sobre a Igreja Cristã nos seus primeiros séculos, pois bispos cristãos buscaram associar sua religião com as crenças pagãs onde era evidente o mitraísmo nos domínios de Roma. Um dos traços mais claros dessa mescla de crenças ao nascente cristianismo foi o de manter a tradição de se comemorar o dia de nascimento de Mitra no dia 25 de dezembro de uma virgem (ou segundo outros relatos, de uma rocha), com pastores sendo seus primeiros adoradores. Os ritos mitraístas incluíam uma espécie de batismo e refeição sacramental. Depois de um incidente político que resultou na nomeação de um regente armênio, Axidares (r. 110 – 113 d. C.), que desagradou as autoridades romanas, o imperador Trajano resolveu interpretar isso como insulto e motivo de nova ofensiva em direção à Mesopotâmia nas fronteiras com o império dos partas em 113 d. C. Mas em vez de seguir em marcha a pé para o sul em direção à capital parta, Ctesifonte (perto da atual Bagdá), Trajano embarcou seus homens e equipamentos em embarcações e navegou rio abaixo ao longo do Tigre. Em 115, quando finalmente alcançaram Ctesifonte e Selêucia, expulsaram os defensores partas depois de longo cerco. As duas cidades que serviram como capitais dos partas caiu ao domínio romano e as províncias da Mesopotâmia foram anexadas. Trajano resolveu prosseguir ainda mais para o sul, até a margem do Golfo Pérsico, talvez a imitar o avanço de Alexandre, o Grande, mas em 116 o imperador romano morreu enquanto sitiava Hatra. Embora impressionantes, as conquistas de Trajano não foram suficientes para desarticular a rede de lealdades e alianças feitas pelos regentes partas na região mesopotâmica e mais ao leste. Antes mesmo da morte de Trajano, os romanos enfrentaram inúmeras revoltas na mesma região e nas províncias asiáticas de seu império. O sucessor em Roma, Adriano, reorientou a política romana na Armênia e Mesopotâmia, e assinou acordos de paz com o rei parta Osroes (Khusraw) (r. 109 – 129 d. C.) que definiu a fronteira dos dois impérios ao longo do rio Eufrates (mapa). Apesar dos acordos, a ofensiva de Trajano tinha mostrado aos romanos um caminho para posteriores invasões nos domínios dos partas. Mapa das fronteiras do império parta (leste) e romano (oeste) no 2º século d. C. As invasões de Trajano podem ter sido uma das causas do início do declínio da dinastia dos arsácidas partas, e o imbróglio na Armênia fez com que esse reino deixou de servir de tampão entre os dois impérios. No 2º século d. C., exércitos romanos penetraram duas vezes no território dos partas e invadiram as cidades de Ctesifonte e Selêucia em 165 d. C. e em 199 d. C. Mas no mesmo período, os partas fizeram suas próprias incursões sobre o território romano na Síria. Em 216, por instigação do imperador romano Caracala, os romanos novamente invadiram a Mesopotâmia mas não conseguiram avançar além da cidade de Arbil (Hewler) no atual Curdistão iraquiano. Aparentemente, Caracala morreu numa beira de estrada em 217 esfaqueado por alguns de seus guarda-costas enquanto se aliviava perto de Carras. Os partas, sob a regência de Artabano IV (Ardavan) (r. 213 - 224) passou a atacar as guarnições romanas e infligiram considerável derrota aos romanos em Nísibis (atual Nusaybin no sudeste da Turquia) em 217. Um ano depois, os romanos pagaram uma pesada reparação de guerra (cerca de 200 milhões de sestércios) a garantir a paz nas fronteiras da Ásia Menor. Apesar dos triunfos nas batalhas finais contra os romanos, os longos conflitos parecem ter sido exaustivos e onerosos aos partas, especialmente na região da Mesopotâmia e no noroeste do império, províncias que tinham sido prósperas para os recursos imperiais. Somando a isso, as disputas entre sucessores ao trono e famílias poderosas dentro do império dos partas contribuíram ainda mais para a queda da autoridade da dinastia dos arsácidas partas que eventualmente chegou ao seu fim em 224. Os ventos da mudança começaram a soprar no início do 3º século d. C., quando um novo poder começou a despontar na província de Persis, Fars, local de origem dos Aquemênidas e de onde emergiria uma nova dinastia, os sassânidas (224 – 651). As mudanças começaram com uma família de governantes locais aliada aos arsácidas partas que em abril de 224, cujo líder liderou seu exército ampliado com o apoio das cidades de Kerman e Isfahan contra o rei parta Artabano IV, o matando em batalha em Hormozdgan (fig.), perto de Shushtar na província de Khuzistão (Cuzistão), hoje entre as fronteiras do Irã e Iraque. O líder vitorioso dessa batalha foi Artaxes (r. 224 – 242), fazendo referência ao termo Artakhshathra (Artaxexes), nome de vários dos regentes da dinastia dos Aquemênidas. Artaxes assim o fez almejando buscar a descendência nobre dos antigos Aquemênidas e a buscar ocultar suas origens humildes de sua família, que eram descendentes de um certo homem, Sasano (que viveu no 2º século d. C.), referência depois aos sucessores sassânidas. Artaxes também despontou como fomentador do masdeísmo na região de Fars, evidenciando a forte influência que teve de seu pai, Papak, que tinha sido sacerdote em Estachar. Figura – Miniatura persa
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